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Virilidade e os discursos masculinistas: um “novo homem” para a sociedade brasileira

Virility and male discourses: a “new man” for brazilian society

Virilidad y discursos masculinos: un “hombre nuevo” para la sociedad brasileña

Resumo

Neste artigo, investiga-se como se estabeleceu a ideia de virilidade através dos discursos masculinistas presentes na revista Playboy Brasil na década de 1980; e como esses discursos serviram para criar um novo padrão de masculinidade. Através de uma abordagem qualitativa que enfatiza a importância das informações geradas a partir de um olhar cuidadoso e crítico das fontes documentais, revisitam-se as colunas e matérias da revista sob a ótica da análise do discurso proposta por M. Foucault, com vistas a apreender como são constituídos os sujeitos sociais apresentados pelo periódico. Os resultados apontam que a revista difundiu um novo ideal de virilidade quel incidia diretamente na sexualidade e na masculinidade do chamado “novo homem”.

Palavras-chave:
virilidade; masculinidade; revista Playboy; discursos

Abstract

This article explores how the idea of virility was established through masculinist discourses present in the magazine Playboy Brazil in the 1980s; and how these discourses helped to create a new pattern of masculinity. Through a qualitative approach that emphasizes the importance of the information generated from a careful and critical look at the written sources, the journal’s columns and articles are revisited from the perspective of the discourse analysis proposed by M. Foucault, with a view to apprehending how the social subjects presented by the journal are constituted. The results show that the magazine spread a new ideal of virility that directly affected the sexuality and masculinity of the so-called “new man”.

Keywords:
virility; masculinity; Playboy magazine; discourse

Resumen

En este artículo se investiga cómo se estableció la idea de virilidad a través de los discursos masculinistas presentes en la revista Playboy Brasil en los años ochenta; y cómo estos discursos sirvieron para crear un nuevo patrón de masculinidad. A través de un enfoque cualitativo que enfatiza la importancia de la información generada a partir de una mirada atenta y crítica a las fuentes documentales, las columnas y artículos de la revista son revisados desde la perspectiva del análisis del discurso propuesto por M. Foucault, con el fin de aprehender cómo se constituyen los sujetos sociales presentados por la revista. Los resultados muestran que la revista difundió un nuevo ideal de virilidad que afectó directamente la sexualidad y masculinidad del llamado “hombre nuevo”.

Palabras clave:
virilidad; masculinidad; revista Playboy; discurso

Introdução

Em uma matéria da revista Playboy de 1989, afirmava-se o seguinte em relação ao comportamento masculino: “chegou a nossa hora. Depois de assistir às conquistas feministas nos últimos anos, começamos a virar o jogo e partir para a nossa transformação. Exigimos os nossos direitos ao assumir sem constrangimento nosso lado emocional”.

Esse discurso, para além do forte teor masculinista, estava indicando uma nova concepção de homem diante das transformações sociais da década de 1980, denominado pela revista Playboy como “novo homem”. Sob a ideia de “novo”, encampava-se também outra concepção de virilidade. Nesse período, os homens se confrontaram com diversas possibilidades identitárias de ser, de se reconhecer, de se compreender e de se apresentar socialmente, relativamente aos conceitos de homem, masculinidades e virilidade. No entanto, como será demonstrado nesse artigo, apesar dessas possibilidades serem apresentadas como “novas’’, não passavam de velhas padronizações de comportamento.

Diante deste argumento, busca-se compreender o que havia de realmente novo nessas representações de homens com suas masculinidades e virilidades, respondendo a três questionamentos: como se operacionalizou essa ideia do novo? Em que medida esse novo estabeleceu uma ruptura? o que tinha de novo nessas representações de virilidade? Reconhecer a produção discursiva da revista sobre o homem e a virilidade se mostra necessário, afinal, como argumentado por Fáveri (2005FÁVERI, Marlene de. 2005. Guerra e papéis masculinos: Reflexões na perspectiva de gênero. XXIII Simpósio Nacional de História (ANPUH). outubro de 2005, p.1-8.), estudar as masculinidades é uma maneira de escrutinar as desigualdades existentes entre homens e mulheres, que, na maioria das vezes, acabam sendo naturalizadas pelas sociedades e, neste caso, difundidas e defendidas pelas páginas da revista Playboy.

A ideia de virilidade é construída socialmente e se relaciona com aspectos temporais, econômicos, culturais e, principalmente, com as relações de poder, pois, em se tratando de uma masculinidade heterossexual e normativa, deve-se também pensar no poder em suas mais variadas formas. Essas relações, segundo Foucault (1996FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.), não são únicas e coesas. São exercidas por um grupo sobre outros e compostas por relações de força desiguais e difusas; quer dizer, o poder vem de todos os lugares e nem sempre é coercitivo, mas produtor de discursos, verdades e saberes. O poder também não é absoluto sobre os sujeitos; afinal, ele pode ocorrer de maneira contrária e oferecer resistência aos moldes estabelecidos.

Nessas relações de poder, em específico, estão imbricadas as disputas de várias masculinidades ou virilidades; pois os estudos do masculino têm evidenciado que ser homem não é sempre igual, assim como não são únicas as masculinidades e virilidades (Connell, 1995CONNELL, R. 1995. “Políticas da Masculinidade”. Educação e Realidade. Vol. 20, nº 2 , p. 185-206.; Faveri, 2005FÁVERI, Marlene de. 2005. Guerra e papéis masculinos: Reflexões na perspectiva de gênero. XXIII Simpósio Nacional de História (ANPUH). outubro de 2005, p.1-8.; Courtine, 2013COURTINE, Jean-Jaques. 2013. “Impossível Virilidade”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes . 616 p.). De fato, há uma mudança substancial ao longo do tempo. Da mesma forma, masculinidade e virilidade também encampam várias formas e significações. Nesse contexto, ser homem pobre, rico, branco, negro, homossexual ou heterossexual, por exemplo, implica vivências e trajetórias distintas, marcadas por discursos e práticas específicos para cada um desses recortes. Estas ideias permitem ampliar o entendimento da virilidade com diferentes concepções, interseccionalidades e mutabilidades, em que gênero é mais que papéis ou funções de homens ou mulheres, pois é um organizador social e cultural, estando, portanto, além dos sujeitos (Eccel, 2009: 27ECCEL, Claudia Sirangelo. 2009. Subjetividades Contemporâneas, Trabalho e Masculinidades. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).

Para esse estudo, foi realizada uma detalhada investigação em fontes documentais.1 1 Esse trabalho foi financiado pelo CNPq e é um dos resultados da minha pesquisa de doutorado, intitulada “Reconfiguração de uma masculinidade hegemônica nas páginas da revista Playboy (Brasil: décadas de 1980 e 1990)”, defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Estadual do Estado de Santa Catarina. Foram identificadas e analisadas as edições da revista Playboy da década de 1980, especificamente da edição nº 54 até a de nº 173. Dentro desse universo, foram selecionados 44 documentos entre anúncios publicitários e matérias jornalísticas que apresentavam tema diretamente ligado à ideia de um novo homem e de sua virilidade.

Em termos epistemológicos, este trabalho (teórico-empírico) parte das contribuições da História do Tempo Presente, que têm mobilizado inúmeros pesquisadores em um movimento de renovação historiográfica, com ampla valorização da interdisciplinaridade, das mídias, das culturas políticas, do diálogo e da ampliação do uso das fontes, além de um maior diálogo com as demais ciências sociais, o que vem permitindo à História rediscutir a valorização dos atores, individuais e coletivos, e seus discursos, recusando explicações deterministas e totalizantes. Já no aspecto metodológico, as fontes foram analisadas sob a ótica da análise do discurso, proposta por Michel Foucault (1996FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.; 2008FOUCAULT, Michel. 2008. A arqueologia do saber. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.). O autor denominava sua perspectiva de “arqueologia”, pois, com ela, tinha em vista apreender como determinados sujeitos sociais são construídos a partir dos movimentos realizados no âmbito da ordem do discurso. Eis o que afirma:

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso - como a Psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que - isto a História não nos cessa de ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar (Foucault, 1996, 10FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.).

Foucault demonstra nas obras Arqueologia do Saber (2008FOUCAULT, Michel. 2008. A arqueologia do saber. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.) e Ordem do Discurso (1996FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.) que há um conjunto de procedimentos que operam no sentido de edificar e/ou rechaçar um discurso, denominadas regras de formação. Entre estas, destaca as condições de emergência (históricas e socioculturais), as instâncias de delimitação e as grades de especificação/classificação. Referente ao conteúdo, o autor sugere haver um “jogo” (quase sempre) controlado entre a inclusão e a exclusão de temáticas. É neste duplo processo que se dá a produção das “verdades” que, posteriormente, referendam o exercício das relações de poder pelos diferentes atores sociais (Estado, instituições, empresas ou indivíduos).

Para compreender as especificidades desses discursos é necessário, primeiramente, situar o lugar da revista na sociedade brasileira e também seu papel dentro de um grande conglomerado midiático, seus interesses e intencionalidades. A revista Playboy, editada pelo grupo Abril, chegou ao Brasil em um momento de segmentação do mercado editorial, ocupando um espaço voltado ao público masculino. Chegou às bancas brasileiras em 1975, mas, por conta da censura, seu título internacional foi substituído por “Revista do Homem”. Só em 1978, com o fim da proibição de títulos internacionais no país, passou a utilizar o nome Playboy. Desde seus primeiros anos, a revista se constituiu como um manual voltado ao homem urbano, ou ao “novo homem”, como a própria revista denominava seus leitores.

A nudez feminina era o principal atrativo do periódico, mas ela estava longe de ser uma revista que vendia apenas o corpo nu. Isso porque não era vista como uma revista pornográfica, pois, além de ter certo cuidado estético e artístico com a nudez, trazia matérias e reportagens voltadas aos homens. Segundo Victor Civita (1975), fundador da Editora Abril, a Playboy era “uma revista para ajudar o homem a tornar-se completo, com questões atuais em diversas áreas de conhecimento, indo do esporte à aventura, à arte, ao cinema, à moda e à literatura, sem deixar de abordar um assunto de grande interesse: as mulheres”. Desta forma, através de vários discursos, a revista buscava operacionalizar um “novo homem”, como também vender um estilo de vida específico.

Com seus editoriais, reportagens, entrevistas, colunas e, principalmente, publicidade, a revista Playboy forneceu descrições textuais e visuais daquilo que era conveniente para compor esse novo homem nos mais variados aspectos do cotidiano; compreendendo desde economia até relacionamento afetivo e sexual, vestuário, beleza, lazer, entre outros. Com essa ideia de um “novo homem”, projetou também um modelo específico de virilidade. Veremos no decorrer do artigo que o homem não necessariamente era novo, mas a virilidade abordada pela revista poderia ser compreendida como nova, pois apresentava novas significações e relações de poder.

Os estudos masculinistas

No percurso da história, sobretudo no decorrer do século XX, inúmeras crises econômicas, políticas, diplomáticas e sociais afetaram significativamente as sociedades ocidentais. No entanto, outra crise - a da masculinidade - ganhou destaque nos meios midiáticos na década de 1980. No dicionário, crise indica, entre as várias definições, uma situação conflituosa e tensa; assim podemos compreendê-la como um problema ou um mal-estar. Dessa forma, é difícil pensar em crise da masculinidade quando historicamente sabemos que os homens sempre foram detentores de inúmeros privilégios.

Através de relações de poder, vários mecanismos sociais são acionados, o que, por vezes, torna invisíveis esses privilégios; contudo, eles sempre estão presentes no cotidiano masculino. Segundo Oliveira (2004, 143OLIVEIRA, Pedro Paulo de. 2004. A Construção Social da Masculinidade. 1ª ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: IUPERJ.), os “homens de classe média, quando se olham no espelho, se veem como seres humanos universais e generalizáveis. Eles não estão capacitados a enxergar como o gênero, a raça e a classe afetam suas experiências”. Por consequência, os homens assumem esses privilégios de forma consciente, mas também naturalizada, algo intrínseco à condição masculina e que não se deseja perder.

Apesar desses privilégios serem dados quase como algo naturalizado, eles são historicamente construídos. Nos anos de 1960, quando os movimentos feministas começaram a buscar uma sociedade mais igualitária, passaram a elencar e a confrontar diretamente esses privilégios. Nos meios acadêmicos, vários questionamentos são levantados e uma série de discursos sobre as mulheres começaram a ser produzidos, abalando assim uma sociedade marcada até então pela dominação masculina.

Os estudos feministas foram fundamentais para que a dominação masculina começasse a ser questionada, pois buscavam desmistificar a noção de “natural” na vida de homens e mulheres. Assim, a primeira investida foi sobre a questão da sexualidade, em uma revisão crítica das principais teorias de caráter essencialista e biológico que associavam o gênero à sexualidade e entendiam como natural a subordinação das mulheres aos homens. Constatou-se, naquele momento, que os modelos essencialistas não consideravam o contexto histórico e cultural para compreender a questão do gênero (Siqueira, 2006, 67).

Ao ser confrontada, a masculinidade não mais se configura em um conjunto imutável, pois os homens são constantemente incitados a questionar a sua masculinidade. Essa situação repercutiu em um amplo movimento das possibilidades de ser masculino, o que intensificou a crise, pois os questionamentos feministas abalaram as certezas dos homens (Monteiro, 2000, 87MONTEIRO, Marko. 2000. Tenham piedade dos Homens! Masculinidade em mudança. 1ª ed. Juiz de Fora: FEME.).

A partir da década 1970, e sobretudo na década de 1980, o modelo tradicional de masculinidade não se sustentava mais, diante das mudanças ocorridas nas relações sociais, afetivas, sexuais e de trabalho. Em países como Estados Unidos, França e Inglaterra, o movimento feminista provocou um desdobramento ainda maior. A ruptura na masculinidade tradicional fez surgir estudos preocupados em compreender as masculinidades e em defesa de uma identificação mais precisa sobre o que de fato era ser homem diante de uma crise contemporânea da masculinidade. Esta situação, por consequência, levou alguns homens a buscarem novos modelos que melhor conseguissem definir suas subjetividades.

Como colocado por Silva (2006, 119SILVA, Sérgio Gomes. 2006. “A crise da masculinidade: Uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculinista”. Psicologia Ciência e Profissão. Vol.26, nº 1, p.118-131.), passou-se a observar alguns sinais dessa suposta crise, como a criação de clubes de recuperação da masculinidade, grupos de discussão e de psicoterapia exclusivamente para homens. Um resultado dessa crise foi a criação dos Men’s Studies, ou Estudos Masculinistas2 2 A escolha do termo “masculinismo” mostra a vontade de fazer dele um equivalente ao feminismo. O argumento se deve ao espelho invertido: os homens se diziam vítimas de violências conjugais; agredidos; na busca de um orgulho identitário. O recurso psicológico é um dos seus vetores (atitudes paternais devem ser desenvolvidas); entretanto, o recurso físico não é abandonado: o masculinismo também devota um culto aos super heróis, supergenitores e superpotentes (Bard, 2004: 138). Com esses discursos, o masculinismo chamou a atenção das mídias, principalmente em revistas voltadas para os homens. . Esses estudos estavam preocupados com o despertar de uma consciência dos homens em relação às prescrições sociais restritivas para o comportamento masculino, as quais, segundo eles, causariam diversos malefícios físicos e psíquicos (Oliveira, 2004: 172OLIVEIRA, Pedro Paulo de. 2004. A Construção Social da Masculinidade. 1ª ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: IUPERJ.).

A partir de então, os estudos que se utilizavam do gênero em suas análises passaram a considerar que, assim como as feminilidades são construídas historicamente, as masculinidades também o são, e que, por isso, são processos históricos e mutáveis. Esses estudos, apesar de estarem ancorados no gênero, fizeram um mau uso do conceito e produziram discursos deturpados, que colocavam os homens como vítimas de sua própria condição. Essas argumentações ajudaram a estabelecer uma percepção de crise, apostando veementemente na vitimização do gênero masculino, afirmando que as constantes afirmações de sua identidade gerariam angústias e fragilidades. Sobre a literatura masculinista, o psicólogo e especialista em sexualidade Sergio Gomes da Silva afirma que:

[...] a definição do que era ser homem encerrava-se numa polaridade negativa (não poder chorar, não demonstrar seus sentimentos, não ser mulher ou homossexual, não amar as mulheres como as mulheres amam os homens, não ser um fraco, covarde, perdedor e passivo nas relações sexuais, etc.) e afirmativa (ser forte, corajoso, pai, heterossexual, macho, viril, provedor da família, dominador, destemido, determinado, autoconfiante, independente, agressivo, líder, etc.) na constituição dos traços e papéis sociais. As possibilidades descritivas encerravam-se também numa relação de “ter” (força, dinheiro, músculos, um corpo definido, um pênis, um cromossomo Y, um lar, um filho homem, controle das emoções, emprego fixo e tantas mulheres quanto fosse possível durante sua vida sexual ativa) e “poder executar tarefas”, tais como “fazer um filho”, “manter relações sexuais com várias mulheres”, “sair de situações difíceis”, “servir à pátria”, “sustentar a família”, entre outros, ou seja, querendo ou não, os ideais tradicionais de masculinidade vão se reportar sempre ao dado anátomo-fisiológico, bem como aos aspectos psicológicos que hierarquicamente estabeleceram e mantiveram o domínio dos homens sobre as mulheres.(Silva, 2006, 26SILVA, Sérgio Gomes. 2006. “A crise da masculinidade: Uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculinista”. Psicologia Ciência e Profissão. Vol.26, nº 1, p.118-131.)

A principal crítica a essa corrente de estudos dirigiu-se à determinação de papéis sexuais, ou seja, do “conjunto de valores e atitudes socialmente determinados, correspondente às representações e expectativas do ser homem e do ser mulher em todas as sociedades” (Cecchetto, 2004, 58). Diante disso, concebe-se um binarismo entre o masculino e o feminino que leva a uma ideia de que o homem e a mulher possuem uma essência ontológica diferente.

Dessa sequência de crise e do surgimento de novas expressões de masculinidades, os homens, diante de novas possibilidades, buscam cada vez mais se identificar ou se encaixar em uma determinada masculinidade para poder se legitimar, visto que, naquele momento, a masculinidade era compreendida como algo exclusivo aos homens. Assim, na década de 1980, a crise que se apresentou era de identidade3 3 Pensando em identidade e masculinidade, Pedro Paulo Oliveira (2004, 245) define identidade como um empreendimento paradoxal; através dela o agente se integra a algum grupo e afirma sua personalidade por signos, comportamentos e condutas que poderiam ser ditos impessoais, pois são sustentados por práticas coletivas que o agente toma como definidoras de sua identidade. Funciona como elemento de homeostase psíquica e tende a ser buscada ou restabelecida tão logo se defronta com qualquer desequilíbrio ou insatisfação. As famosas crises de identidade, muitas vezes são geradas por fatores sociais, como, por exemplo, mudanças em ritmos diferenciados em áreas do socius que causam descompassos entre valores anteriormente cultivados e demandas contrárias a eles. , pois as diversas construções de masculinidades que haviam se constituído teriam levado os homens a uma dúvida: como fazer-se homem diante de tantas possibilidades? Eram tantos modelos de masculinidade que os homens estariam perdidos sem um modelo norteador para poderem conseguir se definir.

Diante disso é possível compreender que a crise desse período não representou uma crise da masculinidade, mas sim uma crise identitária, pois, ao longo dos anos de 1980, os homens foram bombardeados por diversas referências e estilos de vida, não se tendo mais um parâmetro único para a masculinidade, como outrora. Em razão disso, os próprios homens precisavam aprender a conviver com a diversidade e aceitar as novas possibilidades. A própria masculinidade hegemônica, que era compreendida como um modelo normativo (Connell, 1995CONNELL, R. 1995. “Políticas da Masculinidade”. Educação e Realidade. Vol. 20, nº 2 , p. 185-206.), tinha se aberto para a pluralidade em um campo de disputas; todavia, a heterossexualidade compulsória das masculinidades ainda era norma.

Os homens sempre foram ensinados a seguir um modelo dominante que lhes era dado pronto. Não se pensava no que era ser masculino, pois isso seria intrínseco a eles. Com a crescente recusa desses valores tipicamente masculinos, aos quais os homens estavam acostumados, emerge uma sensação de desestruturação e desamparo, afinal, o mundo sempre foi pensado a partir deles (Santos, 2010: 63SANTOS, Simone Cabral Marinho dos. 2010. “O modelo predominante da masculinidade em questão”. Políticas Públicas. Vol.14, nº1, p. 59-65.). Desta feita, houve uma dificuldade crítica e reflexiva de se auto compreender enquanto homem.

A masculinidade ou a virilidade, elementos até então pensados exclusivamente para os homens, não eram mais exclusivos de um modelo hegemônico e heterossexual, os movimentos gays, por exemplo, buscavam reivindicar a sua masculinidade e virilidade. Assim, uma mudança importante frente à masculinidade tradicional começava a se desenhar. Sobre o assunto, o antropólogo Marko Monteiro afirma que:

O surgimento de discursos críticos, que atacavam frontalmente a naturalidade da posição tradicionalmente superior do homem, e a naturalidade da heterossexualidade como única opção natural de vivenciar a sexualidade, criaram um dilema para este homem tradicional, que se viu forçado a enfrentar o fim da dominância da tradição no âmbito das relações entre os gêneros, assim como a pluralização, viram-se legitimados por discursos científicos, acadêmicos, políticos e culturais. (Monteiro, 2000, 100MONTEIRO, Marko. 2000. Tenham piedade dos Homens! Masculinidade em mudança. 1ª ed. Juiz de Fora: FEME.)

É neste cenário que as revistas voltadas ao público masculino começaram a discutir o que era ser homem, deixando de lado um modelo único/exclusivo e passando a apresentar novos modelos. Nessa pluralidade, os homens tiveram referências variadas e, por vezes contraditórias, para construir a sua identidade. Buscou-se superar essa crise identitária através da apresentação de um novo modelo normativo para os sujeitos, cujo produto final seria um “novo homem” - sintonizado com o seu tempo, atendendo às demandas e expectativas do que se esperava dele - e uma “nova virilidade”.

A construção da virilidade e o “novo homem”

Com a luta pela promoção da igualdade entre os sexos e com os avanços feministas, a virilidade passa a ser cada vez mais questionada ao longo das últimas décadas. A partir dos anos 1960 e 1970, conforme apresenta Courtine (2013COURTINE, Jean-Jaques. 2013. “Impossível Virilidade”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes . 616 p.), o acesso das mulheres a novos direitos e a reorganização dos papéis sexuais na esfera pública e privada contribuíram para desestabilizar a virilidade do homem contemporâneo, expondo sua fragilidade. Este seria também um indício da chamada de crise da masculinidade, momento em que os homens tiveram seus privilégios questionados.

Ao final do século XX, segundo Courtine (2013COURTINE, Jean-Jaques. 2013. “Impossível Virilidade”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes . 616 p.), a virilidade entrou em uma turbulência cultural, marcada por um campo de incertezas e um período de grande mutação. A virilidade se fundou como natureza no corpo, baseada numa imagem de força, agressividade e potência sexual, acompanhada sempre de uma face oculta de temor da vulnerabilidade e do enfraquecimento sexual, de tal modo que o autor se pergunta: como compreender que uma representação baseada na força, na autoridade e no domínio tenha acabado por parecer frágil, instável e contestada? O que se depreende desse questionamento é uma redefinição das identidades sexuais, pois as formas tradicionais de dominação masculina, mesmo não tendo desaparecido, não encontravam mais a facilidade do silenciamento do outro, assim como as convenientes indiferenças. Nesse sentido, Pierre Bourdieu afirma:

O privilégio masculino é também uma armadilha, que impõe a cada homem o dever se afirmar, em qualquer circunstância, a sua virilidade [...] A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também com aptidão para o combate e para o exercício da violência, é antes de tudo uma carga. Tudo concorre para fazer o ideal da impossível virilidade o princípio de uma imensa vulnerabilidade. (2005, 75BOURDIEU, Pierre. 2005. A Dominação Masculina. 15ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.)

Não se trata aqui de vitimizar os homens, mas questionar: desejam os homens livrar-se desse peso e abrir mão dos seus privilégios? Essa indagação serve de reflexão, pois, no nosso caso, compreende-se que a revista Playboy, mesmo encampando “outra masculinidade”, não abriu mão dos privilégios ao apresentá-la em sua forma dominadora; por isso, ainda dominada pelas pressões do ser e se fazer “masculino” e “viril”. Busca-se compreender não como surge historicamente o conceito de virilidade, mas entender como a virilidade é construída no sujeito homem e como ela influi numa projeção de masculinidade. Parte-se do entendimento de que os comportamentos não nascem com o sujeito, mas são socialmente construídos; ou seja, é o conjunto da civilização que elabora e reelabora o que chamamos de viril. Assim sendo, não se nasce viril; torna-se viril. Baubérot (2013BAUBEROT, Arnaud. 2013. “Não se nasce viril, torna-se viril”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .) afirma que essa construção começa muito cedo, desde a infância, pois os meninos são levados a interiorizar formas de pensamento e maneiras de agir que os preparam para tomar uma posição de dominação e poder. Para Baubérot (2013, 191BAUBEROT, Arnaud. 2013. “Não se nasce viril, torna-se viril”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .), “se o menino se torna homem, é porque, à medida que se realiza o lento trabalho da maturação biológica, as instituições que participam de sua socialização encarregam-se de transmitir-lhe o hábito viril”. Isso significa dizer que é o conjunto de disposições físicas e psíquicas que lhe permitirão desempenhar o seu papel de homem na vida adulta.

Por outro lado, é na juventude que se estabelece definitivamente o comportamento viril. O homem jovem só é considerado viril quando sua entrada na comunidade dos homens adultos tiver sido efetivada em diferentes etapas e validada por diferentes ritos, a exemplo da iniciação sexual. Nas classes médias e abastadas, destaca-se, também, a participação dos jovens em grupos de escotismo, cujos métodos pedagógicos e forma de organização servem como modelo e arquétipo dessa formação pelo enquadramento dos lazeres juvenis (Bauberot, 2013, 198BAUBEROT, Arnaud. 2013. “Não se nasce viril, torna-se viril”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .).

Essa virilidade, todavia, não é apenas construída na infância e adolescência. Pelo resto da vida adulta, os homens são disciplinados a seguir uma determinada virilidade em um constante ato de pedagogização. Essa contínua construção do sujeito se dá através de técnicas que Foucault (1996FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.) chama de disciplinamento e adestramento. No caso da virilidade é preciso, desde a infância até a vida adulta, inculcar valores de coragem, força e autocontrole para que a virilidade se estabeleça.

Já na vida adulta, mais do que aprender a ser forte, é esperado que os homens demonstrem a sua força e não suas fraquezas, pois há um temor, acima de tudo, de serem categorizados a partir da sua vulnerabilidade e reconhecidos na sua impotência. Em decorrência disso, a dominação masculina, para Claudine Haroche (2013, 29HAROCHE, Claudine. 2013. “Antropologias da virilidade: o medo da impotência”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .), pode ser compreendida como uma tentativa de dominação de impotência masculina, já que alguns homens, em nome da virilidade, são continuamente levados a colocar o outro em posição de fraqueza física ou mental.

Entre essas várias instituições, pode-se tomar a medicina como um exemplo de discurso que legitimou e concedeu privilégios masculinos, definindo a virilidade através de dois critérios: solicitando a masculinidade do sujeito e exigindo o desempenho sexual. Para Carol (2013CAROL, Anne. 2013. “A virilidade diante da medicina”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .), até o século XX, essas exigências estavam ligadas a critérios anatômicos, para o masculino, e fisiológicos, para a potência sexual. Dessa forma, a medicina intervinha tradicionalmente na questão da virilidade, no momento de a avaliar como “incerta” (ocasião em que é declarada uma impotência sexual).

Da medicina se tem outro desdobramento de um saber: a sexologia. No século XX, a sexualidade se tornou objeto de estudo, mormente da sexologia, inclinando-se mais para as práticas do inconsciente e da intimidade. Grandes estudos foram realizados, como os relatórios de William Master e Virginia Johnson (1966 -1970), Shere Hite (1976) e Alfred Kinsey (1938-1953). No Brasil, esses saberes passaram progressivamente a ocupar os espaços midiáticos, especialmente a partir da década de 1980. A sexologia intervinha em dois níveis na construção da virilidade: de um lado, rompia com o caráter secreto e privado da sexualidade, ao informar sobre as maneiras de fazer sexo; de outro, contribuía com essa informação para modificar práticas, propondo modelos alternativos ou desinibindo-as (Carol, 2012: 50). Sobre a sexologia e seus efeitos sobre os sujeitos, Anne Carol afirma:

A sexologia dissemina, para um grande público, conhecimentos sobre a anatomia da genitália, a psicologia do coito, as técnicas do gozo. Esses conhecimentos têm um poder normativo inegável, conferido pela especialidade médica pela “verdade” das estatísticas e pela moral sexual subjacente. O papel normativo desta intermediação foi abundantemente sublinhado, na verdade, denunciado, em particular, o “dever do orgasmo”, sucedendo o “direito”, que faz pesar uma dupla coerção: sobre a mulher, intimada a experimentá-lo sob pena de ser taxada de frigidez, e sobre o homem, intimado a proporcioná-lo a sua parceira (Carol, 2012: 57CAROL, Anne. 2013. “A virilidade diante da medicina”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes .).

O saber médico (anatômico/sexológico) não foi o único discurso sobre sexo e virilidade. Outras linguagens e discursos foram importantes para a construção da virilidade, como por exemplo, as revistas eróticas4 4 Na revista Playboy, esses discursos visavam a ensinar aos homens uma forma de levar sua parceira ao orgasmo, como um predicado da virilidade desse novo homem. e o cinema pornográfico. Ambos são percebidos como uma forma de iniciação ao mundo sexual, principalmente no momento em que as técnicas contraceptivas dissociam a sexualidade da procriação. Por consequência, abre-se a possibilidade de múltiplas experiências para ambos os sexos.

Nessa concepção, a virilidade passou a se expressar na capacidade sexual do sujeito, o que levou ao surgimento de um novo problema. De forma orgânica e fisiológica, o desempenho sexual passa a ser progressivamente diminuído ao longo da vida adulta em direção à velhice. Muitos dos discursos sobre virilidade na revista Playboy, na década de 1980, eram voltados aos homens jovens, situados na faixa etária dos 25 aos 40 anos, sob a justificativa de que essa idade constituiria o ápice de sua capacidade sexual.

Em uma matéria especial sobre o corpo dos homens dos 20 aos 50 anos, publicada em 1988, buscou-se através de um saber médico quantificar a vitalidade de seu desempenho sexual. Segundo a matéria, aos 20 anos, os homens têm uma média anual de 104 orgasmos, mas ressalta que a maioria deles seria através da masturbação. Aos 30, viver-se-ia a plenitude do desempenho sexual, com 121 orgasmos por ano e com uma duração prolongada. Aos 40 anos, esse desempenho cairia para 84, pois, segundo a revista, nessa época da vida, a qualidade dos orgasmos superaria a quantidade. Já aos 50 anos, apenas se afirma que as coisas não eram mais como antes; entretanto, não haveria necessidade de se desesperar (Revista Playboy, junho de 1988, 121-129). Entende-se que a revista estava sugerindo a impotência sexual a partir dos 50 anos.

Dessa forma, a revista enquadrava nesses discursos todos os sujeitos dentro de pré-condicionamentos para o orgasmo e sua frequência. Através do saber médico a respeito da fisiologia humana, concluiu-se que na faixa dos 20 aos 40 anos, o corpo do homem passava por mudanças. No desempenho sexual, decaía a quantidade de ereções, mas isso poderia ser equilibrado com um aumento da sua qualidade. É neste sentido que a Playboy inscreve seus discursos no corpo dos homens. Através de manuais sobre sexo e sedução, a revista busca ensinar aos homens como aumentar o seu prazer e também como dar prazer, mostrando que na vida adulta a qualidade importa muito mais que a quantidade. Essa diminuição da frequência sexual não transformaria o sujeito em “menos homem”; ao contrário, ele estaria aperfeiçoando a sua sexualidade e reafirmando a sua virilidade.

Paralelamente, a emancipação das mulheres trouxe a liberação de novos costumes e liberdade sexual, o que, por consequência, levou a um efeito paradoxal no âmbito das masculinidades e da virilidade, destacado nas páginas da revista: a necessidade e o desejo de satisfazer a parceira com o orgasmo. Em vista disso, é possível encontrar, em diferentes edições, várias discussões para estimular os homens a conhecer o corpo feminino com o objetivo de fazer com que sua virilidade pudesse ser reafirmada pela capacidade de agradar sexualmente a parceira.

Para ter mais prazer nas relações sexuais, insistia-se que os homens deveriam não apenas conhecer o seu corpo, mas também conhecer a fundo o corpo feminino. Por conta disso, o corpo feminino foi pauta de várias edições da revista, principalmente quando a intenção era fazer com que os homens descobrissem o “famoso ponto G” - zona erógena vaginal que se supõe ter um enorme potencial orgástico. Abordou-se, também, a necessidade de as mulheres descobrirem o “verdadeiro orgasmo”, o qual seria proporcionado pelo “bom desempenho” do homem. Através desses discursos e dessas novas tramas, constituía-se o novo peso da virilidade. A força física não era mais o definidor da virilidade. Agora, seria viril o homem que chegasse a dar à sua parceira o verdadeiro orgasmo, elevando a qualidade da relação sexual.

A virilidade passou a ser apresentada nas páginas da Playboy como capacidade sexual, medida não em quantidade, mas em qualidade. Os seus discursos passaram a interferir no corpo dos homens através de vários manuais, que, de forma quase que pedagógica, ensinavam aos leitores como deveriam abordar as mulheres para conquistá-las. Em uma coluna intitulada “A doce vida de Playboy”, foi apresentada uma matéria sobre o que estava “in” (atual) e “out” (ultrapassado) da sedução:

IN

Olhar sério para a moça com um ar de elegante deslumbramento;

Levar o café da manhã para a namorada;

Dançar a dois (mostrando que alguns homens ainda gostam);

Flores (porque não engordam);

Telegrama fonado de amor, citando um poema de Drummond; Pagar à vista (sempre).

OUT

Piscar o olho e mandar torpedos através do garçom;

Boliná-la debaixo da mesa sem aviso prévio;

Cartão de crédito;

Discoteca;

Esperar que ela lhe traga o café da manhã.

(Revista Playboy, outubro de 1987, 25).

Vemos nessa passagem a virilidade romântica e sensível operacionalizada pela revista. Os sujeitos que assumiam essa postura não deixavam de “ser homens”. A Playboy mostrou a seus leitores que novos comportamentos poderiam ser adotados sem abalar a virilidade heteronormativa. Essa sensibilidade seria uma arma para um jogo de conquista e sedução; que dizer, ser próximo das mulheres não faria do homem uma mulher ou o transformaria em afeminado; pelo contrário, isso o tornaria um “novo homem”, como a própria revista apontava.

Nessas passagens, não só a virilidade estava sendo construída. Por trás desses discursos, encontramos também normativas corporais. Por exemplo, na passagem dar “flores” porque “não engordam”, não apenas desqualifica as mulheres não magras, como reafirma também o ideal de beleza, apresentado e personificado pelas imagens que a revista trazia da nudez feminina (a modelo da capa). As imagens e os discursos mostram que ser bonita era ser magra e jovem.

Ser homem, nesse sentido, é algo muito mais complexo do que apenas ter os traços masculinos inscritos no corpo; é portar “um conjunto de atributos morais de comportamento, socialmente sancionados e constantemente reavaliados, negociados e relembrados” (Ribeiro, 2013: 467RIBEIRO, Cláudia Regina; SIQUEIRA, Vera H. Ferraz. 2007. “O novo homem na mídia: ressignificações por homens docentes”. Revista Estudos Feministas. Vol. 1, nº 15, p. 217-241.). Nas páginas da Playboy, encontram-se essas formulações, pois, ser homem foi algo apresentado e afirmado a cada edição. Através da discussão de assuntos tidos como masculinos, de âmbito privado, a revista não só tornava isso público, como também prescrevia o que era ser homem.

Em agosto de 1989, em uma matéria especial, discutiram-se novas posturas e atitudes para o que se dominou de “novo homem”. Era uma edição comemorativa de quatorze anos da revista. Nela se encontra uma síntese dos discursos sobre como os homens deveriam ser e agir, criando, assim, um ideal a ser seguido:

O novo homem começa a tirar a carga de super-herói dos ombros e respira aliviado. Pode, enfim, se mostrar menos intocável e assumir que também é frágil e sensível. A grande novidade é que descobrimos a emoção. Educadas durante gerações e gerações para permanecerem à sombra dos homens, as mulheres viraram a mesa. Nos anos 60 e 70, saíram às ruas, protestaram, exigiram seus direitos e as mais radicais até queimaram sutiãs em praça pública. Reclamaram e conquistaram. Enquanto isso, os homens, que cresceram com a missão de se transformarem em adultos fortes e seguros, assistiam perplexos. Muitos ficaram surpresos, muitos irritados e alguns solidários. Só que a maioria perdeu o rumo e lentamente passou a questionar os valores que tinham como correto (Revista Playboy, agosto de 1989, 64 , grifos do autor ).

A revista afirmava, tal qual os discursos masculinistas, que no decorrer da década de 1970, com a ascensão dos movimentos feministas que reivindicavam direitos e mudanças para as mulheres, os homens, por consequência, ficaram perdidos. Esses movimentos produziram transformações que alteraram estruturas seculares de dominação. Então, para a revista, caberia aos homens adaptar-se aos novos tempos, reorganizando-se para encontrar uma posição vantajosa nesse processo.

A matéria evidencia também as prescrições de gênero que se ofereciam a homens e mulheres. Quando afirmava “...reclamaram e conquistaram”, deslegitimava o ato político dos movimentos feministas, que havia se inserido em diversas agendas e lutas. Por sua vez, a mudança masculina era apresentada como uma revolução, algo grandioso. Assim se desenhavam as diferenças de gênero, dando-se importância a uma posição e desvalorizando a outra.

As reportagens prosseguem, uma após outra, mostrando que a velha caricatura do “machão” estava com os dias contados, pois isso era considerado algo antigo e ultrapassado. O “novo homem” deveria ser o oposto; elegante, comedido, urbano e, principalmente, saber se portar com educação em público. A respeito disso, a revista afirmava:

Há algum tempo, o homem que não gostasse de lutas de boxe ou de futebol era automaticamente excluído do mundo dos machões. Com toda carga de cobranças e exigências sociais, se afastou do lado emotivo. Frequentemente ficava confuso e perdido quando tinha de lidar com amor e com sensações. No meio dessa revolução, um velho personagem estava sendo guilhotinado: o machão [...] nessa escala vertiginosa, as mulheres pagaram preço alto, que por tabela, atingiu os homens. O endurecimento na disputa pela ocupação de espaço foi mais caro. Mostrando uma agressividade ramboniana [alusão ao filme Rambo] para vencer no mercado de trabalho, algumas delas perderam a feminilidade, a delicadeza e o carinho (Playboy, agosto de 1989, 65-66).

Há muito tempo, a revista vinha desconstruindo certas ideias, como o entendimento de “força” e “agressividade”, enquanto sinônimos de virilidade. Reivindicava-se que esse homem fosse mais sensível, romântico e que pudesse expressar os seus sentimentos. Aqueles que conseguissem tal feito passariam, aos olhos da revista, a ser mais “valorizados” pelas mulheres. Nessas mudanças, segundo a revista, os homens haviam “melhorado” ao adquirir sentimentos. As mulheres, por sua vez, haviam se aproximado daquele antigo homem, perdido sua delicadeza, carinho e feminilidade. Se os homens haviam “melhorado”, as mulheres estavam “regredindo”. A revista afirma: “A maioria dos homens sonha com a volta da mulher doce e desejável; o novo homem quer uma mulher moderna, forte e profissional, mas feminina. Feminina, sempre! (Playboy, agosto de 1989, 66).

Percebe-se que os discursos giravam em torno de algo novo, de uma sociedade mais liberal; entretanto, essa ideia de mudança se deu através de um constante processo de autocontrole e repressão sobre o corpo, isto é, os próprios sujeitos foram se disciplinando dentro dos novos modelos propostos. Sobre essas mudanças e a ideia de um novo homem, Ribeiro afirma:

O “novo homem”, da forma como foi configurado pela mídia, é uma tentativa de ordenar alguns padrões da masculinidade após todos os abalos provocados pelos movimentos sociais das últimas décadas. Esse modelo, organizado em suas características, gostos e desejos, constitui uma forma de os homens se encaixarem na modernidade. Ser um “novo homem” significa rejeitar o “machismo” como marca fundamental da masculinidade tradicional. Pressupõe, basicamente, investimentos estéticos e na saúde, a realização de tarefas até então tomadas como obrigações femininas ou próprias às mulheres, valorização do contato e cuidado com os/as filhos/as, respeito e valorização da mulher em suas buscas profissionais, refutação do valor da virgindade feminina, entre outros aspectos (Ribeiro, 2013, 467RIBEIRO, Cláudia Regina; SIQUEIRA, Vera H. Ferraz. 2007. “O novo homem na mídia: ressignificações por homens docentes”. Revista Estudos Feministas. Vol. 1, nº 15, p. 217-241.).

O conjunto das publicações indica que o verdadeiro homem era aquele que poderia ter todas as mulheres que quisesse, afinal, eles teriam sido ensinados a conquistá-las. Os manuais da revista, normativos e prescritivos, buscavam “ensinar” aos homens desde como conseguir as mais belas mulheres até como ter o melhor sexo possível, e este seria o predicado para a nova virilidade.

Quando se pergunta quem era o homem playboy?, deve-se olhar primeiro para os leitores, fato que ajudará a compreender essa categoria.

A revista era dirigida a um público/leitor masculino muito particular: homem heterossexual, branco, urbano, moderno, de classe média/alta e, geralmente, sem um estado civil definido (suas páginas deixam explícito que os consumidores poderiam ser casados ou solteiros). No caso dos solteiros, era ensinado a ser galante e conquistador com as mais variadas mulheres. Já para os casados havia seções sobre como manter uma vida dupla e agradar tanto à esposa, quanto à amante. Independente do estado civil, a vida sexual desse homem deveria ser sempre agitada - quase tudo girava em torno do sexo. Para isso, sua aparência constituía elemento fundamental, razão pela qual a revista apresentava, de tempos em tempos, diversos editoriais de moda masculina para compor visualmente o que seria esse “novo homem”. A seguir podemos observar um desses editoriais.

Nesse editorial de moda do “Guia Playboy”, foram apresentadas aos leitores as últimas tendências da moda masculina do inverno de 1986, indicando oito ideias para usar ternos e sair do modelo “clássico”. Agora o novo homem estaria “liberado” para abandonar ternos de cores neutras e mais sóbrias, como preto e azul, e vestir cores vibrantes como laranja, amarelo, azul cintilante e gravatas estampadas. Tendências que definiam esteticamente o que seria um “novo homem”.

A operacionalização de um ideal masculino passou por diversas representações na Revista Playboy, percorrendo as colunas, matérias, artigos de opinião, imagens de editorais de moda e anúncios publicitários. O discurso do novo estava sempre caminhando junto com um ideal de jovialidade, não apenas referente à idade, mas também a atitudes e comportamentos. A análise da revista revela que o projeto em torno do novo esteve muito associado às transformações da década de 1980, principalmente com a abertura política e o processo de redemocratização do Brasil. Essa associação pode ser exemplificada com diversos elementos de virilidade valorizados pela Playboy. Como exemplo, temos a publicação, em 1987, de uma entrevista com o então governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello. Vejamos:

A cena poderia ser a de um filme do velho oeste, com um herói de porte atlético - a determinação e a vontade de fazer justiça estampadas nos olhos - e os inevitáveis vilões, de traços rudes e armas penduradas nos coldres, a marca de sua violência. Apenas o cenário, a paisagem e o roteiro seriam diferentes [...]. Na cena verídica, tudo se passa numa pequena cidade do sertão de Alagoas, Limoeiro de Anadia, e o mocinho da história é um político, Fernando Affonso Collor de Mello, 38 anos completados em 12 de agosto, 1,82 metros de altura e 78 quilos. Há 14 anos afastado da prática de caratê, Fernando Collor se diz hoje um homem cordial, de bom humor, menos agressivo [...] apesar de antecedentes de violência, não é um homem rude: é educado e gentil com as pessoas e até se confessa muito sentimental e emocional. Nos comícios precisa se controlar muito para não se deixar levar pela emoção (Revista Playboy, outubro de 1987, 37, grifo do autor).

Fica evidente que os discursos que buscam construir esse novo homem são legitimados e potencializados nessa entrevista. A apresentação inicial, feita pelos articulistas do periódico, colocou o entrevistado como “mocinho” e herói. Sua representação enquanto homem estava atrelada a elementos ligados à nova virilidade. Collor foi descrito como um sujeito educado, cordial e sensível, isto é, com os elementos que o novo homem daquele período deveria ter.

Esse novo homem era também incentivado a cuidar da sua saúde e do seu corpo, além de estar atento às novidades da moda e da estética. O sucesso desse homem estava atrelado a um bom emprego, a condições financeiras favoráveis, a possuir um bom automóvel e tudo mais que o consumo pudesse lhe oferecer de melhor; e esse “melhor” era anunciado nas páginas da Playboy, através de bons restaurantes, perfumes de qualidade, relógios elegantes, roupas de marca, viagens, dentre outros artefatos. Percebe-se que além de dizer o quê/quem era esse “novo homem”, a revista também mostrava como ele deveria ser.

Considerações finais

A possibilidade de um “novo homem” - culto, inteligente, preocupado com o corpo e com a moda - tornava-se um projeto ideal e real a partir dos discursos da revista. Seria um homem “civilizado”. O discurso da revista Playboy foi construído em torno de um padrão masculino composto por homens jovens e que buscavam um novo estilo de vida, marcado pelo consumo, sexo e a conquista de muitas mulheres. Através do estilo de vida que a Playboy apresentava em suas páginas, projetou-se uma masculinidade que supunha conhecer melhor o corpo feminino, os prazeres do sexo, além de ser mais “sensível”.

No entanto, os pilares desse projeto não foram suficientes para afirmar que estaria ali nascendo um novo homem. Isso porque, as mudanças propostas pela Playboy buscavam ilustrar apenas transformações na sua “roupagem”. Acreditava-se que, mudando alguns comportamentos e atitudes, o projeto se concretizaria. Todavia, as estruturas sociais no Brasil não haviam sido igualmente modificadas ou abaladas, afinal, na década de 1980, o país estava iniciando a sua redemocratização, após um longo período ditatorial, fora as crises econômicas e superinflação que marcaram os anos 1980 e os contornos da sociedade brasileira. Com isso, os privilégios e a dominação masculina continuavam inalterados. Por trás do discurso do novo, escondiam-se antigos padrões normativos de como os homens deveriam ser e agir diante das mudanças sociais e culturais das décadas anteriores, principalmente em contraposição às conquistas do movimento feminista.

Por todo exposto, a Playboy não fez nascer uma masculinidade totalmente diferente; apenas fez uma atualização ao seu tempo. O que pode ser compreendido como novo em suas páginas foi a construção de uma nova noção de virilidade, permeada de novas significações e relações de poder. Esse foi o grande diferencial da revista e sua grande invenção. A ideia de virilidade publicada em suas matérias passou a ter um novo sentido: ser viril não era ter força física e brutalidade, tampouco ser o protótipo do “macho dominador”. Ser viril passou a significar galanteio e conquista. Era viril o homem que pudesse exercer sua capacidade sexual não em quantidade, mas em qualidade, e isso fez com que as normativas sexuais fossem alteradas.

Sob a ótica da História do Tempo Presente e das reflexões de Foucault (1996FOUCAULT, Michel. 1996. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24ª ed. São Paulo: Loyola.), percebe-se que padrões corporais foram desenhados e tinham como foco o poder disciplinador. Todas as investidas sobre comportamentos e atitudes que definiriam o que era “ser homem” e o que era “ser viril” podem ser compreendidas como mecanismos de construção de identidade que, neste caso, são permeadas por estereótipos para a construção e afirmação de masculinidades. Assim, a atualização da masculinidade e a promoção de uma nova virilidade são os principais elementos que compõem esse homem que a Playboy chamou de “novo” - e o seu estudo/ identificação é importante, pois vários comportamentos desse arquétipo perduram até os dias atuais.

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  • 1
    Esse trabalho foi financiado pelo CNPq e é um dos resultados da minha pesquisa de doutorado, intitulada “Reconfiguração de uma masculinidade hegemônica nas páginas da revista Playboy (Brasil: décadas de 1980 e 1990)”, defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Estadual do Estado de Santa Catarina.
  • 2
    A escolha do termo “masculinismo” mostra a vontade de fazer dele um equivalente ao feminismo. O argumento se deve ao espelho invertido: os homens se diziam vítimas de violências conjugais; agredidos; na busca de um orgulho identitário. O recurso psicológico é um dos seus vetores (atitudes paternais devem ser desenvolvidas); entretanto, o recurso físico não é abandonado: o masculinismo também devota um culto aos super heróis, supergenitores e superpotentes (Bard, 2004: 138BARD, Christine. 2013. “A virilidade no espelho das mulheres”. In: COURTINE, Jean-Jaques (ed.). A história da Virilidade: a virilidade em crise. 1ª ed. Petrópolis: Vozes.). Com esses discursos, o masculinismo chamou a atenção das mídias, principalmente em revistas voltadas para os homens.
  • 3
    Pensando em identidade e masculinidade, Pedro Paulo Oliveira (2004, 245OLIVEIRA, Pedro Paulo de. 2004. A Construção Social da Masculinidade. 1ª ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: IUPERJ.) define identidade como um empreendimento paradoxal; através dela o agente se integra a algum grupo e afirma sua personalidade por signos, comportamentos e condutas que poderiam ser ditos impessoais, pois são sustentados por práticas coletivas que o agente toma como definidoras de sua identidade. Funciona como elemento de homeostase psíquica e tende a ser buscada ou restabelecida tão logo se defronta com qualquer desequilíbrio ou insatisfação. As famosas crises de identidade, muitas vezes são geradas por fatores sociais, como, por exemplo, mudanças em ritmos diferenciados em áreas do socius que causam descompassos entre valores anteriormente cultivados e demandas contrárias a eles.
  • 4
    Na revista Playboy, esses discursos visavam a ensinar aos homens uma forma de levar sua parceira ao orgasmo, como um predicado da virilidade desse novo homem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2019
  • Aceito
    25 Mar 2021
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