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Indiciamento das mulheres pela prática do abortamento: a (des)continuidade do discurso punitivista

Indictment of women for the practice of abortion: the (dis) continuity of the punitive discourse

Incriminación de mujeres por la práctica del aborto: la (dis)continuidad del discurso punitivo

Resumo

O objetivo deste trabalho foi analisar os argumentos empregados na condenação ou absolvição das mulheres acusadas de abortamento, especialmente os processos que foram suspensos. Analisamos sentenças e acórdãos referentes ao autoaborto (art. 124 do Código Penal) dos Tribunais de Justiça dos estados de São Paulo e de Minas Gerais. Como resultado do levantamento, constatamos a reiterada concessão da suspensão condicional do processo ou da pena, o que poderia ser considerado medida despenalizadora, por acarretar a extinção da punibilidade. No entanto, ante a aceitação e devido cumprimento das condições impostas pelo prazo fixado, o conteúdo das decisões de suspensão (de processo e de pena) explicita o caráter moral das sentenças, bem como a discriminação de gênero e a violência institucional. Assim, discute-se os fins da criminalização do abortamento e as consequências para o exercício pleno dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Palavras-chave:
aborto; criminalização; decisões judiciais; direito penal

Abstract

This article’s objective was to analyse the arguments used for the conviction or acquittal of women accused of abortion, especially in processes that were suspended. We analysed judicial decisions from the Justice Courts of São Paulo and Minas Gerais States. As a result of the analysis of these materials, we note the repeated granting of conditional suspension of the process or penalty, which could be considered a decriminalizing measure. However, as it entails the extinction of punishment, once accepted and respected the conditions imposed by a fixed term, the content of the concessive decisions exhibit the explicit moral judgement of the convictions, as well as gender discrimination and institutional violence. Thus, we discuss the overall aim of the criminalisation of abortion and the consequences for the full exercise of women’s sexual and reproductive rights.

Keywords:
abortion; criminalization; judicial decisions; criminal law

Resumen

El objetivo de este trabajo fue analizar los argumentos utilizados en la condena o absolución de mujeres acusadas de aborto, especialmente los procesos que fueron suspendidos. Analizamos sentencias relacionadas con el aborto autoproducido (art. 124 del Código Penal brasileño) de los Tribunales de Justicia de los estados de São Paulo y Minas Gerais. Como resultado de la investigación, se observa el reiterado otorgamiento de suspensión condicional del proceso o sanción, lo que podría ser considerado una medida despenalizadora, ya que resulta en la extinción de la pena. Sin embargo, ante la aceptación y debido cumplimiento de las condiciones impuestas por el plazo fijado, el contenido de las decisiones de suspensión (de proceso y sentencia) hace explícito el carácter moral de las sentencias, así como la discriminación de género y la violencia institucional. Así, se discute el propósito de criminalizar el aborto y las consecuencias para el pleno ejercicio de los derechos sexuales y reproductivos de las mujeres.

Palabras clave:
aborto; criminalización; decisiones judiciales; derecho penal

Introdução

O direito à interrupção voluntária da gravidez no Brasil, similarmente a sua criminalização, são temáticas ainda controversas e alvo de intensas discussões que contemplam uma complexa gama de fatores culturais, legais, políticos, morais e econômicos. Adicionalmente, o debate é dificultado quando verificado que esta prática também é permeada pela compreensão do conceito da vida e por concepções de autonomia e responsabilização individual (Brown, 2016BROWN, Josefina. 2016. “El aborto en cuestión: la individuación y juridificación en tiempos de neoliberalismos”. Sex., Salud Soc. Dezembro de 2016. s/v, n. 24, p. 16-42.). A despeito de ser nitidamente inconstitucional, o dispositivo legal que penaliza a conduta do aborto continua vigente e tem por cerne a tutela da vida potencial do feto, também nomeado “nascituro” (Moreira e Marinho, 2019MOREIRA, Lisandra Espíndula; MARINHO, Miriam Ires. 2019. “Para (não) falar de aborto: interdições a corpos que (não) gestam”. In: GONZAGA, P.R.B.; GONÇALVES, L. e MAYORGA, C. (orgs) Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto. Belo Horizonte: CRP04 . Pp. 30-43.).

Esse artigo apresenta resultados de pesquisa realizada a partir de sentenças e acórdãos dos Tribunais de Justiça dos estados de São Paulo e Minas Gerais, que julgaram mulheres denunciadas pela prática do autoaborto, ou seja, que respondem pelo artigo 124 do Código Penal (Brasil, 1940BRASIL.1940. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.). Objetivamos compreender como foram construídos os argumentos que sustentavam as decisões, analisando as condenações ou absolvições e as penas definidas. Para tanto, apresentaremos inicialmente algumas reflexões sobre a temática do aborto no Brasil, para compreendermos a abrangência e as situações nas quais a criminalização é excluída no processo. Da mesma forma, retomamos os debates contemporâneos considerando que, no cenário político brasileiro, a discussão em torno do abortamento tem sido recorrente e de grande preponderância nas eleições presidenciais de 2010 (Almeida e Bandeira, 2013ALMEIDA, Tânia Mara Campos de; BANDEIRA, Lourdes Maria. 2013. “O aborto e o uso do corpo feminino na política: a campanha presidencial brasileira em 2010 e seus desdobramentos atuais”. Cadernos Pagu, Campinas, s/v, nº. 41, p.371-403.), de 2014 (Gonzaga, 2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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) e de 2018, quando o conservadorismo, seguindo a onda que avança internacionalmente, conquistou não apenas o poder executivo, mas a maioria do legislativo.

Neste artigo, debatemos especialmente a tendência encontrada nos materiais pesquisados, de flexibilizar a punição. Esta dimensão apareceu no uso de dois mecanismos jurídicos: suspensão condicional do processo e suspensão condicional da pena. Questionamos: a presença dessas ferramentas jurídicas poderia ser compreendida como uma descontinuidade do discurso punitivista e, portanto, a garantia de um direito de decisão das mulheres? Neste sentido, a análise dos argumentos das decisões, assim como a análise da aplicação das condicionantes das suspensões sugere que o uso de tais mecanismos não significa, em si, menos punição, mas a existência de estratégias refinadas de controle dos corpos femininos.

Para alcançar os objetivos desse artigo, analisamos os critérios que fundamentaram decisões que levaram, ou não, à condenação de mulheres pela prática do abortamento, de forma a compreender a judicialização desses casos pelo sistema criminal brasileiro. Assim, analisamos decisões jurídicas, articuladas com o amplo debate interdisciplinar sobre o aborto. Para Moreira e Toneli (2015MOREIRA, Lisandra Espíndula; TONELI, Maria Juracy Filgueiras. 2015. “Abandono Afetivo: Afeto e Paternidade em Instâncias Jurídicas”. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 35, n. 4, p. 1257-1274.), a análise de jurisprudência

mostra-se campo fértil de análise tendo em vista sua dupla importância temporal: seu caráter histórico, pois permite analisar como têm sido utilizados alguns enunciados e seu caráter futuro, tendo em vista que a utilização de suas enunciações serve como precedente para legitimar decisões vindouras semelhantes. (Moreira e Toneli, 2015:1260MOREIRA, Lisandra Espíndula; TONELI, Maria Juracy Filgueiras. 2015. “Abandono Afetivo: Afeto e Paternidade em Instâncias Jurídicas”. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 35, n. 4, p. 1257-1274.)

Reconhecemos que as decisões jurídicas se constroem num complexo funcionamento de normativas, documentos e narrativas em audiências e por isso identificamos que os documentos que sintetizam as decisões carregam rastros dessas argumentações e justificativas. Nesse sentido, é possível compreender além das próprias decisões tomadas, os argumentos que circulam, construindo assim um certo rascunho do que decidem e porque decidem em relação às mulheres denunciadas por interromperem suas gestações.

A pesquisa documental que embasa as análises desse artigo é composta por jurisprudências constantes nos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais (TJMG) e São Paulo (TJSP). Buscamos, via sistema de busca disponíveis nos sites dessas instituições, decisões nos casos de mulheres incursas no art. 124 do Código Penal. Pesquisamos sentenças e acórdãos1 1 De maneira simplificada, cabe salientar que sentenças são decisões tomadas por apenas um julgador e acórdãos são decisões tomadas por mais de um julgador, membros de um órgão colegiado. (em sede de recurso em sentido estrito, habeas corpus e apelação criminal2 2 O recurso em sentido estrito é aquele que visa impugnar decisões proferidas ao longo do processo penal, as quais não possuem caráter terminativo ou definitivo da ação penal, sendo que as hipóteses de cabimento encontram-se elencadas no art. 581 do Código de Processo Penal (Decreto-lei 3689/1941).O habeas corpus, previsto no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, é um instrumento jurídico que visa a reparar ou evitar violência ou coação à liberdade de locomoção em razão de prática ilegal ou de abuso de poder. Apelação é um meio de impugnação que permite a um órgão colegiado de grau superior revisar julgamento proferido em primeiro grau. ) proferidos no âmbito dos TJMG e TJSP, de 2013 a 2018, perfazendo um total de 5 (cinco) anos de decisões judiciais nesse sentido, com o objetivo de obter-se um campo amostral mais demonstrativo do fenômeno judicial.

O artigo está organizado em quatro tópicos. Primeiramente trazemos um panorama histórico e político sobre o aborto no Brasil, como prática e campo de disputas, em especial as tensões político-sociais que envolvem o debate da legalização da conduta no país. Em seguida, apresentamos a análise das decisões judiciais, em especial, dos critérios de fundamentação das decisões que levaram ou não à condenação da mulher pela prática do abortamento, para melhor compreensão da judicialização dessas mulheres pelo sistema criminal brasileiro. Em um terceiro momento, trazemos a discussão sobre a suspensão condicional (da pena e do processo), questionando se essa ferramenta seria uma despenalização do abortamento pelo judiciário brasileiro. Por fim, apresentamos nossas considerações finais. Cabe pontuar que palavras e expressões tipicamente utilizadas na linguagem jurídica (por exemplo habeas corpus e sursis) serão escritas em itálico no transcorrer deste estudo.

Aborto como prática e campo de disputas

A interrupção voluntária da gravidez é internacionalmente compreendida como um procedimento essencial na garantia da saúde integral da mulher. Considerando que os direitos reprodutivos compreendem a possibilidade de escolher se, quando e com qual intervalo se deseja ter filhos, é fundamental compreender a necessidade de políticas públicas de educação sexual, contracepção e interrupção voluntária da gravidez para que as mulheres possam efetivamente exercer a autodeterminação sobre sua potencialidade reprodutiva. A despeito disso, o Brasil se insere no contexto latinoamericano de penalização da prática, trazendo implicações negativas para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres latino americanas, principalmente daquelas que são negras, indígenas, pobres e com baixa escolaridade (Gonzaga, 2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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; Diniz et al, 2017DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. 2017. “Pesquisa Nacional de Aborto 2016”. Ciênc. saúde coletiva. Fevereiro de 2017. Vol. 22, n. 2, p. 653660. Available at: Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&nrm=iso [Accessed on 22/05/2021]
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).

O art. 128 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848 de 07 de dezembro de 1940) define que o abortamento voluntário não será punível nos casos de: risco de vida para a gestante ou em que a gravidez é resultado de estupro, e na hipótese de diagnóstico de anencefalia do feto, permissivo inserido pela decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF nº 54/DF), publicada em 30 de abril de 2012 (Brasil, 2012BRASIL. 2012. Supremo Tribunal Federal. Inteiro teor do acórdão da Arguição de descumprimento de preceito fundamental 54-8 Distrito Federal. Brasília.), conforme prevê o art. 128 do Código Penal. Excetuados esses permissivos, o abortamento voluntário pode gerar a penalização de um a três anos de detenção, nos termos do art. 124 do Código Penal (Brasil, 1940BRASIL.1940. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.).

Nesse contexto, o aborto provocado, que pode ser classificado como um procedimento simples, tem sido objeto histórico de prescrições normativas, especialmente, em função das moralidades que permeiam o tema. Para Galeotti (2007GALEOTTI, Giulia. 2007. A história do Aborto. Lisboa: Edições 70.), os enunciados discursivos produzidos a partir do cristianismo influenciaram historicamente a produção de sanções jurídicas e biomédicas acerca da interrupção voluntária da gravidez, tendência que Ruibal (2014RUIBAL, Alba Maria. 2014. “Feminismo frente a fundamentalismos religiosos: mobilização e contramobilização em torno dos direitos reprodutivos na América Latina”. Rev. Bras. Ciênc. Polít. Agosto de 2014. Brasília, n. 14, p. 111-138.) indica ser atual ao apresentar suas análises sobre o cenário político latinoamericano.

A criminalização sobre as mulheres que abortam vai ao encontro com o que indica Gonzaga (2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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) sobre a eficácia da penalização moral, para além do alcance da penalização jurídica. Entre as reverberações dessa lógica punitivista apontamos a dificuldade de estipular concretamente um número exato de mulheres que interromperam gestações. Em pesquisa com técnica de urna - metodologia que preserva o anonimato das participantes, inclusive em relação às pesquisadoras/pesquisadores - compreendendo mulheres com escolarização formal em zonas urbanas, Diniz et al (2017DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. 2017. “Pesquisa Nacional de Aborto 2016”. Ciênc. saúde coletiva. Fevereiro de 2017. Vol. 22, n. 2, p. 653660. Available at: Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&nrm=iso [Accessed on 22/05/2021]
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) constataram que 4,7 milhões de mulheres realizaram ao menos um aborto voluntário durante o período de idade fértil. Considerando as limitações dessa pesquisa, que não abrange todo o território nacional, nem tampouco todas as mulheres brasileiras, é possível supor que esse número seja ainda maior quando pudermos acessar também os itinerários abortivos realizados em zonas rurais e por mulheres sem escolaridade.

Cabe destacar que, apesar das limitações apontadas, a pesquisa de Diniz et al (2017DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. 2017. “Pesquisa Nacional de Aborto 2016”. Ciênc. saúde coletiva. Fevereiro de 2017. Vol. 22, n. 2, p. 653660. Available at: Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&nrm=iso [Accessed on 22/05/2021]
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) é uma significativa contribuição ao campo de estudos sobre aborto, por utilizar metodologia que permite que as mulheres relatem interrupções gestacionais sem se identificarem e sem intermediários nessa identificação, como ocorre com os números oficiais sobre abortamento que se baseiam majoritariamente nos dados extraídos do banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) registrados como complicações pós-aborto. Isso implica na subnotificação dos casos, visto que alguns são registrados de outras formas que podem ser decorrentes de abortamento inseguro, como hemorragias, infecções, perfuração uterina etc. Além disso, há os casos em que o atendimento por complicações ocorre na rede privada de atendimento. Por fim, é preciso também considerar que a circulação do misoprostol3 3 Misoprostol é a versão sintética da prostaglandina E1, substância recomendada para tratamentos gastrointestinais. Devido seus efeitos de contração uterina, o medicamento é utilizado por mulheres para a interrupção gestacional. É popularmente conhecido pelo nome fantasia Cytotec. , ainda que clandestina, tem possibilitado que as mulheres consigam realizar interrupções sem precisarem recorrer ao serviço de saúde.

Gonzaga (2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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), ao analisar 22 itinerários abortivos realizados na cidade de Salvador, identificou que 15 casos foram concluídos sem complicações ou intercorrências que demandassem atenção clínica/hospitalar. Entre as sete situações em que precisaram de atendimento médico, uma delas foi no setor privado de saúde. Considerando que no contexto de criminalização todas as interrupções gestacionais voluntárias são inseguras, cabe destacar que a disparidade entre itinerários com maior ou menor insegurança, e, consequentemente, com menos complicações, está diretamente ligada a fatores como rede de apoio, acesso à informação e educação formal, que aparece como fator protetivo seja por produzir acesso a uma relativa estabilidade econômica que propicia a interrupção, bem como por produzir redes outras de apoio, como coletivos estudantis, feministas e de enfrentamento ao racismo.

Além disso, podemos destacar também aspectos estruturais como raça, classe, territorialidade e geração (Gonzaga, 2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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) na prática do abortamento no Brasil. A questão racial está vinculada à experiência prolongada de espera em serviços de saúde, reprodução de estereótipos discriminatórios acerca da sexualidade de mulheres negras, desqualificação dos relatos de dor, negação de analgesia em procedimentos de curetagem, demora em buscar o serviço por medo de violência institucional. A Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (2012Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras. 2012. Saúde da mulher negra: guia para a defesa dos direitos das mulheres negras/Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras. Porto Alegre.) alerta que existe significativa discrepância entre os casos de mortalidade materna quando se considera o recorte racial. Mulheres negras são maioria nos casos de mortalidade materna, inclusive naqueles em que as causas registradas são hemorragias e infecções, ocorrências comuns nos casos de aborto inseguro e que podem ser casos subnotificados. A classe interfere no acesso a fontes diretas de misoprostol, como profissionais da saúde do seu convívio, possibilidade de aquisição desse medicamento sem ter de submeter-se a violências sexuais, físicas e psicológicas, possibilidade de locomoção entre serviços de saúde e sua própria casa, acesso a serviços privados de saúde para cuidados frente a complicações pós abortamento. A territorialidade pode definir a rede de serviços de saúde, inclusive serviços de aborto legal, garantia do direito de ir e vir sem impeditivos de conflitos decorrentes da violência, vinculação ao território e reconhecimento do mesmo como fator protetivo. As questões geracionais podem estar relacionadas à insegurança, dúvidas e falta de informação sobre a sexualidade e o ciclo reprodutivo que aparecem como fatores preponderantes para a efetivação do abortamento, acarretando muitas vezes num procedimento tardio e, portanto, mais arriscado (Gonzaga, 2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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). Logo, é possível problematizar a criminalização do abortamento provocado também pela ótica de que, além de não impedir a sua realização, produz efeitos no modo como esse procedimento será realizado, ao lançar as mulheres aos riscos da clandestinidade.

As notícias sobre mulheres vitimadas por condições inseguras de interrupção da gravidez têm alcançado grande repercussão pública. No entanto, observamos que o alcance de notícias sobre alguns desses casos se orienta pela perseguição aos serviços clandestinos de abortamento, não gerando uma reflexão pública engajada na contenção de mortes evitáveis. Em menos de um mês as mortes de Jandira Magdalena dos Santos Cruz e de Elizangêla Barbosa4 4 Jandira Magdalena dos Santos Cruz foi encontrada carbonizada, desmembrada, dentro de um carro em Guaratiba, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 2014, um dia após ter entrado em um carro que a levaria a uma clínica clandestina de aborto. Elizangela Barbosa foi deixada na Estrada de Ititioca, em Niterói, com hemorragia severa oriunda de perfuração do útero e do intestino após um aborto mal sucedido em 21 de setembro de 2014. Durante a autópsia foi localizado um tubo plástico no interior do seu útero. Ambos os casos ocorreram no contexto das eleições presidenciais e, a despeito das mobilizações de coletivos feministas, não repercutiram nas campanhas dos presidenciáveis com maior expressão nas pesquisas. explicitaram quem são as mulheres que abortam no Brasil: mães de classe trabalhadora e moradoras de periferias dos centros urbanos brasileiros (Barón, 2014BARÓN, Francho. 2014. “Silêncio diante do drama do aborto clandestino: apenas os partidos nanicos se posicionam a favor da descriminalização da interrupção da gravidez, enquanto mais duas mulheres morrem de forma trágica no Rio”. El País, 28 de setembro de 2014. Available at: Available at: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/28/politica/1411937015_378864.html [Accessed on 13/04/2021].
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). Essas mortes revelam como a criminalização do aborto é eficaz no acirramento das desigualdades sociais. Se por um lado a penalização jurídica é ineficaz para evitar que mulheres interrompam gravidezes, por outro, ela é decisiva na promoção do grave problema de subnotificação e de legitimação social da humilhação de mulheres que abortam e que precisam recorrer aos serviços de saúde. A despeito da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, diretriz do Ministério da Saúde (Brasil, 2011BRASIL. 2011. Ministério da Saúde. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno nº 4. 2. ed. Brasília: Ministério da saúde.), é recorrente na literatura especializada a constatação de que omissão, descaso, violência e maus tratos são um modo instituído de funcionamento no que tange ao acolhimento em casos de interrupção da gravidez e que impele as mulheres ao silêncio devido ao medo de serem denunciadas e diante da falta de confiança nos profissionais de saúde como promotores de cuidado, haja vista os inúmeros casos de denúncia decorrente da quebra de sigilo (Lima, 2015LIMA, Mariana Ramos Pitta. 2015. Práticas e significados em torno da ultrassonografia obstétrica e aborto em Salvador-Brasil. 2015. Dissertação (mestrado). Instituto de Saúde Coletiva - Universidade Federal da Bahia, Salvador. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/18870 . [Accessed on 22/05/2021]
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; Gonzaga, 2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2015. Eu quero ter esse direito a escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador, 28 de janeiro de 2016. Available at: Available at: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23882 [Accessed on 22/05/2021].
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; Rabay e Soares; 2008RABAY, Glória; SOARES, Gilberta Santos. 2008. “O percurso da (des) Atenção ao abortamento”. In: RABAY, G; SOARES, G. S. (orgs.) Abortamento inseguro Assistência e Discriminação. João Pessoa: Marmesh. Pp.41-65.).

No Brasil, as normas vigentes a respeito do tema permanecem em constante tensionamento. Em 2018, ocorreram audiências públicas para discussão da ADPF 442, com posicionamento favorável de várias entidades, dentre elas o Conselho Federal de Psicologia (Gonçalves e Sposito, 2019GONÇALVES, Letícia; SPOSITO, Sandra Helena. 2019. “A posição do Conselho Federal de Psicologia sobre a ADPF-442 em audiência no Supremo Tribunal Federal”. In: GONZAGA, P.R.B.; GONÇALVES, L. e MAYORGA, C. (eds.) Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto. Belo Horizonte: CRP04. Pp. 98-106.), buscando ampliar o acesso ao procedimento. Entretanto, há também movimentações que buscam restringir ainda mais, retirando inclusive os permissivos legais, como as movimentações de parlamentares analisadas por Luna (2019LUNA, Naara. 2019. “O debate sobre aborto na câmara de deputados no Brasil entre 2015 e 2017: Agenda conservadora e resistência”. Sex., Salud Soc. Rio de Janeiro. n.33, pp. 207-272.), incluindo a proposta do Estatuto do Nascituro (Moreira e Marinho, 2019MOREIRA, Lisandra Espíndula; MARINHO, Miriam Ires. 2019. “Para (não) falar de aborto: interdições a corpos que (não) gestam”. In: GONZAGA, P.R.B.; GONÇALVES, L. e MAYORGA, C. (orgs) Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto. Belo Horizonte: CRP04 . Pp. 30-43.).

No tocante à abordagem do poder legislativo, Machado (2017MACHADO, Lia Zanotta. 2017. “O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador”. Cadernos Pagu [online]. s/v, n. 50 Available at: https://doi.or g/10.1590/18094449201700500004 [Accessed on 16/06/2021]. s/p.
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
) ressalta que a partir de 2010 é possível observar uma maior intensificação do retrocesso neoconservador fundamentalista no sistema Parlamentar brasileiro, que se origina em 2005 como reação à Comissão Tripartite - esta encarregada de discutir e propor uma revisão da legislação punitiva do aborto -, em uma contrapartida a um processo de secularização da sociedade e ao crescimento dos movimentos sociais por direitos humanos. Analisando a agenda sobre aborto na Câmara entre 2015 e 2017, Luna (2019LUNA, Naara. 2019. “O debate sobre aborto na câmara de deputados no Brasil entre 2015 e 2017: Agenda conservadora e resistência”. Sex., Salud Soc. Rio de Janeiro. n.33, pp. 207-272.) apresenta a estratégia de religiosos que se posicionam como vítimas de perseguição, construindo uma agenda conservadora que não se restringe ao Congresso.

Além da formação de frentes parlamentares conservadoras, observa-se também o trâmite de projetos de lei visando a retirada dos permissivos descriminalizantes constantes na legislação brasileira. Destacam-se as seguintes proposições parlamentares em trâmite: PL 478/2007BRASIL. 2007. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 478/2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. (Estatuto do Nascituro), que intenta determinar o início da vida desde a concepção, a supressão do permissivo legal referente aos casos de estupro (art. 128, II), e propõe a inclusão do aborto na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990BRASIL. 1990. Lei 8.072, de 25 de Julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 de julho de 1990.) (Moreira e Marinho, 2019MOREIRA, Lisandra Espíndula; MARINHO, Miriam Ires. 2019. “Para (não) falar de aborto: interdições a corpos que (não) gestam”. In: GONZAGA, P.R.B.; GONÇALVES, L. e MAYORGA, C. (orgs) Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto. Belo Horizonte: CRP04 . Pp. 30-43.); Projeto de Emenda Constitucional nº 29/2015BRASIL. 2015. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº. 29, de 2015. Altera a Constituição Federal para acrescentar no art. 5º, a explicitação inequívoca “da inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”. Brasília, DF: Senado Federal., de autoria de Senador Magno Malta (PR/ES) que pretende alterar a Constituição Federal para acrescentar no art. 5º a explicitação inequívoca “da inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”; e o Projeto de Lei 5069/2013BRASIL. 2013. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº. 5.069 de 2013. Acrescenta o art. 127-A ao Decreto-Lei no. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. que intenta tipificar como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. Assim, vislumbra-se não apenas a manutenção da política proibicionista e criminalizante em relação ao aborto, mas o risco da exclusão dos permissivos legais e do agravamento das punições correspondentes à prática.

Outra ação que tramita no Supremo Tribunal Federal vinculada ao tema, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581, ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos que teve o intuito de permitir a interrupção da gravidez quando houvesse comprovação de infecção da gestante pelo zika vírus. Esse debate teve maior visibilidade quando, em 2016, ficou comprovada a relação entre a infecção pelo vírus e o aumento exponencial dos casos de microcefalia, com a caracterização da “síndrome congênita do vírus Zika”. No entanto, em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade em função da ausência de legitimidade da associação propositora para tal encaminhamento (Brasil, 2020BRASIL. 2020. Supremo Tribunal Federal. Inteiro teor do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.581 Distrito Federal. Brasília.).

Importante explicitar que o aborto, do ponto de vista da norma penal, se enquadra nos crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano ou, mesmo superior a um ano desde que seja imposta pena de multa alternativa. Assim, satisfeitos os requisitos legais, pode ser proposta a suspensão condicional do processo, cujo cumprimento sem revogação acarreta a extinção da punibilidade, conforme artigo 89 da Lei 9.099/95 (Brasil, 1995BRASIL. 1995. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras.), ressalvada a hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Brasil, 2006BRASIL. 2006. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.).

Esta discussão demonstra-se relevante ante o atual contexto no qual é possível identificar novas vertentes argumentativas, tensões sociais e políticas referentes ao debate da legalização do aborto no Brasil. O avanço de grupos conservadores na política brasileira expressa desafios não apenas na efetivação de políticas públicas já implementadas, mas também nas disputas para a ampliação de direitos sociais reivindicados por movimentos sociais e no perigo iminente de redução dos direitos sociais já garantidos.

Escolhas, decisões e punitivismos: materiais jurisprudenciais

Apresentaremos neste tópico as decisões encontradas na pesquisa da jurisprudência nos Tribunais de Justiça. É interessante pensar que a própria existência destes materiais, ou seja, documentos que comprovam os julgamentos das mulheres pela prática do aborto, demonstram que o direito de escolha não está garantido para as mulheres, concentrando o poder decisório nas instâncias legais. As decisões jurídicas aqui apresentadas significam a retirada do direito de decidir das mulheres e é necessário ter essa perspectiva em mente ao analisar os documentos.

As sentenças e os acórdãos analisados foram extraídos do sistema on-line de consulta jurisprudencial dos Tribunais de Justiça a partir dos filtros permanentes e das palavras-chave. No caso do TJMG, tanto para casos julgados na 1ª instância, quanto na 2ª instância, foi utilizado o campo da “pesquisa livre”, com os termos “aborto provocado” ou “aborto provocado com o consentimento da gestante”. No site do TJSP, para pesquisas no denominado “Banco de sentenças” (1ª instância) e “Consultas de Jurisprudência” (2ª instância), foram utilizados os filtros permanentes, selecionando o campo “assuntos” e, a partir das classificações legais ali constantes, delimitou-se a matéria no seguinte sentido: 287 - DIREITO PENAL > 3369 - Crimes contra a vida > 10915 - Aborto > 10917 - Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento.

O levantamento mapeou um total de 75 processos de possível interesse da pesquisa. Após detida leitura dos materiais, foram excluídos aqueles desvinculados ao tema (por exemplo, quando envolvia o julgamento de terceiro que provocava o aborto ou concernentes aos “estouros” de clínicas clandestinas) ou desprovidos da argumentação específica sobre a questão do aborto, tendo em vista que algumas decisões tratam de questões paralelas ao ato em si. Desse modo, chegamos a um total de 33 acórdãos (4 apelações criminais, 13 recursos em sentido estrito e 16 habeas corpus), os quais foram lidos detalhadamente e seus principais dados (número do processo, classe, partes, autoridade coatora, impetrante, data do julgamento, resultado, principais argumentos utilizados e observações interessantes), foram catalogados em planilha. Isso posto, analisamos quantitativa e qualitativamente os dados obtidos.

Dos 16 habeas corpus impetrados, todos do TJSP, 11 foram denegados e 4 concedidos por insuficiência de provas; dos 13 recursos em sentido estrito, 13 tiveram provimento negado e 3 foram providos; e, das 4 apelações criminais, 2 foram improvidas, 1 teve a análise de mérito prejudicada, ante a prescrição da pretensão punitiva e consequente extinção do feito; e 1 foi provida. Esta apresentação quantitativa busca apontar considerações numéricas acerca do corpo jurisprudencial, mas representa apenas uma estrita amostra das decisões judiciais proferidas acerca da temática.

No tocante ao desfecho dos processos judiciais, destacaram-se os seguintes: 5 rés cumpriram pena privativa de liberdade, em regime aberto; houve 1 prescrição punitiva antecipada; 1 prescrição da pretensão punitiva; 10 suspensões condicionais dos processos e 1 suspensão condicional da pena. No restante dos documentos não foi possível identificar o desfecho do caso porque ou tramitaram em segredo de justiça ou ainda estavam em trâmite no tribunal. Segundo os dados constantes nos sites dos Tribunais de Justiça estudados, as mulheres dos casos analisados encontravam-se respondendo ao processo em liberdade. Assim, os habeas corpus impetrados não tinham por fim a concessão da liberdade das indiciadas, mas buscavam o trancamento da ação penal.

Ainda que não existam no levantamento em análise relatos da detenção das acusadas, sabe-se que esse dado não pode ser tido como regra, já que outras pesquisas verificaram cenários diferentes. Segundo Cunha et al. (2012CUNHA, José Ricardo; NORONHA, Rodolfo; VESTENA, Carolina Alves. 2012. “Mulheres incriminadas por aborto no Rio de Janeiro: diagnóstico a partir dos atores do sistema de justiça criminal”. In: OLIVEIRA, F. L. (org.). Justiça em foco: estudos empíricos. Rio de Janeiro: Editora FGV. Pp. 177-204. Available at: Available at: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10358/Justi%C3%A7a%20em%20 Foco.pdf?sequence=1&isAllowed=y [Accessed on 22/05/2021].
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), há situações em que as mulheres foram detidas por prisão em flagrante sem o arbitramento da fiança, ou ainda com valores de fiança muito acima das suas possibilidades:

Já outra acusada, que admitiu ter realizado outros abortos, mãe de quatro filhos, ficou detida por um mês e meio antes que a fiança fosse arbitrada. Outra acusada, de 19 anos, sem formação escolar, sem emprego fixo, com apenas o primeiro grau completo, moradora da região conhecida como “Vila Mimosa”, teve a fiança arbitrada em R$ 3.000,00, pois, segundo relato do delegado, mentiu sobre seu nome. Há ainda o caso da jovem que foi ao hospital por conta de hemorragia proveniente do método abortivo e foi abordada por uma pessoa que se identificou como assistente social do hospital. Esta pessoa a convenceu a contar o que houve e, ao relatar o ocorrido e confessar o aborto, foi presa pelo falso atendente, quando este se revelou ser um policial. Ela ficou cerca de um mês algemada na maca do hospital, pois era incapaz de pagar a fiança de R$ 2.000,00 (Cunha et al., 2012: 200CUNHA, José Ricardo; NORONHA, Rodolfo; VESTENA, Carolina Alves. 2012. “Mulheres incriminadas por aborto no Rio de Janeiro: diagnóstico a partir dos atores do sistema de justiça criminal”. In: OLIVEIRA, F. L. (org.). Justiça em foco: estudos empíricos. Rio de Janeiro: Editora FGV. Pp. 177-204. Available at: Available at: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10358/Justi%C3%A7a%20em%20 Foco.pdf?sequence=1&isAllowed=y [Accessed on 22/05/2021].
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).

As cenas ilustram o emaranhado de relações de poder que atravessam os itinerários abortivos de mulheres em um contexto de criminalização. Fianças incongruentes com as possibilidades econômicas, utilização de identidade profissional sob falso pretexto, contenção física em serviço de saúde mesmo quando não representava ameaça para si ou para os demais. As mulheres que interrompem gestações estão no alvo constante dos discursos repressivos, de abordagens invasivas e cerceadoras, de humilhações simbólicas e físicas mesmo que em ambientes que deveriam promover saúde e direitos humanos, sendo tocadas, expostas e impelidas ao silêncio pelo medo da privação de liberdade que paira como uma ameaça final.

Para compreender como as situações de aborto são decididas é importante analisar quais argumentos são utilizados para sustentar a condenação ou para suspender o processo, bem como as condições definidas para essas situações. Nessa análise, verificamos dois aspectos principais: a articulação das instâncias de saúde na denúncia das mulheres e a utilização da suspensão condicional no desfecho dos julgamentos. Sobre o primeiro aspecto - o papel das instituições de saúde na denúncia das mulheres que realizaram autoabortamento - evidenciamos, em outra publicação, um complexo jogo de argumentações que relativizam a violação da mulher pela quebra do sigilo profissional. Nessa ocasião, apontamos que “o uso das informações obtidas pelos profissionais de saúde sob sigilo desnuda as imbricadas relações de poder que criminalizam os corpos das mulheres” (Silva, Moreira e Gonzaga, 2019: 175SILVA, Ana Carolina Januário; MOREIRA, Lisandra Espíndula; GONZAGA, Paula Rita Bacellar. 2019. “Entre o risco da morte e o medo da denúncia: mulheres indiciadas por abortamento a partir de denúncias de profissionais de saúde”. Cadernos de Gênero e Diversidade. Vol. 5, nº 3, p. 77-97.).

Sobre a utilização da suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95) e suspensão condicional da pena, também denominada sursis, como explicaremos com mais detalhes adiante (art. 77 a 82 do Código Penal), chamamos atenção para a presença da concessão da suspensão condicional de processo em 10 dos 32 pleitos analisados. Num contexto de criminalização do aborto e de um debate acirrado de concomitantes tentativas de ampliação e supressão dos permissivos legais, evidenciar que o judiciário, diante de casos puníveis suspende o processo, possibilita levantar algumas dúvidas. Estariam sendo apresentados, nessas decisões, caminhos possíveis para a descriminalização? Seriam essas suspensões argumentos favoráveis ao direito de escolha das mulheres ou à manutenção de um regime de controle dos corpos femininos e da sua potencialidade reprodutiva? No tópico seguinte, passaremos à discussão dessas questões.

Suspensão condicional: (des)continuidade do discurso punitivista?

Apresentamos aqui a análise da suspensão condicional, que nos documentos pesquisados aparece sob a forma de dois dispositivos jurídicos: a suspensão condicional do processo (Brasil, 1995BRASIL. 1995. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras.) e a suspensão condicional da pena (Brasil, 1940). Referem-se a procedimentos diferentes, sendo importante compreender primeiramente como estão construídos juridicamente. Na sequência, analisamos a utilização desses procedimentos no tensionamento do discurso punitivista direcionado às mulheres que decidem pela interrupção da gravidez.

A suspensão condicional do processo surge como forma de resolução rápida de conflitos penais advindos da prática de infrações penais de menor potencial ofensivo, isto é, aquelas em que a pena mínima é igual ou inferior a um ano. Uma vez preenchidos os requisitos legais, o processo investigatório é finalizado mediante um acordo no qual o Ministério Público, alternativamente ao exercício da pretensão acusatória, propõe ao acusado o cumprimento das condições que exercerão o papel da sanção criminal original (Giacomolli, 2005GIACOMOLLI, Nereu José. 2005. “As garantias fundamentais e a suspensão condicional do processo na Alemanha”. Revista dos Tribunais Online. Agosto de 2005. São Paulo, v.94, vol. 838, p. 456-478.; Motta, 2014MOTTA, Leonardo Longo. 2014. “A suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) e seus aspectos práticos e controvertidos”. Boletim Científico ESMPU. Jan/dez, Brasília, a. 13; n. 42-43, p. 31-70.). Ao abordar o contexto da efetivação das garantias fundamentais no sistema jurídico alemão, Giacomolli (2005GIACOMOLLI, Nereu José. 2005. “As garantias fundamentais e a suspensão condicional do processo na Alemanha”. Revista dos Tribunais Online. Agosto de 2005. São Paulo, v.94, vol. 838, p. 456-478.) salienta que entre a “sanção advinda de uma condenação e o cumprimento de certas condições, o Estado se contenta com esta última hipótese” (Giacomolli, 2005:14GIACOMOLLI, Nereu José. 2005. “As garantias fundamentais e a suspensão condicional do processo na Alemanha”. Revista dos Tribunais Online. Agosto de 2005. São Paulo, v.94, vol. 838, p. 456-478.).

A proposta precisa ser aceita pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz que poderá suspender o processo mediante algumas condições. Dentre as condições estão: reparação do dano (se possível), proibição de frequentar alguns lugares e de ausentar-se da comarca sem autorização, comparecimento mensal em juízo. Há ainda a possibilidade de o juiz especificar outras condições que julgue adequadas ao fato e à condição do acusado (Brasil, 1995BRASIL. 1995. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras.). A concessão da suspensão condicional do processo, como o nome indica, não se aplica sem critérios e custos, havendo condições prévias e posteriores. Está condicionada aos seguintes elementos: a pena mínima definida deve ser igual ou inferior a um ano (pena considerada em abstrato); o acusado não esteja sendo processado criminalmente ou não tenha sido condenado por outro crime; e, estejam presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

A concessão da suspensão condicional do processo implica que não há instrução criminal e tampouco existirá uma sentença condenatória no caso. Da mesma forma, não constará da certidão de antecedentes criminais, não gerando reincidência ou maus precedentes, não sendo, portanto, equivalente a uma condenação. Esse dispositivo, por conta das possibilidades de não perpetuar as marcas jurídicas de uma condenação, parece ser bastante atrativo. Entretanto, a sua aplicação não libera as mulheres da avaliação jurídica, agora não mais no formato do julgamento padrão, mas na forma de avaliação das condições de aplicação para a suspensão. Avaliadas a partir de questões sobre conduta social, personalidade, ou seja, temas bastante subjetivos e de cunho moral, dentre outras mais objetivas, mas não menos problemáticas como antecedentes e circunstâncias. Cabe ressaltar que o aceite por parte das mulheres acusadas não implica em admissão de culpa, mas obriga ao cumprimento das condições impostas.

A suspensão condicional do processo não equivale a uma condenação e tampouco implica admissão de culpa. Insere-se na perspectiva negocial, sem qualquer juízo de desvalor sobre o mérito (caso penal) e, uma vez cumpridas as condições impostas, o processo é extinto como se nunca houvesse existido (não gerando, portanto, reincidência ou maus antecedentes).

A sentença que suspende o processo não implica admissão de culpa por parte do réu, tendo a natureza do nolo contendere, que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência. (Lopes Junior., 2020:1211LOPES JUNIOR, Aury. 2020. Direito processual penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva.)

A suspensão condicional da pena (ou sursis), detectada em um dos casos analisados (TJMG, 1.0145.16.022044-1/001), está prevista no Capítulo IV do Código Penal (Brasil, 1940, arts. 77 a 82). Neste caso, diferente da suspensão do processo, o procedimento é haver instrução processual e sentença condenatória, ficando apenas a execução da pena privativa de liberdade suspensa por determinado período. Conforme prevê o Código Penal Brasileiro:

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício. (Brasil, 1940BRASIL.1940. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.)

Assim como a suspensão do processo, a suspensão da pena prevê condições a serem estabelecidas pelo julgador e cumpridas pelo condenado (Brasil, 1940, art. 78BRASIL.1940. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.). Dentre elas estão: primeiramente, a prestação de serviços à comunidade ou limitação de fins de semana. Esta condição poderá ser substituída por outras condições cumulativas: proibição de frequentar determinados lugares e de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz, comparecimento mensal obrigatório a juízo. Além dessas, podem ser determinadas outras condições em sentença, desde que adequadas ao fato e à situação do condenado (Brasil, 1940BRASIL.1940. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.).

Assim, como vemos, ambas as possibilidades de desfecho encontradas na nossa pesquisa, isto é, a suspensão da pena ou suspensão do processo, estão condicionadas à análise positiva de vários elementos que integram as “circunstâncias judiciais” os quais, por sua vez, contemplam conceitos jurídicos indeterminados, havendo significativa margem de discricionariedade dos agentes públicos ao considerarem a presença ou ausência de um determinado requisito legal subjetivo. Verificamos nos documentos analisados que os magistrados recorreram a requisitos que transparecem o caráter moral da condenação e o intuito do controle sobre a conduta das agentes, de forma a prescrever novos comportamentos e sujeições, conforme se extrai do seguinte excerto:

Satisfeitos os requisitos do artigo 77, do Código Penal, concedo-lhe o “sursis” pelo prazo de 3 anos, mediante o cumprimento das seguintes condições: a) prestar serviços comunitários por 8 horas semanais, em local a ser indicado, durante o primeiro ano; b) comparecer bimensalmente perante o Juízo da Vara de Execuções Penais para informar sobre suas atividades; c) proibição de se ausentar da Comarca por mais de 30 dias, sem prévio consentimento judicial, d) não permanecer em via pública após as 22:00 horas sem justificativa, e) dada a natureza peculiar dos crimes a que a ré foi condenada, e a inegável afetação de seu estado psíquico, além das condições legais para suspensão condicional da pena, deverá a ré submeter-se a tratamento psicológico e/ou psiquiátrico pelo prazo de 12 meses, comprovando nos autos mensalmente. (TJMG 1.0145.16.022044-1/001; 022044175.2016.8.13.0145, Data de julgamento: 23 de junho de 2017, Relator: Des. Evaldo Elias Penna Gavazza)

Neste caso, estamos diante da suspensão condicional da pena, do que se extrai que o processo tramitou em seu curso ordinário, havendo sua instrução processual e a sentença, cujo dispositivo condenatório se encontra parcialmente transcrito, sendo listadas cinco condições para a concessão do sursis. As condições “a”, “b” e “c” parecem condizentes com a prestação de contas esperada no acompanhamento da suspensão, conforme prescrito pela lei. Já a condição “d”, a mais explícita em relação ao controle moral do corpo feminino, mostrando que o judiciário concede a si o direito de exigir que mulheres estejam em casa à noite como sinal de bom comportamento. Interessante pensar que é um dispositivo de suspensão de pena, mas as condições são análogas ao regime semi-aberto. Além disso, a condição “e” cristaliza a ideia de que ao escolher o aborto a mulher estaria com problemas psicológicos, sendo que não há nenhum respaldo científico para embasar essa afirmação. Na sequência, impõe tratamento psicológico como pena, o que tem sido fortemente questionado por especialistas e profissionais que se dedicam a compreender as potencialidades e desafios da interface entre a Psicologia e o Direito (Arantes, 2008ARANTES, Esther Maria de Magalhães. 2008. “Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar”. In: COIMBRA, C.; AYRES, L. & NASCIMENTO, M. L. (Orgs.), Pivetes: encontro entre a psicologia e o judiciário. Curitiba: Juruá. Pp. 131-148.). A imposição do tratamento como pena recebe importantes questionamentos pelos problemas que apresenta: possível quebra do sigilo, já que em algumas situações o profissional teria que relatar informações ao juiz, além de incidir sobre o caráter voluntário do tratamento, que poderia ser considerado condição fundamental para sua eficácia (Arantes, 2008ARANTES, Esther Maria de Magalhães. 2008. “Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar”. In: COIMBRA, C.; AYRES, L. & NASCIMENTO, M. L. (Orgs.), Pivetes: encontro entre a psicologia e o judiciário. Curitiba: Juruá. Pp. 131-148.).

Na questão do aborto, é necessário reafirmar a autonomia das mulheres, reforçando que a escolha do aborto não representa problema psicológico. A literatura especializada tem indicado que os impactos psicológicos do abortamento são produzidos no contexto de condenação penal e jurídica que implicam em agravamento de situações de risco, ansiedade, medo e culpa (Santos e Almeida, 2013SANTOS, Helena Miranda; ALMEIDA, Alessandra. 2013. “As Mulheres e a Autonomia sobre seus corpos: Discussões acerca do Aborto e dos Direitos Reprodutivos”. In: ANDRADE, D.S.V.; SANTOS, H.M. (org). Gênero na Psicologia: Articulações e Discussões. Salvador: CRP-03. Pp. 129-140.).

Em outro caso, a suspensão do processo, com prazo de dois anos, apresenta novamente o controle da vida social da mulher, incluindo também novas condições:

imponho ao(a) réu(ré) as seguintes condições: a) comparecimento pessoal e obrigatório perante este Juízo, bimestralmente, para informar e justificar suas atividades; b) proibição de ausentar-se da Comarca onde reside, por mais de 08 dias, sem autorização deste Juízo, a não ser que seja em razão de seu trabalho; c) proibição de frequentar bares, boates, salões de bailes, casas de jogos, casas de prostituição e similares; d) comunicação prévia no caso de mudança de endereço ao Juízo. e) prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, a ser pago em 02 (duas) parcelas, que deverá ser efetuado em até 30 (trinta) dias a contar desta e o subsequente em 60 (sessenta) dias. (...) Em seguida, o MM. Juiz de Direito advertiu o(a) réu(ré) das consequências de nova infração e da transgressão das obrigações impostas, ou seja, a revogação da suspensão e o prosseguimento do processo em seus ulteriores termos, tendo ele(a) afirmado (...) e aceitado as condições impostas, prometendo cumprir as obrigações. (...) (TJSP, 218889433.2017.8.26.0000, Data de julgamento: 24 de outubro de 2017, Relator: Des. Airton Vieira) (Grifos acrescidos)

Nesse trecho, observamos que as condições aplicadas ao caso (“a”, “b”, “d”) guardam correspondência àquelas dispostas no Código Penal (§ 2° do art. 78 do Código Penal). Já a condição imposta na alínea “c” traz a proibição de “frequentar bares, boates, salões de bailes, casas de jogos, casa de prostituição e similares” o que pode ser questionado tendo em vista que intenta impor modelos de comportamento e pode conduzir à perpetuação da exclusão de classes socialmente estigmatizadas, como ocorre com as profissionais do sexo.

Outra questão que emerge da leitura desse excerto é da prestação pecuniária aplicada, a qual deve ser adequada ao caso concreto e à capacidade financeira da acusada. No entanto, considerando que número significativo de mulheres que adentram o sistema judicial penal em função do abortamento são oriundas de classes populares, esta prestação poderá constituir ônus de difícil cumprimento e, portanto, medida excessiva à manutenção da suspensão condicional do processo.

Em suma, a suspensão condicional do processo, tida como uma medida de política criminal despenalizadora, tem sido amplamente verificada nos indiciamentos por aborto, conforme já caracterizado por outras pesquisas (Frente Nacional contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto, 2015FRENTE NACIONAL CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DAS MULHERES E PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO. 2015. Criminalização das mulheres pela prática do aborto no Brasil - Dossiê 2007 - 2014. Edição: Cristina Lima - São Paulo. Available at: Available at: https://frentelegalizacaoaborto.files.wordpress.com/2018/09/dossic3aa-completo-criminalizac3a7c3a3o-das-mulheres-pela-prc3a1tica-de-aborto-no-brasil-de-2007-20141.pdf [Accessed on 22/05/2021].
https://frentelegalizacaoaborto.files.wo...
; Cunha et al. 2012CUNHA, José Ricardo; NORONHA, Rodolfo; VESTENA, Carolina Alves. 2012. “Mulheres incriminadas por aborto no Rio de Janeiro: diagnóstico a partir dos atores do sistema de justiça criminal”. In: OLIVEIRA, F. L. (org.). Justiça em foco: estudos empíricos. Rio de Janeiro: Editora FGV. Pp. 177-204. Available at: Available at: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10358/Justi%C3%A7a%20em%20 Foco.pdf?sequence=1&isAllowed=y [Accessed on 22/05/2021].
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/b...
; ISER/IPAS, 2014Instituto de Estudos da Religião (ISER); IPAS. 2014. Criminalização das jovens pela prática de aborto: análise do sistema de segurança pública e do sistema de justiça do Rio de Janeiro. Relatório Final. Available at: Available at: https://www.iser.org.br/wp-content/ uploads/2013/11/relatorio-ISER-Ipas-Final-15-04-14.pdf [Accessed on 22/05/2021]
https://www.iser.org.br/wp-content/ uplo...
), posto que, em regra, as mulheres são rés primárias e de bons antecedentes, se enquadrando nos requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95.

Ainda que as mulheres não tenham sido efetivamente condenadas ou absolvidas, precisamos colocar em questão se a suspensão pode ser considerada efetivamente uma ruptura do discurso punitivista. Esse procedimento não tem impedido que as mulheres sejam submetidas a prisões em flagrante, quando ainda em recuperação do processo abortivo; a inquérito policial, em que suas vidas e intimidades são invadidas e, consoante tratado, a uma série procedimentos institucionais, perpetrados por profissionais da área da saúde que, em descumprimento do seu dever de zelo, não proveem o tratamento mais adequado às mulheres em situação de abortamento. Todos esses fatos se concretizam antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e recebimento por juiz criminal, quando então se dará início à ação e instrução penal.

Da mesma forma, as medidas delineadas para cumprimento durante o período de 2 (dois) anos, não obstante consideradas menos gravosas (em relação, por exemplo, ao sursis e a condenação ao cumprimento do regime semiaberto) e admitidas sob colaboração, são determinações que implicam no cerceamento da liberdade da mulher, dado que não poderão ausentar-se da comarca em que residem sem autorização judicial ou deverão prestar informações, além disso, há restrições quanto ao seu direito de ir e vir após determinado horário e a frequentar determinados espaços.

Neste sentido, o uso dos dispositivos de suspensão condicional de processo e de pena não se concretiza como descontinuidade do discurso punitivista. Pelo contrário, a análise do modo como as suspensões são acionadas permite a compreensão de uma complexa transformação do punitivismo em controle moral dos corpos femininos. Fica amenizado o discurso pela penalização do aborto e a condenação da prática, mediante a intensificação do poder jurídico definindo condições de vigilância sobre o corpo feminino, em especial, da conduta sexual e moral das mulheres que vivenciaram o abortamento.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos analisar as argumentações utilizadas nas decisões judiciais que julgaram mulheres pela conduta abortiva, na jurisprudência dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e de São Paulo. É sabido, em relação ao delito em análise, que o recurso à norma penal produz uma forma de poder simbólico, que não coíbe a prática e perpetua às mulheres em situação de abortamento uma condição de estigma e exclusão, buscando legitimar o controle sobre corpos femininos e produzindo violência de gênero. Nesse contexto, o Direito penal cuja função é proteger subsidiariamente os denominados bens jurídicos essenciais ao indivíduo e ao seu livre desenvolvimento em coletividade (Martins, 2013: 42MARTINS, Alessandra Beatriz. 2013. Tutela penal do embrião humano in vitro. São Paulo: Cultura Acadêmica.), considerando opção pela política criminal liberal de intervenção mínima, passa de organizador da sociedade a um instrumento perpetuador das desigualdades.

No atual contexto legislativo, houve a formação de frentes parlamentares de orientação religiosa conservadora que lideram o trâmite de projetos de lei visando à retirada dos permissivos da legislação brasileira, arduamente obtidos, em especial, pelos movimentos feministas. Em contrapartida, é possível perceber uma paulatina mudança no tocante ao reconhecimento da desnecessidade de tipificação e punição da mulher que opta por esse procedimento, ainda quando considerado o contexto de maior discussão e movimentação acerca dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.

A suspensão condicional tem sido apontada como recurso do poder judiciário pela despenalização do abortamento. Identificamos nos materiais o uso da suspensão condicional do processo, como também da suspensão condicional da pena. Entretanto, a ferramenta que busca livrar as mulheres capturadas pelo sistema penal de uma condenação propriamente dita ou formal, não tem garantido a descontinuidade do discurso punitivista pois implica em restrições fixadas a critério do julgador. As condições impostas às mulheres, enviesadas e imbuídas de conotação moral, instituem restrições e consolidam a vigilância da conduta feminina por parte do judiciário, dentre elas, prestação de serviços comunitários, impedimento de frequentar lugares específicos, restrição de horários para circulação, encaminhamento compulsório para atendimento psicológico, pagamento de prestação pecuniária. Condições que podem ter efeitos muito diferentes conforme as situações de vida de cada uma das mulheres.

Mesmo quando não ocorre a condenação judicial dessas mulheres, diversas práticas, especialmente no campo da saúde, marcam a interdição moral em torno do abortamento. Além disso, apesar da não efetivação da condenação em alguns casos, a trajetória jurídica, marcada por denúncias, notificações, processos penais e em alguns casos, prisões, produzem efeitos sociais e subjetivos nas mulheres (Scavone, 2008SCAVONE, Lucila. 2008. “Políticas feministas do aborto”. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 675-680.).

Os efeitos do poder coercitivo derivado da norma criminalizadora contemplam a violação do exercício da liberdade e da autodeterminação da mulher, deixando-a exposta a uma série de violações institucionais e a julgamentos sociais que perpetuam a desigualdade e a violência de gênero. Os desdobramentos deste quadro são diversos, mas principalmente a dificuldade de acesso ao procedimento do abortamento, mesmo em situações de aborto legal e a frequente infringências à integridade física, mental e psicológica das mulheres em situação de abortamento, produzindo alta mortalidade de mulheres em decorrência de procedimentos abortivos inseguros pela ausência de orientação ou estrutura adequadas.

A manutenção da criminalização do aborto, mesmo quando aciona a suspensão condicional, tem auxiliado o poder estatal a manter seu propósito controlador da sexualidade e da capacidade reprodutiva feminina, sobretudo daquelas mulheres que contrariam o papel socialmente atribuído e relacionado à maternidade, sem contudo, obter o seu suposto objetivo de proteção à vida. Dessa forma, ante a ineficácia da solução punitiva resta evidenciada a necessidade de alteração da normativa penal vigente, para afastando o estigma social circunscrito ao aborto, prover às mulheres o pleno exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos e garantia de atenção médico-hospitalar humanizada.

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  • 1
    De maneira simplificada, cabe salientar que sentenças são decisões tomadas por apenas um julgador e acórdãos são decisões tomadas por mais de um julgador, membros de um órgão colegiado.
  • 2
    O recurso em sentido estrito é aquele que visa impugnar decisões proferidas ao longo do processo penalBADARÓ, Gustavo Henrique. 2015. Processo Penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais., as quais não possuem caráter terminativo ou definitivo da ação penal, sendo que as hipóteses de cabimento encontram-se elencadas no art. 581 do Código de Processo Penal (Decreto-lei 3689/1941BRASIL. 1941. Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.).O habeas corpus, previsto no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, é um instrumento jurídico que visa a reparar ou evitar violência ou coação à liberdade de locomoção em razão de prática ilegal ou de abuso de poder. Apelação é um meio de impugnação que permite a um órgão colegiado de grau superior revisar julgamento proferido em primeiro grau.
  • 3
    Misoprostol é a versão sintética da prostaglandina E1, substância recomendada para tratamentos gastrointestinais. Devido seus efeitos de contração uterina, o medicamento é utilizado por mulheres para a interrupção gestacional. É popularmente conhecido pelo nome fantasia Cytotec.
  • 4
    Jandira Magdalena dos Santos Cruz foi encontrada carbonizada, desmembrada, dentro de um carro em Guaratiba, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 2014, um dia após ter entrado em um carro que a levaria a uma clínica clandestina de aborto. Elizangela Barbosa foi deixada na Estrada de Ititioca, em Niterói, com hemorragia severa oriunda de perfuração do útero e do intestino após um aborto mal sucedido em 21 de setembro de 2014. Durante a autópsia foi localizado um tubo plástico no interior do seu útero. Ambos os casos ocorreram no contexto das eleições presidenciais e, a despeito das mobilizações de coletivos feministas, não repercutiram nas campanhas dos presidenciáveis com maior expressão nas pesquisas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2020
  • Aceito
    25 Mar 2021
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