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Risco, prazer e cuidado ao HIV: ambivalências em torno da condição de indetectável

Riesgo, placer y cuidado del VIH: ambivalencias en torno a la condición de indetectable

Risk, pleasure and HIV care: ambivalences around the condition of undetectable

Resumo

Neste artigo, busco desenvolver algumas reflexões sobre aspectos do risco e do prazer, considerando avanços importantes em relação ao HIV. É o caso dos estudos atuais que mostram que a pessoa com carga viral indetectável, em tratamento, não transmite o HIV em suas relações sexuais. Apesar desses avanços, darei destaque a algumas ambivalências presentes nesse campo, principalmente diante da possibilidade do sexo sem preservativo. A partir de diferentes narrativas (online e offline), oriundas de uma pesquisa com jovens vivendo com HIV, mas também a partir de minhas próprias interações como usuário de aplicativos para encontros, pretendo colocar em foco algumas questões/tensionamentos diante do sexo/prazer e do cuidado ao HIV. Deste modo, destaco também as múltiplas formas de produção de prazer/cuidado para além do que é normatizado pelo campo da saúde. São questões abertas por uma nova categoria (indetectável) que parece borrar a fronteira entre negativos/positivos.

Palavras-chave:
prazer; risco; cuidado ao HIV; indetectável.

Resumen

En este artículo busco desarrollar algunas reflexiones sobre aspectos de riesgo y placer, considerando importantes avances en relación al VIH. Este es el caso de estudios actuales que demuestran que las personas con carga viral indetectable, en tratamiento, no transmiten el VIH durante las relaciones sexuales. A pesar de estos avances, destacaré algunas ambivalencias presentes en este campo, especialmente ante la posibilidad de sexo sin preservativo. Basado en diferentes narrativas (en línea y fuera de línea), que surgen de una encuesta de jóvenes que viven con el VIH, y de mis propias interacciones como usuario de aplicaciones de citas, pretendo centrarme en algunas cuestiones/tensiones relacionadas con el sexo/placer y el cuidado del VIH. El articulo resalta las múltiples formas de producir placer/cuidado más allá de lo normalizado por el campo de la salud. Son interrogantes que abre una nueva categoría (indetectable) que parece desdibujar la frontera entre negativos/positivos.

Palabras clave:
placer; riesgo; cuidado del VIH; indetectable

Abstract

In this article, I seek to develop some reflections on aspects of risk and pleasure, considering important advances in relation to HIV. This is the case of current studies that show that the person with an undetectable viral load, under treatment, does not transmit HIV in their sexual relations. Despite these advances, I will highlight some ambivalences present in this field, especially when there is the possibility of sex without a condom. From different narratives (online and offline), in the context of a research on young people living with HIV, but also from my own interactions as a user of dating apps, I intend to focus on some issues/tensions about sex/pleasure and HIV care. In addition, I expect to emphasize the multiple forms of pleasure/care production beyond what is normalized by the health field. Finally, this article brings some reflections around a new category (undetectable) that seems to blur the border between negative/positive people.

Keywords:
pleasure; risk; HIV care; undetectable.

Introdução

Mesmo com a crescente medicalização do HIV, com a disponibilização de uma gama crescente de novas drogas/terapias, o estigma em torno da sorologia continua a acompanhar e produzir barreiras socioafetivas na vida de pessoas com diagnóstico positivo (Flowers, 2010FLOWERS, Paul. 2010. “HIV transitions: consequences for self in an era of medicalization”. In: DAVIS, M.; SQUIRE, C (eds.). HIV treatment and prevention technologies in international perspective. 1ª Ed. UK: Palgrave Macmillan. 210 p.) e mais especificamente de jovens gays (Simões, 2018SIMÕES, Júlio. 2018. “Gerações, mudanças e continuidades na experiência social da homossexualidade masculina e da epidemia de HIV-Aids”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 29, p.313-339. DOI 10.1590/1984-6487.sess.2018.29.15.a
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). Esse estigma justifica a dificuldade de revelação da condição de HIV positivo para outras pessoas (Flowers e Davis, 2012FLOWERS, Paul; DAVIS, Mark. 2012. “Understanding the biopsychosocial aspects of HIV disclosure among HIV-positive gay men in Scotland”. Journal of Health Psychology. Vol. 18, nº 5, p. 711-724. DOI 10.1177/1359105312454037
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), bem como o medo da rejeição e isolamento por seus potenciais parceiros sexuais (Jeffries IV et al., 2015JEFFRIES IV, William; TOWNSEND, Ebony Symone; GELAUDE, Deborah J.; TORRONE, Elizabeth A.; GASIOROWICZ, Mari; BERTOLLI, Jeanne. 2015. “HIV stigma experienced by young men who have sex with men (MSM) living with HIV infection”. AIDS Education and Prevention. Vol. 27, nº 1, p. 58-71. DOI 10.1521/aeap.2015.27.1.58
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). Para além de sua aparente “normalização” como uma doença crônica (Squire, 2010SQUIRE, Corinne. 2010. “Being naturalised, being left behind: the HIV citizen in the era of treatment possibility”. Critical Public Health. Vol. 20, nº 4, p. 401-427. DOI 10.1080/09581596.2010.517828
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; Flowers, 2010FLOWERS, Paul. 2010. “HIV transitions: consequences for self in an era of medicalization”. In: DAVIS, M.; SQUIRE, C (eds.). HIV treatment and prevention technologies in international perspective. 1ª Ed. UK: Palgrave Macmillan. 210 p.), que também produz rupturas ou descontinuidades biográficas (Bury, 2011BURY, Michael. 2011. “Doença crônica como ruptura biográfica”. Tempus - Actas De Saúde Coletiva. Vol. 5, nº 2, p. 41-55. DOI 10.18569/tempus.v5i2.963
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), o HIV continua vinculado às ideias de “corpos perigosos” (Cunha, 2012CUNHA, Claudia Carneiro da. 2012. “Os muitos reveses de uma “sexualidade soropositiva”: o caso dos jovens vivendo com HIV/Aids”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Vol. 10, p. 70-99. DOI 10.1590/S1984-64872012000400004
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) e de “sexualidades promíscuas” (Squire, 2010SQUIRE, Corinne. 2010. “Being naturalised, being left behind: the HIV citizen in the era of treatment possibility”. Critical Public Health. Vol. 20, nº 4, p. 401-427. DOI 10.1080/09581596.2010.517828
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).

Por outro lado, se o HIV pode afetar negativamente o cotidiano de pessoas soropositivas, esse mesmo diagnóstico também tem produzido efeitos [bio]políticos nos processos de mobilização e produção identitária. Na história da epidemia, pós-terapia antirretroviral e, consequentemente, com a possibilidade de pensar a aids como uma doença crônica, um aspecto não menos importante a considerar é como novas sociabilidades “positivas” (Silva, Duarte e Alves, 2017SILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus; ALVES, Gilberto. 2017. “Sociabilidades “positivas” em rede: narrativas de jovens em torno do HIV/aids e suas tensões cotidianas”. Physis. Vol. 27, nº 2. p.335-355. DOI 10.1590/S0103-73312017000200009
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) são geradas e mesmo tensionadas a partir de novos valores e posicionamentos identitários produzidos e demarcados por traços ou marcas biológicas. Ou seja, identificar-se como HIV positivo e, a partir das práticas e tecnologias biomédicas atuais, posicionar-se como “indetectável”.

Vale ressaltar que recentes pesquisas têm demonstrado que as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) em tratamento e com carga viral (CV) indetectável não transmitem o HIV em suas relações sexuais (Broyles, Luo, Boeras, Vojnov, 2023BROYLES, Laura N.; LUO, Robert; BOERAS, Debi; VOJNOV, Lara. 2023. The risk of sexual transmission of HIV in individuals with low-level HIV viraemia: a systematic review. The Lancet. Vol. 402, nº 10400, p.464-471. DOI 10.1016/S0140-6736(23)00877-2
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; Rodger et al., 2016Rodger, Alison J. et al. 2016. “Sexual activity without condoms and risk of HIV transmission in serodifferent couples when the HIV-positive partner is using suppressive antiretroviral therapy”. JAMA. Vol. 316, nº 2, p.171-181. DOI 10.1001/jama.2016.5148
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; 2019Rodger, Alison J. et al. 2019. “Risk of HIV transmission through condomless sex in serodifferent gay couples with the HIV-positive partner taking suppressive antiretroviral therapy (PARTNER): final results of a multicentre, prospective, observational study”. The Lancet. Vol. 393, p. 2428-388. DOI 10.1016/S0140-6736(19)30418-0
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). A partir de campanhas, agências e documentos oficiais, enfatiza-se que o risco de transmissão do HIV por via sexual, dadas essas condições, é negligenciável, insignificante ou inexistente (Brasil, 2018BRASIL. 2018. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde - Departamento de Vigilância, Prevenção, e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.; Consensus Statement, 2018CONSENSUS STATEMENT. 2018. Risk of sexual transmission of HIV from a person living with HIV who has an undetectable viral load. Disponível em: https://www.preventionaccess.org/consensus. Acesso: 07 Dez. 2018.
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; UNAIDS, 2018UNAIDS. 2018. Nota explicativa: Indetectável = intransmissível. Saúde pública e supressão da carga viral do HIV. UNAIDS, 2018. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Indetect%C3%A1vel-intransmiss%C3%ADvel_pt2.pdf. Acesso: 26 ago. 2019.
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). Entretanto, apesar dessas mudanças, que podem produzir maior conforto nas relações sexuais ao diminuir a preocupação com a transmissão do HIV (Grace et al., 2015GRACE, Daniel; CHOWN, Sarah A.; KWAG, Michael; STEINBERG, Malcolm; LIM, Elgin; GILBERT, Mark. 2015. Becoming “undetectable”: longitudinal narratives of gay men’s sex lives after a recent HIV diagnosis. AIDS Education and Prevention. Vol. 27, nº 4, p.333-349. DOI 10.1521/aeap.2015.27.4.333
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), e com toda a informação e discussão internacional de que “indetectável=intransmissível” (The Lancet HIV, 2017The Lancet HIV. 2017. “Editorial: U=U taking off in 2017”. Lancet HIV. Vol. 4, nº 11, p. e475.; UNAIDS, 2018UNAIDS. 2018. Nota explicativa: Indetectável = intransmissível. Saúde pública e supressão da carga viral do HIV. UNAIDS, 2018. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Indetect%C3%A1vel-intransmiss%C3%ADvel_pt2.pdf. Acesso: 26 ago. 2019.
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), as PVHA ainda podem se posicionar e serem posicionadas como sujeitos de risco (Silva, Duarte e Lima, 2020aSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020a. “‘Eu acho que a química entrou em reprovação’: Relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/aids e com carga viral indetectável. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 34, p. 25-45. DOI 10.1590/1984-6487.sess.2020.34.03.a
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). Nesse cenário, precisamos discutir melhor sobre qual risco e de que corpos estamos falando, ao tempo em que novas tecnologias biomédicas têm mediado o sexo e o próprio prazer (Dean, 2015DEAN, Tim. 2015. “Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis”. Sexualities. Vol. 18, nº 1/2, p. 224-246. DOI 10.1177/1363460715569137
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).

A partir dessas questões, gostaria de trazer algumas reflexões sobre aspectos do risco e do prazer que são mobilizados ou tensionados pela condição de indetectável. Em outras palavras, o que pretendo colocar em primeiro plano são algumas práticas de risco/prazer que passaram a ser reconfiguradas pelo surgimento de novas tecnologias biomédicas, ainda que de forma ambígua e com tensionamentos, sendo também utilizadas como estratégias biopolíticas (Foucault, 2001FOUCAULT, Michel. 2001. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Graal.) de regulação/controle dos corpos/sexualidade. Nessa direção, pretendo discutir o novo “status” de indetectável como uma condição ambígua, que tem possibilitado o reengajamento sexual e o próprio prazer, ao tempo em que atualiza a própria noção de risco ao confundir a fronteira entre negativo/positivo.

É importante enfatizar que o conceito moderno de risco está ligado à ideia de controle ou colonização do futuro (Giddens, 1997GIDDENS, Anthony. “A vida em uma sociedade pós-tradicional”. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.), significando ameaça ou perigo (Lupton, 1999LUPTON, Deborah. Risk. 1999. 1ª Ed. London and New York: Routledge. 184 p.), ou seja, resultados negativos ou indesejados que devem ser evitados. Entretanto, para além de sua dimensão negativa (probabilística), o risco também pode ser vivido de forma positiva, por exemplo, como afrontamento dos limites (e da morte), buscando superá-los e dar novo sentido à existência (Le Breton, 2000LE BRETON, Davi. 2000. Passions du risque. 1ª Ed. Paris, Éditions Métailié, p.189.).

Como argumeta Lupton (1999)LUPTON, Deborah. Risk. 1999. 1ª Ed. London and New York: Routledge. 184 p., a possibilidade de atravessamento/transgressão de fronteiras pode produzir diferentes sentimentos/sensações, como medo, preocupação, ansiedade e culpa, mas também prazer. Nessa perspectiva, a ideia de “corpo grotesco” (Bakhtin, 2010BAKHTIN, Mikhail. 2010. A cultura popular na idade médica e no renascimento: o contexto de François Rabelais. 7ª Ed. São Paulo: Hucitec. 419 p.), aberto, permeável ao mundo, que borra as fronteiras entre natureza-cultura, eu-outro, etc, produz fascinação e medo exatatamente pela possibilidade de ruptura da ordem ou mesmo da própria identidade.

No caso específico da nova condição de indetectável, o deslocamento ou indeterminação da fronteira entre positivo e negativo parece perturbar uma ordem até então bem-estabelecida a partir de uma “terceira” categoria (indetectável), que é simultaneamente ambas, ou seja, presença e ausência [do HIV] (Lee, 2014). Essa ambiguidade traz “novas” e “velhas” questões em relação ao sexo, prazer e ao próprio risco.

Situando algumas dessas reflexões: os “nós” que compõem esse texto

O texto desse artigo é polifônico, mediado por muitas vozes. São vozes de diferentes interlocutores/as de pesquisa, pessoas/jovens vivendo com HIV e profissionais de saúde. Mas também do próprio autor desse texto, homem cis gay, soronegativo, que, por sua vez, interagiu com outros homens gays via aplicativos (apps) de relacionamento/encontros sexuais. Essas reflexões se constituem como processos dialógicos não apenas de produção de pesquisas, mas também de produção de si.

De acordo com a abordagem da teoria ator-rede (Latour, 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. 1ª Ed. Salvador, Bauru: EDUFBA, EDUSC. 400 p.), trago para a cena atores/actantes (humanos e não-humanos) que compõem uma trajetória de pesquisa, dando também destaque à participação ativa (mediação) das tecnologias biomédicas nas práticas de cuidado/prevenção. Assim, busco resgatar ou localizar alguns desses “nós” e “vozes” em torno do projeto de pesquisa em HIV/aids sob minha coordenação, intitulado “Sociabilidades de jovens vivendo com HIV/aids: os novos discursos biomédicos e seu impacto nas relações afetivo-sexuais”, entre os anos de 2016 e 2020, aprovado pela FAPESB. O projeto também foi aprovado pelo comitê de ética do ISC/UFBA (protocolo nº 1.684.862).

A partir de entrevistas e interações com usuários/as e profissionais de um SAE na cidade de Salvador, Bahia, o projeto pretendeu aprofundar a análise sobre as relações afetivo-sexuais desses jovens e a forma como os discursos/linguagens biomédicos, principalmente sobre CV indetectável, repercutem ou aparecem como mediadores desses processos relacionais. Algumas dessas análises foram produzidas a partir de narrativas online.

Parte das narrativas destacadas nesse artigo diz respeito às entrevistas semiestruturadas que foram produzidas de março a novembro de 2017, com 10 homens jovens vivendo com HIV (HJVH), entre 18 e 30 anos. Desses jovens, 8 se autodeclararam gays, 1 como homossexual (o mais velho, de 30 anos) e 1 como bissexual. Um deles, que se dizia gay, afirmava-se como “bicha afeminada” (para mais informação sobre estes interlocutores, ver Silva; Duarte; Lima [2020aSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020a. “‘Eu acho que a química entrou em reprovação’: Relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/aids e com carga viral indetectável. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 34, p. 25-45. DOI 10.1590/1984-6487.sess.2020.34.03.a
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]). A maior parte dessas entrevistas ocorreu na própria unidade de saúde (SAE), em uma sala cedida para a pesquisa, com uma delas sendo produzida em uma sala da universidade, e outra, no WhatsApp. Todas foram realizadas após o consentimento (online ou offline - e neste caso, com assinatura do TCLE).

A partir de uma perspectiva dialógica, com tópicos sobre aspectos do viver com HIV e, principalmente, sobre as repercussões da condição de indetectável para seus relacionamentos afetivo-sexuais, a entrevista buscou produzir narrativas do “viver com HIV” e sobre a condição de indetectável, compreendendo-as de forma “socioculturalmente orientada” (Squire, 2013Squire, Corinne. 2013. “From experience-centred to culturally-oriented narrative research”. In: Andrews, M.; Squire, C.; Tamboukou, M. (eds.). Doing Narrative Research. 1ª ed. London: Sage. 273 p.); ou seja, partindo do pressuposto de que narrativas pessoais e culturais encontram-se interconectadas. Algumas dessas narrativas de jovens vivendo com HIV nos possibilitam pensar também sobre a persistência da imagem de sujeitos de risco, gerando sofrimento e barreiras para seus relacionamentos afetivo-sexuais.

Esse diálogo também se deu a partir de minhas imersões como pesquisador em uma sala do Facebook para pessoas (con)vivendo com HIV: imersões online que foram autorizadas e produzidas desde a primeira fase do projeto Sociabilidades de jovens vivendo com HIV/aids (Silva, Duarte e Alves, 2017SILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus; ALVES, Gilberto. 2017. “Sociabilidades “positivas” em rede: narrativas de jovens em torno do HIV/aids e suas tensões cotidianas”. Physis. Vol. 27, nº 2. p.335-355. DOI 10.1590/S0103-73312017000200009
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). Mais precisamente, foram identificados e acompanhados alguns fóruns de discussão sobre a condição do indetectável e suas repercussões para as relações afetivo-sexuais.

Finalmente, seguindo uma perspectiva “política queer”, como outros autores (Dean, 2009DEAN, Tim. 2009. Unlimited intimacy: reflections on the subcultures of barebacking. 1ª Ed. Chicago/London: The University of Chicago Press. 237 p.; Race, 2015RACE, Kane. 2015. “Reluctant Objects: Sexual Pleasure as a Problem for HIV Biomedical Prevention”. GLQ. Vol. 22, nº 1, p. 1-31. DOI 10.1215/10642684-3315217
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), pretendo também me posicionar no texto para além do lugar de pesquisador. Ciente de que nem a pesquisa e nem os corpos são neutros (Butler, 2008BUTLER, Judith. 2008. Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del “sexo”. 2ª Ed. Buenos Aires: Paidós. 345 p.), é como homem cis gay soronegativo que também produzo essas reflexões. Portanto, trago aqui narrativas que foram produzidas/mediadas em diálogo com um outro que não eu, ambos historicamente, culturalmente e materialmente situados, e dessa forma parcialmente interconectados, já que temos também nossas próprias histórias e experiências/fantasias.

Nesses encontros interativos, de forma dialógica, podemos nos engajar em múltiplos posicionamentos (Silva, 2012SILVA, Luís Augusto. 2012. “Redução de riscos na perspectiva dos praticantes de barebacking: possibilidades e desafios”. Psicologia & Sociedade. Vol. 24, nº 2, p. 327-336. DOI 10.1590/S0102-71822012000200010
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); e, em relação, produzir novos sentidos (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhail. 2003. Estética da criação verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes.). Dessa forma, para além de “mera” identificação com o outro, gostaria de destacar um movimento de “ida” [em direção ao outro] e de “retorno” ao lugar em que estou situado, ao meu lugar no mundo (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhail. 2003. Estética da criação verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes.). É a partir desse movimento, já não sendo mais o mesmo, que trago aqui algumas reflexões no sentido de reconhecer um mundo para além da minha fronteira, um campo de diferenças que ocorrem na simultaneidade.

Novas cenas sexuais a partir da condição de indetectável

Inicio, assim, esta discussão situando uma cena que me fez refletir e voltar a dialogar com alguns dados/textos de minhas pesquisas com jovens vivendo com HIV. A cena em questão encontra-se diretamente associada à possibilidade concreta de interação sexual sem camisinha sob a condição de indetectável; e mais, à possibilidade de contato com o esperma de outro homem, sem o risco de transmissão do HIV. Conforme mostrarei ao longo desse texto, destacando alguns relatos de HJVH com CV indetectável, se novas narrativas foram produzidas a partir das terapias antirretrovirais, há de se destacar também as ambiguidades, tensões e incertezas que continuam abertas pelo “viver com HIV”.

A cena em questão diz respeito à minha própria história como usuário de aplicativos de relacionamento. Em um desses contatos online, ao trocar mensagens com um homem cis de outra cidade do país, e ao falar sobre seus interesses sexuais, rapidamente ele trouxe para a tela do celular sua vontade/gosto pelo contato com o esperma (“leite”) de outro homem; neste caso, do meu em particular. Logo adiante, justificando seu interesse, envia outra mensagem dizendo-se “indetectável”. Destaco que essa revelação ocorreu após algumas mensagens trocadas sobre a vida profissional de ambos, quando pude falar também sobre minha carreira acadêmica e, inclusive, de pesquisa nesse campo temático. Talvez, por isso, sua confiança em ir direto ao ponto sobre o indetectável, inclusive sem antes dizer-se “soropositivo”. Situar-se como “indetectável” aparecia ali, para mim, como um “status” diferenciado para além do próprio HIV.

Apesar de não ser um fato novo como pesquisador, ouvindo e lendo vários relatos sobre o prazer no contato maior com o outro, ou seja, com o esperma/sêmen de outra pessoa, como usuário de um app, confesso que essa cena produziu em mim algumas inquietações. Primeiro, porque estava diante de uma nova situação ou possibilidade até então distante das minhas práticas interativas onde a camisinha é um elemento presente nos encontros com parceiros ocasionais; segundo, porque fiquei a imaginar como seria um relacionamento/encontro “offline” com alguém declaradamente sorodiferente, indetectável, e que propusesse não usar o preservativo. E nesse caso, passei a me perguntar (e imaginar) como reagiria ou o que aconteceria diante dessa situação possível.

Mais especificamente em relação ao contato com o esperma, gostaria de fazer algumas considerações. A importância desse contato aparecer é recorrente em alguns dos discursos/práticas sobre o sexo anal sem camisinha, ou mais precisamente sobre o barebacking. Aqui, como uma modalidade ou prática que diz respeito a uma situação mais extrema/transgressiva em busca de prazer (Silva, 2009aSILVA, Luís Augusto. 2009a. “Masculinidades transgressivas em práticas de barebacking”. Revista Estudos Feministas. Vol. 17, nº 3, p. 675-699. DOI 10.1590/S0104-026X2009000300003
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), de maior intimidade, contato “total” com o outro e de valorização do esperma/sêmen do homem (“leite”/“porra”). E nesse caso, através do qual se pode também acumular ou incrementar a própria masculinidade (Ridge, 2004RIDGE, Damien T. 2004. “‘It was an incredible thrill’: the social meanings and dynamics of younger gay men’s experiences of barebacking in Melbourne”. Sexualities. Vol. 7, nº 3, p. 259-279. DOI 10.1177/1363460704040
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). Nesse sentido, o pênis pode tanto “instrumentalizar” o prazer, quanto carregar/atualizar um “excedente simbólico”, podendo ser fonte de “vida” ou transmitir a “força” do homem (Silva 2009aSILVA, Luís Augusto. 2009a. “Masculinidades transgressivas em práticas de barebacking”. Revista Estudos Feministas. Vol. 17, nº 3, p. 675-699. DOI 10.1590/S0104-026X2009000300003
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).

O ato de dar/receber o esperma pode, também, produzir uma sensação de união, continuidade, compartilhamento, mistura ou comunhão entre seres/parceiros. Um prazer vinculado à possibilidade de transgressão/violação de fronteiras, que inclui a separação dos corpos; transgressão esta “mobilizada pelo que é definido, percebido ou sentido como limite” (Silva, 2009aSILVA, Luís Augusto. 2009a. “Masculinidades transgressivas em práticas de barebacking”. Revista Estudos Feministas. Vol. 17, nº 3, p. 675-699. DOI 10.1590/S0104-026X2009000300003
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, p. 676). Não é à toa que alguns autores chamaram atenção para o barebacking como forma de resistência ao discurso imperativo da saúde ou como uma forma de rebelião contra os valores sociais dominantes (Crossley, 2002CROSSLEY, Michele. 2002. “The perils of health promotion and the ‘barebacking’ backlash”. Health. Vol. 6, nº 1, p. 47-68. DOI 10.1177/136345930200600101
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; Rofes, 2002ROFES, Eric. 2002. “Desires as defiance: gay male sexual subjectivities and resistance to sexual health promotion”. Health Education Journal, Vol. 61, nº 2, p. 125-137. DOI 10.1177/0017896902061002
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), ou mesmo como uma maneira de não ser assimilado por uma imagem tida como normal, um ideal “homonormativo” de matrimônio, não promíscuo, continuando fora da margem (Dean, 2009DEAN, Tim. 2009. Unlimited intimacy: reflections on the subcultures of barebacking. 1ª Ed. Chicago/London: The University of Chicago Press. 237 p.).

Nessa direção, há de se considerar que o sexo [sem camisinha] é mediado também pela fantasia, e nesse sentido envolve corpos como “extensões da subjetividade” (Dean, 2015DEAN, Tim. 2015. “Mediated intimacies: Raw sex, Truvada, and the biopolitics of chemoprophylaxis”. Sexualities. Vol. 18, nº 1/2, p. 224-246. DOI 10.1177/1363460715569137
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, p. 234). Uma fantasia erótica que implica um sentimento de “continuidade profunda” entre os seres e a possibilidade de “dissolução das formas constituídas”, ou seja, das formas da “vida social regular” (Bataille, 2004BATAILLE, Georges. 2004. O erotismo. 1ª Ed. São Paulo: Arx., p. 31). Desse ponto de vista, ultrapassar fronteiras que separam corpos, distinguem e organizam práticas, ou mesmo que alteram/desestabilizam uma imagem ideal de identificação (Dean, 2009DEAN, Tim. 2009. Unlimited intimacy: reflections on the subcultures of barebacking. 1ª Ed. Chicago/London: The University of Chicago Press. 237 p.), pode ser também fonte de prazer.

Ora, voltando à cena em questão, ainda que tenha destacado na conversa a importância da camisinha como proteção para outras IST, talvez essa inquietação tenha se produzido também por um receio ou medo latente da própria infecção por HIV, ao mesmo tempo em que havia curiosidade e interesse mútuos. Essa foi uma situação que me remetia a algumas histórias contadas por homens HIV positivo, e que falavam também sobre limites/dificuldades para a construção de novas relações afetivo-sexuais. Aqui, confesso um certo mal-estar pela possibilidade de me encontrar eventualmente na mesma posição de quem reproduz uma ideia ou imaginário que recai sobre determinados sujeitos considerados “perigosos” ou de “risco”. Confesso que essa cena também me fez pensar em outra tecnologia usada por homens soronegativos: a PrEP. Caso a usasse, como estaria eu nessa cena?

Devido à pandemia de Covid-19, e em consequência do distanciamento social e geográfico, essa interação, que ocorreu entre os meses de junho e julho de 2020, não se estendeu para fora do celular. Entretanto, colocou em xeque alguns de meus próprios (possíveis) receios/medos diante de uma situação/prática que, ainda que fosse muito conhecida para mim, remetia a um “velho” fantasma: o HIV. O mesmo que podia assombrar outros homens de minha geração que crescera sob o discurso da “AIDS”, “camisinha sempre” ou “sexo seguro”. Esse relato é uma forma de dialogar com outras narrativas, com o objetivo de possibilitar, colocar em pauta ou reconhecer novas formas de vida, enquanto problematiza ou desestabiliza algumas imagens ou repetições que vão se consolidando em nosso cotidiano.

A partir dessa cena, gostaria também de problematizar algumas tensões que ainda persistem no momento atual de avanços biotecnológicos, em que, teoricamente, pode-se “flexibilizar” o uso do preservativo, maximizando o prazer sensorial, sem o risco iminente de infecção/transmissão do HIV. Nessa direção, gostaria de colocar a seguinte questão: se a condição de indetectável pode evitar a transmissão do HIV, por que o sexo sem camisinha parece ainda nos assustar para além da preocupação com as IST? Do meu ponto de vista, e como será desenvolvido na seção seguinte, o sexo sem camisinha atualiza uma imagem de risco/perigo associado às pessoas com HIV, e principalmente a homossexuais/gays. E mais, atualiza uma questão (moral) em torno do sexo livre ou “excessivo” que desestabiliza fronteiras, normas ou lugares pré-definidos.

O novo indetectável: entre dilemas e a afirmação do prazer

Apesar de informações disponíveis sobre a CV indetectável e a possibilidade concreta de não transmissão do HIV, que pode diminuir a ansiedade e viabilizar o reengajamento nas relações sexuais, essa discussão não se encontra de forma pacífica entre HJVH. Para além da preocupação com a saúde, ou com outras IST, ou mesmo com a reinfecção, o sexo “desprotegido”, quando acontece, pode vir com uma carga alta de ansiedade, medo ou culpa (Silva, Duarte e Lima, 2020aSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020a. “‘Eu acho que a química entrou em reprovação’: Relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/aids e com carga viral indetectável. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 34, p. 25-45. DOI 10.1590/1984-6487.sess.2020.34.03.a
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). Nesse sentido, é importante trazer uma explicação de um jovem para a necessidade de uso (contínuo) da camisinha, mesmo com a CV indetectável, seguindo a mesma lógica de alguns infectologistas (Silva, Duarte e Lima, 2020bSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020b. “Modelo matemático pra uma coisa que não é matemática: narrativas de médicos/as infectologistas sobre carga viral indetectável e intransmissibilidade do HIV”. Physis. Vol. 30, nº 1, p. e300105. DOI 10.1590/S0103-73312020300105
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):

[…] O que é estar indetectável? É você ter menos de 40 vírus em uma gota de sangue, entendeu? Então, aí te consideram como indetectável. Mas quando você faz o exame de carga viral, você, pra receber o resultado, demora um mês, um mês e meio. Então, meio que você abre uma janela imunológica. Eu não gosto muito de usar o meu fator indetectável pra poder botar uma pessoa em risco. Por quê? Porque se você parar de tomar o seu medicamento, se você estiver indetectável, você volta a ter o vírus, o vírus reacorda. Ele só ficou adormecido, mas ele vai reacordar. Então, eu conheço várias pessoas que, tipo: “ah, eu tô indetectável, vou começar a transar sem camisinha”. Não tá certo. Você tá indetectável, só que você ainda tem vírus e você ainda tem uma janela de 2%. E, a depender do seu tipo de vida, 2% pode ser o suficiente pra você transmitir pra uma pessoa. Então, eu já sabia que eu tava indetectável no meu relacionamento com o ex que eu tive e eu falei com meu relacionamento que eu tava indetectável, mas ainda assim eu não transava com ele sem camisinha porque... é que nem... você não vai fazer uso de nenhum medicamento [de forma] constante. Tem dias que você pode ir dormir e esquecer de tomar o medicamento, e aí? Se vacilar, na pior das hipóteses, de 2% passou pra 4%? (Freddie [nome fictício], gay, 26 anos).

Como compartilhado também por alguns/as médicos/as, um resultado indetectável é o produto de um determinado momento, mas que pode ser alterado entre um teste e outro, inclusive devido às “falhas” individuais no processo de uso contínuo do medicamento (Silva, Duarte e Lima, 2020bSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020b. “Modelo matemático pra uma coisa que não é matemática: narrativas de médicos/as infectologistas sobre carga viral indetectável e intransmissibilidade do HIV”. Physis. Vol. 30, nº 1, p. e300105. DOI 10.1590/S0103-73312020300105
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). Além de que, para eles/elas, se há vírus ainda no corpo, mesmo em quantidade tão pequena que os testes não conseguem detectá-los, dependendo de seu limite de detecção, existe uma “chance” [mínima] de infecção. Apesar de importantes estudos internacionais mostrarem que não houve transmissão do HIV por alguém com carga viral indetectável e em tratamento (Rodger et al., 2016Rodger, Alison J. et al. 2016. “Sexual activity without condoms and risk of HIV transmission in serodifferent couples when the HIV-positive partner is using suppressive antiretroviral therapy”. JAMA. Vol. 316, nº 2, p.171-181. DOI 10.1001/jama.2016.5148
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, 2019Rodger, Alison J. et al. 2019. “Risk of HIV transmission through condomless sex in serodifferent gay couples with the HIV-positive partner taking suppressive antiretroviral therapy (PARTNER): final results of a multicentre, prospective, observational study”. The Lancet. Vol. 393, p. 2428-388. DOI 10.1016/S0140-6736(19)30418-0
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), o receio ou medo parece então se deslocar do vírus para o sujeito, uma vez que este pode “relaxar” no cuidado consigo e com o outro. Portanto, o sujeito com HIV, mesmo indetectável, aparece aqui como sujeito “perigoso” em potencial.

Nessa direção, o HIV, independentemente de sua carga viral [indetectável], parece “fixar” os sujeitos em determinados lugares. E nesse caso, a quantidade “mínima” de vírus no corpo será vista como suficiente (sempre) para torná-lo um potencial transmissor. É esse mínimo que faz com que médicos e pacientes tentem relativizar as mensagens sobre “indetectável = intransmissível”, já tão amplamente aceito e divulgado na comunidade científica, inclusive já estabelecido em protocolo clínico (Brasil, 2018BRASIL. 2018. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde - Departamento de Vigilância, Prevenção, e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.):

Eu tenho HIV, independente de estar indetectável ou não estar indetectável, eu tenho HIV, isso é o que importa. Eu vivo com HIV, né? O HIV é meu irmão, eu penso assim. Então, estar indetectável é um triunfo que muitas pessoas comemoram, mas você ainda tem o vírus HIV. Comemoração pra mim hoje seria se eu tomasse uma injeção, se eu tomasse um medicamento que exterminasse. Aí, sim, seria uma comemoração. Mas você ainda tem o vírus. Por mais insignificante que seja, você ainda pode passar o vírus pra outra pessoa. Então pra mim não é um fator que me deixa aliviado. Ainda, não. Por mais que algumas pessoas falem, “ah, mas é o mínimo do mínimo do mínimo possível”, mas é o mínimo que pode ser (Freddie, gay, 26 anos).

O que esses relatos mostram - a despeito das contingências, imprevisibilidades e incertezas da própria vida - é que esta insegurança ou receio de alguns médicos e pacientes para afirmarem que não haverá transmissão do HIV por alguém com CV indetectável é mais uma justificativa moral e não baseada em evidências científicas. De qualquer maneira, se, por um lado, algumas narrativas de homens gays vivendo com HIV falam sobre as dificuldades ou barreiras para o reengajamento em encontros sexuais, diminuição da libido, culpa diante de comportamentos tidos como promíscuos, indicando a necessidade de imposição de “novos limites”, como também sobre a “obrigação moral” de usar “sempre” o preservativo (Silva et al., 2021SILVA, Luís Augusto Vasconcelos; DUARTE, Felipe Mateus; MAGNO, Laio; DOURADO, Inês; SQUIRE, Corinne. 2021. “Moral barriers to HIV prevention and care for gay and bissexual men: challenges in times of conservatism in Brazil”. Sociology of Health & Illness. Vol. 43, nº 2, p. 424-440. DOI 10.1111/1467-9566.13230
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), por outro lado, começamos a encontrar relatos sobre a possibilidade e compartilhamento de histórias sobre o sexo sem camisinha a partir da CV indetectável. O indetectável, portanto, aparece aqui como ator (mediador) importante na reconfiguração das cenas e prazeres sexuais, ainda que o dilema/medo da transmissão continue a fazer parte de encontros afetivo-sexuais.

Gostaria, assim, de trazer algumas mensagens, postadas em dezembro de 2016, produzidas no fórum de discussão “relacionamento sorodiscordante indetectável”, em uma comunidade do Facebook que foi acompanhada ao longo do projeto Sociabilidade de jovens vivendo com HIV. Há alguns pontos importantes a destacar: 1) a primeira mensagem, buscando a opinião de outros membros do grupo, situa uma relação sorodiferente e os dilemas no processo de revelação, apresenta um desfecho de acolhimento pelo parceiro, e, em seguida, pergunta sobre “transar” ou não sem camisinha, sabendo-se da CV indetectável e do tratamento do parceiro; 2) parte da segunda mensagem (resposta 1) diz respeito a uma relação também sorodiferente, em uma situação específica em que a camisinha estourou, o que não significou uma “questão” para o parceiro soronegativo, sem haver uso de PEP, inclusive com o próprio suporte do médico, já que o parceiro soropositivo estava com CV indetectável; 3) a última mensagem (resposta 2), em parte como um contraponto da segunda, chama a atenção para a dificuldade de médicos conversarem sobre o assunto, de que é possível não usar a camisinha e não transmitir o HIV quando se está com CV indetectável e se faz o tratamento de forma “correta” e “regular”:

Mensagem: Boa tarde galera!!! Queria um pouco da atenção especialmente de quem está em um relacionamento, o qual o casal é sorodiscordante. Sabemos das dificuldades existentes, quando conhecemos alguém que não é soropositivo, vivemos um dilema em contar no início ou contar depois que algo estiver concreto, pensando somente nas consequências que isso pode causar. Mas, quando se conhece alguém, criamos a coragem de contar logo no início, e esse alguém te aceita e te acolhe, deixando claro que estará do seu lado pro que der e vier... Enfim. Daí, surge no decorrer do relacionamento a questão de transar ou não sem preservativo, sabendo que o parceiro soropositivo está com o tratamento em dia e com carga viral indetectável, alguém já passou por uma situação parecida? Sabemos que não e totalmente seguro mas, quem já passou por isso ou quem quiser expor sua opinião, compartilhem comigo por favor. Desde já agradeço e nunca deixem que o fato de ser soropositivo nos limite e impressa [impeça] a realização de tudo aquilo que queremos. Abraço a todos!!

Resposta1: [...] Eu e meu parceiro optamos pelo preservativo pro [por] ser mais fácil de penetrar mesmo... no caso eu sou o ativo, uma vez estourou, ele lembrou de tudo o que o médico disse e isso acabou nem sendo uma questão. O médico disse também, que quando o positivo está em tratamento e indetectável, eles nem indicam a profilaxia pré exposição com Truvada... porque acreditam realmente não ter risco.

Resposta2: Já tive parceiros que optaram por não usar a camisinha. Eram negativos e continuaram negativos! Se você faz seu tratamento de forma regular e correta, e sua carga viral está indetectável, não precisa se preocupar! Eu poderia dizer pra você consultar seu médico, mas como nem todos os médicos se sentem confortáveis em conversar sobre o assunto, infelizmente pode ser que você saia da [consulta] com tantas dúvidas quanto entrou. rs

Estas mensagens mostram possibilidades e mudanças em curso nas relações afetivo-sexuais, especialmente produzidas pelos avanços biomédicos, apesar de situarem também algumas diferenças e controvérsias entre médicos sobre o fato de que “indetectável = intransmissível”, como aparecem nas respostas 1 e 2. Se na resposta 1, a transmissão do HIV não chega a ser uma “questão”, mediante tratamento “de forma regular e correta” e CV indetectável, na resposta 2 essa discussão pode não ser confortável para outros médicos. Nesse novo cenário, de acordo com a postagem/mensagem em tela, a condição de indetectável produz “abertura” para se falar da sorologia ou da possibilidade mesma de uma relação sexual sem camisinha quando se é soropositivo. Entretanto, conforme os desdobramentos das mensagens acima, ainda que haja abertura, ela parece ocorrer com algum tipo de restrição para além da preocupação com outras IST, na medida em que, mesmo entre profissionais de saúde, persiste o receio ou medo de transmissão do HIV (Ngure et al., 2020NGURE, Kenneth et al. 2020. “‘I just believe there is a risk’: understanding of undetectable equals untransmissible (U=U) among health providers and HIV negative partners in serodiscordant relationships in Kenya”. Journal of the International AIDS Society. Vol. 23, nº 3, p. e25466. DOI 10.1002/jia2.25466
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). Conforme apresentado em outro trabalho (Silva, Duarte e Lima, 2020bSILVA, Luís Augusto; DUARTE, Filipe Mateus, LIMA, Mônica. 2020b. “Modelo matemático pra uma coisa que não é matemática: narrativas de médicos/as infectologistas sobre carga viral indetectável e intransmissibilidade do HIV”. Physis. Vol. 30, nº 1, p. e300105. DOI 10.1590/S0103-73312020300105
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), nos consultórios, o tema da CV indetectável aparece de forma delicada, ou seja, o modo como essa discussão se desenvolve, principalmente em relação à não transmissibilidade do HIV, depende da percepção de quem é o outro/paciente, levando-se em consideração, por exemplo, seus conhecimentos sobre o tema e escolaridade. Aqui, a preocupação final é com o “relaxamento” no cuidado/tratamento e proteção de si e do outro. Uma antecipação que nos faz pensar sobre “os lugares” em que as pessoas vivendo com HIV são colocadas, e mais especificamente jovens gays, ou seja, como sujeitos de risco.

Por outro lado, essas informações sobre a CV indetectável passam a circular em outros espaços interativos para além do consultório médico. É o caso de alguns aplicativos de encontro (por exemplo, Scruff e Grindr) que já têm a opção de informar a CV indetectável para além das opções de negativo/positivo. Se há múltiplas formas de uso, podendo-se registrar a condição sorológica já no perfil do usuário, e de certa forma antecipando o processo de revelação, é possível também não revelar a sorologia (negativa ou positiva), ou mesmo posicionar-se como “negativo”, e aqui como ausência de transmissibilidade pela condição de indetectável, na medida em que seria possível interpretá-la como um “novo negativo” (Duran, 2014DURAN, David. 2014. ‘Undetectable’ is the new ‘negative’? Poz.com, 11 de março/2014. Disponível em: http://www.poz.com/articles/david_duran_2676_25268.shtml. Acesso: 26 jul. 2020.
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).

Certamente, esses espaços interativos são também um campo de tensionamentos diversos, inclusive pela dimensão simbólica e moral em relação ao sexo e ao HIV/aids. Se a internet abriu novas possibilidades interativas (e sexuais) para as pessoas vivendo com HIV (Davis et al., 2006DAVIS, Mark; HART, Graham; BOLDING, Graham; SHERR, Lorraine; ELFORD, Jonathan. 2006. “Sex and the internet: gay men, risk reduction and serostatus”. Culture, Health & Sexuality. Vol. 8, nº 2, p. 161-174. DOI 10.1080/13691050500526126
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), isso também não ocorre sem que haja questionamentos em relação à própria estimulação ou incitação ao sexo/prazer. É o caso, por exemplo, quando homens soronegativos buscam outros parceiros para o sexo sem camisinha (sexo bare), independentemente do resultado sorológico, ou, ainda, quando se busca um parceiro soropositivo para a troca ou contato de fluidos corporais. Mesmo com o resultado de indetectável, continua em cena uma dimensão moral em torno da satisfação/fantasia erótica mobilizada no “ato”, inclusive na forma de uma descrição/relato/narrativa sexual na tela do celular, utilizando-se de outro repertório ou linguagem que rompe determinadas convenções sociais, normas/regras de decoro ou mesmo utilizadas pela biologia (por exemplo, o uso da palavra “leite”, deslocando-se do campo da maternidade).

Sobre essa discussão, vale a pena trazer o relato de um HJVH, que na entrevista se diz “bicha afeminada”, estudante de artes, posicionando-se como “artivista” e que se utiliza de suas próprias vivências como HIV positivo para combater o estigma (“HIVfobia” - em suas próprias palavras). Tive a oportunidade de interagir com ele (fui autorizado a chamá-lo no masculino) em diferentes momentos da pesquisa, na forma de uma entrevista semiestruturada, mas também em conversas posteriores via WhatsApp. Esse jovem utiliza o teatro para “dar voz” a outras pessoas soropositivas, desconstruir o estigma, ressignificar e informar sobre HIV/aids. Suas narrativas (em vídeo, teatro) aparecem como formas de resistência, considerando os valores hegemônicos, e, como outras narrativas contemporâneas, podendo influenciar e inspirar outros ou mesmo provocar mudanças (Plummer, 2019PLUMMER, Ken. 2019. Narrative power. 1ª Ed. Cambridge, UK: Polity Press. 210 p., p. 59). Em suas peças, busca trazer o sexo e o “gozo” para as cenas e, de forma autobiográfica, produzir mudanças na forma como as pessoas vivendo com HIV ainda são percebidas.

[...] Eu submeti uma proposta de uma apresentação artística que se chama pornografia aidética, que fala muito dessa questão do gozo, né, do gozo que é demonizado, como se a pessoa soropositiva não pudesse... ela pudesse gozar ou entre eles, entre os iguais, ou manter a distância. [...] E, assim, essa é um pouco forte porque [...] eu penetro coisas em mim, eu me masturbo ... Eu quero perceber o que vai chocar o fato de eu estar penetrando algo e dizendo que eu sou soropositivo, de eu gozar e estar perto das pessoas. (Caio [nome fictício], 28 anos).

Em suas narrativas, esse jovem traz uma série de relatos que dialogam com outras histórias. Relatos sobre frustração e rejeição são alguns tópicos discursivos que se desenrolaram em momentos distintos de nossas conversas. Destaca que o objetivo para ficar indetectável não era por se preocupar com a saúde (“do vírus ser menos danoso”), mas sim para não “contaminar” outras pessoas. Em suas palavras, o que queria era: “não parar de transar, eu não quero parar de transar, eu gosto”. Como em outras histórias, a CV indetectável aparece como uma transição ou mudança importante para o “retorno” à vida sexual. Certamente, retorno este vivido ainda com dilemas, inclusive pela demanda de outros parceiros (soronegativos) para o sexo sem preservativo.

Caio é um jovem que fala sobre sua sorologia para outras pessoas e registra/escreve sobre seu “status” nos apps, o que provoca, ao mesmo tempo, curiosidade e aproximação de alguns e distanciamento de tantos outros. Em texto deixado no Scruff, ressalta que a camisinha junto da CV indetectável torna as “chances de contágio quase nulas”. Mesmo com todos os cuidados, esse “quase” demonstra que o “fantasma” da transmissão ainda perturba este e outros jovens. Em alguns momentos, facilitados também pela internet, ele é convidado ao sexo sem preservativo, sendo enredado na trama erótica de seus interlocutores. Se, para alguns, na posição de indetectável, o sexo “sem barreiras” já é possível, para este jovem sua materialização parece se colocar ainda como uma questão (moral) que desestabiliza valores/normas em relação a uma prática considerada mais correta, adequada, saudável e, portanto, como um “bom” sexo. Para além da preocupação com a sua saúde, evitando outras doenças/infecções, o que entra em jogo é a imagem de “irresponsável”, “desequilibrado” e “louco” que pode a ele vincular-se:

[...] Tem muita gente que pergunta coisa assim: “ah, mas e aí não dá pra transar sem camisinha?”. Tem gente que é soronegativo que quer, que não importa, que quer transar e tudo. Eu falo, “olha, eu não vou transar com uma pessoa dessa que tem essa vida sexual...”. [....] Eu já encontrei várias pessoas que conversavam comigo, que eu conhecia e que falavam assim: “ah, se a gente namorar, eu vou querer transar com você sem camisinha porque eu não me importo”. Eu falei: “mas eu me importo [...]”. Eu conheci vários tipos, gente que quer ter o vírus mesmo, que faz com quem quer, que todas as vezes faz o exame e tem essa frustração quando chega lá e está negativo. Meu deus, que gente louca. Em São Paulo mesmo tem um amigo meu que falou assim: “ó, vai ter uma festa que quem tem HIV não paga, e elas ficam lá andando, bebem de graça, mas elas ficam lá porque as pessoas fazem tipo roleta russa transando”. Aí eu falei: “eu não quero isso, não”. Não tenho esses fetiches loucos das pessoas, que eu acho que é um pouco de desequilíbrio, né, de ter um psicológico de se submeter a esse tipo de situações. É complicado. Fico com muito medo, assim, das relações (Caio, 28 anos).

No cenário atual de prevenção em HIV/aids, o relato de Caio nos permite pensar em algumas controvérsias e tensionamentos neste campo. Cabe, aqui, dar destaque a algumas novas possibilidades interativas a partir desses avanços biotecnológicos, mas também à reprodução de valores e de um imaginário negativo em relação a alguns atores. Tanto a CV indetectável (Grace et al., 2015GRACE, Daniel; CHOWN, Sarah A.; KWAG, Michael; STEINBERG, Malcolm; LIM, Elgin; GILBERT, Mark. 2015. Becoming “undetectable”: longitudinal narratives of gay men’s sex lives after a recent HIV diagnosis. AIDS Education and Prevention. Vol. 27, nº 4, p.333-349. DOI 10.1521/aeap.2015.27.4.333
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) quanto outras tecnologias de prevenção, como é o caso da profilaxia pré-exposição ao HIV - PrEP (Mabire et al., 2019MABIRE, Xavier et al. 2019. “Pleasure and PrEP: Pleasure-Seeking Plays a Role in Prevention Choices and Could Lead to PrEP Initiation”. American Journal of Men’s Health. Vol. 13, nº 1, p. 1-14.; Silva-Brandao e Ianni, 2020Silva-Brandao, Roberto Ruben; Ianni, Aurea Maria. 2020. “Sexual desire and pleasure in the context of the HIV pre-exposure prophylaxis (PrEP)”. Sexualities. Vol. 23, nº 8, p. 1400-1416. DOI 10.1177/1363460720939047
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), têm permitido maior satisfação/prazer e sensação de maior segurança nas relações sexuais. Apesar dessas possibilidades, Caio nos remete a homens soronegativos que “querem” contrair o vírus HIV, como também a potenciais soropositivos que levam o vírus para seus parceiros sexuais.

Nesse aspecto, gostaria de lembrar que, mesmo em um momento anterior ao surgimento da PrEP, o prazer no sexo sem preservativo, sabendo-se dos riscos implicados, não significa, necessariamente, movimento intencional/consciente em direção ao HIV. Processo este comumente conhecido em inglês como bug chaser, ou seja, aquele que busca adquirir o vírus [HIV]. Ainda que isso possa ocorrer, produzindo-se uma satisfação erótica por meio da fantasia de conexão e de maior intimidade com o outro mediada pelo vírus (Dean, 2009DEAN, Tim. 2009. Unlimited intimacy: reflections on the subcultures of barebacking. 1ª Ed. Chicago/London: The University of Chicago Press. 237 p.), é importante destacar a maximização do prazer sensorial implicada na prática sexual sem camisinha (Silva, 2009aSILVA, Luís Augusto. 2009a. “Masculinidades transgressivas em práticas de barebacking”. Revista Estudos Feministas. Vol. 17, nº 3, p. 675-699. DOI 10.1590/S0104-026X2009000300003
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, 2009bSILVA, Luís Augusto. 2009b. “Barebacking e a possibilidade de soroconversão”. Cadernos de Saúde Pública. Vol. 25, nº 6, 1381-1389. DOI 10.1590/S0102-311X2009000600020
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), trazendo para o primeiro plano um “excedente de prazer” através da violação de fronteiras ou separação dos corpos. Esta busca por maior prazer, como também sensação de maior segurança e liberdade em alguns encontros, festas e orgias para homens, já aparecem bem descritas em outros trabalhos “pós-PrEP” (Barreto, 2017BARRETO, Victor Hugo. 2017. “Risco, prazer e cuidado: técnicas de si nos limites da sexualidade”. Avá. nº 31, p. 119-142.; 2019BARRETO, Victor Hugo. 2019. “Limites, fissuras, prazer e risco em festas de orgia para homens”. Mana - Estudos de Antropologia Social. Vol. 25, nº 1, p. 9-37. DOI 10.1590/1678-49442019v25n1p009
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; 2020BARRETO, Victor Hugo. 2020. “Responsabilidade, consentimento e cuidado. Ética e moral nos limites da sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 35, p. 194-217.), em que as chances de transmissão do HIV são bem reduzidas com o uso dessas novas tecnologias de prevenção.

Isso não significa que não haja fantasias ou “fetiches” em torno do HIV, mesmo com a carga viral indetectável (Barreto, 2019BARRETO, Victor Hugo. 2019. “Limites, fissuras, prazer e risco em festas de orgia para homens”. Mana - Estudos de Antropologia Social. Vol. 25, nº 1, p. 9-37. DOI 10.1590/1678-49442019v25n1p009
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), ou que o consentimento para a realização desses encontros sexuais [sem camisinha] também não seja tensionado (Barreto, 2020BARRETO, Victor Hugo. 2020. “Responsabilidade, consentimento e cuidado. Ética e moral nos limites da sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 35, p. 194-217.) e que não haja fissuras, no sentido de que as práticas podem atingir um nível de “intensidade que não era possível prever ou antecipar”, sendo capaz de romper também com o “pacto empreendido com o outro e consigo mesmo” (Díaz-Benítez, 2014DÍAZ-BENÍTEZ, María Elvira. 2014. “O sexo sempre é culpável? Notas sobre prazeres, perigos e fissuras na sexualidade”. A Folha do Gragoatá, 8 de junho de 2014. Disponível em: http://afolhadogragoata.blogspot.com./2014/06/o-sexo-sempre-e-culpavel-notas-sobre.html. Acesso: 21 mar. 2023.
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). Estamos, portanto, falando de uma região fronteiriça de tensão entre prazer e risco/perigo, ou, como enfatiza Gregori (2010GREGORI, Maria Filomena. 2010. Prazeres perigosos: erotismo, gênero e limites da sexualidade. Tese de livre docência, Departamento de Antropologia, IFCH, Universidade Estadual de Campinas. 221 p., p. 3), de “limites da sexualidade”, entendidos como uma “zona fronteiriça onde habitam norma e transgressão, consentimento e abuso, prazer e dor”.

Enfim, as narrativas de Caio e de outros jovens colocam algumas questões para o campo da prevenção e cuidado ao HIV que, muitas vezes, parecem ficar esquecidas ou em segundo plano. Certamente, para além de reconhecer a importância das novas tecnologias biomédicas em diversas situações/momentos das nossas vidas, não podemos esquecer dimensões da vulnerabilidade que afetam diferentemente indivíduos/grupos, ou melhor, sobre as relações sociais que constroem determinados corpos/vidas como “vidas que não importam” (Seffner e Parker, 2016SEFFNER, Fernando; PARKER, Richard. 2016. “Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids”. Interface (Botucatu). Vol. 20, nº 57, p. 293-304. DOI 10.1590/1807-57622015.0459
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, p. 298). Isso estimula a pensar sobre os recursos (subjetivos/materiais/simbólicos) que as pessoas dispõem para enfrentar ou reduzir uma condição ou situação de vulnerabilidade.

Há, entretanto, uma outra questão aberta por essas narrativas, que diz respeito à multiplicidade, abertura e imprevisibilidade do próprio “evento-sexo” (Race, 2015RACE, Kane. 2015. “Reluctant Objects: Sexual Pleasure as a Problem for HIV Biomedical Prevention”. GLQ. Vol. 22, nº 1, p. 1-31. DOI 10.1215/10642684-3315217
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), em que envolve coprodução de sujeitos, objetos e outras entidades. Podemos, então, falar em “ontologias” abertas, múltiplas ou políticas (Mol, 1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics. A word and some questions”. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds). Actor network theory and after. 1ª Ed. Oxford, UK: Blackwell. 256 p.), no sentido de que as condições de possibilidade não estão dadas. Para além de algo dado, estável ou universal, podemos falar em versões da realidade, situadas historicamente, culturalmente e materialmente; portanto múltipla, sendo performada nas práticas por meio das quais interagem diferentes elementos ou atores/actantes - “qualquer coisa” que modifique uma situação e que faça uma diferença (Latour, 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. 1ª Ed. Salvador, Bauru: EDUFBA, EDUSC. 400 p.). A partir dessas interações, há mudanças de curso/trajetória e múltiplas transformações/efeitos.

Por outro lado, essas realidades não estão simplesmente em oposição, elas podem coexistir “lado a lado” ou uma estar “dentro da outra” (Mol, 1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics. A word and some questions”. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds). Actor network theory and after. 1ª Ed. Oxford, UK: Blackwell. 256 p.). Pode haver inclusão mútua, interdependência, interferência, tensionamentos, enfim, como enfatiza Mol (2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. 1ª Ed. Durham and London: Duke University Press. 196 p., p. 149), “objetos-em-prática” têm relações complexas. E o que pode ser autoevidente, ou “bom”, em uma situação, pode não ser em outra, havendo muitos “modos de viver” (Mol, 2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. 1ª Ed. Durham and London: Duke University Press. 196 p., p. 181). Nesse sentido, concordo com Kane Race (2015)RACE, Kane. 2015. “Reluctant Objects: Sexual Pleasure as a Problem for HIV Biomedical Prevention”. GLQ. Vol. 22, nº 1, p. 1-31. DOI 10.1215/10642684-3315217
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quando chama a atenção para os limites do paradigma biomédico, que aborda a prevenção ao HIV como um problema médico e técnico, evitando a necessidade de confrontar publicamente as “dificuldades do sexo”. Essas dificuldades parecem remeter a algo que foge ou que não pode ser assimilado/controlado pela lógica ou racionalidade biomédica.

Considerações finais

Neste artigo, busquei trazer e articular algumas narrativas sobre a condição de indetectável, considerando os avanços biomédicos que têm possibilitado novas relações com o prazer e com o próprio risco de infecção/transmissão do HIV. Por outro lado, apesar desses avanços, no cotidiando afetivo-sexual de HJVH questões morais ainda persistem, dificultando que se possa viver/experimentar relações/encontros de forma mais livre ou, pelo menos, com menos culpa. O que estou a enfatizar é que, apesar de as novas biotecnologias possibilitarem o reengajamento sexual desses jovens, isso parece ocorrer a partir de um “script” que se adequa a estilos de vida considerados “normais” ou mais saudáveis. Nessa perspectiva, são processos que possibilitam a excitação, mas também controle (Preciado, 2018PRECIADO, Paul. 2018. Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. 1ª Ed. N-1 edições. 447 p.), inclusive com as rotinas e procedimentos necessários para manter a CV indetectável e cuidar da saúde.

Por outro lado, é preciso também que reconheçamos as múltiplas formas de produção de prazer e do próprio corpo, para além do que é normatizado pelo campo da saúde. Na mesma direção, para além dos métodos/estratégias biomédicas disponibilizados na prevenção e cuidado ao HIV, não se pode perder de vista uma dimensão erótica que nos constitui como sujeitos, em contínuo diálogo com a linguagem/cultura. Não é à toa que um dos jovens desse trabalho em suas narrativas busca trazer o “gozo” e o sexo para suas cenas com o objetivo de lembrar que eles estão vivos/pulsantes para além do HIV.

Por sua vez, gostaria de lembrar que nós não apenas “temos” ou “somos” um corpo. Esse corpo também é feito/performado nas práticas (Mol e Law, 2004MOL, Annemarie; LAW, John. 2004. “Embodied action, enacted bodies: the example of hypoglycaemia”. Body & Society. Vol. 10, nº 2-3, p. 43-62. DOI 10.1177/1357034X040429
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). Portanto, não é “fragmentado”, tampouco é um “todo” coerente (bem definido), mas é cheio de tensões. Por exemplo, entre assumir o controle de uma situação e ser “errático”, ou mesmo entre as exigências de lidar com uma condição crônica, como o HIV, e outras demandas ou desejos. Como uma “configuração complexa” (Mol e Law, 2004MOL, Annemarie; LAW, John. 2004. “Embodied action, enacted bodies: the example of hypoglycaemia”. Body & Society. Vol. 10, nº 2-3, p. 43-62. DOI 10.1177/1357034X040429
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), essas tensões não podem ser evitadas, nós simplesmente temos que agir ou lidar com elas. Nessa direção, é possível pensar os encontros sexuais, e a própria prevenção, de forma mais aberta, fluida e também imprevisível, na medida em que atores/actantes (tecnologias, objetos, humanos/parceiros, corpos, imagens/fantasias, etc), interagem, se deslocam ou se movimentam nas práticas, produzindo-se modos distintos/indeterminados de viver ou mesmo do próprio prazer.

Nos encontros sexuais, para além da intencionalidade ou escolha antecipada, a camisinha pode sair ou entrar em cena (assim como a própria PrEP, considerando os diferentes interesses e modos de uso), ou pode-se reduzir riscos/danos (Silva, 2012SILVA, Luís Augusto. 2012. “Redução de riscos na perspectiva dos praticantes de barebacking: possibilidades e desafios”. Psicologia & Sociedade. Vol. 24, nº 2, p. 327-336. DOI 10.1590/S0102-71822012000200010
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; Terto Junior, 2015TERTO JR., Veriano. 2015. “Diferentes prevenções geram diferentes escolhas? Reflexões para a prevenção de HIV/AIDS em homens que fazem sexo com homens e outras populações vulneráveis”. Revista Brasileira de Epidemiologia. Vol. 18, supl. 1, p. 156-168. DOI 10.1590/1809-4503201500050012
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), por exemplo, quando se evita “gozar dentro” ou mesmo através de signos corporais como forma de prevenção ou cuidado à saúde para além dos discursos biomédicos (Barreto, 2017BARRETO, Victor Hugo. 2017. “Risco, prazer e cuidado: técnicas de si nos limites da sexualidade”. Avá. nº 31, p. 119-142.). Enfim, nas situações concretas/vividas, outras coisas acontecem para além do que pode ter sido pensado ou planejado, mediadas por um “enxame” de coisas/atores (Latour, 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. 1ª Ed. Salvador, Bauru: EDUFBA, EDUSC. 400 p.) que vêm em nossa direção, nos movimentam ou nos constituem através dessas interações. E dessa forma, podemos enfatizar o cuidado ao HIV para além da ideia de “escolha” ou de controle; por conseguinte, de forma mais situada, errática ou contingente (Mol, 2008MOL, Annemarie. 2008. The logic of care: health and the problem of patient choice. 1ª Ed. London and New York: Routledge. 144 p.). Um processo contínuo que implica abertura para as experimentações, mudanças de curso e novas tentativas.

Finalmente, gostaria de ressaltar a importância de novos estudos ou discussões sobre essas dimensões/significados do prazer e do risco que incluam a combinação de outras tecnologias de prevenção, como a PrEP, como também considerando a interseção de distintos marcadores sociais. Há de se ressaltar que essas tecnologias têm, também, atualizado algumas imagens que parecem ainda perturbar, como é o caso da “homossexualidade desenfreada” (Race, 2015RACE, Kane. 2015. “Reluctant Objects: Sexual Pleasure as a Problem for HIV Biomedical Prevention”. GLQ. Vol. 22, nº 1, p. 1-31. DOI 10.1215/10642684-3315217
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) ou do “gay promíscuo” (Dubov et al., 2018Dubov, Alex; GALBO JR, Phillip; ALTICE, Frederick L.; FRAENKEL, Liana 4. 2018. “Stigma and Shame Experiences by MSM Who Take PrEP for HIV Prevention: A Qualitative Study”. American Journal of Men’s Health. Vol. 12, nº 6, p. 1832-1843. DOI 10.1177/1557988318797437
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). Nós, como profissionais, pesquisadores/as, ativistas e mesmo gays, não estamos alheios a essas imagens ou processos, muitas vezes contribuindo para a manutenção de estigmas, formas de violência ou mesmo para excluir/marginalizar pessoas e modos de vida. O fato de me posicionar explicitamente nesse texto foi também uma forma que encontrei para discutir o quanto podemos reproduzir certos valores/medos em relação ao HIV, mesmo quando estamos apropriados das discussões atuais sobre o tema, assim como uma maneira de pensar ou reconhecer novos horizontes e possibilidades interativas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2020
  • Aceito
    03 Fev 2023
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