Acessibilidade / Reportar erro

Corpo da criança, corpo do adulto: um olhar sobre as revisões diagnósticas que compõem fronteiras entre pessoas trans

Child’s body, adult’s body: a look at the diagnostic reviews that make up boundaries between trans people

Corpo del niño, corpo del adulto: una mirada sobre las revisiones diagnósticas que componen las fronteras entre personas trans

Resumo

A categoria “criança trans” passou a aparecer com mais recorrência em manuais diagnósticos ao longo dos últimos oito anos. Embora a transexualidade antes fosse entendida como uma questão geral, possível de ser encontrada em diferentes etapas da vida, essa identidade passou a ser descrita enquanto um gênero específico para meninos e meninas. Assim, a transexualidade “na” infância converteu-se em uma transexualidade “da” infância, deslocamento responsável por produzir efeitos expressivos. Ao passo que a criança trans era registrada na literatura médica como um sujeito que demandava tratamentos em saúde mental, esse movimento fez com que fossem fabricadas determinadas fronteiras entre infância e adultez. A proposta deste artigo é perseguir alguns caminhos que demonstram como a estratificação etária da transexualidade recorreu a um engessamento do gênero.

Palavras-chave:
crianças trans; diagnóstico; despatologização; política

Abstract

The category “trans children” has appeared more frequently in diagnostic manuals over the past eight years. Although transsexuality was once understood as a general issue that could be found at different stages of life, this identity has come to be described as a gender specifically for boys and girls. Thus, transsexuality “in” childhood was understood as being “of” childhood, displacement responsible for producing expressive effects. While the trans child was recorded in the medical literature as a subject that required mental health treatments, this movement led to the establishment of certain boundaries between childhood and adulthood. This article’s purpose is to follow some paths that illustrate how age stratification of transsexuality resorted to gender crystallization.

Keywords:
trans children; diagnosis; depathologization; politics

Resumen

La categoría “niño trans” empezó a aparecer de forma recurrente en los manuales diagnósticos a lo largo de los últimos ocho años. Aunque la transexualidad fuera entendida como una cuestión general, posible de ser encontrada en diferentes etapas de la vida, esta identidad pasó a ser descrita como un género específico para niños y niñas. De esta manera, la transexualidad “en” la niñez fue entendida como transexualidad “de” la niñez, desplazamiento responsable por producir efectos expresivos. A la vez que el niño trans fue registrado en la literatura médica como un sujeto que demandaba tratamiento para la salud mental, este movimiento fabricó determinadas fronteras entre la niñez y la adultez. La proposta del presente artículo es perseguir algunos caminos que ilustran cómo la estratificación por edad recurrió a un retesamiento del género.

Palabras clave:
niños trans; diagnóstico; despatologización; política

O último suspiro da psicopatologia sexual?

Os debates sobre gênero e sexualidade no Brasil têm sido alvos constantes de embates no cenário político. Para além da esfera legislativa, o campo acadêmico tem enfrentado obstáculos que se intensificaram em 2019, com a nomeação do primeiro ministro da educação do governo Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, responsável por encabeçar um combate a temas que, segundo informava, vão de encontro a costumes tidos como tradicionais1 1 Indicado ao atual presidente pelo conservador Olavo de Carvalho, Ricardo se colocava publicamente como “anti-marxista”, já que o marxismo, segundo apontava, seria o cerne de difusão de valores contra a preservação da família, da religião e do patriotismo. A reportagem está disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/22/politica/1542910509_576428. html Acesso: 25 de ago. 2021. . Com a saída de Rodríguez, Abraham Weintraub foi o novo designado ao cargo e manteve a mesma lógica de suposta defesa à família brasileira.

Diversos portais, tais como Brasil de Fato (2019) e Valor Econômico (2020), indicam que o governo de Jair Bolsonaro tem empreendido uma perseguição ao que chama de “ala ideológica” - título usado para fazer referência a ativistas, pesquisadores e parlamentares que se posicionam criticamente ao ultraconservadorismo nas discussões de gênero e raça. Nesse cenário nacional, são perceptíveis os embates relacionados aos modelos de família e parentalidade que irão se impor como inteligíveis ao Estado, bem como no que se refere aos saberes acionados pelo Estado para que uma determinada composição familiar faça sentido e se consolide como a “ideal”.

Dentro dessas disputas, que extrapolam o contexto brasileiro e que alguns autores (Prado e Corrêa, 2018PRADO, Marco; CORRÊA, Sonia. 2018. Retratos transnacionais e nacionais das cruzadas antigênero. Rev. psicol. polít., São Paulo, Vol. 18, nº 43, p. 444-448, dez. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300003&lng=pt&nrm=iso Acesso: 25 de ago. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) têm identificado como uma cruzada anti-gênero, a infância tem um grande destaque. Tais ofensivas ganham contornos locais e respondem ao que a política ultraconservadora brasileira aponta como uma suposta “ideologia de gênero”, a qual seria responsável, segundo essa perspectiva, por subverter paradigmas ditos saudáveis de integração familiar: o casamento heterossexual que geraria filhos e filhas heterossexuais. Essas questões não estão restritas, todavia, ao território nacional, pois subscrevem um sofisticado pacto que ocorre entre nações para o combate à alteridade. É nesse cenário intenso de regulações que se inserem as crianças trans, peças centrais para as denúncias de um temido fim da família, pois, como Prado e Corrêa (2018PRADO, Marco; CORRÊA, Sonia. 2018. Retratos transnacionais e nacionais das cruzadas antigênero. Rev. psicol. polít., São Paulo, Vol. 18, nº 43, p. 444-448, dez. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300003&lng=pt&nrm=iso Acesso: 25 de ago. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) apontam, a ideia de uma “ideologia de gênero” é sobretudo uma acusação contra novas formas de parentalidade, bem como crítica a laços e vínculos menos sufocantes com a diferença.

Além disso, embora dependa da heterossexualidade como ideal regulatório, tal concepção de família está também fortemente subordinada à cisgeneridade como norma e como realidade estável. Nesse sentido, Vergueiro (2016VERGUEIRO, Vergueiro. 2016. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Salvador, Dissertação de Mestrado. Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia.) classifica a cisgeneridade como um modo de subjetivação amparado em uma presumida coerência entre o sexo designado e a identidade. Pensá-la como um modo de estruturação do sujeito é útil para que possamos desnaturalizar processos bastante enraizados pelo senso comum, como a convicção de que as pessoas cisgêneras seriam de “verdade” ou “biológicas”. Assim, o conceito de cisgeneridade aponta para um reposicionamento da discussão, pois deixa de se solidarizar com o rótulo de antinatureza empregado às pessoas trans e travestis.

No momento, interessa-nos considerar a cisgeneridade não somente como um marcador social, mas também como um equivalente de “vida saudável” para a infância, vida adulta e velhice, ou seja, ao mesmo tempo em que produz desigualdade, inscreve-se como o próprio ideal naturalizado de normalidade e bem viver. Conforme aponta Brune Bonassi (2017BONASSI, Brune. 2017. Cisnorma: acordos societários sobre o sexo binário e cisgênero. Dissertação de Mestrado. Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.), a cisgeneridade pressupõe uma relação de poder. Ela não é apenas uma subjetividade, mas uma estrutura. Assim, torna-se uma lente útil para acompanharmos a produção do diagnóstico de crianças trans e o modo como, ao propor uma relação entre transexualidade e infância, pode-se observar uma relação pautada pela patologização.

Concorrendo com diferentes campos de análise, a medicina se percebe ocupando um lugar privilegiado no debate, pois é um importante agente na delimitação de critérios para a saúde. Uma forma comum de demarcar tais contornos é o de definir quais seriam as margens da norma. No que se refere à transexualidade, é possível perceber como ela, ao longo dos últimos oito anos, foi percorrendo distintas direcionalidades no discurso científico, distanciando o cuidado da vida adulta de pessoas trans, algo que iremos desenvolver adiante.

Esses deslocamentos fizeram com que a transexualidade adquirisse mais densidade nosológica, ou seja, empreenderam-se definições que se pretendiam mais precisas sobre o que localizava alguém inequivocamente no “masculino” ou “feminino”. O percurso nosológico da transexualidade fez com que, entre outros elementos, a categoria “criança trans” passasse a aparecer, hoje, com mais recorrência em manuais diagnósticos. Se, antes, o imperativo sobre o masculino e feminino enfatizava a constituição binária de homens e mulheres, as recentes atualizações no quadro de diagnósticos de gênero têm dado especial atenção a como nos tornamos meninos e meninas.

Conforme discutido por Favero e Machado (2019FAVERO, Sofia; MACHADO, Paula. 2019. Diagnósticos benevolentes na infância: crianças trans e a suposta necessidade de um tratamento precoce. Revista Docência e Cibercultura., Rio de Janeiro, Vol. 3, p. 102-126. Disponível em: https://doi. org/10.12957/redoc.2019.40481 Acesso: 25.08.21.
https://doi.org/10.12957/redoc.2019.4048...
), hospitais e ambulatórios, envolvidos nessa controvérsia, passaram a se engajar com uma transexualidade específica para os primeiros anos de vida: a transexualidade “na” infância passou a ser compreendida como “da” infância. Esse deslocamento, todavia, não produziu apenas a “criança trans”, mas também reordenou a “adultez trans”. A partir da análise de resoluções, documentos institucionais e matérias jornalísticas, que embasam a criação dessas fronteiras, pretendemos, neste artigo, analisar alguns dos movimentos que concorreram para a constituição e fortalecimento de uma distinção entre adultez e infância, tendo como referência principal as identidades trans e as suas relações com o fantasma da sexualidade dissidente.

A proposta do presente trabalho é, ainda, perseguir os percursos que nos ajudam a entender como a estratificação etária da transexualidade opera no campo do cuidado. O que faz com que uma criança seja trans? Para permanecer com um status de infância, essa experiência precisa recorrer a quais sinalizadores? Caso uma criança, para além de sua transexualidade, mobilize questões sexuais, continuará sendo vista como “criança” ou passará a ser vista como adolescente? Na busca pelas fronteiras estabelecidas para uma infância trans se diferenciar de uma adultez trans, empreendemos uma investigação2 2 Os olhares e análises aqui colocados fazem parte de uma pesquisa mais ampla, de mestrado em Psicologia Social e Institucional (PPGPSI - UFRGS), realizada entre 2018 e 2020 pela primeira autora (Favero, 2020), sob orientação de Paula Sandrine Machado e co-orientação de Rafaela Vasconcelos. sobre as normas e instituições que dividem pessoas trans entre autênticas e fictícias, puras e impuras, crianças e adultas. Pretendeu-se, também, explorar um movimento entendido como o de psiquiatrização da infância, a partir de uma série de questões que, embora lançadas, não serão necessariamente respondidas. Ter a narrativa como método implica dar mais dignidade às dúvidas, diante das excessivas certezas que o campo conservador nos impõe. A argumentação através de questões parte, portanto, de um pressuposto metodológico feminista, onde a instabilidade ou a contradição (Harding, 1986HARDING, Sandra. 1986. The Science Question in Feminism. Ithaca: Cornell University Press.) não nos causa estranhamento.

1. (Re)patologização no sul dos trópicos

O ano de 2013ASSOCIAÇÃO NORTE-AMERICANA DE PSIQUIATRIA. 2013. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. DSM-5. 5ª ed. Washington, DC: APA. marca um episódio importante para a narrativa que queremos desdobrar aqui: a revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), que transformou o diagnóstico de “transtorno de identidade de gênero” em “disforia de gênero” - processo que chegou a ser apresentado por alguns portais como um dos primeiros passos em direção à despatologização da transexualidade. Apesar de representar um sinal de mudança, foi, contudo, nessa mesma edição, que a “disforia de gênero na infância” foi apresentada, através de critérios relacionados ao brincar.

Em 2019, seguindo movimento similar, a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) divulgou a categoria de incongruência de gênero (com a subdivisão: na vida adulta e na infância), representada na versão anterior do manual (1993ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. 1993. Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Décima revisão. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português.) com o código F.64.0, referente a “transexualismo”, dentro do qual podíamos encontrar a categoria “transtorno de identidade sexual na infância” (F.64.2). De imediato, percebe-se, nessa antiga categorização, uma diferença pouco desenvolvida entre “transexualismo” (adulto) e “transtorno de identidade sexual” (infantil). Ademais de um problema de tradução, o que esse termo - “transtorno de identidade sexual”, no lugar de “transexualismo infantil” - estaria indicando? Teria ele uma relação mais ambígua com o diagnóstico, representando o receio em promover o sujeito “criança” trans de modo mais incisivo? Por outro lado, estaria o “transtorno de identidade sexual” sinalizando uma falha no desenvolvimento infantil? Ou, ainda, da criança “transtornada” ao adulto “com transexualismo”, o que o manual performa?

Para além do código F.64.0, vale destacar que existem ainda as classificações de Orientação Sexual Egodistônica (F.66.1) e Transtorno de Maturação Sexual (F.66.0), que também contribuíram para a psicopatologização no campo da juventude. Essa breve retomada serve para explicar que a OMS, ao incluir uma categoria de “incongruência de gênero na infância”, não está criando algo exatamente novo. Ao mesmo tempo, esse percorrido é útil para reconhecer os novos desafios ao terreno da despatologização. Se o guia da OMS afasta os adultos trans dos códigos voltados aos transtornos mentais, ao fissurar o diagnóstico entre a adultez e a infância também desloca temporalmente para a infância antigos critérios psicopatológicos, como a forte repulsa ao próprio genital ou o anseio por possuir características sexuais primárias e secundárias que correspondam ao gênero com o qual a pessoa se identifica, chegando a citar, brevemente, os fatores lúdicos que permitiriam constatar a “incongruência” (como jogos, brincadeiras e fantasias).

Essas problemáticas são efeito de apreciações internacionais sobre o (trans) gênero que têm sido importadas para o Brasil em diferentes documentos, resoluções e portarias. Poderíamos citar, como um dos principais exemplos, a Portaria n° 1.707, do Ministério da Saúde, responsável por regulamentar a versão inicial do Processo Transexualizador, idealizado em 2008BRASIL. Portaria nº 1.707, de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do SUS, o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 19 ago. 2008. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1707_18_08_2008.html Acesso: 25 de ago. 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. Pouco tempo depois, em 2013, o Sistema Único de Saúde (SUS) aprovou uma segunda versão, que buscava descentralizar a cirurgia da política de assistência, culminando na Portaria n° 2.803BRASIL. Portaria n.º 2.803, de 19 de novembro de 2013 que redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de novembro de 2013. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html Acesso: 25 de ago. 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, a qual versava não só sobre o procedimento cirúrgico, representado pela noção de transgenitalização, mas também sobre os tratamentos medicamentosos.

É de se destacar que a mudança no Processo Transexualizador (agora situado no Anexo 1 do Anexo XXI da Portaria de Consolidação nº 2) também passou a englobar outras formas de expressar o gênero que não fossem a transexualidade, tornando travestis e homens trans inteligíveis para os protocolos de assistência do SUS. Contudo, embora a política afirmasse estar expandindo seu público-alvo, ela também expandia as suas apostas diagnósticas. Ainda, de modo paradoxal, os mesmos procedimentos, quando destinados também às travestis (como a hormonização), permaneciam registrados com o rótulo F.64.0.

Evidentemente, essas alterações implicaram em um novo paradigma, tendo em vista que a política passava a ser, em certa medida, des-genitalizada. Todavia, o diagnóstico não deixava de ocupar um papel central, situando, consequentemente, quem eram os usuários preestabelecidos para acessar o Processo Transexualizador: em outros termos, os pacientes transexuais. A desassistência direcionada às travestis é uma questão amplamente discutida por Lionço (2009LIONÇO, Tatiana. 2009. Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios. Physis. Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, Vol. 19, nº 1, p.43-63. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S010373312009000100004 Acesso: 25.08.21.
https://doi.org/10.1590/S010373312009000...
), sendo esse um dado útil para o entendimento de uma política de saúde que é - entre outras coisas - também excludente.

O Conselho Federal de Medicina (CFMCONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.482, de 10 de setembro de 1997. Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários, de 10 de setembro de 1997. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina, 1997. Disponível em: Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/1997/1482 Acesso: 25 de ago. 2021.
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visua...
) ofereceu uma tímida contribuição frente à questão da juventude no que se refere às identidades trans e travestis, como é o caso do Parecer n° 8/13, que discute a possibilidade de bloqueio da puberdade para pessoas com idades entre 16 e 18 anos. Esse mesmo documento define que os profissionais envolvidos com a população transexual mais jovem devem ter treinamento em psicologia do desenvolvimento da criança e do adolescente. Posteriormente, o CFM reviu a atuação da disciplina psicológica, mas outro documento histórico da entidade também é fundamental de ser retomados no sentido de apontar para as articulações entre medicina e psicologia nesse campo: a Resolução n° 1.652/2002CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.652, de 2 de dezembro de 2002. Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e revoga a Resolução nº 1482/1997 e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1652_2002.htm Acesso: 25 de ago. 2021.
http://www.portalmedico.org.br/resolucoe...
. Nela, o CFMCONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Processo-consulta: CFM 32/12. Parecer nº 8, de 22 de fevereiro de 2013. Terapia hormonal para adolescentes travestis e transexuais. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2013/8_2013.pdf Acesso: 25 de ago. 2021.
http://www.portalmedico.org.br/pareceres...
delimita os limites da atuação médica (selecionando quais procedimentos possuem caráter experimental ou não, tal como a neofaloplastia), ao mesmo tempo em que define que os pacientes transexuais deverão ter acompanhamento profissional pelo mínimo de dois anos, com análise de uma equipe de endocrinologistas, psiquiatras e psicólogos.

Com a divulgação da Resolução nº 2.265BRASIL. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 09 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294 Acesso: 25 de ago. 2021.
http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao...
do mesmo conselho, novos desafios podem ser observados no que concerne à articulação “infância, diferença e gênero”. Lançado em 2020, tal documento é responsável por revogar a Resolução n° 1.955/2010CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução n. 1.652/2002. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/1955_2010.htm Acesso: 25 de ago. 2021.
http://www.portalmedico.org.br/resolucoe...
, que reforçava o tempo mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico para a realização de cirurgias genitais. Importante notar como essa última deslocava a psicologia para a posição de avaliadora, aguardando que psicólogos/as participassem do processo de atestar a veracidade da condição transexual de seu/ sua atendido/a (Art. 4° da Resolução). Ressalta-se, contudo, que, na Resolução n° 1.955, não há menção às palavras “criança” e “infância”.

Já na referida Resolução nº 2.265, que sucede a n° 1.955/2010, é possível encontrar 22 (vinte e duas) correspondências para a palavra “criança” e apenas 03 (três) ocorrências para o termo “adulto”. O que isso nos mostra é que a entidade está acompanhando um movimento internacional em que os esforços da literatura biomédica (DSM-5 e CID-11) se dirigem para a infância. Não entendemos como necessariamente negativo que a entidade discuta paradigmas institucionais que são construídos para “crianças trans”, mas permanece sendo intrigante como essa categoria - a transexualidade infantil - tem ganhado mais força nos últimos anos. Muito além de reduzir essa questão ao número de vezes que a palavra “criança” aparece em um documento que estabelece critérios de tratamento a transexuais, é necessário destacar o intenso e progressivo registro das infâncias trans na literatura biomédica, deixando de tomar esse movimento como inocente.

Contudo, desconfiar da (re)patologização do gênero, agora representado pela figura da criança trans, é desafiador justamente porque ela aparece enlaçada a uma aparente despatologização da vida adulta. É a partir do protagonismo da “autonomia” que as amarras diagnósticas são lidas enquanto coadjuvantes. Paradoxalmente, são justamente algumas despatologizações da transexualidade que desencadeiam uma psiquiatrização da infância. Como perguntam Favero e Souza (2019FAVERO, Sofia; SOUZA, Fernanda. 2019. (Des)patologizar é (des)diagnosticar? Inquietações sobre as disputas por autonomia no campo político. Revista Periódicus, Vol. 5, nº 11. p. 303-323. Disponível em: https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914 Acesso: 25.08.21.
https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914...
): (des) patologizar é - apenas, ou necessariamente - (des)diagnosticar? Ou ainda, retirar o caráter patológico da adultez é um movimento que acompanha a despatologização da infância? Em caso de resposta negativa a essa pergunta, o que significa tratar a “infância” como uma moeda de troca no mercado da patologização?

Os câmbios tampouco param por aqui. A Resolução nº 2.265 (CFM) define em seu Art. 5º que a atenção médica significa uma linha de cuidado composta por um pediatra (aos pacientes com menos de 18 anos de idade), psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico. Adiante, no Anexo III do documento, é definido que cabe ao médico psiquiatra a incumbência de elaborar laudos, relatórios ou atestados que se façam necessários. Observa-se, assim, a retirada da psicologia do protocolo de atendimento a transexuais. Tal advertência não tem o objetivo de direcionar o debate à contraposição entre uma “boa psicologia” e uma “má psiquiatria”. Busca-se, sim, levantar a reflexão acerca de como podem ser fragilizadas as sólidas alianças políticas estabelecidas entre a psicologia e os ativismos trans.

Embora a mesma resolução tenha diminuído o tempo de tratamento de adultos, passando de dois para um ano mínimo de obrigatoriedade psicoterapêutica, para as crianças esse tempo não está explícito. Ainda no Anexo III, o CFM determina que a identidade de gênero é estabelecida em torno dos quatro anos de idade, mas que o diagnóstico de incongruência de gênero pode somente ser definido mediante um acompanhamento ao longo de toda a infância. Evidentemente, a infância não dura apenas um ano. Nesse sentido, a diminuição de prazo de tratamento foi reduzida apenas para uns sujeitos, para que outros, as crianças, pudessem ser avaliadas indiscriminadamente e durante um tempo expandido.

É na tese de doutorado de Alexandre Saadeh, psiquiatra responsável por gerir o AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), ligado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, que podem ser encontradas algumas das afirmações vistas no documento. Ele baseia-se, por exemplo, em discussões feitas por John Money, nas décadas de 1960 e 1970, psicólogo norte-

-americano reconhecido por intervenções antiéticas3 3 Caso emblemático para a saúde, responsável por reacender discussões sobre a maneira de sermos criados, ter ou não soberania na própria identidade, a matéria de título “Documentário conta drama de gêmeo criado como menina após perder pênis” pode ser lida em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/11/101123_gemeos_mudanca_sexo Acesso: 25 de ago. 2021. em crianças, para a definição da faixa etária dos quatro a cinco anos de idade (Saadeh, 2004, p. 38SAADEH, Alexandre. 2004. Transtornos de identidade sexual: um estudo psicopatológico de transexualismo masculino e feminino. Tese de Doutorado, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo.). Coincidentemente ou não, o AMTIGOS tem encerrado o atendimento a pessoas trans adultas, direcionando seus serviços às crianças trans, atitude que exemplifica o quão controverso tem sido o fator “idade” quando ele se torna um valor avaliado pela saúde.

Em entrevista ao portal Catraca Livre, a neuropsicóloga do ambulatório, Ana Carolina declarou que estavam sendo atendidos os últimos pacientes em idade adulta, dando a entender que isso ocorria porque a transexualidade estava se manifestando cada vez mais cedo, por isso os serviços deveriam voltar suas atenções a esse período. Carolina declara, ainda, que é “(...) como o Saadeh [Dr. Alexandre Saadeh, coordenador do AMTIGOS] sempre diz, meu sonho é que um dia a gente possa fechar as triagens para adultos para começar o tratamento já na infância, que é onde tudo acontece.” (Catraca Livre, 2017, n.p). Temos aqui duas informações preciosas, pois, ao mesmo tempo em que há uma aposta na saúde infantil, há uma desistência da assistência em saúde voltada a pessoas trans adultas. Menos explícita, contudo, é a resposta sobre o que sustenta a ideia de que uma ação precoce serviria de prevenção para sofrimentos futuros.

Outros questionamentos emergem como desdobramentos dessas constatações: psiquiatras (em parte guiados por uma compreensão cisnormativa sobre corpo e identidade) conseguem evitar traumas causados pela transfobia (familiar, escolar, social, etc.) agindo no aqui-e-agora de crianças? O que pensar de uma intervenção feita no começo da vida sob a justificativa de ter a função de melhorar uma etapa posterior? Se a intenção é mirar no passado para “consertar” o futuro, por que desligar pessoas adultas dos serviços? Dito de um modo simples: se é dito que os tratamentos na infância surgem para garantir um porvir melhor, isso cria um efeito complexo, em que não só são retirados os pacientes adultos do serviço, mas também é pactuado que o acesso, a partir de agora, seja exclusivo às crianças.

No campo dos direitos sexuais e reprodutivos, é sempre possível encontrar perdas disfarçadas de ganhos, e nem sempre os ganhos são permanentes - dadas as disputas constantes que são estabelecidas nesses campos. É nesse cenário que as diretrizes clínicas buscam contornar, novamente, o que seria um corpo de criança e um corpo de adulto. O primeiro, sem expressão sexual, sem desejo, sem autonomia. O segundo, supostamente sem infância, logo, composto por traumas, violências e abandonos. Dualismo reforçado pela antiga e conservadora crença, combatida por teóricos como Freud no final do século XIX, de que a diferença entre crianças e adultos é a (ausência ou presença da) manifestação da sexualidade. Vemos que, a partir de 2020, a perda de importância dos documentos psicológicos não significa somente um campo a menos para a psicologia (como se, no fim das contas, esse fosse somente um debate mercadológico). Além dessa interpretação inicial, o afastamento da disciplina psicológica dos protocolos transexuais faz com que o cuidado volte a ser uma questão unicamente médica. Seguem, ainda, notícias4 4 Na Folha de São Paulo, essa mudança foi anunciada com o título “Conselho de Medicina reduz idade mínima para cirurgia de adequação de sexo” e a resolução foi apresentada como uma estratégia articulada à despatologização. Disponível em: https://www1.folha.uol.com. br/cotidiano/2020/01/conselho-reduz-de-21-para-18-anos-idade-para-transgeneros-terem-acesso-a-cirurgia.shtml Acesso: 25 de ago. 2021. de que a avaliação psiquiátrica (que até o final de 2019 era psicológica) será diminuída em 50% às pessoas adultas. No caso, aquelas que outrora ficariam pelo menos dois anos em avaliação, agora precisarão somente de um ano mínimo, sendo esse “mínimo” sempre um critério analisado pelos próprios operadores de saúde. O que nos obriga a reconhecer que sequer a redução para um ano esteja garantida, e essa falta de garantia trata-se de um aspecto que, embora entendido como despatologizante, tampouco chega a ser destutelante. Em outros termos, as despatologizações infantis não se restringem meramente ao gênero, mas remetem a convenções engessadas sobre a relação vertical entre adultos e crianças, profissionais cis e usuários trans.

Necessário redizer que a diminuição do tempo de acompanhamento para adultos acompanha um aumento (indefinido) do tempo de acompanhamento para crianças. Não sendo isso algo que se restringe a um conselho representativo, mas que age diretamente no Estado. Assim como a versão inicial do Processo Transexualizador (2008) foi afetada pela Resolução n° 1.652, a sua revisão, em 2013, também apresentou modificações paralelas à Resolução n° 1.955. Relação histórica que faz com que, mesmo agora, em 2020, seja improvável de não ser vista sendo reprisada após a Resolução nº 2.265 ter sido lançada. Por esse ângulo, portanto, o registro da categoria “criança trans” na literatura médica não se encerra nela, mas extrapola para uma institucionalização nosológica “comemorada”, já que imbricada, finalmente, a uma adultez despatologizada.

Na distribuição diferencial da incongruência de gênero entre adultos e crianças, vai se consolidando uma passagem do tempo que produz distinções entre adultos e crianças ao mesmo tempo em que os liga de formas por vezes bastante ambíguas e controversas. O que diferencia adultos de crianças trans é a marca da sexualidade? É o imaginário? A capacidade de fantasiar? É uma relação negativa com a autoimagem? Na ausência de um ciclo físico que marque a passagem de uma criança para um adulto trans, tendo em vista que tais marcas estão profundamente associadas à cisgeneridade (como a menstruação localizando a passagem de “meninas” à vida adulta reprodutiva), como os diagnósticos se inscrevem nas avaliações sobre o amadurecimento corporal e subjetivo?

2. Entre maioridades e cisgeneridades

Infância trans: “não necessito ter 18 anos para saber quem sou” - é o título de uma recente reportagem publicada no jornal mexicano El Universal (2019ROMERO, Carolina. (24.11.2019). “No necessito tener 18 anos para saber quien soy” [on line]. El Universal. Disponível em: Disponível em: https://www.eluniversal.com.mx/nacion/sociedad/infancia-trans-no-necesito-tener-18-anos-para-saber-quien-soy?fbclid=IwAR2QBxC9GWPmM-WuqIf1eGu7ldr_LDM_PTQ6lLDGRK-JIMdWVzqjq0jotAE Acesso: 25 de ago. 2021.
https://www.eluniversal.com.mx/nacion/so...
). Mark Calderón, um jovem transgênero de 16 anos de idade, discute uma série de questões relacionadas à sua experiência. Uma de suas afirmações, ao longo da entrevista, é que ele não considera fundamental ter idade legal para saber quem é. Ao longo da reportagem, é dito que Mark está enfrentando uma batalha diária para que adultos reconheçam sua identidade. Na perspectiva dele, ser “menor” implica em não ser levado a sério quando alguém diz que é trans.

É bom lembrar que, em 2013, o CFM decidiu revogar um documento que empreendia esforços no mesmo sentido a essa discussão: a Portaria n° 859. Ela foi rapidamente anulada devido à repercussão negativa que obteve na mídia. O documento tratava justamente da diminuição, de 21 para 18 anos, da faixa etária daqueles que desejassem acessar o aparato cirúrgico. Naquele momento, o CFM estudava fazer algo que só tomou forma em 2020, com a divulgação da já mencionada Resolução nº 2.265ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA. (24.01.2020). Análise da resolução nº 2.265 de 20 de setembro de 2019, resolução produzida pelo Conselho Federal de Medicina [on line]. ANPEPP, 2020. Disponível em: Disponível em: https://drive.google.com/file/u/0/d/1CryHEHWIal7JrJwKmsBE4NmHiTDF6S EU/view [Acesso: 25.08.21].
https://drive.google.com/file/u/0/d/1Cry...
: os médicos estão autorizados a realizar as transgenitalizações em sujeitos que atingirem a maioridade civil, sem necessidade de esperar até os 21 anos.

Para uma maior apreensão do fenômeno “criança trans” no Brasil, é necessário entender que essa decisão pode ser encarada, por setores sociais ligados à ofensiva anti-gênero, como um ataque, como debate Junqueira (2018JUNQUEIRA, Rogério. 2018. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista de Psicologia Política, Vol. 18, nº 43, pp.: 449-502. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004 &lng=pt&nrm=iso Acesso: 25.08.21.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Embora esteja em jogo uma aproximação da transexualidade recém-chegada à vida adulta com as regulações nosológicas, essa afinidade não é bem-vista a partir do momento em que passa a ser considerada perigosa às famílias e infâncias, já que não coincide com o modelo de infância a ser resguardado: um modelo determinado por “esse” social.

Recentemente, o jornal Folha de São Paulo (2019COLLUCCI, Cláudia; ZAREMBA, Júlia. 2019. Janaina Paschoal quer proibir terapia hormonal para crianças e adolescentes trans. Folha de São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/janaina-paschoal-quer-proibir-terapia-hormonal-para-criancas-e-adolescentes-trans.shtml Acesso: 25 de ago. 2021.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
) expôs em uma matéria que a deputada Janaina Paschoal (PSL) estava propondo uma emenda para evitar que crianças e adolescentes tivessem acesso a terapias hormonais e que menores de 21 anos não pudessem, na rede pública e privada paulista, passar pela redesignação sexual. Proposta por Paschoal, a emenda atingia diretamente um projeto da deputada Erica Malunguinho (PSOL), reconhecida como a primeira mulher trans na ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo). De todo modo, não apenas Malunguinho colocou-se contra a emenda da deputada do Partido Social Liberal, mas até mesmo médicos se posicionaram em discordância, buscando conscientizá-la.

Saadeh, coordenador do AMTIGOS, foi entrevistado para a mesma matéria que Janaína, quando sugeriu que seria positivo que a parlamentar visitasse o espaço para presenciar o drama das famílias, crianças e adolescentes. Uma situação que, segundo afirma o psiquiatra, é de grande sofrimento, isolamento social, abandono escolar e outros transtornos sociais. A parlamentar informou à Folha (2019) que estava de antemão somente protegendo as crianças de qualquer forma de experimento. Ainda assim, aceitou o convite. Na situação relatada e na defesa médica, nota-se como a oferta ambulatorial precisa se justificar mediante uma compreensão de que a transexualidade causa dor.

Autores como Perucchi, Prado e Machado (2017PERUCCHI, Juliana; PRADO, Marco; MACHADO, Paula. 2017. Do legítimo das experiências, da precariedade dos saberes: corpos, gênero e sexualidades em disputa. In: Marcos Vieira-Silva; Marcelo Dalla Vecchia; Fernando Santana de Paiva; Luiz Felipe Viana Cardoso; Julia Cabral Mazini; Marília Novais da Mata Machado (Org.). Democracia, Política e Psicologia Social: rupturas e consolidações. 1ed. Porto Alegre: ABRAPSO, Vol. 2, p. 197-220.) já discutiram que o acesso a cuidados (por ex.: hormônios, cirurgias, psicoterapia) não precisa estar mediado pela patologização do gênero. Em outras palavras, a transexualidade não precisa ser registrada como um grande pesar à vida do sujeito para que o direito à saúde possa ser garantido. Pelo contrário, se assumimos a máxima “saúde não é ausência de doença” - pensada pela OMS (Carta da Organização Mundial de Saúde, 1946ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. 1946. Carta da Organização Mundial de Saúde. Disponível em: Disponível em: http://www.onuportugal.pt/oms.doc Acesso: 25 de ago. 2021.
http://www.onuportugal.pt/oms.doc...
) - estaríamos reconhecendo que atrelar “ser” com “sofrer” é uma perspectiva pouco justa com a experiência das próprias pessoas trans e travestis. Não se trata, no entanto, de negar que haja sofrimento, mas de pensar o porquê de ele servir enquanto uma bússola para delimitar a atuação de operadores de saúde.

Nesse jogo de interlocuções, Favero e Souza (2019FAVERO, Sofia; SOUZA, Fernanda. 2019. (Des)patologizar é (des)diagnosticar? Inquietações sobre as disputas por autonomia no campo político. Revista Periódicus, Vol. 5, nº 11. p. 303-323. Disponível em: https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914 Acesso: 25.08.21.
https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914...
) apontam que a noção de “dor” que se liga à transexualidade produz um obstáculo à despatologização, pois desencadeia mais diagnósticos. Se aqueles que vivenciam a transexualidade estão em sofrimento, logo, a psicologia tem a contribuir de alguma forma - diante de um vício histórico que considera a psicologia uma disciplina que pretende corrigir, endireitar e normatizar o sujeito. É notável como isso torna possível não “patologizar” e ainda assim diagnosticar ao longo das práticas clínicas. Um bom exemplo de como são defendidas as avaliações psicológicas, no que diz respeito a gênero e sexualidade, é a publicação, em 2012, pela World Professional Association for Transgender Health (WPATH)WORLD PROFESSIONAL ASSOCIATION FOR TRASNGENDER HEALTH. 2012. Standarts of Care for the Health of Transsexual, Transgender and Gender Nonconforming People. WPATH. Disponível em: Disponível em: https://www.wpath.org/publications/soc Acesso: 25 de ago. 2021.
https://www.wpath.org/publications/soc...
, de alguns “Standarts of Care” (Normas de Atuação - NDA) para operadores de saúde envolvidos com pacientes e usuários/as trans.

Um aspecto a mencionar em relação às NDA (2012) é que elas, quando se referem à infância, fazem uma diferenciação na abordagem. Segundo as normas, transexualidade não é o mesmo que disforia de gênero, e os profissionais de saúde trabalham apenas com crianças que exibem alguma “questão de interesse psicológico”. Em resumo, encontra-se um caminho considerado “menos danoso” para defender as psicoterapias, descolando a transexualidade “causadora de sofrimento” da experiência do sujeito, afirmando-se atender à demanda e não a ele. Tal posição não opera mudança significativa na dinâmica da intervenção, e dificulta a elaboração de uma estratégia política de combate ao diagnóstico de gênero, seja ele na infância ou na vida adulta.

O contexto apresentado denota como as pessoas trans, mais especificamente aquelas em seus primeiros anos de vida, têm se defrontado com uma série de regulações sofisticadas, que consideram necessária a avaliação externa (ou seja, o aval de determinada expertise) até que completem 18 anos. Antes disso, não seria possível afirmar-se transexual, tendo em vista que a transexualidade necessitaria não só de uma regularidade, como também de um acompanhamento feito por peritos em sexualidade e gênero. O que faz com que somente através da passagem dos 18 anos possa ser levada a sério a afirmação “sou trans”? Poderíamos admitir que a ideia de maioridade está atravessada profundamente pela cisgeneridade?

Tal roteiro social também foi abordado pela filósofa Judith Butler (2015BUTLER, Judith. 2015 Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade; tradução Renato Aguiar. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), quando a autora aponta para a fabricação da inteligibilidade mediante uma suposta coerência entre sexo, gênero, sexualidade e prática sexual. Desobedecer a essa engenharia social implica perder a possibilidade de ter sua própria identidade reconhecida. Não ser mais inteligível, assim, é a queixa de Mark Calderón, que, aos 16 anos, permanece tendo sua existência condicionada a uma passagem de tempo. Todavia, a transexualidade coloca outras faixas etárias em movimento, ou, na verdade, coloca as faixas etárias em evidência, pois revela a artificialidade do tempo. Por outro lado, a criança trans não obedece ao critério de idade que é imposto somente a ela, uma vez que às crianças cisgêneras não há período, época ou estação para que possam ser compreendidas enquanto tais.

De fato, segundo o mesmo nexo, “crianças cisgêneras” pode ser a representação de uma redundância, uma vez que a infância seria, “desde sempre”, não-trans. O que acontece, no entanto, àquelas que declaram um trânsito entre os gêneros? Tais crianças têm sido apreendidas pelo discurso nosológico rapidamente, de modo que é difícil falar em transexualidade infantil sem, com isso, observar o aparato clínico se mobilizar. Fala-se em crianças trans como algo amalgamado, uma palavra grande de muitas sílabas, que dispensa introduções: criançastrans. Ainda assim, o que é uma criança trans? O que faz com que alguém seja encarado como transexual não nos deveria parecer óbvio, pois estaríamos, novamente, nos rendendo aos universalismos diagnósticos.

Dentro de uma perspectiva construcionista, Ariès (1981ARIÈS, Philippe. 1981. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar.) diria que a infância é um agente social que precisa ser historicizado, algo que fez a partir de uma visão sobre o ocidente. Em contrapartida, Szulc (2015SZULC, Andrea. 2015. La niñez Mapuche: sentidos de pertenencia en tension. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Biblos.) irá criticar essa concepção, entendendo que os estudos das “culturas infantis” devem estar atentos também às condições políticas e econômicas que produzem a categoria “criança”. Ora, isso implica, em nossa discussão, o reconhecimento de que a clínica (psicológica, psiquiátrica, etc.) não é uma possibilidade material para todas as famílias, ainda que fornecida pelo SUS. Existem muitas formas de ser uma criança trans sem que sejam observados emparelhamentos clínicos. Ou, caso localizadas fora da Saúde, deixariam de ser legítimas?

Quando Ribeiro (2013RIBEIRO, Fernanda. 2013. “Governo dos adultos, governo das crianças: Agentes, práticas e discursos a partir da ‘lei da palmada’”. Civitas, Porto Alegre, Vol. 13, nº 2, p. 292-308. Disponível em https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.15480 Acesso: 25 de ago. 2021.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013....
) propõe uma discussão sobre a Lei Menino Bernardo nº 13.010, a autora argumenta que a “violência” foi sendo constituída como um critério opositivo para adultos e crianças. Governo dos adultos e governo das crianças colocavam em debate as violações de direitos humanos dos tratamentos que pudessem provocar dor, machucados, agressões, dentre outros. Segundo a autora, essa circunstância produzia uma fronteira etária, onde justamente a lógica da “palmada” delimitava um corpo como “protegido” e outro como “protetor”. Tomando de empréstimo algumas de suas proposições, seria possível pensar em um corpo adulto versus um corpo infantil conforme a ideia de “disforia” propagada pela literatura biomédica?

A própria ideia de “disforia” passa a conter determinadas especificidades etárias. Se em adultos trans costuma remeter a sofrimentos que permeiam o campo da sexualidade, no caso das crianças trans ela aparece relacionada profundamente a estereótipos de gênero (DSM-5 e CID-11). Isso não significa negar que esses âmbitos estejam dialogando de alguma forma, mas propor que o que está em debate é um entendimento de infância que reencena décadas de problematizações dos/as próprios/as médicos/as: uma infância sem sexualidade, uma infância sem desejo, voltada contra si.

Interessados em pensar como a APA está inclinada a registrar até mesmo comportamentos de risco mínimo, Henriques e Leite (2017HENRIQUES, Rogério; LEITE, André. 2017. As artes adivinhatórias e a psiquiatria do futuro. Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro, Vol. 29, nº 1, p. 81-86. Disponível em: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v29i1/1552 Acesso: 25.08.21.
https://doi.org/10.22409/1984-0292/v29i1...
) refletem que, na pressa de se estabelecer como uma entidade preventiva, ela passa a disputar um intenso processo de gestão da vida, capaz de fazer emergir, paradoxalmente, não só uma cultura do medo, mas também sujeitos vistos enquanto potenciais doentes. Não é de surpreender, então, quando mães, pais e responsáveis recorrem à clínica em busca de uma resposta acerca da sexualidade ou identidade de gênero do/a filho/a. Algo que tem gerado uma certa ansiedade, pois a produção da transexualidade como uma patologia não é algo que se encerra na Saúde. Sabemos que a patologização do gênero repercute em mais estigma a pessoas trans e travestis, nos diversos setores em que se encontram: escolares, familiares, hospitalares, laborais e tantos outros (Bento, 2006BENTO, Berenice. 2006. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Garamond.).

Com tais perguntas em mente, Rustoyburu (2019RUSTOYBURU, Cecilia. 2019. La medicalización de la infância: Florencio Escardó y la nueva pedatría em Buenos Aires. 1ª Ed. Biblos.) empreende uma análise onde afirma que os saberes médicos incorporam, absorvem e colonizam problemas da vida mundana que antes estavam regulados por outras instituições. A autora também aponta que a legitimação social do saber médico, desde a década de 1940 até os dias de hoje, fez com que a atribuição de proteger meninos e meninas passasse a ser da alçada de operadores de saúde, “especialistas” em lidar com questões como “traumas” e famílias ditas “disfuncionais”. Assim, Rustoyburu (2019RUSTOYBURU, Cecilia. 2019. La medicalización de la infância: Florencio Escardó y la nueva pedatría em Buenos Aires. 1ª Ed. Biblos.) situa que os médicos se converteram em vozes autorizadas no que diz respeito ao cuidado da infância. Percebe-se como o tema “transexualidade” aparece enquanto uma atribuição clínica a partir de determinada história que definiu, por exemplo, o gênero e a orientação sexual como questões de pediatras, psiquiatras, psicólogos, entre outros especialistas.

Sobre o referido embate, Mol (2008MOL, Annemarie. 2008. The logic of care: health and the problem of patient choice. New York: Routledge.) argumenta que a tomada de decisões não deve perpassar um pressuposto liberal, onde os sujeitos teriam acesso, em um contexto hospitalar, a escolhas pautadas na mais completa autonomia. Cabe considerar que a pressão exercida pela nosologia implica em certo constrangimento àqueles que decidem não levar seus/as filhos/as trans ao consultório. Os pais, mães e responsáveis possivelmente receberiam o rótulo de irresponsáveis ou “desnaturados” caso não recorressem à literatura médica para lidar com a questão “criança trans” de maneira pretensamente mais assertiva. Se, por um lado, quem encaminha o/a filho/a ao terapeuta pode acabar sendo interpretado como se estivesse “estimulando” uma transição, aqueles que não fazem esse acompanhamento também se deparam com a repercussão de uma culpa de outra ordem, como se não “amassem” ou não “cuidassem” o bastante.

A noção de que se deve levar crianças trans à clínica para que lá elas se desenvolvam faz com que estar saudável seja o horizonte da vida humana, algo que Mol (2008MOL, Annemarie. 2008. The logic of care: health and the problem of patient choice. New York: Routledge.) também irá criticar. A autora aponta que o pacientismo (ou patientism, como chama) deriva da ideia de que é preciso estar bem o tempo todo, algo que não condiz com a condição do próprio organismo. Tomando a transexualidade infantil como eixo de investigação, esse pacientismo se tornaria útil para refletir sobre os enquadramentos do consultório? Em outras palavras, identificar o “verdadeiro” gênero da criança é fazer com que a lógica familiar encontre uma estabilidade? A quem interessa “descobrir” o que a criança é?

É de salientar que, na realidade, essa “descoberta” se trata de uma “fabricação”. Assim como a verdade não é algo que se encontra, a transexualidade é algo que se manufatura, conforme uma leitura latouriana (2002)LATOUR, Bruno. 2002. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru, SP: EDUSC., em que as coisas são menos “achadas” e mais “produzidas” por mãos poluídas de mundo. Voltamos, então, às datas de 1973 e 1990, que marcam a saída da homossexualidade dos quadros de transtornos mentais, mas não expressam que o fantasma da patologização da sexualidade tenha deixado de buscar repouso na contemporaneidade, nos guias atuais.

Por mais que se tente apagar a relação entre homossexualidade e infância, as crianças (demarcadas antes como portadoras de um Transtorno de Identidade Sexual ou Comportamento Sexual Atípico, mas que agora atendem ao rótulo de Incongruentes ou Disfóricas) revelam que determinados setores da saúde mental têm um patrimônio tutelar que nos ronda como um espectro. Não buscamos, porém, reforçar uma crença de que psicoterapias ou atendimentos psiquiátricos são práticas essencialmente ruins, mas questionar um engajamento político que, apesar de se apresentar como neutro e cientificamente seguro, constitui a transexualidade na infância como um desenvolvimento defeituoso.

3. O aqui-e-agora da assistência: em direção a um fim

Embora não se trate exatamente de uma novidade, a inscrição da categoria “criança trans” nos guias de desordem mental tem feito com que outras disputas sejam desenhadas. Atualmente, tanto a CID-11 quanto o DSM-5 estão dando indícios de que pretendem intensificar as mobilizações nos primeiros anos de vida de transexuais, travestis e transgêneros. Para tanto, acabam produzindo uma cisão entre infância e adultez, fazendo com que essas fronteiras sejam dinamizadas: ora colocando o diagnóstico para circular, ora pensando uma subjetivação que se dá a partir de laudos ou documentos psiquiátricos. Se são essas as crianças que rompem com a ideia de desenvolvimento normativo, onde pênis e vagina equivalem, respectivamente, à masculinidade à feminilidade, e vice-versa, é preciso questionar: por que insistem em tentar produzir uma coerência cisgênera onde ela sequer foi solicitada? Ao falar em corpo da criança e corpo do adulto, sugere-se extrapolar a constituição física, pois não se trata simplesmente de uma conversa sobre “corpo” enquanto fundamento biológico, mas como local de inscrição da cidadania, pois é nela que a estratificação etária revela operar enquanto um modo de dar acesso a uns e negar acesso a outros. O incremento dos atendimentos infantis não deveria representar o fim dos atendimentos a adultos, tendo em vista que essa aposta em um “futuro melhor” deposita muita fé em uma clínica que pouco escuta as demandas das próprias pessoas trans, como apontam Tenório e Prado (2016TENÓRIO, Leonardo. PRADO, Marco. 2016. As contradições da patologização das identidades trans. Periódicus, Salvador, Vol. 11, nº 5, maio-out. Disponível em https://doi.org/10.9771/peri.v1i5.17175 Acesso: 25 de ago. 2021.
https://doi.org/10.9771/peri.v1i5.17175...
). Da mesma forma, a cidadania do adulto não deveria gerar limites para a cidadania da criança, uma vez que reconheçamos que o “boom” da despatologização está servindo para que a psiquiatrização da infância passe despercebida.

Assim, reconhece-se a necessidade de escutar o que as pessoas trans estão escrevendo, falando e registrando acerca de seus próprios processos geracionais, reposicionando aquilo que Fricker (2017FRICKER, Miranda. 2007. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. New York: Oxford University Press.) chamou de economia da credibilidade, a qual, segundo a autora, remonta a uma regulação e hierarquização do conhecimento que enxerga determinadas pessoas como “indignas” de participação popular. Bastante lembradas na esfera política como um exemplo disciplinar, tratam-se de existências diretamente ameaçadas por bandeiras morais que buscam ter um caráter técnico, mas que flertam com valores conservadores - menos setorizados e mais ramificados em nossas relações cotidianas.

Ambiguamente, pessoas trans e travestis continuam sendo sumariamente “esquecidas” por coordenadores, gestores e profissionais dos próprios espaços de saúde que, em tese, estão voltados a atendê-las. Se a patologização realmente tornou-

-se um mote para a difusão de intervenções na infância, compete a nós criarmos o que sugere Fricker (2007FRICKER, Miranda. 2007. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. New York: Oxford University Press.) para reparação da injustiça epistêmica: abertura a novos testemunhos. Perspectiva, essa, que implica não só uma desinibição dos ouvidos, conforme sustentava Santiago (2015SANTIAGO, Flávio. 2015. Gritos sem palavras: resistências das crianças pequenininhas negras frente ao racismo. Educ. rev., Belo Horizonte, Vol. 31, nº 2, p.129-153. Disponível em https://doi.org/10.1590/0102-4698132765 Acesso: 25 de ago. 2021.
https://doi.org/10.1590/0102-4698132765...
), mas que nos convoca a estranhar uma sombra de outros tempos que continua tentando buscar repouso em terrenos ditos científicos: uma infância estabilizada e imune à sexualidade.

Referências

  • ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA. (24.01.2020). Análise da resolução nº 2.265 de 20 de setembro de 2019, resolução produzida pelo Conselho Federal de Medicina [on line]. ANPEPP, 2020. Disponível em: Disponível em: https://drive.google.com/file/u/0/d/1CryHEHWIal7JrJwKmsBE4NmHiTDF6S EU/view [Acesso: 25.08.21].
    » https://drive.google.com/file/u/0/d/1CryHEHWIal7JrJwKmsBE4NmHiTDF6S EU/view
  • ARIÈS, Philippe. 1981. História social da criança e da família 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar.
  • ASSOCIAÇÃO NORTE-AMERICANA DE PSIQUIATRIA. 2013. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-5. 5ª ed. Washington, DC: APA.
  • BENTO, Berenice. 2006. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Garamond.
  • BONASSI, Brune. 2017. Cisnorma: acordos societários sobre o sexo binário e cisgênero Dissertação de Mestrado. Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
  • BRASIL. Portaria nº 1.707, de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do SUS, o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 19 ago. 2008. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1707_18_08_2008.html Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1707_18_08_2008.html
  • BRASIL. Portaria n.º 2.803, de 19 de novembro de 2013 que redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de novembro de 2013. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
  • BRASIL. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 09 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294 Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294
  • BUTLER, Judith. 2015 Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade; tradução Renato Aguiar. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • CANGUILHEM, Georges. 1995. O normal e o patológico Rio de Janeiro: Forense Universitária.
  • COLLUCCI, Cláudia; ZAREMBA, Júlia. 2019. Janaina Paschoal quer proibir terapia hormonal para crianças e adolescentes trans. Folha de São Paulo Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/janaina-paschoal-quer-proibir-terapia-hormonal-para-criancas-e-adolescentes-trans.shtml Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/janaina-paschoal-quer-proibir-terapia-hormonal-para-criancas-e-adolescentes-trans.shtml
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.482, de 10 de setembro de 1997. Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários, de 10 de setembro de 1997. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina, 1997. Disponível em: Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/1997/1482 Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/1997/1482
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.652, de 2 de dezembro de 2002. Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e revoga a Resolução nº 1482/1997 e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1652_2002.htm Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1652_2002.htm
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução n. 1.652/2002. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/1955_2010.htm Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/1955_2010.htm
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Processo-consulta: CFM 32/12. Parecer nº 8, de 22 de fevereiro de 2013. Terapia hormonal para adolescentes travestis e transexuais. Brasília, DF: Conselho federal de Medicina , 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2013/8_2013.pdf Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2013/8_2013.pdf
  • FAVERO, Sofia. 2020. Crianças trans? A produção da infância como evidência do gênero Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
  • FAVERO, Sofia; MACHADO, Paula. 2019. Diagnósticos benevolentes na infância: crianças trans e a suposta necessidade de um tratamento precoce. Revista Docência e Cibercultura., Rio de Janeiro, Vol. 3, p. 102-126. Disponível em: https://doi. org/10.12957/redoc.2019.40481 Acesso: 25.08.21.
    » https://doi.org/10.12957/redoc.2019.40481
  • FAVERO, Sofia; SOUZA, Fernanda. 2019. (Des)patologizar é (des)diagnosticar? Inquietações sobre as disputas por autonomia no campo político. Revista Periódicus, Vol. 5, nº 11. p. 303-323. Disponível em: https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914 Acesso: 25.08.21.
    » https://doi.org/10.9771/peri.v1i11.26914
  • FRICKER, Miranda. 2007. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. New York: Oxford University Press.
  • HENRIQUES, Rogério; LEITE, André. 2017. As artes adivinhatórias e a psiquiatria do futuro. Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro, Vol. 29, nº 1, p. 81-86. Disponível em: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v29i1/1552 Acesso: 25.08.21.
    » https://doi.org/10.22409/1984-0292/v29i1/1552
  • JUNQUEIRA, Rogério. 2018. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista de Psicologia Política, Vol. 18, nº 43, pp.: 449-502. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004 &lng=pt&nrm=iso Acesso: 25.08.21.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004 &lng=pt&nrm=iso
  • HARDING, Sandra. 1986. The Science Question in Feminism. Ithaca: Cornell University Press.
  • LATOUR, Bruno. 2002. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches Bauru, SP: EDUSC.
  • LIONÇO, Tatiana. 2009. Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, Vol. 19, nº 1, p.43-63. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S010373312009000100004 Acesso: 25.08.21.
    » https://doi.org/10.1590/S010373312009000100004
  • MOL, Annemarie. 2008. The logic of care: health and the problem of patient choice. New York: Routledge.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. 1993. Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde Décima revisão. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. 1946. Carta da Organização Mundial de Saúde Disponível em: Disponível em: http://www.onuportugal.pt/oms.doc Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://www.onuportugal.pt/oms.doc
  • PRADO, Marco; CORRÊA, Sonia. 2018. Retratos transnacionais e nacionais das cruzadas antigênero. Rev. psicol. polít., São Paulo, Vol. 18, nº 43, p. 444-448, dez. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300003&lng=pt&nrm=iso Acesso: 25 de ago. 2021.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300003&lng=pt&nrm=iso
  • PERUCCHI, Juliana; PRADO, Marco; MACHADO, Paula. 2017. Do legítimo das experiências, da precariedade dos saberes: corpos, gênero e sexualidades em disputa. In: Marcos Vieira-Silva; Marcelo Dalla Vecchia; Fernando Santana de Paiva; Luiz Felipe Viana Cardoso; Julia Cabral Mazini; Marília Novais da Mata Machado (Org.). Democracia, Política e Psicologia Social: rupturas e consolidações. 1ed. Porto Alegre: ABRAPSO, Vol. 2, p. 197-220.
  • RIBEIRO, Fernanda. 2013. “Governo dos adultos, governo das crianças: Agentes, práticas e discursos a partir da ‘lei da palmada’”. Civitas, Porto Alegre, Vol. 13, nº 2, p. 292-308. Disponível em https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.15480 Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.15480
  • ROMERO, Carolina. (24.11.2019). “No necessito tener 18 anos para saber quien soy” [on line]. El Universal Disponível em: Disponível em: https://www.eluniversal.com.mx/nacion/sociedad/infancia-trans-no-necesito-tener-18-anos-para-saber-quien-soy?fbclid=IwAR2QBxC9GWPmM-WuqIf1eGu7ldr_LDM_PTQ6lLDGRK-JIMdWVzqjq0jotAE Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://www.eluniversal.com.mx/nacion/sociedad/infancia-trans-no-necesito-tener-18-anos-para-saber-quien-soy?fbclid=IwAR2QBxC9GWPmM-WuqIf1eGu7ldr_LDM_PTQ6lLDGRK-JIMdWVzqjq0jotAE
  • RUSTOYBURU, Cecilia. 2019. La medicalización de la infância: Florencio Escardó y la nueva pedatría em Buenos Aires. 1ª Ed. Biblos.
  • SAADEH, Alexandre. 2004. Transtornos de identidade sexual: um estudo psicopatológico de transexualismo masculino e feminino. Tese de Doutorado, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo.
  • SANTIAGO, Flávio. 2015. Gritos sem palavras: resistências das crianças pequenininhas negras frente ao racismo. Educ. rev, Belo Horizonte, Vol. 31, nº 2, p.129-153. Disponível em https://doi.org/10.1590/0102-4698132765 Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/0102-4698132765
  • SERRES, Michel; LATOUR, Bruno. 1995. Conversations on Science, Culture and Time Ann Arbor: University of Michigan Press.
  • SZULC, Andrea. 2015. La niñez Mapuche: sentidos de pertenencia en tension. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Biblos.
  • TENÓRIO, Leonardo. PRADO, Marco. 2016. As contradições da patologização das identidades trans. Periódicus, Salvador, Vol. 11, nº 5, maio-out. Disponível em https://doi.org/10.9771/peri.v1i5.17175 Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://doi.org/10.9771/peri.v1i5.17175
  • VERGUEIRO, Vergueiro. 2016. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Salvador, Dissertação de Mestrado. Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia.
  • WORLD PROFESSIONAL ASSOCIATION FOR TRASNGENDER HEALTH. 2012. Standarts of Care for the Health of Transsexual, Transgender and Gender Nonconforming People. WPATH Disponível em: Disponível em: https://www.wpath.org/publications/soc Acesso: 25 de ago. 2021.
    » https://www.wpath.org/publications/soc
  • 1
    Indicado ao atual presidente pelo conservador Olavo de Carvalho, Ricardo se colocava publicamente como “anti-marxista”, já que o marxismo, segundo apontava, seria o cerne de difusão de valores contra a preservação da família, da religião e do patriotismo. A reportagem está disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/22/politica/1542910509_576428. html Acesso: 25 de ago. 2021.
  • 2
    Os olhares e análises aqui colocados fazem parte de uma pesquisa mais ampla, de mestrado em Psicologia Social e Institucional (PPGPSI - UFRGS), realizada entre 2018 e 2020 pela primeira autora (Favero, 2020FAVERO, Sofia. 2020. Crianças trans? A produção da infância como evidência do gênero. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.), sob orientação de Paula Sandrine Machado e co-orientação de Rafaela Vasconcelos.
  • 3
    Caso emblemático para a saúde, responsável por reacender discussões sobre a maneira de sermos criados, ter ou não soberania na própria identidade, a matéria de título “Documentário conta drama de gêmeo criado como menina após perder pênis” pode ser lida em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/11/101123_gemeos_mudanca_sexo Acesso: 25 de ago. 2021.
  • 4
    Na Folha de São Paulo, essa mudança foi anunciada com o título “Conselho de Medicina reduz idade mínima para cirurgia de adequação de sexo” e a resolução foi apresentada como uma estratégia articulada à despatologização. Disponível em: https://www1.folha.uol.com. br/cotidiano/2020/01/conselho-reduz-de-21-para-18-anos-idade-para-transgeneros-terem-acesso-a-cirurgia.shtml Acesso: 25 de ago. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) R. São Francisco Xavier, 524, 6º andar, Bloco E 20550-013 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel./Fax: (21) 2568-0599 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: sexualidadsaludysociedad@gmail.com