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”A sociedade socialista não pode permitir esse tipo de degenerações”. As UMAP como dispositivos disciplinares da revolução cubana

”La sociedad socialista no puede permitir ese tipo de degeneraciones”. Las UMAP como dispositivos disciplinares de la revolución cubana

”Socialist society cannot allow such degenerations.” The UMAP as disciplinary devices of the Cuban revolution

Resumo:

O presente artigo resulta da problematização sobre o fenômeno da repressão a setores marginados da sociedade cubana nos primeiros anos da Revolução (1965 a 1968), especificamente contra homossexuais, religiosos, artistas e intelectuais. Partindo da perspectiva foucaultiana, analisamos o contexto sociopolítico em que se desenvolveram estas ações, onde o discurso do líder Fidel Castro teve um papel decisivo. Passando logo à análise dos mecanismos através dos quais se desenvolvia uma estratégia disciplinar e de normalização das pessoas que representavam um modelo distinto ao estabelecido oficialmente. Esta estratégia resultou no dispositivo conhecido como UMAP. Além disso, se reflete sobre o papel da Psiquiatria cubana na implementação destas estratégias e as principais normas jurídicas que outorgaram legalidade a estes dispositivos disciplinares.

Palavras-chave:
Cuba; homofobia; democracia; socialismo; política

Resumen:

Este artículo surge de la problematización del fenómeno de la represión contra sectores marginados de la sociedad cubana en los primeros años de la Revolución (1965 a 1968), específicamente contra homosexuales, religiosos, artistas e intelectuales. Partiendo de la perspectiva foucaultiana, analizamos el contexto sociopolítico en el que se desarrollaron estas acciones, donde el discurso del líder Fidel Castro jugó un papel decisivo. Pasando al análisis de los mecanismos a través de los cuales se desarrolló una estrategia disciplinaria y de normalización para personas que representaban un modelo diferente al establecido oficialmente. Esta estrategia dio como resultado el dispositivo conocido como UMAP. Además, reflexiona sobre el papel de la Psiquiatría cubana en la implementación de estas estrategias y las principales normas legales que han otorgado legalidad a estas disposiciones disciplinarias.

Palabras clave:
Cuba; homofobia; democracia; socialismo; política

Abstract:

This article results from the problematization of the phenomenon of repression of marginalized sectors of Cuban society in the first years of the Revolution (1965 to 1968), specifically against homosexuals, religious, artists and intellectuals. Starting from the foucaultian perspective, we analyze the socio-political context in which these actions developed, where the speech of the leader Fidel Castro played a decisive role. Moving on to the analysis of the mechanisms through which a disciplinary and standardization strategy was developed for people who represented a model different from the one officially established. This strategy resulted in the device known as UMAP. In addition, it reflects on the role of Cuban Psychiatry in the implementation of these strategies and the main legal norms that have given legality to these disciplinary devices.

Keywords:
Cuba; homophobia; democracy; socialism; politics

Introdução

Em novembro de 2018, se cumpriram 50 anos da eliminação das Unidades Militares de Ayuda a la Producción (UMAP) em Cuba. Estas instituições que funcionaram até julho de 1968, tiveram um objetivo específico dentro do contexto sociopolítico cubano da época, bem diferente das funções comuns de formação e preparação militar. Dentro das UMAP se tentou corrigir comportamentos considerados incompatíveis com o Socialismo e a Revolução cubana, num experimento que combinava o trabalho forçado com formação política e tratamento psiquiátrico. Aqueles recluídos nestes lugares, formavam parte de um setor social marginalizado porque seus comportamentos foram considerados inservíveis para a construção do Socialismo e impróprios desde a perspectiva moralista revolucionária.

No mesmo ano 2018, a editorial Verbum publica um romance biográfico intitulado Benjamin: cuando morir es más sensato que esperar, da psicóloga cubana Carolina De la Torre. O livro é baseado na narrativa da vida de Benjamin, jovem cubano que depois de ser denunciado no seu bairro por “condutas impróprias” , é obrigado a cumprir o serviço militar nas UMAP. Benjamin, artista e homossexual, pouco depois de ser liberado daquele lugar, não conseguiu ultrapassar um profundo estado depressivo e terminou se suicidando.

Assim, a data comemorativa da fundação das UMAP e o livro Benjamin... nos motivaram a realizar um estudo sobre este fenómeno significativo, mas pouco divulgado na história oficial de Cuba. A nossa intenção foi compreender como as UMAP se constituíram como dispositivo disciplinar no contexto sociopolítico cubano na década de 1960. Para isso, foram analisados uma série de documentos relacionados às UMAP e ao cenário em que foram criadas.

Na primeira etapa, realizou-se uma busca de informações sobre estas instituições e as circunstâncias associadas à sua criação. Ante a dificuldade de encontrar suficientes materiais publicados em Cuba sobre as UMAP, foi necessário concentrar a pesquisa na internet, especificamente nos buscadores acadêmicos Refseek, Redalyc, Google Académico e HighBeam, usando os descritores: “UMAP”, “Años 60 en Cuba” e “Homofobia em Cuba”. Entendemos que a limitação de informações dentro de Cuba sobre este fenômeno deve-se à intenção consciente do Estado cubano de silenciar esta parte polêmica da história e que motivou críticas de artistas e intelectuais estrangeiros, opostos ao que acontecia nas UMAP (Madero, 2016MADERO, Abel. 2016. “El trabajo os hará hombres: Masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años sesenta”. Cuban Studies. nº 46, p. 309-349). A partir daí foram selecionados os diferentes materiais bibliográficos, priorizando documentos que trataram diretamente o tema ou que fossem um referente essencial para compreendê-lo.

As fontes consultadas sobre a temática foram: seis livros, sete revistas, uma tese doutoral e uma dissertação. Dentro destes materiais está o livro Benjamin: cuando morir es más sensato que esperar (De la Torre, 2018DE LA TORRE, Carolina. 2018. Benjamín: cuando morir es más sensato que esperar. 1ª ed. Madrid: Verbum. 334 p.), que mesmo que seja uma obra literária, contém testemunhos sobre a vida cotidiana nas UMAP e o momento histórico em que estas funcionaram. No livro Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación (1790-1970) (Marques de Armas, 2014MARQUES DE ARMAS, Pedro. 2014. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación (1790-1970). 1ª ed. Madrid: Verbum . 351 p.), achamos referências fundamentais sobre a política higienista na história cubana, assim como sobre algumas estruturas de normalização usadas desde os primeiros anos da Revolução e que atingiram diferentes setores da população. Ademais, foi consultado o Código Penal cubano (López, 2011LÓPEZ, Judith. 2011. Código Penal cubano. 1ª ed. La Habana: ONBC. 132 p.), onde aparece a figura delitiva de “periculosidade social”, junto à justificativa de sua aplicação no âmbito jurídico cubano. Esta categoria tem sido usada na repressão das condutas consideradas “impróprias” na sociedade cubana. Foi consultado ademais, o livro Del otro lado del espejo: la sexualidad en la construcción de la nación cubana (Madero, 2006MADERO, Abel. 2006. Del otro lado del espejo: la sexualidad en la construcción de la nación cubana. 1ª ed. La Habana: Casa de las Américas. 291 p.), em que o autor faz uma análise histórica da percepção, acolhida/rejeição das diferentes formas de sexualidade em Cuba. Também foram incluídas como fontes de informação os discursos ditados na década de 1960 por Fidel Castro, figura política essencial da Revolução cubana, e que se acham no livro En eso llegó Fidel: 55 años de historia. Intervenciones y reflexiones (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.). Das falas de Fidel Castro foram selecionadas apenas aquelas sobre os temas da homossexualidade, intelectualidade, arte e políticas estatais associadas. Ademais, foi consultado o romance autobiográfico Antes que anochezca, do escritor cubano Reinaldo Arenas, quem, mesmo que não esteve nas UMAP, relata neste livro os efeitos da política repressiva contra os intelectuais homossexuais por parte do governo cubano (Arenas, 1992).

Das diferentes revistas consultadas, os artigos selecionados que tratam diretamente o tema das UMAP foram: “El trabajo os hará hombres”: masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años 60 (Madero, 2016MADERO, Abel. 2016. “El trabajo os hará hombres: Masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años sesenta”. Cuban Studies. nº 46, p. 309-349); Demystifying las UMAP: The Politics of Sugar, Gender, and Religion in 1960s Cuba (Tahbaz, 2013TAHBAZ, Joseph. 2013. “Demystifying las UMAP: The Politics of Sugar, Gender, and Religion in 1960s Cuba”. Delaware Review of Latin American Studies. Delaware. Vol. 2, nº 14. Available at: Available at: http://www1.udel.edu/LAS/Vol14-2Tahbaz.html [[Accessed on 12. 06. 2018]].
http://www1.udel.edu/LAS/Vol14-2Tahbaz.h...
) e A 50 años de las UMAP. Entrevista com Héctor Santiago (Viera, 2015VIERA, Félix. 2015. “A 50 años de las UMAP-Entrevista com Héctor Santiago”. Revista Cubaencuentro / Entrevistas. Madrid. Available at: Available at: https://www.cubaencuentro.com/entrevistas/articulos/a-50-anos-de-las-umap-323725 [[Accessed on 20.08.18]]
https://www.cubaencuentro.com/entrevista...
). Sobre o contexto sociopolítico cubano da década de 1960 e acontecimentos relacionados com a repressão a homossexuais, o artigo Navegaciones y borrascas: Mónika Krause y la educación sexual en Cuba (1979-1990) (Gay-Silvestre, 2003GAY-SILVESTRE, Dominique. 2013. “Navegaciones y borrascas: Mónika Krause y la educación sexual en Cuba (1979-1990)”. Neue Folge. nº18, p. 91-109.). A respeito das normas jurídicas que deram legalidade as UMAP, foram consultados os seguintes artigos: El delito, la criminología y el derecho penal en Cuba después de 1959 (Ochoa, 2000OCHOA, Ramón. 2000. “El delito, la criminología y el derecho penal en Cuba después de 1959”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. nº 2. Available at: Available at: http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_02-02.html . [[Accessed on 13.07. 2018]].
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) e Gasto militar y políticas de excepción en la República de Cuba (1952-1965) (Silva, 2014SILVA, Francisco. 2014. “Gasto militar y políticas de excepción en la República de Cuba (1952-1965)”. Memorias Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe. Barranquilla. nº 22. Available at: Available at: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=85530426007 [[Accessed on 13.07. 2018]].
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). Finalmente foi consultada a tese de doutorado intitulada The normalization of sexual diversity in revolutionary Cuba (Kirk, 2015KIRK, E. 2015. The normalization of sexual diversity in revolutionary Cuba. Ph. D. Dissertation, University of Nottingham.) e a dissertação Educación, trabajo y sexualidad: trayectorias laborales de maestros homosexuales en Cuba (Vázquez, 2015VÁZQUEZ, Y. 2017. Educación, trabajo y sexualidad: trayectorias laborales de maestros homosexuales en Cuba. MSc Dissertation, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. ) onde achamos abundante informação sobre políticas estatais cubanas sobre diversidade sexual.

Na segunda etapa, os conteúdos extraídos das leituras, foram agrupados nas seguintes temáticas: 1. Contexto sociopolítico cubano na década de 1960; 2. Normas jurídicas e extrajurídicas relacionadas com as UMAP; 3. As UMAP como dispositivo disciplinar. Na terceira etapa, foi realizada a análise dos dados mediante um processo de inferências e interpretações dos conteúdos manifestos e latentes presentes nos textos escolhidos, assim como, os núcleos de significado que permitiram compreender as UMAP como um tipo de dispositivo disciplinar.

O nosso referente teórico principal é a obra de Michel Foucault, da qual extraem-se os elementos conceituais necessários para compreender este dispositivo e as questões a ele associadas. Neste sentido, o conceito de dispositivo resulta essencial, sendo para Foucault um conjunto diverso de elementos como:

[...] discursos, instituições, instalações arquitetônicas, decisões regimentais, leis, disposições administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (…). Os elementos do dispositivo pertencem tanto as coisas ditas como as não ditas. O dispositivo é aquela rede que pode ser estabelecida entre os elementos mencionados (Foucault, 1977FOUCAULT, Michel. 1977. “Le jeu de Michel Foucault. Suivi de: Alain Grosrichard. N’avouons jamais?». Ornicar?. Bulletin périodique du Champ freudien. 1997. nº10, p. 65-105. : 63, tradução própria).

Foucault (1977FOUCAULT, Michel. 1977. “Le jeu de Michel Foucault. Suivi de: Alain Grosrichard. N’avouons jamais?». Ornicar?. Bulletin périodique du Champ freudien. 1997. nº10, p. 65-105. ) afirma que, nos dispositivos existe uma relação dinâmica entre os elementos que o compõem, expressado nas mudanças de posições ou de funções entre eles. Mas também o dispositivo vai ter um objetivo estratégico de domínio, como uma resposta ante uma urgência em um momento concreto. Partindo disso, se entende as UMAP como um tipo de dispositivo disciplinar criado em Cuba como resposta às ameaças de derrubada do poder político instaurado nos primeiros anos da Revolução.

O Contexto sociopolítico cubano na década de 1960

A Revolução cubana foi um dos grandes acontecimentos mundiais no século XX. A derrubada de uma ditadura cruenta e a instauração de um sistema social que prometia a igualdade entre as pessoas colocaram a Cuba no centro do interesse internacional e como modelo de rebeldia para América Latina. Os primeiros anos do novo governo, depois de 1959, estiveram marcados por grandes transformações sociais e econômicas que procuravam sobretudo alcançar os níveis de igualdade prometidos por Fidel Castro - seu líder principal - e sonhados por grande parte da população. Mas, ao tempo que muitos sonhos dos cubanos se tornavam realidade, instaurou-se entre a população uma atmosfera de alerta generalizado ante o perigo de ameaças militares ou de derrocada do governo.

O ambiente político e social se tornou cada vez mais complexo, uma mistura de alegria e incerteza ante as ameaças de guerra, chegando-se algumas vezes a níveis graves. Alguns exemplos que ilustram esta situação são: a declaração de Fidel Castro do socialismo como única alternativa política em abril de 1961, marcando um ponto de inflexão e radicalização por parte da ortodoxia revolucionária e da oposição. Dias depois se produziu uma invasão à Ilha por paramilitares cubanos, treinados e apoiados pelo governo norte-americano. No ano seguinte, Cuba foi epicentro da “Crise dos Mísseis”, provocando o risco de uma confrontação nuclear em plena Guerra Fria. A certeza da necessidade de ficar alerta começou a fazer parte do cotidiano dos cubanos, imbricados no discurso oficial de ameaça interna e externa. O risco de uma guerra com EUA e as tentativas da oposição nacional de derrubar o regime político constituíram o fundamento da atmosfera de tensão e o motivo do governo para adotar medidas radicais como a perseguição à dissidência e ao pensamento crítico, assim como a militarização da sociedade.

E assim que apareceu um discurso político sobre o risco, manifestado em um conjunto de enunciados (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martin Fontes. 572 p.) sobre “a revolução ameaçada” e “seus inimigos”. Este discurso político foi a base da criação das UMAP. A essência deste discurso pode ser encontrada em alguma das frequentes intervenções do líder Fidel Castro, onde as ameaças bélicas e a necessidade de preparar-se militarmente, foram temas recorrentes numa estratégia de prevenção de riscos.

Embora existiram ações violentas contra o governo, parece ter sido a capacidade de influência de Fidel Castro sobre o povo que contribuiu de maneira decisiva na instalação de alerta constante nestes primeiros anos. Fidel foi o principal estrategista do processo conhecido como revolução cubana e suas ideias políticas têm sido a maior referência teórica e ideológica do socialismo em Cuba. Como símbolo de uma nova etapa e da derrota da ditadura de Batista , a maioria do povo, esperançoso, apoiou as medidas e as propostas de Fidel, chegando muitas vezes a um nível extremo de adoração e mistificação da sua figura.

Assim, seguindo uma lógica de unidade frente ao inimigo, as massas aceitaram a doutrinação ideológica e a formação militar como algo normal e imprescindível. Explica Foucault (2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martin Fontes. 572 p.) que é disto do que se trata no processo da normalização: que os indivíduos entendam que a ação do governo é necessária e suficiente. Não basta a imposição, é preciso contar com a anuência e compreensão das pessoas.

Em 1959, Fidel Castro profetizava a guerra em um futuro catastrófico augurando que os agressores iriam “achar aqui o povo armado, [...] cada canto de Cuba vai ser uma trincheira e uma fortaleza, e detrás de cada árvore vai se combater” (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 923, tradução própria). Neste contexto, ser capitalista, expressar opiniões distintas ou não participar ativamente do ambiente de guerra, passou a ser motivo de estigmatização e discriminação; estabelecendo-se uma divisão entre os que apoiavam incondicionalmente o processo revolucionário, o sujeito “normal” e os que não o apoiavam, colocados do lado negativo e chamados de “inimigos”. Estes últimos serão os símbolos do risco e, portanto, serão desqualificados e colocados como objetos de normalização (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martin Fontes. 572 p.).

Assim, o “sujeito revolucionário”, incondicional, produtivo e ativo, modelo de normalidade cobrou bastante força nesse contexto. Este ideal de normalidade, com suas caraterísticas, é fundamental para o funcionamento dos dispositivos disciplinares (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martin Fontes. 572 p.). Daí que o objetivo da normalização disciplinar é que todos os indivíduos se tornem semelhantes ao modelo estabelecido e, portanto, estejam (ou voltem a estar) colocados do lado dos “normais”, através do que Foucault (2008: 75) descreve como “adestramento progressivo e de controle permanente”. Esse foi o principal argumento que sustentou o dispositivo das UMAP: a necessidade de normalizar os sujeitos “diferentes”, considerados “inimigos da Revolução”. Para isto, se usou tanto controle social como o treinamento militar, com o discurso político como matriz.

Ainda no próprio ano de 1959, num congresso que reunia um amplo grupo de trabalhadores sindicais cubanos, Fidel Castro dedicou seu discurso desse dia, entre outros temas, à questão das ameaças internas e externas à revolução. Num ponto específico da sua arenga, ele estabeleceu uma divisão entre os cubanos revolucionários e os inimigos da revolução , especificamente aqueles que residiam em Cuba. Por tanto, os inimigos internos da revolução seriam uma das principais ameaças ao novo projeto social que ele propugnava e portanto, motivo para o estado de alarme generalizado que começou a instaurar-se no país. Esses inimigos, além de perigosos, seriam aqueles que não conseguiam “enxergar” com claridade a proposta do governo. Dessa forma, o ato de não acompanhar a revolução não foi mais uma eleição e sim uma categoria próxima à criminalidade:

Aqui é obrigatório ver claro, é obrigatório compreender a entranha do problema. Aquele que errar nesta hora, aquele que não enxergue claramente nesta hora, ou é um irresponsável cego ou é um estúpido (APLAUSOS). (...) ser cego nesta hora é quase um crime (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 907, tradução própria).

A alusão ao criminoso remete ao plano jurídico, onde um comportamento perigoso pode ser punido. Os grupos “perigosos” estariam compostos por jornalistas nacionais e estrangeiros que não apoiavam a revolução e por todos aqueles que a criticavam. Também determinados grupos de jovens da classe meia e alta descritos por Castro como: “gangues de meninos arrumadinhos que vêm para deixar cair uma mancha sobre uma revolução (...). E agora querem manchar a revolução uns grupinhos de engomadinhos que fazem travessuras” (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 914, tradução própria). Por último, os que preferiam atributos “extranjerizantes ”, sejam relativos à imprensa, à música, à literatura ou às roupas estrangeiras. Dentro destes grupos, também foram colocados dissidentes políticos, religiosos, homossexuais, hippies, roqueiros (Vázquez, 2015VÁZQUEZ, Y. 2017. Educación, trabajo y sexualidad: trayectorias laborales de maestros homosexuales en Cuba. MSc Dissertation, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. ) e todo aquele que possuísse características físicas e subjetivas diferentes do modelo de revolucionário de homem forte e viril. Esse “homem novo” devia dedicar-se a tarefas produtivas em áreas vitais para “construir o socialismo”, tais como a indústria, a agricultura, as obras construtivas ou as forças armadas. Estes labores receberam a exaltação do governo em detrimento da criação artística e intelectual que não fossem a do realismo socialista.

Consequentemente, os critérios estéticos e os preconceitos predominaram na classificação de condutas rejeitadas pelo discurso político cubano, justificando a criminalização de determinados grupos sem a existência de um fato delitivo real, somente pela existência de caraterísticas associadas a uma suposta periculosidade. Este fenómeno da fragilidade das provas gera efeitos de verdade através de enunciados inquestionáveis que muitas vezes terminam na condenação das pessoas. Estes tipos de critérios são susceptíveis de influir no discurso jurídico, pois assim como coloca Foucault (2018FOUCAULT, Michel. 2018. Os Anormais: curso no Collège de France (1974-1975). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 330 p.: 8) “O mais ínfimo elemento de demonstração ou, em todo caso, certo elemento de demonstração, bastará para acarretar certo elemento de pena”.

Dentre os grupos identificados como “risco” os homossexuais têm sido uma das populações mais atingidas pelo discurso político segregativo. Numa intervenção no ano 1963, na qual Fidel Castro se referia aos sujeitos “perigosos” para a revolução, alguém do público menciona aos homossexuais e o líder responde:

Um momento! Vocês não têm me deixado terminar a ideia [RISOS E APLAUSOS]. Muitos desses engomadinhos vagos, filhos de burgueses, andam por aí com umas calças apertadas demais [RISOS], alguns deles com um violãozinho em atitudes ‘elvipreslianas ’, e tem levado sua libertinagem até o extremo de querer ir a alguns sítios de concorrência pública, para organizar seus shows afeminados livremente (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 2797, tradução própria).

Desta forma, a homossexualidade foi sentenciada oficialmente, junto às outras “condutas impróprias” que os representantes da revolução tentariam normalizar. A justificativa de Castro foi:

[...] a nossa sociedade não pode dar lugar a essas degenerações [APLAUSOS]. A sociedade socialista não pode permitir esse tipo de degenerações. [...] tenho certeza de que independentemente de qualquer teoria e das pesquisas da medicina, entendo que há muito de ambiente [...] e de embrandecimento nesse problema. [...] então, consideramos que nossa agricultura precisa de braços [EXCLAMAÇÕES DE APOIO!] (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 2797, tradução própria).

A solução normalizadora proposta como peça fundamental do dispositivo disciplinar foi o trabalho agrícola em condições difíceis. A lógica normalizadora era simples: aplicar a dureza do trabalho forçado às supostas debilidades (vagância, oposição ideológica e homossexualidade). Além disso, as ideias sobre a homossexualidade como doença remetem à teoria degeneracionista da psiquiatria, onde os enunciados sobre o risco e a necessidade de prevenção, ocupam um lugar fundamental (Caponi, 2012CAPONI, Sandra. 2012. Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria ampliada. 1ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz. 210 p.), permitindo que o discurso psiquiátrico opere também no dispositivo disciplinar, buscando higienizar e normalizar os desvios.

Resulta significativo que, ao mesmo tempo que se tem propugnado um ideal de igualdade e defensa a setores menos favorecidos da população, exista ainda hoje uma agressividade contra as classes médias e altas, contra a propriedade privada, os símbolos estrangeiros, os homossexuais e a dissidência. Delimita-se assim a intenção normalizadora dentro da política do governo cubano, tendo como objetivo adequar à totalidade da população ao modelo socialista. O igualitarismo importado da ex-União Soviética, teve sua versão caribenha em Cuba, junto ao seu lado negativo: o apagamento das liberdades (Santamaría, 2014SANTAMARÍA, Antonio. 2014. “La revolución cubana y la economía, 1959-2012. Los ciclos de política y el ciclo azucarero”. Anuario de Estudios Americanos. Sevilla. Vol. 71, nº 2. Available at: Available at: http://digital.csic.es/bitstream/10261/143510/3/La%20revolucion%20cubana%20y%20la%20economia.pdf [[Accessed on 17.08.2018]].
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). Contradizendo o discurso de igualdade social, a estratégia política do governo socialista cubano excluiu do seu projeto aqueles que não formavam parte da “classe operária” e seu estereotipo de homem viril, heterossexual, dedicado ao trabalho pesado e, sobretudo, “ideologicamente correto”. Tudo aquele que não encarnasse esse padrão, era classificado como risco.

A construção deste inimigo e a certeza de que o país estava ameaçado por uma guerra iminente foram mecanismos de poder que permitiram manter o estado de crise e alerta permanente, assim como estabelecer estruturas para o controle e intervenção ante os riscos, tentando disciplinar aos que se distanciavam da normalidade estabelecida.

Neste contexto, um dos acontecimentos mais significativos para ilustrar o tratamento aos grupos de risco, que se pode entender como um procedimento de segregação social (Foucault, 2012FOUCAULT, Michel. 2012. El poder, una bestia magnífica: Sobre el poder, la prisión y la vida. 1ª ed. Buenos Aires: Siglo XXI. 285 p.) e antecedente das UMAP, foi a “Noite das 3 P”. Em 1961, o Ministério do Interior organizou uma operação policial de grande escala na capital cubana para reprimir as chamadas “lacras sociais” ou “lumpens” , resultando no encarceramento de várias pessoas incluídas em três categorias: “prostitutas, proxenetas e pederastas” (Gay-Silvestre, 2003, p. 92GAY-SILVESTRE, Dominique. 2013. “Navegaciones y borrascas: Mónika Krause y la educación sexual en Cuba (1979-1990)”. Neue Folge. nº18, p. 91-109.), estes últimos chamados também de “pássaros” . Daí o nome da “Noite das 3 P”. Esta “coleta” e outras que se sucederiam ao longo da etapa revolucionária pode ser entendida como a colocação na prática dos métodos normalizadores do dispositivo disciplinar. O uso do termo “coleta”, para se referir a estas operações policiais não é casual. A palavra coleta foi usada na linguajem popular pela evocação à “coleta de lixo”, como modo de desqualificar estas pessoas e tratá-las como desperdícios da sociedade, “lacras e lumpens”, em sintonia com o pensamento higienista imperante na época (Marques de Armas, 2014MARQUES DE ARMAS, Pedro. 2014. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación (1790-1970). 1ª ed. Madrid: Verbum . 351 p.).

Assim, na relação de poder do governo cubano com a população, o uso da desqualificação do outro responde à estratégia de anulação dos riscos e controle social. Usando qualificações negativas se coloca ao inimigo na posição de desvantagem, debilitando-o e fazendo com que perca qualquer credibilidade. Desvalorizar a homossexualidade, a arte, ou qualquer atividade intelectual que não exalte a obra do socialismo e que não represente à classe obreira, tende a ser segregada, sob o pretexto de que estas manifestações não concordam com o dever imediato da juventude ou com o ideal de “homem novo” que a revolução proclama e exige.

A existência das UMAP demonstra o papel essencial do discurso político sobre o risco e a desqualificação do outro, considerado perigoso. Essa estratégia de controlar e reduzir ao inimigo tem se mantido até a atualidade em Cuba, mesmo depois de canceladas as UMAP.

As UMAP e as normas jurídicas

As UMAP tiveram uma série de normas jurídicas que lhes deram sustento legal. Algumas leis estabelecidas antes da revolução e outras criadas depois de 1959 foram o fundamento jurídico para essa maquinaria disciplinar funcionar. As leis penais serviram não só para controlar e apagar toda forma de oposição ao novo Estado, mas também para reprimir o pensamento divergente do socialismo, mesmo que isso fosse contrário aos direitos humanos. A intenção de prevenir delitos e de refrear condutas consideradas “pré-delitivas” é uma característica essencial do direito penal cubano, sendo o conceito de periculosidade social uma expressão marcada da concepção prevencionista nesse campo e nos dispositivos punitivos no país.

Desde a década de 1960, experimentou-se um aumento das denúncias e castigos aos comportamentos considerados perigosos, qualificados como delitos no discurso político como “atividade contrarrevolucionaria”. Também se fortaleceu o uso das categorias de “estado perigoso” e “medidas de segurança” (Ochoa, 2000OCHOA, Ramón. 2000. “El delito, la criminología y el derecho penal en Cuba después de 1959”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. nº 2. Available at: Available at: http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_02-02.html . [[Accessed on 13.07. 2018]].
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, tradução própria), que já formavam parte do Código de Defesa Social antes de 1959. A preocupação pelas condutas contrárias à revolução e ao socialismo matizou o pensamento jurídico e a norma penal cubana desde essa época, transformando-se numa ferramenta essencial para o exercício do poder, com uma marcada orientação ideológica. O aumento das denúncias políticas entre os cidadãos e sua participação na classificação de “condutas impróprias” demonstra a existência de uma relação de cumplicidade entre grande parte da população e as ações repressivas do Estado.

As leis, especialmente aquelas relacionadas com crimes, foram adaptadas aos interesses do novo governo, articulando-se uma nova figura jurídica, o “delito contrarrevolucionário” com outra já existente, a “periculosidade social”. Nesse âmbito, os juristas cubanos souberam aproveitar muito bem essas categorias, usando-as como argumento para reprimir condutas que não constituem delito, mas são consideradas opostas à revolução.

O “estado perigoso” se define no código penal como aquela tendência ou inclinação a cometer algum ato criminoso ou contrário aos princípios revolucionários. Dentro destes comportamentos que não são crimes, mas sancionáveis pela lei, aparece o consumo habitual de álcool ou drogas e a conduta antissocial como o desrespeito às normas de convívio, seja de forma violenta ou com provocações, as violações dos direitos dos outros e a vadiagem habitual (López, 2011LÓPEZ, Judith. 2011. Código Penal cubano. 1ª ed. La Habana: ONBC. 132 p.).

A homossexualidade tem sido enquadrada como “comportamento antissocial” e “provocação”, mas também, aqueles artistas ou intelectuais que não exaltavam o socialismo incluíram-se na categoria de “vadios”. Todas estas “condutas”, contempladas na lei cubana desde o triunfo da revolução, têm sido motivos de denúncias e repressão. Desse modo, a condenação por parte da justiça não recai sobre o fato delitivo em si, mas sobre as condutas. Sobre estes tipos de desvarios jurídicos, Foucault (2018FOUCAULT, Michel. 2018. Os Anormais: curso no Collège de France (1974-1975). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 330 p.: 16) aponta que:

O que o juiz vai julgar e o que vai punir, o ponto sobre o qual assentará o castigo, são precisamente essas condutas irregulares, que terão sido propostas como a causa, o ponto de origem, o lugar de formação do crime, e que dele não foram mais que o duplo psicológico e moral.

Da mesma forma, como complemento à lei penal, se criou outra norma jurídica que facilitou o exercício do poder sobre sujeitos considerados perigosos, mas sem tantos procedimentos burocráticos. Trata-se de um Decreto publicado no ano 1962, que outorgava ao Ministério do Interior a faculdade de declarar qualquer pessoa como “perigosa” e, portanto, punível. Neste decreto, o consentimento de juízes ou a opinião médica, no caso de suspeitas de transtornos mentais, não eram necessárias, bastando simplesmente a declaração de algum membro das organizações sociais (Marques de Armas, 2014MARQUES DE ARMAS, Pedro. 2014. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación (1790-1970). 1ª ed. Madrid: Verbum . 351 p.). Desta forma, outorgava-se maior liberdade para o uso da categoria periculosidade por parte de agentes sociais, sem a autorização nem a avaliação de órgãos judiciais competentes ou de especialistas médicos.

Dentre estas organizações sociais, destacam-se os Comitês de Defesa da Revolução (CDR) pelo papel desempenhado na denúncia de comportamentos “perigosos” e na divulgação do discurso ideológico oficial. Embora os membros dos CDR tenham outras funções, a principal tem sido a vigilância e o controle da população, amparada no discurso do risco e da “defesa da Pátria”. Para ter controle estrito das massas e organizá-las, os CDR tem representações em cada bairro, atuando como o que Foucault (2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martin Fontes. 572 p.) chamou de “mecanismo panóptico”. Este mecanismo aponta à colocação de “alguém, um olho, um olhar, um princípio de vigilância que poderá de certo modo fazer sua soberania agir sobre todos os indivíduos [situados] no interior dessa máquina de poder” (Foucault, 2008, p. 87).

A ideia dos CDR como mecanismo panóptico se apoia em sua posição de sentinela dos bairros cubanos, estando presente em todo momento (em cada rua), sem necessidade da presença imediata do Estado. Isto é possível porque o governo outorgou aos seus membros a faculdade de denunciar para manter um amplo controle da vida cotidiana da população. É importante destacar o sentido interpretativo que adquirem estas denúncias, pois dependem de muitos fatores subjetivos presentes nas relações da vizinhança. Contudo, é fundamental para o funcionamento do panóptico, que os indivíduos vigiados acreditem na existência e na eficiência do dispositivo, que estejam convencidos de que este domínio funciona realmente.

Assim, os CDR, instalados em cada bairro do país, contam com uma filiação numerosa , pois cada cubano é obrigado a pertencer a um deles desde os 14 anos, sendo autorizado a cumprir com seu papel de vigilância e denúncia das condutas “contrárias à Revolução”. Assim, os CDR são como aquele olhar do Estado, com uma estrutura que permite acessar facilmente às informações de cada cidadão e exercer o poder sobre ele quando necessário. Muitas das denúncias que provocaram a detenção arbitrária das pessoas reclusas nas UMAP, surgiram dos CDR cubanos (Kirk, 2015KIRK, E. 2015. The normalization of sexual diversity in revolutionary Cuba. Ph. D. Dissertation, University of Nottingham.).

É assim que o “estado perigoso”, como categoria jurídica ambígua, não chega a definir o nível de risco real que pode comportar uma conduta e menos ainda suas consequências, mas serve para justificar qualquer ação de denúncia em nome da “defesa da Revolução”. As incriminações, parte integrante das UMAP, inscrevem-se na dimensão extrajurídica do dispositivo disciplinar toda vez que se pode prescindir da avaliação competente, seja judicial ou médica. Desta forma, a determinação da periculosidade social fica sujeita às interpretações livres dos executores da ordem (forças policiais e de segurança) ou dos membros das organizações sociais, permitindo atos contra a liberdade de expressão e de pensamento. Os critérios para definir o comportamento perigoso tem sido essencialmente político e ideológico, pois a classificação do comportamento de risco depende do que é considerado moralmente correto. Assim, qualquer conduta por fora dos patrões estabelecidos como “revolucionários”, pode ser objeto de incriminação.

Embora as normas anteriores assentassem as bases para que a segregação seja legal, provavelmente para o Estado era necessário achar uma solução menos escandalosa que a prisão e assim não se colocar na contramão do caráter humanista de que se reveste a revolução Cubana. Por isso, a lei do Serviço Militar Obrigatório, criada no ano 1963, dois anos antes das UMAP, sob o pretexto de uma possível guerra com os Estados Unidos foi a alternativa mais aceitável. Não seria tão pernicioso enviar alguém a uma UMAP por ser homossexual, por ser religioso ou por pensar diferente. Segundo essa lei, todos os jovens cubanos do gênero masculino, entre 17 e 45 anos, são obrigados a receber uma formação militar obrigatória por três anos , para defender a pátria ameaçada (Silva, 2014SILVA, Francisco. 2014. “Gasto militar y políticas de excepción en la República de Cuba (1952-1965)”. Memorias Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe. Barranquilla. nº 22. Available at: Available at: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=85530426007 [[Accessed on 13.07. 2018]].
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). Essa lei foi a peça principal da engrenagem legal das UMAP. Neste sentido, no discurso político da época, defende-se a formação militar como estratégia eficaz para resolver as situações de risco que representavam determinadas atividades e pessoas. Sobre isso, Fidel Castro declararia em 1963:

A sociedade socialista não pode permitir, não deve permitir que em seu seio se desenvolva o elemento parasitário, o lumpem em potência de amanhã, e para isso teremos duas instituições: a Escola e o Serviço Militar Obrigatório [APLAUSOS PROLONGADOS E EXCLAMAÇÕES DE ‘FIDEL, SEGURO, NOS VADIOS BATE COM FIRMEZA!’] (Rivas, 2013RIVAS, Eduardo. (Ed.). 2013. En eso llegó Fidel: 55 años de historia: Intervenciones y reflexiones. 1ª ed. Buenos Aires: Estrella de Piedra. 14238 p.: 2951, tradução própria).

As UMAP como dispositivo disciplinar

As UMAP funcionaram entre os anos 1965 e 1968 e se localizaram na parte central de Cuba, na província de Camagüey. Ali foram internadas para cumprir o serviço militar obrigatório, aproximadamente 35 mil pessoas (Tahbaz, 2013TAHBAZ, Joseph. 2013. “Demystifying las UMAP: The Politics of Sugar, Gender, and Religion in 1960s Cuba”. Delaware Review of Latin American Studies. Delaware. Vol. 2, nº 14. Available at: Available at: http://www1.udel.edu/LAS/Vol14-2Tahbaz.html [[Accessed on 12. 06. 2018]].
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), consideradas desviadas do modelo de “revolucionário” imposto pelo governo. A condenação para o serviço militar nas UMAP podia ocorrer a partir de duas formas principais: ser detido em lugares públicos pelos corpos policiais nas operações de “limpeza” das chamadas “pragas sociais” e “lumpens” em lugares públicos ou ser denunciado por algum representante dos CDR (Marques de Armas, 2014MARQUES DE ARMAS, Pedro. 2014. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación (1790-1970). 1ª ed. Madrid: Verbum . 351 p.; De la Torre, 2018DE LA TORRE, Carolina. 2018. Benjamín: cuando morir es más sensato que esperar. 1ª ed. Madrid: Verbum. 334 p.). Os critérios para isso se baseavam predominantemente em parâmetros estéticos: homens com o cabelo comprido, as roupas ajustadas ao corpo e gostar do rock and roll e outras músicas estrangeiras. Também eram “recolhidos” homossexuais, religiosos, artistas, intelectuais, hippies e outros com posições críticas ou opostas ao sistema socialista (De la Torre, 2018DE LA TORRE, Carolina. 2018. Benjamín: cuando morir es más sensato que esperar. 1ª ed. Madrid: Verbum. 334 p.; Madero, 2006MADERO, Abel. 2006. Del otro lado del espejo: la sexualidad en la construcción de la nación cubana. 1ª ed. La Habana: Casa de las Américas. 291 p.; Vázquez, 2015VÁZQUEZ, Y. 2017. Educación, trabajo y sexualidad: trayectorias laborales de maestros homosexuales en Cuba. MSc Dissertation, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. ).

Depois das detenções o destino dependia de documentos probatórios de afiliação “revolucionária”, ou seja, aqueles que podiam demonstrar sua incorporação a alguma organização política e que não eram religiosos ou homossexuais podiam ficar livres imediatamente, mas os que não conseguiam prová-lo eram classificados e transportados em caminhões, trens ou em ônibus, em condições muito precárias, até as diferentes UMAP.

A área elegida para o funcionamento destes campos de reclusão não foi por acaso. A região central do país, especificamente a zona de Camagüey, era bem conhecida pela enorme extensão de terra árida e com pouca mão de obra. Ademais, aumentar a produção cubana de açúcar era um dos planos fundamentais do governo e nessa época a indústria açucareira não estava amplamente mecanizada (Madero, 2016MADERO, Abel. 2016. “El trabajo os hará hombres: Masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años sesenta”. Cuban Studies. nº 46, p. 309-349). É assim que enviar estas pessoas a lugares afastados e de baixa produção agrícola respondia tanto as estratégias econômicas do Estado cubano como as de controle das populações de risco.

Segundo testemunhas, dentro das UMAP as condições eram muito precárias: o espaço estava rodeado por cercas cortantes similares às usadas nos cárceres e fortemente custodiadas por militares armados com fuzis. Ademais, em algumas não existia água potável nem eletricidade e o regimento interno era bastante severo (De la Torre, 2018DE LA TORRE, Carolina. 2018. Benjamín: cuando morir es más sensato que esperar. 1ª ed. Madrid: Verbum. 334 p.; Viera, 2015VIERA, Félix. 2015. “A 50 años de las UMAP-Entrevista com Héctor Santiago”. Revista Cubaencuentro / Entrevistas. Madrid. Available at: Available at: https://www.cubaencuentro.com/entrevistas/articulos/a-50-anos-de-las-umap-323725 [[Accessed on 20.08.18]]
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). A atividade principal era o trabalho forçado nos campos de cana, sob vigilância estrita dos militares. As jornadas começavam antes do amanhecer e terminavam à noite, resultando excessivas e o cumprimento da meta diária de produção agrícola era condição necessária para não ser castigados.

Conjuntamente com as muitas horas de trabalho agrícola forçado, os reclusos recebiam sessões de formação política marxista. As aulas estavam compostas por longas e planejadas conversas sobre as generosidades da revolução e do comunismo (Viera, 2015VIERA, Félix. 2015. “A 50 años de las UMAP-Entrevista com Héctor Santiago”. Revista Cubaencuentro / Entrevistas. Madrid. Available at: Available at: https://www.cubaencuentro.com/entrevistas/articulos/a-50-anos-de-las-umap-323725 [[Accessed on 20.08.18]]
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). A combinação de trabalho pesado e doutrinamento longe de transformar a ideologia ou a sexualidade dos internos, provavelmente provocava ainda mais rejeição à revolução.

Não sendo suficientes o trabalho forçado e a instrução política, existia também uma equipe composta por psiquiatras e psicólogos, que tinham a missão de pesquisar e desenvolver métodos dirigidos a “reverter” a homossexualidade. Este staff, comandado pelo exército, trabalhava em duas dimensões fundamentais: (1) avaliação psicológica e ideológica e (2) “reversão” da homossexualidade. Para os estudos se criaram tipologias complexas da homossexualidade, adaptadas ao contexto político e ao dispositivo disciplinar. As classificações podiam ser, por exemplo: “homossexuais revolucionários”, “não afeminados” ou aqueles “sem planos migratórios”. Assim, pretendiam delimitar a profundidade da orientação sexual e estabelecer até que ponto seriam compatíveis a ideologia revolucionária e a homossexualidade, assim como as possibilidades reais de tratamento e cura (Madero, 2016MADERO, Abel. 2016. “El trabajo os hará hombres: Masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años sesenta”. Cuban Studies. nº 46, p. 309-349).

O objetivo principal da equipe dos psiquiatras e psicólogos era conseguir que os homossexuais se tornassem mais parecidos fisicamente ao ideal de “homem normal”, com características de masculinidade varonil, assim como que participassem ativamente nas atividades políticas e ocultassem sua sexualidade. Mediante diversas técnicas psiquiátricas de orientação pavloviana e comportamentalista tentavam a normalização dos homossexuais, aplicando-lhes sessões de terapia eletroconvulsiva e provocando-lhes comas insulínicos, ao tempo que lhes mostravam imagens de homens nus (Madero, 2016MADERO, Abel. 2016. “El trabajo os hará hombres: Masculinización nacional, trabajo forzado y control social en Cuba durante los años sesenta”. Cuban Studies. nº 46, p. 309-349), tentando provocar a aversão ao gênero masculino como objeto sexual. Desta forma, acreditava-se no desempenho desta maquinaria de normalizar e se sonhava com conseguir a “cura” da homossexualidade mediante o trabalho forçado, a formação na ideologia marxista e alguns dos métodos mais desumanos da psiquiatria. Mas os resultados não foram os esperados e o ideal de produção em série de homens novos, revolucionários e heterossexuais não passaria de um experimento falido.

Outro elemento demonstrativo da finalidade normalizadora e higienista das UMAP são as subdivisões dos reclusos dentro das próprias instituições a partir de categorias criadas pelo pessoal administrativo e os próprios sentinelas. Assim, por exemplo, os homossexuais eram colocados em espaços distintos dos outros reclusos (Tahbaz, 2013TAHBAZ, Joseph. 2013. “Demystifying las UMAP: The Politics of Sugar, Gender, and Religion in 1960s Cuba”. Delaware Review of Latin American Studies. Delaware. Vol. 2, nº 14. Available at: Available at: http://www1.udel.edu/LAS/Vol14-2Tahbaz.html [[Accessed on 12. 06. 2018]].
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), desqualificando ainda mais a homossexualidade, tida como uma espécie de perigo biológico que deveria ser isolada. Da mesma forma, o contato dos internos com o exterior das unidades era escasso, a correspondência censurada e as visitas familiares realizavam-se em lugar especialmente destinado para isso, separado das instalações principais (Tahbaz, 2013TAHBAZ, Joseph. 2013. “Demystifying las UMAP: The Politics of Sugar, Gender, and Religion in 1960s Cuba”. Delaware Review of Latin American Studies. Delaware. Vol. 2, nº 14. Available at: Available at: http://www1.udel.edu/LAS/Vol14-2Tahbaz.html [[Accessed on 12. 06. 2018]].
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). A disposição de espaços alternativos para as visitas responde a essa lógica típica das instituições punitivas, onde a realidade do encarcerado não se mostra ao público nem a pessoas alheias, procurando manter um cenário paralelo com uma representação mais adequada para o exercício do poder.

Estes fatos demonstram como o mecanismo das UMAP funcionava a partir de uma lógica que podermos chamar de “dupla produção”, porque ao tempo em que se tentava aumentar os resultados da produção de cana em benefício da economia do país usando os “desviados” como mão de obra, procurava-se produzir corpos novos, normalizados, transformar homossexuais em heterossexuais, religiosos em ateus, artistas e intelectuais em operários duros e dissidentes em adoradores acríticos do comunismo. Vemos assim como o corpo é o lugar privilegiado sobre o qual os dispositivos disciplinares e de punição exercem o poder, numa lógica apontada por Foucault (2003FOUCAULT, Michel. 2003.Vigiar e punir: O nascimento da prisão. 20ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. 347 p.: 25) quando afirma que:

Em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa ‘economia política’ do corpo: ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos ‘suaves’ de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata -do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão.

As UMAP deixaram de existir após três anos de sua fundação, mas a doutrina do trabalho físico como forma de reabilitação de sujeitos considerados incompatíveis com o projeto de cidadão socialista, continuou existindo. O trabalho agrícola e a exploração das forças físicas até o extremo se aplicariam em novos dispositivos, desta vez chamados de granjas de rehabilitación. As granjas estavam dispersas por todo o país e recebiam não só aos sujeitos desafetos da revolução, mas também prisioneiros comuns e políticos sentenciados pelo juizado. Nesse sentido, o livro Antes que anochezca, do escritor dissidente cubano Reinaldo Arenas resulta bastante ilustrativo destes espaços.

Arenas, que fora um dos intelectuais cubanos mais perseguidos por sua orientação sexual, mas sobre todo por suas ideias políticas contrarias ao governo, chamava aquelas “granjas de reabilitação” de campos de trabajo forzado (Arenas, 2010ARENAS, Reinaldo. 1992. Antes que anochezca. 1ª ed. Barcelona: TusQuets. 343 p.). Com isso o autor tentava ilustrar à função disciplinar destes espaços, substitutos das UMAP, os quais, segundo ele, o único que tinham mudado era o nome, porque continuavam aplicando os mesmos métodos e o mesmo objetivo: a reeducação política e a reorientação sexual. Arenas relata neste livro uma das maiores redadas feitas pela polícia contra os grupos de desafetos da revolução, a finais da década de 1960,

(…) Centenas e centenas de jovens foram espancados pela polícia e levados para os campos de concentração, porque eram necessárias armas para cortar a cana. A vindima se aproximava e aqueles jovens vigorosos e cabeludos, que ainda se atreviam a andar pelas ruas, eram todos arrastados, como antigamente índios e escravos negros, para os engenhos (Arenas, 1992ARENAS, Reinaldo. 1992. Antes que anochezca. 1ª ed. Barcelona: TusQuets. 343 p.: 153, tradução própria).

Desse modo, a história se repetiria e a repressão à dissidência sexual e a outras formas de resistência continuariam a existir por muito tempo.

Considerações finais

As UMAP foram dispositivos disciplinares criados como resposta ante o suposto risco que representava as pessoas desviadas do “ideal revolucionário”. A sua existência não deve ser entendida como fato isolado ou como erro comum das revoluções. O elemento político junto ao discurso sinistro sobre os “inimigos da revolução” foram a matriz deste dispositivo disciplinar e estabeleceram suas maneiras de funcionar. As distintas estruturas que conformaram as UMAP, como normas jurídicas e extrajurídicas, disposições arquitetônicas, métodos e enunciados científicos, correlacionados uns aos outros, articulavam-se em torno da política e da ideologia.

O próprio contexto cubano da década de 1960 teve uma influência importante na criação deste dispositivo. As diferenças políticas profundas com os países capitalistas e as ameaças de uma confrontação militar com os Estados Unidos em plena Guerra Fria fizeram com que o discurso de risco atravessasse a vida cotidiana dos cubanos. Desta forma, a disciplina militar, a formação ideológica marxista-leninista e a psiquiatria foram os instrumentos escolhidos para normalizar as dissidências sexuais, artísticas, intelectuais, religiosas e políticas.

As normas jurídicas e extrajurídicas permitiram também que as UMAP funcionassem dentro de um quadro de legalidade. Especificamente, a categoria jurídica de “periculosidade social”, destinada à prevenção de supostos crimes, assegurava obter um controle eficaz daquelas condutas consideradas “impróprias”. Assim, sob o pretexto de evitar riscos futuros para a ordem política e social estabelecida, algumas pessoas podiam ser presas e sancionadas sob critérios jurídicos ambíguos. Junto a lei penal, a lei do serviço militar obrigatório e as faculdades de denunciar outorgadas aos CDR formariam o corpus normativo necessário para o funcionamento legal das UMAP.

Foi assim que durante três anos,

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2019
  • Aceito
    10 Dez 2020
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