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Políticas de saúde, confiança e afeto em narrativas de parto

Health policies, trust and affect in birth narratives

Resumo

O Programa de Humanização do Pré-Natal e do Nascimento (PHPN) foi instituído pelo Ministério da Saúde no Brasil em 2000, com o propósito de assegurar o respeito à mulher e ao bebê e diminuir práticas intervencionistas desnecessárias. No entanto, em narrativas de parto com mulheres usuárias do sistema privado de saúde no Rio de Janeiro, coletadas em 2016, houve pouca menção às diretrizes deste programa. A preocupação em encontrar um médico que realize parto normal e respeite as vontades da paciente está presente, mas o desenrolar do parto é entendido como confirmando ou não uma relação pessoalizada de confiança entre médico e paciente, e não como um conjunto de direitos que as parturientes têm e que os obstetras devem observar. Analiso então como este entendimento se manifesta através das categorias emotivas usadas nas narrativas.

Palavras-chave:
parto; confiança; políticas de saúde, relação médico-paciente

Abstract

The Prenatal and Birth Humanization Program was instituted by the Brazilian Health Ministry in 2000, aiming at ensuring respectful attention to women and babies and diminishing the use of unnecessary medical interventions. However, among women who had private health plans in Rio de Janeiro and who were interviewed in 2016, there were few mentions to this program’s guidelines. They attempted to find obstetrician who perform normal births and respect women´s wishes, but they understood the development of birth as confirming or not a personalized trust relationship between doctor and patient, rather than resulting from rights that should be observed. Thus, I analyze how this understanding is revealed through the emotion categories used in the birth narratives.

Keywords:
birth; trust; health policies; doctor-patient relations

Resumen

El Programa de Humanización del Pré-Natal y del Nacimiento (PHPN) fue instituido por el Ministerio de Salud de Brasil en el año 2000, con el propósito de asegurar el respeto hacia las mujeres y hacia los bebés y reducir las prácticas intervencionistas innecesarias. Sin embargo, en los relatos de partos con mujeres usuarias del sistema privado de salud en Río de Janeiro, recopilados en 2016, se mencionaron poco las directrices de este programa. La preocupación por encontrar un médico que realice el parto normal y respete los deseos de la paciente está presente, pero el desarrollo del parto se entiende como la confirmación o no de una relación personalizada de confianza entre el médico y la paciente, y no como un conjunto de derechos que las gestantes en trabajo de parto tienen y que los obstetras deben observar. Analizo entonces cómo este entendimiento se manifiesta a través de las categorías emocionales utilizadas en las narraciones.

Palabras-clave:
parto; confianza; políticas de salud, relación médico-paciente

Em seu estudo sobre pessoas atingidas pelas políticas de saúde em torno da hanseníase, Claudia Fonseca (2018FONSECA, Claudia. 2018. “Sofrimento situado: memória, dor e ironia”. In: RIFIOTIS, T. e SEGATA, J. (eds.), Políticas Etnográficas no Campo da Moral. Porto Alegre: UFRGS. 1ª ed. 212 p.) explora os diferentes sentimentos presentes nos relatos de dor. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase vem revendo a segregação dos pacientes imposta pelas políticas públicas no passado como uma violação de direitos fundamentais. Neste contexto, o sofrimento surge muitas vezes como estratégia política, como performance para persuadir a opinião pública e os políticos em busca de reparação. No cotidiano, contudo, Fonseca aponta como o mesmo passado é revisitado pelas pessoas com tons mais variados, mostrando, para seus interlocutores, experiências de vida multifacetadas e espaços de manobra e agência. Assim, sentimento e política se articulam de forma variada conforme o contexto.

Nas experiências de parto, o sofrimento também tem sido um sentimento mobilizador politicamente, como analisa Mariana Pulhez (2013PULHEZ, Mariana Marques. 2013. ““Parem a violência obstétrica”: a construção das noções de ‘violência’ e ‘vítima’ nas experiências de parto”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 12 no. 35, p.544-564. Disponível em <Disponível em http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%20Copy.pdf > (consultado em 01/08/2019).
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). Através de marchas, relatos em comunidades virtuais e filmes veiculados em 2012, mulheres contam suas histórias de partos sofridos e traumáticos, como forma de vocalizar a “violência obstétrica” e se construírem como “vítimas”. Consideram violentos procedimentos feitos rotineiramente e principalmente “contra sua vontade”, mesmo após a formulação do Programa de Humanização do Pré-Natal e do Nascimento (PHPN) pelo Ministério da Saúde no Brasil em 2000, que visa assegurar o respeito à mulher e ao bebê e diminuir práticas intervencionistas desnecessárias. Está em questão nestas denúncias não apenas “um movimento que busca alterar a visão de mundo sobre aquilo que é constitutivo de um parto” (2013: 558), mas também o que se entende por “parto humanizado” e sua efetiva implementação como política pública.

Se ambas autoras discutem sentimentos e experiências de políticas públicas de saúde, fazem do ponto de vista principalmente de pessoas engajadas em movimentos sociais, que têm na expressão do sofrimento e da vitimização um importante instrumento político. Neste artigo, sigo um caminho diverso e abordo como mulheres não ativistas vivenciam as políticas de humanização do parto no sistema privado de saúde no Rio de Janeiro, através de suas narrativas sobre o nascimento de seus filhos. Nelas, o sofrimento dá lugar a diversas emoções - do ódio ao afeto e carinho - que contribuem para entender as dinâmicas presentes no parto. Nestas histórias, o desenrolar do parto não parece se apoiar em um conjunto de direitos que as parturientes têm e que os obstetras devem observar. O que está em jogo nesse processo é uma relação pessoalizada de confiança entre médico e paciente, que pode ou não se sustentar no parto.

Embora a saúde suplementar brasileira seja regulada desde 2000 e as diretrizes que integram o PHPN também recubram os partos na saúde privada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) controla apenas as operadoras de planos de saúde, que daí devem supervisionar os hospitais e os profissionais de saúde. As histórias de parto analisadas aqui sugerem que as políticas de humanização do parto não são determinantes no atendimento particular, ficando seu cumprimento a critério de cada obstetra. Como argumento aqui, os relatos apontam a importância da confiança e do teor afetivo da relação médico-paciente como elementos importantes para que um parto aconteça conforme o planejado.

As narrativas de parto que examino foram produzidas em entrevistas com mulheres brancas heterossexuais de camadas médias no Rio de Janeiro1 1 Os dados analisados aqui resultam dos projetos de pesquisa “Histórias de parto: pessoa e parentesco” e “O parto narrado: corpo, subjetividade e relacionalidade”, apoiados pelo Programa Pro-Ciência da UERJ e pelo CNPq através de Bolsa de Produtividade. . Conversei com nove mulheres com idades entre 37 e 47 anos, todas casadas, que tiveram pelo menos um de seus partos depois de 2010. Têm formação universitária e são profissionais liberais ou servidoras públicas. Destas mulheres, algumas tiverem partos normais, outras fizeram cesáreas, mas todas desejaram e planejaram a gravidez. Estes relatos integram uma pesquisa comparativa que inclui também histórias de parto de sete mulheres do mesmo segmento social com idades entre 60 e 70 anos, que tiveram filhos na década de 70 e 80, quando começavam a aparecer grupos de preparação para o parto. Todas são usuárias do sistema privado de saúde no Brasil.

Neste artigo, minha análise se dedica às narrativas das mulheres mais jovens pois são elas que tiveram partos após a criação do Programa PHPN. Contudo, em alguns momentos recorro às histórias das mulheres mais velhas como contraponto para certas questões. Realizei todas as entrevistas, nos locais mais convenientes para elas, muitas vezes com os filhos pequenos presentes. A diferença entre os locais de encontro não alterou o detalhamento dos relatos. Ao assinarem o termo de consentimento livre, essas mulheres tiveram uma introdução breve aos objetivos da pesquisa que se tornou um contexto para suas falas. Situação essa que afeta a maneira como rememoraram uma experiência passada (Halbwachs 1990HALBWACHS, Maurice. 1990. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice. 1ª ed. 189p.; Bruner 1986BRUNER, Edward. 1986. “Experience and its expressions”. In: TURNER, V. W. e BRUNER, E. (eds.). The Anthropology of Experience. Chicago: University of Chicago Press, 1a ed. 391p.), de modo que estas narrativas se diferenciam dos eventos do parto em si. Por fim, várias destas mulheres eram da minha rede social e sabiam que sou mãe também. Ressalto, assim, que as narrativas analisadas neste artigo foram produzidas em uma relação intersubjetiva específica, em um momento e local particulares.

As políticas de assistência ao parto no Brasil

A história recente do parto no Brasil é um exemplo de medicalização nos termos de Foucault (2012FOUCAULT, Michel. 2012. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes. 40 ed. 291p. ): um regime de práticas e saberes tomados como verdade pelos profissionais de saúde, que são vistos como suas autoridades legítimas. Ao longo do século XX, a gestação e o parto no Brasil foram se tornando eventos médicos, que deveriam ser conduzidos por profissionais da saúde em hospitais (Rohden 2001ROHDEN, Fabiola. 2001. Uma Ciência da Diferença: Sexo e Gênero na Medicina da Mulher. Rio de Janeiro: Ed.Fiocruz 2ª ed. 224p. ). A medicalização da gestação e do parto implicou não apenas a supervisão por um médico obstetra, em geral homem, como também a referência a parâmetros de normalidade e patologia, verificados através de consultas e exames regulares pré-natais. Além disso, o parto hospitalar possibilitou o uso de tecnologias e intervenções cirúrgicas, permitindo um maior controle pelos médicos do corpo feminino em nome de critérios como segurança e eficiência (Davis-Floyd 1993DAVIS-FLOYD, Robbie. 1993. “The technocratic model of birth”. In: HOLLIS, S. T., PERSHING, L. e YOUNG, M. J . (eds.). Feminist Theory in the Study of Folklore. Urbana: University of Illinois Press. 1ª ed. 432 p.; Chazan 2007CHAZAN, Lilian K.. 2007. “Meio Quilo de Gente”: um Estudo Antropológico sobre Ultrassom Obstétrico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz . 1ª ed. 230p. ).

Apesar da legitimidade destas práticas, encontramos, a partir da década de 1990, iniciativas isoladas de mudança na parturição vindas de um grupo de profissionais da saúde. Críticos do excesso de intervenções e das altas taxas de cesárea, que chegaram a 80% na saúde privada quando a OMS recomenda entre 10 e 15%2 2 https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=692F9537120D83594407D12BA81F9877?sequence=3 , pressionam o Ministério da Saúde que, em 1998, adota uma série de medidas para mudar este cenário, dentre as quais o aumento do valor de remuneração do parto vaginal (Rattner 2009RATTNER, Daphne. 2009. “Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico”.Interface(Botucatu), vol. 13, supl. 1, p.595-602. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso > (consultado em 03/12/2020).
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). O município do Rio de Janeiro instituiu nesta época o direito a acompanhante escolhido pela mulher durante seu trabalho de parto nos hospitais municipais, o que viria a ser lei nacional em 2005.

O movimento de crítica às práticas de parto vigentes também foi impulsionado por grupos de mulheres ativistas. Ao final da década de 1990, Carmem Diniz destaca que essas comunidades presenciais e virtuais3 3 Entre elas, Parto Natural, Amigas do Parto, Rehuna, Materna, Parto Nosso, Mães Empoderadas. foram, em sua maioria, criadas “por consumidoras organizadas de classe média - uma novidade política de enorme potencial na mudança” (2005: 631). Desponta aqui outra dimensão da medicalização discutida por Rabinow e Rose (2006RABINOW, Paul e ROSE, Nikolas. 2006. “Biopower today”. BioSocieties, vol 1, p. 195-217. Disponível em <http://doi:10.1017/S1745855206040014> (consultado em 15/02/2020).
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): o discurso medicalizado é também mobilizado pelos sujeitos, que reivindicam seus direitos à saúde e à vida. A medicalização envolve, portanto, um modo de subjetivação que induz aos sujeitos a agirem sobre si próprios.

É somente em 2000 que se institui, no nível federal, a proposta de humanização do parto e nascimento enquanto política pública de saúde. O Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) pauta-se, Rattner (2009RATTNER, Daphne. 2009. “Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico”.Interface(Botucatu), vol. 13, supl. 1, p.595-602. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso > (consultado em 03/12/2020).
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) destaca, na busca por equidade na assistência a todas as mulheres no pré-natal e puerpério. Além disso, estimulou a criação de centros de parto normal no Sistema Único de Saúde (SUS), financiou cursos de formação de enfermeiras obstétricas, publicou normas técnicas sobre partos normal e de alto risco bem como a Agenda da Gestante e materiais institucionais sobre parto e nascimento, dentre outros. Com essas iniciativas, o Ministério da Saúde buscava assim desincentivar a realização de cesáreas desnecessárias.

As diretrizes do PHPN se aplicavam também ao setor privado, especialmente para estimular mais partos vaginais. Segundo Rattner (2009RATTNER, Daphne. 2009. “Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico”.Interface(Botucatu), vol. 13, supl. 1, p.595-602. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso > (consultado em 03/12/2020).
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), o foco na redução da taxa de cesáreas era comum aos dois setores, ainda que houvesse grande diferença entre eles neste quesito: 80% na saúde suplementar em contraste com 25-30% nos hospitais públicos. Contudo, como a ANS controla apenas as operadoras, que por sua vez operam em territórios variados, a regulação deste setor é complexa.

Como tem sido a implementação destas políticas públicas de humanização do parto nos dois setores de saúde? Manuela Velho et al (2019VELHO, Manuela Beatriz et al. 2019. “Modelos de assistência obstétrica na Região Sul do Brasil e fatores associados”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 35 no.3, e00093118. Disponível em <http://doi: 10.1590/0102-311X00093118> (consultado em 30/11/2019)
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)4 4 Os dados analisados integram o inquérito nacional sobre parto e nascimento “Nascer no Brasil”, realizada pela Fiocruz, apresentada no site http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/ abordam esta questão analisando os modelos de assistência obstétrica na região sul do Brasil. Neste estudo, os hospitais públicos se dividem entre a oferta de um modelo do que as autoras chamam de boas práticas do parto - baseadas em evidências5 5 A “medicina baseada em evidência”, advogada pelos defensores do parto humanizado, busca se contrapor a práticas que seriam realizadas por rotina, revisadas com base em estudos científicos atualizados (Diniz 2005). , maior proporção de trabalho de parto, na presença de acompanhante e no contato pele a pele entre mãe e bebê - e outro visto como intervencionista - com pouca presença dos últimos dois indicadores ainda que com alta proporção de trabalho de parto. Nos hospitais particulares, prevalece um segundo tipo de modelo intervencionista, com alta taxa de realização de cesáreas, embora com a presença de acompanhante. Esta divisão entre a rede pública e privada acompanha também o perfil socioeconômico das mulheres atendidas, estando as mais escolarizadas e com renda mais alta no setor particular.

Velho et al (2019VELHO, Manuela Beatriz et al. 2019. “Modelos de assistência obstétrica na Região Sul do Brasil e fatores associados”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 35 no.3, e00093118. Disponível em <http://doi: 10.1590/0102-311X00093118> (consultado em 30/11/2019)
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) apontam que o modelo de assistência privada se encontra organizado em torno da figura do profissional médico. Nele, há continuidade na realização do pré-natal com o mesmo obstetra, em contraste com os hospitais públicos, cujo atendimento é feito por profissionais diferentes, médicos ou enfermeiras obstétricas. Esta relação continuada contribui, segundo as autoras, para uma relação de confiança nos obstetras, de forma que as pacientes confiam nas informações recebidas. Igualmente presente neste modelo é a preferência inicial das mulheres pela cesárea, vista como via de parto mais segura, escolha que não é descontruída pelos médicos, o que também é apontado no estudo de Pires et al (2010PIRES, Denise et al. 2010. “A influência da assistência profissional em saúde na escolha do tipo de parto: um olhar sócio antropológico na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, vol. 10 no 2, p.191-197. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-38292010000200006&lng=en&nrm=iso > (consultado em 14/02/2020).
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)6 6 Rattner (2009) aponta o desafio vindo das associações médicas como o Conselho de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ). Em 2004, o CREMERJ tentou impedir o funcionamento da Casa de Parto Normal em Realengo, operada por enfermeiras obstétricas. Em 2008, publicou um parecer no qual considera ética a cesárea a pedido, entrando em conflito com o Código de Ética Médica. . Por isso o uso mais frequente de intervenções e mesmo a realização de cesáreas são melhor aceitos pelas mulheres estudadas pela pesquisa.

O acompanhamento pré-natal, as autoras concluem, tem, portanto, impacto sobre a escolha da via de parto e o tipo de atendimento recebido, o que não garante um atendimento obstétrico “humanizado”. São as mulheres atendidas em hospitais públicos aquelas que tem a maior chance de serem beneficiadas com as práticas de humanização do parto. Não à toa, mulheres com plano de saúde e sem condições de pagar um profissional particular adepto deste ideário têm buscado hospitais públicos para garantir um parto humanizado (Rattner 2009RATTNER, Daphne. 2009. “Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico”.Interface(Botucatu), vol. 13, supl. 1, p.595-602. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso > (consultado em 03/12/2020).
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; Hughes 2018HUGHES, Gabriela. 2018, “Cesárea? Não, obrigada!”: Estratégias de uma Rede Social de Gestantes para Desafiar e Enfrentar o Sistema das Cesáreas por Conveniência Médica. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.).

Assim, a humanização do parto ganha sentidos distintos, a começar pela diferença entre sua implementação nos setores público e privado de saúde. Diniz (2005DINIZ, Simone. 2005. “Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 10 no. 3, p.627-637. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000300019> (consultado em 01/12/2019).
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) chama atenção que estas compreensões variadas dão margem a disputas de legitimidade do discurso. Dentre os muitos significados apontados, estão a humanização como questão de saúde pública e como redimensionamento dos papéis profissionais na cena do parto, como resposta às reivindicações e defesa dos direitos das mulheres e crianças ao parto seguro e também como forma de participação da parturiente como consumidora nas decisões sobre a sua saúde e como direito ao alívio da dor, em particular para pacientes do SUS que não recebiam analgesia. Estes vários sentidos podem entrar em conflito, como, por exemplo, o direito da mulher enquanto consumidora de escolher seu parto, como ter uma cesárea, que pode esbarrar na ideia da humanização como forma de promover um parto seguro, entendido aqui como sendo pela via vaginal.

A presença destas políticas de parto vem reforçando a visão da mulher como sujeito de direitos que deve ter controle sobre o seu corpo, argumenta Pulhez (2013PULHEZ, Mariana Marques. 2013. ““Parem a violência obstétrica”: a construção das noções de ‘violência’ e ‘vítima’ nas experiências de parto”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 12 no. 35, p.544-564. Disponível em <Disponível em http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%20Copy.pdf > (consultado em 01/08/2019).
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). A realização de procedimentos criticados pelo PHPN e, particularmente importante, contra a vontade das mulheres torna-se fonte de sofrimento e do sentimento de violação. A categoria “violência obstétrica” é não apenas uma forma de pôr em discurso um trauma vivido, conforme mencionei no início do artigo, mas também de se constituir como sujeito de direitos, como afirma Pulhez. Falar destas experiências em comunidades virtuais colabora para a denúncia destes atos e produz mobilização política.

Por um lado, então, a criação do PHPN resultou da aproximação entre um grupo de profissionais da saúde e redes de mulheres em torno da crítica a práticas do parto comuns até então - com intervenções nem sempre necessárias, com pouca participação no processo das próprias parturientes, cujos bebês eram levados para o berçário logo após o nascimento. Por outro lado, sua implementação ainda encontra desafios, não apenas pelas diferenças de controle dos setores público e privado da saúde, mas também pela atuação de muitos profissionais, especialmente dos obstetras, que podem ser questionadas ou até entrar em choque com o que esperam as parturientes, como mostro nos dois relatos a seguir.

Inês e a crítica aos médicos homens

Encontrei Inês 7 7 Os dados biográficos das mulheres entrevistadas e dos profissionais citados foram trocados para manter seu anonimato. em um café, para conversarmos sobre o parto de sua filha dois anos antes. Com 47 anos, trabalhava como professora de inglês e logo me disse que era uma “grande história” o relato da sua gravidez. Tentando ter filho desde os 35 anos, teve uma sucessão de gestações que não iam a termo, por conta de abortos espontâneos. Até que aos 45 anos, engravidou novamente e, com o acompanhamento de uma médica endocrinologista - “maravilhosa” - e repouso, conseguiu chegar à 40a semana de gestação, quando entrou em trabalho de parto. Seu obstetra foi escolhido por ser um dos poucos que fazem parto normal e aceitam plano de saúde. “Ele achou inclusive que pelo fato de eu ter colo do útero curto, isso seria mais rápido o parto, ele achou que [o parto normal] era mais indicado ainda. Agora, ele fez uma episiotomia desnecessária, que eu acho que a mentalidade dos médicos ainda, ainda mais o médico homem [...] porque também assim, eu acharia lindo um parto domiciliar ou um parto humanizado ou um parto num sei que lá, se eu tivesse em condições... é, se não tivesse nessa condição de minha última chance de tudo que eu passei antes, entendeu? Se o médico trabalha dessa maneira, até aqui me atende, essa parte não, mas tudo bem, então vamos, sabe? Eu quero é filho nos braços! Então, minha prioridade foi essa”. Tanto que a narrativa do seu parto foi muito curta, pois como ela disse não foi a maior emoção da sua vida. Ela estava concentrada em fazer tudo certo e só começou a curtir quando o bebê nasceu, chorou e estava bem. Ao longo dos anos, comenta que suas experiências com médicos nunca foram “muito positivas”, pela falta de tato deles. Depois que engravidou, entrou em grupos virtuais de mães ativistas a favor do parto normal. “O parto é medicalizado demais e assim como tudo na sociedade ainda, nas mãos dos homens. E isso não é do mundo dos homens, eles podem até ter uma sensibilidade se eles fizerem um esforço de desenvolver essa sensibilidade, da questão da fisiologia do parto, do corpo da mulher... enfim, o parto passou a ser uma coisa para o conforto do médico. Ele bota a mulher de perna aberta pra ficar confortável pra ele, entendeu? [...] Então eu acho que é um universo que tem que voltar para as mãos das mulheres...”

A narrativa de Inês deteve-se pouco no parto, contado de forma muito sucinta e objetiva. As várias relações com médicos em suas gestações anteriores foram, por sua vez, discutidas criticamente. Inês considera que há falta de sensibilidade dos médicos para lidar com informações sensíveis, como nos vários diagnósticos que ela recebeu para explicar seus abortos espontâneos. No caso do parto, ela critica o fato de muitos obstetras serem homens e terem dificuldade de lidar com o corpo feminino, priorizando o conforto deles. Não à toa, o único adjetivo positivo em sua história foi dado à médica endocrinologista mulher.

Entretanto, Inês separa seu discurso crítico sobre os médicos e seu engajamento em grupos ativistas a favor do parto vaginal do que foi a experiência do nascimento de sua filha. Apesar de achar que teria uma cesárea por conta da gestação de risco, entrou em trabalho de parto e seu obstetra considerou que ela podia ter um parto vaginal. Acompanhada de sua doula e do seu companheiro, ela sabia que podia negociar a episiotomia (o corte do períneo) que não achava necessária, mas preferiu não interferir nas escolhas do obstetra. Segundo ela, naquele momento seu foco no parto era fazer “tudo certo” - se era para “rebolar”, ela “rebolava” - para que o bebê nascesse bem. Por isso, em sua narrativa, elaborou pouco seu parto, que ademais não foi a maior emoção da sua vida. Por conta de sua história de perdas anteriores, o que queria era “filho nos braços” e minimizou, assim, as intervenções feitas pelo obstetra das quais discordou.

Confiança e ódio no primeiro parto

Adriana foi a única pessoa que usou a expressão violência obstétrica, para caracterizar seu primeiro parto. Jornalista de 37 anos, ela conta que seu ginecologista desde seus 18 anos era uma pessoa de muita confiança, “uma pessoa importante na minha vida”, e foi mantido como seu obstetra. Ela acreditava que ela era um “parteiro”. “Só que ele era um parteiro que era assim: era tudo tradicional, seu José o pediatra indicado pela equipe dele fazia todos esses procedimentos de limpeza e tal no neném, ele fazia um corte [...] não era um parto do jeito que ia escolher, era um parto deitado, daquele tradicional. Eu comecei a [questionar] essa coisa do corte ou não, cheguei a discutir com ele mas vi que não era possível essa mudança, e como eu te falei, eu já tava com 7 meses, eu falei “ah, não vou fazer essa mudança agora, vou continuar com ele” e ele sempre me dizendo que a gente tentaria um normal.” Com 37 semanas, por conta de uma ultrassonografia que levantou a possibilidade de sofrimento fetal e um exame de toque, o obstetra defendeu a realização de uma cesárea. “Aí eu marquei pro dia seguinte e a minha filha Lia foi sendo assim arrancada de mim, e a cesariana foi um processo que eu odiei profundamente! Me senti assim... uma barata, uma coisa muito pequena, passei muito mal, no final da cirurgia eu tenho a lembrança assim de não ter visto a minha filha [...] eu comecei a sentir um enjoo, a me sentir mal [...] e da minha filha chegar no meu quarto seis horas depois de eu ter parido ela. Isso pra mim foi de uma angustia, foi assim a pior espera da minha vida! Tudo isso por um procedimento do hospital que os bebês vão pro berçário e ficam por 6 horas. [...] Então eu realmente fui muito pega de surpresa, não sabia nada desses esquemas [...] fiz uma cesárea que eu tenho minhas sérias dúvidas hoje se eu precisava ter feito”. Na segunda gestação, Adriana buscou um médico conhecido por seu engajamento nas políticas de humanização de parto. Além disso, frequentou um grupo de gestante e leu muitos livros e artigos. Aprendeu “o que podia exigir da maternidade”, as leis que seu marido poderia citar no hospital, como o direito de ter acompanhante e escolher que não se pingue nitrato de prata nos olhos do bebê e que ela vá direto para o quarto. Teve então um parto normal “maravilhoso”, durante o qual o obstetra, sempre “muito respeitoso” lhe perguntava sempre que posição preferia, se queria anestesia. Foi uma experiência “tão fascinante” que ela desejou ter mais um filho só para passar novamente por um parto assim.

No relato de Adriana, encontramos a presença acentuada de dois atores nas cenas de parto além dela: seu marido e o obstetra. Seu marido a acompanha nos partos, testemunha o modo como a primeira filha é tratada após nascer e é figura importante no movimento de garantir seus direitos na segunda gestação. Já o papel do obstetra é desempenhado em cada gravidez por dois profissionais distintos, por conta da primeira experiência tão odiada. O contraste entre os dois é marcante. O primeiro é visto como uma pessoa que engana Adriana, mostrando-se confiável e a favor do parto normal, mas realizando uma cesárea que, depois, não pareceu necessária. O segundo é atencioso e respeitoso, perguntando sempre o que ela quer.

Dois conjuntos de sentimentos se destacam no relato de Adriana: confiança e respeito, em contraste com ódio e angústia. A relação com o primeiro obstetra foi inicialmente descrita como muito importante e de muita confiança, laço que se quebra no primeiro parto quando ela descobre que ele era “um parteiro tradicional”. O ódio e a angústia vêm também da sensação de impotência, por ela não ter podido agir para evitar o modo como seu bebê foi tratado. Na percepção de Adriana, foi-lhe negado o direito de ficar com seu bebê após o nascimento. No segundo parto, há o respeito do médico, demonstrado através da escuta ao que Adriana queria. Os adjetivos “maravilhoso” e “fascinante” qualificam sua experiência de parto. Assim, os sentimentos na sua narrativa referem-se, em grande medida, às suas relações com os profissionais de saúde.

O parto e a maternidade como projetos

Nas histórias das mulheres jovens, a seleção do obstetra é uma questão importante, que reflete a cuidadosa elaboração da maternidade como um projeto (Ortner 2007ORTNER, Sherry B. 2007. “Poder e projetos: reflexões sobre a agência”. In: GROSSI, M. et al (eds.). Conferências e Diálogos: Saberes e Práticas Antropológicas. Blumenau: Nova Letra. 1ª ed. 284p. Disponível em <Disponível em http://www.abant.org.br/conteudo/livros/ConferenciaseDialogos.pdf > (consultado em 10/05/2018).
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; Velho 1981VELHO, Gilberto. 1981. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar. 1ª ed. 149p.). Não mais um papel naturalizado, a decisão de ter um filho implicava várias escolhas feitas com o marido e às vezes a família e negociadas com os médicos. A gravidez foi planejada pelo casal depois de alguns anos de relacionamento, quando as mulheres já tinham mais de trinta anos de idade e ocupações e carreiras profissionais estabelecidas. Nos relatos, o uso da primeira pessoa do plural era comum para falar tanto da gestação como do parto, do qual participaram ativamente os maridos, revelando um modelo igualitário de conjugalidade do qual já tratara Tânia Salem (2007SALEM, Tania. 2007. O Casal Grávido: Disposições e Dilemas da Parceria Igualitária. Rio de Janeiro: Ed. FGV. 1a ed. 232p.). As informações de livros e sites de internet, a frequência a grupos de gestante ou o acompanhamento por doulas ou enfermeiras obstétricas aparecem como parte do processo de preparação. Ainda que poucas tenham feito referência às políticas públicas de humanização do parto, suas narrativas revelavam familiaridade o com o ideário e mostram como o planejamento de alguns partos levou em conta as diretrizes do PHPN.

Manter ou mudar de ginecologista, todos do setor privado de saúde, foi tema do início da gravidez, decisão tomada em grande parte por conta do tipo de parto desejado. Ao contrário das gestantes que fazem pré-natal na saúde pública que em geral não escolhem o médico que lhes atenderá, poder selecionar um obstetra revela uma agência de projeto, nos termos de Ortner (2007ORTNER, Sherry B. 2007. “Poder e projetos: reflexões sobre a agência”. In: GROSSI, M. et al (eds.). Conferências e Diálogos: Saberes e Práticas Antropológicas. Blumenau: Nova Letra. 1ª ed. 284p. Disponível em <Disponível em http://www.abant.org.br/conteudo/livros/ConferenciaseDialogos.pdf > (consultado em 10/05/2018).
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), indissociada das condições sociais e econômicas destas mulheres. Há entre elas uma valorização da experiência física e emotiva do parto, que aparece em outros estudos (Carneiro 2015CARNEIRO, Rosamaria Giatti. 2015. Cenas de Parto e Políticas do Corpo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 1ª ed. 328p.; Pulhez 2013PULHEZ, Mariana Marques. 2013. ““Parem a violência obstétrica”: a construção das noções de ‘violência’ e ‘vítima’ nas experiências de parto”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 12 no. 35, p.544-564. Disponível em <Disponível em http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%20Copy.pdf > (consultado em 01/08/2019).
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; Russo et al 2019RUSSO, Jane et al. 2019. “Escalando vulcões: a releitura da dor no parto humanizado”. Mana, vol. 25 no.2, p. 519-550. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p519> (consultado em 05/12/2019).
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) e leva a um planejamento e preparação para este evento. Por isso, algumas mulheres permaneceram com os profissionais que as atendiam antes da gravidez, mas apenas uma delas conseguiu ter partos vaginais. Adriana e outras que tiveram cesárea na primeira gravidez mudaram de profissional na gestação seguinte, em busca do parto vaginal. De um modo geral, os obstetras eram selecionados a partir de recomendações de parentes e amigos e, em muitos casos, de sua reputação como adepto do parto vaginal humanizado. Inês foi uma das poucas que encontraram médicos que aceitavam plano de saúde e eram conhecidos por fazer parto vaginal. Outras escolheram médicos ativos no movimento de humanização de parto que, contudo, não aceitavam seguro de saúde, como foi o segundo obstetra de Adriana.

A relação com os médicos é eixo central das narrativas, que falavam tanto do pré-natal como do modo como o parto evolui e dos vários diálogos tidos com os profissionais de saúde neste momento. Os debates em torno do parto humanizado e seus direitos eram conhecidos por todas, ainda que somente Adriana tenha se referido explicitamente a eles. Por exemplo, a presença de um acompanhante era tácita - a participação dos maridos não foi objeto de nenhum questionamento. A possibilidade de negociar a realização de procedimentos também era dada, ainda que a maioria se sentisse insegura sobre o respeito dos médicos ao que fora combinado. Os dois procedimentos mais negociados foram a realização de episiotomia, evitada pela maior parte delas, e o uso de analgesia, solicitada por algumas e não por outras.

Além dos médicos, entram em cena anestesistas, pediatras e os profissionais do hospital, como enfermeiras e maqueiros. As negociações com os primeiros aparecem menos no relato, ficando a decisão sobre anestesia dirigida mais ao obstetra do que ao anestesista. De forma mais pontual, o pediatra integra a equipe do obstetra e é muitas vezes uma figura de apoio, mas pode também ser alguém que produza a violência sentida por Adriana. Embora o hospital onde tiveram seus partos tenha sido escolhido por todas, a interação com enfermeiros e maqueiros mostra uma negociação em torno de regras vistas como desnecessárias, como ir na maca para a sala de parto ou ter que ficar de touca e vestida durante as contrações.

De um modo geral, todas as narrativas comentam como aconteceram estas negociações, muitas bem-sucedidas, outras nem tanto, como já apontei nas histórias de Inês e Adriana. São estas combinações bem como as interações com os diversos profissionais no momento do parto que se tornam foco de muitos dos sentimentos expressos. As narrativas de parto de Gabriela e Milena, que tiveram em uma das gestações a mesma obstetra adepta do parto humanizado, Dra. Roberta, ilustram de forma nítida o significado da relação com o médico, que ganhou contornos distintos em cada história. Vemos que é esta relação - e não o nascimento do bebê - que explica a experiência do parto em termos emotivos, mostrando por sua vez alguns impasses em torno de sua humanização.

Gabriela e a confiança quebrada

Conversei com Gabriela em sua casa, com seus filhos entrando e saindo da sala. Servidora de uma empresa estatal, com 38 anos, ela contou seu primeiro parto em muitos detalhes, comentando o quanto foi diferente do segundo. Foi uma gestação desejada, acompanhada por doula e um grupo de ioga conhecido por fazer preparação para parto vaginal. Mas, próximo ao parto, seu obstetra, que era “um amor”, “super atencioso”, teve que viajar e entrou em cena a médica substituta, adepta do parto humanizado. No início de seu trabalho de parto, a obstetra perguntou se queria induzir ou não, uma vez que sua bolsa havia se rompido mas ela tinha pouca dilatação. Gabriela achou melhor usar a ocitocina, para evitar uma possível cesárea. Com a indução, as contrações ficaram mais dolorosas e passaram a vir em intervalos curtos. No meio deste processo, Gabriela reclamou do hospital: “queriam que eu fosse de maca [para o quarto humanizado]. Eu falei “gente, eu posso andar”, porque quando eu tava em contração, a pior coisa pra mim era ficar parada, deitada”. Gabriela sabia que, sendo seu primeiro parto, pediria anestesia quando sentisse muita dor. Com doze horas no hospital, ela falou: “ai doutora, eu quero anestesia, eu não tô aguentando”. Eu achei muito ruim porque ela não queria [...] eu não tinha um vínculo com ela, sabe, eu tinha um vínculo com o outro médico [...] nessa hora quebrou muito minha confiança com ela, eu não sentia mais firmeza que eu podia contar com ela, sabe, e aí eu sei que, depois de eu muito insistir, ela ligou pro anestesista”. Enquanto esperava o profissional, ela conseguiu relaxar na banheira com apoio da doula e do marido. Mas com o cansaço e talvez pela analgesia, Gabriela teve dificuldade para fazer força ao final. “A Roberta começou a me criticar, falando que eu não tava fazendo certo, e aí eu fui começando a ficar meio rebelde, sabe (risos) [...] Eu acho que eu fiquei nervosa, acho que a equipe toda se perdeu, sabe...”. A obstetra chegou a perguntar, naquele momento, se ela queria fazer cesárea, o que ela acatou. No centro cirúrgico, ela tinha que ficar deitada, mas resistia e tiveram então que amarrar sua perna. A médica conseguiu fazer o bebê nascer por via vaginal, mas teve que fazer uma episiotomia e se desculpou por isso. Gabriela terminou dizendo que foi um parto muito dramático e difícil, tanto que ela não queria que seu filho escutasse nossa conversa. Muito diferente do segundo parto, que foi “redondinho” e realizado com outra equipe, que trabalhava com “muito amor”, “muito carinho e gentileza”.

Gabriela teve dois partos vaginais com profissionais praticantes do parto humanizado. Em que pesem a preocupação de ambas equipes em respeitar sempre o direito de Gabriela de fazer escolhas sobre seu parto, dando a ela não só voz como protagonismo, foram experiências muito distintas. Em toda sua narrativa, ela qualificava todos os profissionais que a acompanharam - médicos, doulas, enfermeiras obstétricas, terapeutas - em termos afetivos. Gabriela contou que, no primeiro contato com cada obstetra, “amou” ou “adorou” a pessoa, inclusive a dra. Roberta, descrevendo-a inicialmente como atenciosa e carinhosa. Amor e carinho foram afetos presentes no segundo parto, essenciais para o seu sucesso.

No seu relato, reaparece a importância do vínculo de confiança, embora aqui seu significado cresça da sua quebra no primeiro parto. Na medida em que a relação com a dra. Roberta havia sido estabelecida ao final da gestação, não havia “vínculo” entre elas, ou seja, história vivida que permitisse antecipar comportamentos. O questionamento da médica ao pedido de anestesia pôs em xeque o quanto a equipe humanizada escutaria de fato Gabriela, sensação experimentada também com as regras do hospital. Além disso, se sentiu criticada por “não fazer certo” o que a médica falava. Como Gabriela ficou nervosa e se “rebelou”, a equipe “se perdeu” e o parto quase virou uma cesárea, tornando-se assim uma experiência dramática.

Milena e a tranquilidade da equipe

Milena era também servidora pública, com 38 anos e dois filhos. Na primeira gestação, tinha muito medo de hospital e doença e preferiu marcar a cesárea, em acordo com sua obstetra. Na segunda gestação, quis ter a experiência de um “parto normal”, pois para ela faltara algo na sua vivência de maternidade. Leu muitos livros e artigos em sites de internet e procurou uma médica que “apoia o parto humanizado”, dra. Roberta. Logo na primeira consulta, ela falou: “eu tenho que te desencucar pra mostrar que você é capaz de ter um parto normal”. Ela foi acompanhada também por uma enfermeira obstétrica, que esteve presente durante todo o parto, junto com seu marido. Milena se emocionou em alguns momentos ao falar dos filhos, mas narrou seu parto de forma mais objetiva, em particular a interação com sua obstetra em torno da anestesia. “Então ela fala assim “eu não ofereço, se a mãe quiser, se a gestante quiser ela pede... só dou a partir de x de dilatação porque senão acaba que você faz um esforço danado, a criança vai entrar em sofrimento fetal e você vai ter que fazer cesárea””. Comentou que o semblante da equipe - eram quatro mulheres - a marcou muito. Elas diziam “fique calma, tá tudo bem, a gente tá aqui esperando”. “Por isso que eu falo na importância da confiança na equipe, que eu olhava assim e toda hora ficava de olho fechado, na hora que vinha a contração, eu abria o olho e fechava... e eu abria pra ver como estavam as pessoas e elas sempre assim “não, já tá quase, já tá bom, já tá quase nascendo”, eu tipo.. uma hora eu falei “ah não aguento mais, tô muito cansada”, “não, Milena, já tá coroando a cabecinha dele, já tá dando pra ver o cabelinho”. O bebê nasceu e ficou no seu colo um tempo e só então cortaram o cordão umbilical. Milena enfatizou que foi um nascimento muito tranquilo para ela e para o seu filho.

O relato do segundo parto de Milena é um contraponto à narrativa de Gabriela, pois, embora ambas tenham tido a mesma obstetra, ela conta a história de uma experiência tranquila. Ela explica o bom parto pelo seu preparo emocional, tendo superado o medo que tivera na primeira gestação, pelas informações obtidas, pelo acompanhamento do marido e da enfermeira obstétrica e pela relação construída com a obstetra ao longo da gestação. Milena ressalta que a dra. Roberta fez um trabalho emocional de “desencucá-la” sobre seus medos e fazê-la se sentir capaz de ter um parto vaginal.

Ao contrário de Gabriela, a confiança na equipe não só se mantém durante o parto como é acentuada. Além de um conhecimento vindo de várias consultas, a postura confiável da médica é reforçada pela calma que ela e as demais profissionais mostraram durante o trabalho de parto, ilustrada por sua capacidade de esperar Milena. Essa atitude, por sua vez, fortalecia nela a sensação de que era capaz de ter um parto vaginal. Quando ela achou que não aguentaria mais a dor das contrações, viu que o bebê já estava nascendo e conseguiu ter o parto sem anestesia, preferência de sua obstetra.

Considerações finais

Ana teve seus filhos na década de 1970, dois deles em Pernambuco e dois no Rio de Janeiro. Conta como seus dois primeiros partos, ambos por via vaginal, foram cheios de procedimentos problemáticos feitos por um obstetra que ela via até então como “amigo de confiança”. No primeiro, sem que ela soubesse porque ou fosse consultada, Ana recebeu anestesia geral e o bebê foi retirado com extrator a vácuo. No segundo, o médico fez várias manobras dolorosas para reposicionar o bebê, que veio a falecer algumas horas depois do nascimento. Depois destas experiências que ela considera traumáticas, resolveu ter seus dois outros filhos por cesárea agendada. Em todos, seu marido esteve no hospital, mas não na sala de parto. A história de Ana é mais dramática do que as narrativas das outras mulheres da sua geração que eu entrevistei, mas todas mencionaram intervenções feitas durante o parto, sem que explicassem ou falassem com elas e a maioria não contou com seus maridos quando seus filhos nasceram. São exemplos de partos na saúde privada em um momento anterior à criação das políticas de humanização do parto.

As diretrizes do Programa de Humanização do Pré-Natal e do Nascimento impactaram, dentre outros aspectos, a assimetria aceita até então na relação entre obstetra e parturiente. Nas narrativas que analiso aqui, em que pesem as especificidades de cada experiência de parto, variando não só entre as mulheres como de uma gestação para outra, a temática da negociação em torno do parto está presente em todas. Ainda que Adriana tenha se sentido violada pela cesárea, Inês tenha se queixado da episiotomia feita e Gabriela tenha entrado em conflito com a obstetra no parto, todas tinham informações sobre o parto, estavam acompanhadas e haviam conversado com seus médicos sobre o que queriam.

Nestas histórias, a díade fundamental é a parturiente e o obstetra, mesmo que outros atores, como marido, doulas, enfermeiras e bebês, participem delas. Como em outros estudos (Pires et al 2010PIRES, Denise et al. 2010. “A influência da assistência profissional em saúde na escolha do tipo de parto: um olhar sócio antropológico na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, vol. 10 no 2, p.191-197. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-38292010000200006&lng=en&nrm=iso > (consultado em 14/02/2020).
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; Velho et al 2019VELHO, Manuela Beatriz et al. 2019. “Modelos de assistência obstétrica na Região Sul do Brasil e fatores associados”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 35 no.3, e00093118. Disponível em <http://doi: 10.1590/0102-311X00093118> (consultado em 30/11/2019)
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), as narrativas de parto analisadas reforçam a visão de que, na saúde privada, o parto humanizado depende em muito do obstetra. A existência de diretrizes, conhecida pelas mulheres com quem conversei, não é suficiente para garantir que elas tivessem o parto tal como planejaram. Entram em cena os afetos - o carinho, o respeito e a confiança - como sentimentos importantes para a relação médico-paciente e para o desenrolar do parto como planejado.

Como desenvolvo em outro artigo (Rezende 2017REZENDE, Claudia Barcellos. 2017. “Trust, gender and personhood in birth experiences in Rio de Janeiro, Brazil”. Vibrant (Online), vol. 14 no.3, p. 58-71. Disponível em Disponível em http://www.vibrant.org.br/claudia-barcellos-rezende-trust-gender-and-personhood-in-birth-experiences-in-rio-de-janeiro-brazil /. (consultado em 14/02/2020).
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), as definições sociológicas da confiança apresentadas por Simmel (1964SIMMEL, Georg. 1964. “The Secret and the Secret Society”. In: WOLFF, K. H. (eds.). The Sociology of Georg Simmel. New York, The Free Press. 2a ed. 445p) e Giddens (1990GIDDENS, Anthony. 1990. The Consequences of Modernity. Oxford: Polity Press.1a ed. 186 p.), entre outros, apontam sua articulação com o conhecimento (ou sua falta) de como outras pessoas se comportam e como elas o farão no futuro. Nas relações de cooperação e principalmente na modernidade tardia nas sociedades ocidentais, argumenta Giddens, ela conteria um elemento de risco na ausência do conhecimento completo de como os sistemas funcionam e as pessoas pensam e se comportam. A confiança envolve assim uma dimensão temporal bem como componentes cognitivos e afetivos.

Contudo, mais do que pensar a confiança em termos de sua relação com estruturas de conhecimento, baseio-me na visão de Corsin Jímenez (2011CORSÍN JIMÉNEZ, Alberto. 2011. “Trust in anthropology”. Anthropological Theory, vol.11, no 2, p. 177-196. Disponível em <http://doi.org/10.1177/1463499611407392> (consultado em 10/05/2017).
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) de que, como antropólogos, deveríamos entender qual o papel que ela desempenha em contextos específicos. Vejo a confiança como um idioma moral, que se refere ao modo como as pessoas são pensadas e como se espera que elas ajam e que varia assim com idade, gênero, raça e classe. No contexto da relação médico-paciente, a menção a este sentimento se refere tanto ao conhecimento parcial dos obstetras, muitos dos quais entraram em cena somente após a confirmação da gravidez, como também ao que é esperado deles. Em especial, embora o planejamento do parto tenha sido negociado por todos, a confiança seria demonstrada ou reforçada pelo respeito do médico ao que foi negociado, o que nem sempre aconteceu. Diante da importância do planejamento da gravidez e do parto, a confiança parece ser o componente que deveria produzir o parto desejado, uma vez que a existência de políticas do parto em si não é suficiente8 8 Como desenvolvo em outro artigo (Rezende 2017), nas narrativas das mulheres mais velhas há pouca menção à confiança no médico. Em geral, as gestações não foram planejadas nem os partos foram objeto de negociações com os obstetras. .

Por seu conteúdo moral, que remete ao que deve ser, quando a mulher perde a confiança no obstetra, uma reação possível é o ódio à experiência do parto, como expressou Adriana. Como Lutz (1988LUTZ, Catherine. 1988. Unnatural Emotions. Chicago: University of Chicago Press . 1ª ed. 273p.) e Katz (2013KATZ, Jack. 2013. “Massacre justo”.In: COELHO, M.C. (ed.). Estudos sobre Interação. Rio de Janeiro: EdUERJ. 1a ed. 330p.) discutem, a raiva e a ira são sentimentos que se referem à quebra de direitos vistos como fundamentais. A menção ao ódio só apareceu na narrativa de Adriana, a única também a falar explicitamente dos direitos ao parto humanizado. Sugiro também que quando estes direitos não são observados em uma relação de confiança, a reação afetiva pode ser mais intensa, daí a referência ao ódio e à violência.

A quebra da confiança pode, de modo distinto, produzir insegurança e nervosismo, como relatou Gabriela. Na argumentação de Giddens (1991GIDDENS, Anthony.1991. Modernity and Identity. Oxford: Polity Press . 1a ed. 256p.), a confiança é uma aposta em que, em um futuro incerto, as coisas continuarão como são, contribuindo para criar uma segurança ontológica no mundo. Na história de Gabriela, na medida em que a obstetra não acolhe seu pedido de anestesia e depois a critica, perde-se uma confiança que já era frágil - dra. Roberta substituíra seu médico no final da gestação - e ela fica nervosa, rebelde e sem firmeza na equipe e em si própria, chegando a desejar uma cesárea. A narrativa de Milena faz as mesmas associações de forma inversa: porque o vínculo com a dra. Roberta era mais forte, a confiança se manteve no parto, produziu tranquilidade e segurança de que ela seria capaz de parir.

Nestes relatos, vemos também em vários momentos um impasse entre o que o médico prefere fazer e o que a mulher deseja no parto. Não são apenas os médicos como o obstetra de Adriana que demonstram suas preferências, no caso pela cesárea, ou por fazer episiotomia, como o médico de Inês. A dra. Roberta, que além dos partos de Gabriela e Milena, também acompanhou uma terceira entrevistada, opta quando possível por fazer parto sem anestesia. Aqui, nota-se que mesmo entre os adeptos do parto humanizado, há também uma modelação de como deve ser este evento - evoluindo sem intervenções como indução, episiotomia e anestesia - que nem sempre atende ao que a parturiente deseja, chocando-se assim com o preceito da escuta e do respeito às suas necessidades9 9 Carneiro (2015) em sua etnografia sobre grupos de gestante também aponta este caráter normativo do parto natural, gerando às vezes frustração quando ocorre uma cesárea. .

Não à toa, aparece nos relatos dos partos vaginais de Inês, Gabriela e Milena a preocupação de todas em “fazer tudo certo” para que o bebê nasça bem. Remetem à ideia de que haveria um modo certo de parir, pondo em questão a visão de que o corpo feminino estaria “naturalmente” preparado para parir, presente entre alguns defensores do parto humanizado (Carneiro 2015CARNEIRO, Rosamaria Giatti. 2015. Cenas de Parto e Políticas do Corpo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 1ª ed. 328p.; Tornquist 2002TORNQUIST, Carmem Susana. 2002. “Armadilhas da nova era: natureza e maternidade no ideário da humanização do parto”. Revista Estudos Feministas, vol. 10 no. 2, p.483-492. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000200016> (consultado em 15/12/2019).
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). Falam mesmo na dúvida sobre sua capacidade de parir, mesmo quando as gestações são acompanhadas por doulas ou enfermeiras obstétricas. Em outro artigo (Rezende 2019REZENDE, Claudia Barcellos. 2019. “A dor do parto: emoção, corpo e maternidade no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico[Online], vol 44 no.2, p. 261-280. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/aa/4019 ; DOI : 10.4000/aa.4019. (consultado em 12/02/2020).
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), discuto como a experiência da dor, para as entrevistadas mais jovens da pesquisa, é narrada não apenas como uma vivência sensorial e emotiva intensa, como é também uma negociação do quanto conseguem suportar, diante de comentários e expectativas de profissionais da saúde e do que elas imaginavam sobre si próprias. A preocupação em “fazer tudo certo” reflete assim esses embates bem como valores morais em torno da maternidade, que deve ser “bem” desempenhada pela mulher desde a gestação e o parto.Então, em um contexto no qual as diretrizes do PHPN já circulam nos sites de internet, meios de comunicação de massa, em grupos de gestante e entre os vários profissionais de saúde, o que parece acontecer muitas vezes é uma normatização de como o parto deve ser, tanto para obstetras como para as parturientes, muitas vezes distinto de como ele acontece de fato. Com isso, nem sempre a mulher é atendida em suas necessidades, preocupação inicial das políticas de humanização do parto. Nesse jogo de interesses, a existência de diretrizes e direitos parece não garantir o parto esperado, que resultaria mais de uma relação profissional pensada de forma pessoalizada, carregada de sentimentos. Para as mulheres estudadas, são o afeto, o carinho e a confiança que ganham importância para que elas não tenham apenas “filho nos braços”, mas também uma experiência de parto “tranquila” ou mesmo “fascinante”.

Nas narrativas de parto analisadas, há muitas emoções presentes e boa parte delas se refere às interações com os profissionais de saúde. Ao contrário dos estudos de Fonseca (2018FONSECA, Claudia. 2018. “Sofrimento situado: memória, dor e ironia”. In: RIFIOTIS, T. e SEGATA, J. (eds.), Políticas Etnográficas no Campo da Moral. Porto Alegre: UFRGS. 1ª ed. 212 p.) e Pulhez (2013PULHEZ, Mariana Marques. 2013. ““Parem a violência obstétrica”: a construção das noções de ‘violência’ e ‘vítima’ nas experiências de parto”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 12 no. 35, p.544-564. Disponível em <Disponível em http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%20Copy.pdf > (consultado em 01/08/2019).
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) sobre sentimentos e políticas de saúde com os quais iniciei este artigo, o sofrimento e a vitimização são sentimentos praticamente ausentes dos relatos. A indignação ou o ódio pela não observação ou quebra de direitos também tem pouca presença nas narrativas. Os sentimentos expressos destacam principalmente a confiança, estabelecida ou quebrada, como elemento importante para que um parto aconteça dentro das diretrizes do PHPN, uma vez que sua existência enquanto política pública não garante uma experiência de humanização do nascimento.

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    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00093118
  • 1
    Os dados analisados aqui resultam dos projetos de pesquisa “Histórias de parto: pessoa e parentesco” e “O parto narrado: corpo, subjetividade e relacionalidade”, apoiados pelo Programa Pro-Ciência da UERJ e pelo CNPq através de Bolsa de Produtividade.
  • 2
    https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=692F9537120D83594407D12BA81F9877?sequence=3
  • 3
    Entre elas, Parto Natural, Amigas do Parto, Rehuna, Materna, Parto Nosso, Mães Empoderadas.
  • 4
    Os dados analisados integram o inquérito nacional sobre parto e nascimento “Nascer no Brasil”, realizada pela Fiocruz, apresentada no site http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/
  • 5
    A “medicina baseada em evidência”, advogada pelos defensores do parto humanizado, busca se contrapor a práticas que seriam realizadas por rotina, revisadas com base em estudos científicos atualizados (Diniz 2005).
  • 6
    Rattner (2009) aponta o desafio vindo das associações médicas como o Conselho de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ). Em 2004, o CREMERJ tentou impedir o funcionamento da Casa de Parto Normal em Realengo, operada por enfermeiras obstétricas. Em 2008, publicou um parecer no qual considera ética a cesárea a pedido, entrando em conflito com o Código de Ética Médica.
  • 7
    Os dados biográficos das mulheres entrevistadas e dos profissionais citados foram trocados para manter seu anonimato.
  • 8
    Como desenvolvo em outro artigo (Rezende 2017), nas narrativas das mulheres mais velhas há pouca menção à confiança no médico. Em geral, as gestações não foram planejadas nem os partos foram objeto de negociações com os obstetras.
  • 9
    Carneiro (2015) em sua etnografia sobre grupos de gestante também aponta este caráter normativo do parto natural, gerando às vezes frustração quando ocorre uma cesárea.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2021
  • Aceito
    08 Mar 2022
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