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Pânicos morais, sexualidade e infância: A fabricação do “kit gay” como artefato político na disputa presidencial de 2018 a partir da rede social Twitter

Moral panics, sexuality and childhood: the manufacture of the “kit gay” as a political artifact in the 2018 presidential dispute from the social media Twitter

Pánico moral, sexualidad e infancia: la fabricación del `kit gay' como artefacto político en la contienda presidencial de 2018 a través de la red social Twitter

Resumo

A partir da análise da fabricação e circulação da materialidade do “kit gay” na rede social Twitter no contexto das eleições presidenciais de 2018, o artigo aborda a força afetiva e política do discurso de proteção à infância contra perigos sexuais na produção de um pânico moral. Argumenta que, ao articular eficazmente as cruzadas anti-pedofilia e antigênero, o “kit gay”, entendido como artefato político e categoria de acusação, produziu efeitos decisivos na arena política brasileira contemporânea.

Palavras-chave:
infância; sexualidade; política; pânicos morais; redes sociais.

Abstract

Based on the analysis of the manufacturing and circulation of the materiality of the “kit gay” on the social media platform Twitter, in the context of the 2018 presidential elections, the article addresses the affective and political force of the discourse on protecting children against sexual dangers in the production of moral panic. It argues that by effectively articulating the anti-pedophilia and anti-gender crusades, the “kit gay,” understood as a political artifact and category of accusation, produced decisive effects in the contemporary Brazilian political arena.

Keywords:
childhood; sexuality; politics; moral panics; social networks.

Resumen

A través del análisis de la fabricación y circulación de la materialidad del ‘kit gay’ en la red social Twitter en el contexto de las elecciones presidenciales de 2018, este artículo aborda la fuerza afectiva y política del discurso de protección a la infancia contra peligros sexuales en la producción de un pánico moral. Argumenta que, al articular eficazmente las cruzadas anti-pedofilia y anti-género, el ‘kit gay’, entendido como artefacto político y categoría de acusación, produjo efectos decisivos en la arena política brasileña contemporánea.

Palabras clave:
infancia; sexualidad; política; pánicos morales; redes sociales.

Introdução

A partir de uma etnografia da fabricação e circulação da materialidade do “kit gay” na rede social Twitter1 1 Acreditamos ser importante mencionar a mudança de nome do Twitter para “X” em 24 de julho de 2023, meses após a compra da rede pelo bilionário Elon Musk. No entanto, como a pesquisa foi realizada entre os anos de 2018 a 2020, optamos por manter o seu nome e as suas diversas nomenclaturas como “tweet, retweet, twitteiro”. no contexto das eleições presidenciais de 2018, o artigo aborda a força afetiva e política do discurso de proteção à infância contra perigos sexuais na produção de um “pânico moral”. Argumenta que ao articular eficazmente as cruzadas antipedofilia (Lowenkron, 2013LOWENKRON, Laura. 2013. “A cruzada antipedofilia e a criminalização das fantasias sexuais”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Dezembro de 2013. Nº 30, p. 37-61., 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.) e antigênero2 2 Sobre a origem da expressão “ideologia de gênero” e os impactos das cruzadas nacionais e internacionais antigênero, ver Miskolci e Campana (2017); Junqueira (2018); Corrêa (2018) e Prado e Correa (2018). , o “kit gay”, entendido como artefato político e categoria de acusação, produziu efeitos decisivos na arena política brasileira contemporânea.

Cohen (2011)COHEN, Stanley. 2011. Folk Devils and Moral Panics. 3ª ed. London: Taylor & Francis. 282 p. cunhou a noção de “pânico moral” para descrever reações exageradas e emocionais do público a evento ou questões percebidos como ameaça à ordem social ou moral devido a mudanças sociais e culturais. Segundo o autor, essas ameaças são amplificadas pela mídia e autoridades interessadas em gerar uma sensação de crise que, para isso, investem na criação e na manutenção de “bodes expiatórios” como inimigos morais responsáveis por essas ameaças. Apropriando-se dessa noção, Balieiro (2018)BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. 2018. “’Não se meta com meus filhos’: a construção do pânico moral da criança sob ameaça”. Cadernos Pagu. Nº 53, p. 1-15. aponta que há uma construção de um “pânico moral” em torno da ideia de que as crianças estão sendo ameaçadas pela “ideologia de gênero”. Segundo o autor, isso tem sido usado para justificar ataques a materiais didáticos escolares, programas educacionais e exposições artísticas que abordam a diversidade de gênero e sexualidade.

Dessa forma, vale destacar que o “kit gay” não deve ser visto como um artefato isolado na história política recente do país. Sua fabricação e sucessivo reacionamento ocorreram em um contexto de ascensão dos conservadorismos no Brasil. Entre 2008 e 2010, a CPI da Pedofilia, liderada pelo senador evangélico Magno Malta, marcou um momento de inflexão no debate público nacional sobre a violência sexual contra crianças. Segundo Lowenkron (2015)LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p., observa-se um enfraquecimento da crítica feminista à sociedade e família patriarcais e da preocupação com o inimigo interno que ataca dentro da família (o pai, o padrasto, o marido) e um redirecionamento do foco da atenção política das desigualdades de poder para a ameaça das perversões. Já a cruzada internacional contra a “ideologia de gênero” ganhou força no país a partir de 2013 por meio dos embates em torno dos planos municipais, estaduais e nacional de educação. Assim como na denúncia ao “kit gay”, a ameaça de (homo/trans)sexualização das crianças nas escolas e a destruição da família compareceram neste contexto como argumentações centrais (Leite, 2019bLEITE, Vanessa Jorge. 2019b. “‘Em defesa das crianças e da família’: Refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Agosto de 2019. Nº 32, p. 119-142.).

A fim de situar a trajetória de como o “kit gay” foi sendo moldado e reatualizado em diferentes momentos, a primeira parte do artigo recupera brevemente o histórico de sua fabricação, lembrando que em um primeiro momento, em 2011, serviu para deslegitimar e barrar um determinado projeto de política pública, o Escola Sem Homofobia (ESH), que versava sobre a promoção da cidadania LGBT no espaço escolar. O foco da análise será, contudo, no segundo contexto, quando o “kit gay” novamente comparece na arena pública, desta vez como peça-chave nas disputas político-morais das eleições presidenciais de 2018 utilizada pelo então candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro, e seus apoiadores para deslegitimar a candidatura de seu principal adversário, convertido em “bode expiatório” (Cohen, 2011COHEN, Stanley. 2011. Folk Devils and Moral Panics. 3ª ed. London: Taylor & Francis. 282 p.), ao mesmo tempo que constituía a si próprio como “empreender moral” (Becker, 2008BECKER, Howard Saul. 2008. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de Borges. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 232 p.) de uma cruzada pela proteção da infância contra perigos sexuais.

Conjugando o método da netnografia com a perspectiva analítica da etnografia de documentos, a análise aborda processos e disputas políticas em torno de um recente pânico moral a partir do rastreamento de seus artefatos materiais. A netnografia é uma metodologia de pesquisa que busca entender a cultura e o comportamento humano em ambientes on-line, sendo considerada uma extensão da antropologia cultural adaptada ao ambiente virtual (Kozinets, 2010KOZINETS, Robert. 2010. Netnografia: a arma secreta dos profissionais de marketing: como o conhecimento das mídias sociais gera inovação. Available at: http://bravdesign.com.br/wpcontent/uploads/2012/07/netnografia_portugues.pdf. [Accessed on 25.02.23].
http://bravdesign.com.br/wpcontent/uploa...
; 2014KOZINETS, Robert. 2014. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. 1a ed. Porto Alegre: Penso. 208 p.). Já a etnografia de documentos, tributária da antropologia da cultura material, deslocou o foco da atenção etnográfica dos conteúdos para a materialidade e a vida social desses objetos, que passaram a ser frequentemente nomeados e compreendidos como artefatos (Riles, 2006RILES, Annelise. 2006. Documents: artifacts of modern knowledge. 1st ed. Ann Arbor; MI: the Michigan University Press. 256 p.; Hull, 2012HULL, Matthew. 2012. Government of paper: the materiality of bureaucracy in urban Pakistan. 1st ed. California: University of California Press, Berkeley. 320 p.; Lowenkron e Ferreira, 2014LOWENKRON, Laura; FERREIRA, Letícia. 2014. “Anthropological perspectives on documents. Ethnographic dialogues on the trail of police Papers”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology. Dezembro de 2014. Vol. 11, nº 2, p. 76-112.).

Assim, o primeiro passo da pesquisa foi perceber quais materiais foram utilizados no jogo da disputa política em torno do “kit gay” e nas denúncias que vão compondo a sua materialidade. Essa expressão é utilizada ao longo do artigo no sentido jurídico de prova material que serve de base para a acusação e denúncia pública. Ao mesmo tempo, privilegiamos essa expressão inspiradas no vocabulário conceitual e na perspectiva analítica da etnografia de documentos a fim de evidenciar a centralidade da manipulação, adulteração, proliferação e circulação de “artefatos gráficos” (Hull, 2012HULL, Matthew. 2012. Government of paper: the materiality of bureaucracy in urban Pakistan. 1st ed. California: University of California Press, Berkeley. 320 p.).na construção do “kit gay” como artefato político. Nesse processo, observamos que imagens constitutivas de políticas públicas sobre gênero e sexualidade (desde combate à homofobia até redução de danos e combate às ISTs)3 3 Para uma análise dos materiais utilizados na primeira fase da denúncia contra o ESH, em 2010, ver a dissertação de mestrado de Trotti (2020). são retiradas de contexto, deturpadas e mescladas com outros materiais como livros infantis para que a denúncia pública ganhasse fidedignidade e, assim, aumentasse a força do discurso contra os supostos perigos sexuais que ameaçariam crianças e adolescentes do país. Nos deparamos ainda com um dos principais materiais que circularam na rede social Twitter no processo de reativação da denúncia do “kit gay” durante as eleições presidenciais de 2018: o livro Aparelho Sexual e Cia (Zep e Bruller, 2007ZEP; BRULLER, Hélène. 2007. Aparelho Sexual e Cia: um guia inusitado para crianças descoladas. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras. 96 p.).

Mas por qual motivo esse livro em específico, que não fazia parte do projeto ESH, foi tão atrativo para os acusadores? Como se deu a adesão do “Aparelho Sexual e Cia” como “kit gay” pela população? Quais foram os argumentos elencados para a sua denúncia e as suas consequências? Com esses questionamentos, avançamos para a fase seguinte da pesquisa.

As postagens/compartilhamentos/comentários na rede social Twitter no contexto pré-eleições de 2018 foram analisadas levando em conta a estética e a vida social dos materiais que constituem a materialidade da denúncia que fabrica o “kit gay” como artefato político. A análise dos processos de produção e circulação de “artefatos gráficos” (Hull, 2012HULL, Matthew. 2012. Government of paper: the materiality of bureaucracy in urban Pakistan. 1st ed. California: University of California Press, Berkeley. 320 p.) buscou evidenciar a eficácia emocional, política e moral dos deslizamentos poluidores e articulação acusatória entre diversidade sexual, “erotização infantil”, “incentivo ao homossexualismo” e, no limite, a “pedofilia”, que foram mobilizados para engendrar emoções coletivas (Lowenkron, 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.; Irvine, 2009IRVINE, Janice. 2009. “Transient Feelings: Sex Panics and the Politics of Emotions”. In: HERDT, G. (ed.). Moral Panics, Sex Panics: Fear and the Fight over Sexual Rights. 1st ed. New York: NYU Press. 304 p.) na disputa eleitoral.

Do projeto Escola Sem Homofobia ao “kit gay”

Conforme aponta Leite (2019a)LEITE, Vanessa Jorge. 2019a. “A captura das crianças e dos adolescentes: refletindo sobre controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade nas políticas de educação”. Série-Estudos. Setembro-dezembro de 2019. Vol. 24, nº 52, p. 11-30., é importante olhar para a trajetória do projeto de política pública ESH - cunhado por seus detratores de “kit gay” - para refletir sobre o seu destino nos últimos anos no país. Ao recuperar alguns elementos dessa trajetória analisada pela autora (Leite, 2014LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), pode-se perceber e evidenciar os efeitos políticos produzidos no acionamento do “kit gay” em variados contextos da política brasileira e na produção de um pânico moral como parte de disputas políticas que surgem de tempos em tempos.

Em 2004, através da parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), o governo federal, com forte influência e participação do movimento LGBT, iniciou a tentativa de promulgação da política pública de combate à homofobia, o Brasil sem Homofobia (BSH). Posteriormente, em 2007, foi aprovada no Congresso Nacional uma emenda parlamentar, por meio da proposta da Deputada Fátima Bezerra (PT-RN), a partir da qual começou a ser desenvolvido o projeto de política pública Escola Sem Homofobia (ESH)4 4 Segundo Leite (2014), o planejamento e a elaboração do projeto contaram com a colaboração da rede internacional Global Alliance for LGBT Education (GALE), bem como de várias organizações não-governamentais, incluindo a Associação Pathfinder do Brasil, a Comunicação em Sexualidade (ECOS), a Reprolatina (Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). .

O projeto ESH visava levar às escolas brasileiras discussões a respeito de gênero e sexualidade, através de diversos materiais (vídeos, boletins informativos, cartaz e o Caderno) voltados para educadores trabalharem com estudantes visando à diminuição da LGBTfobia nas escolas. Ainda segundo Leite (2014)LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., ao avanço das discussões sobre o projeto no parlamento e no debate público, no final de 2010, após a primeira apresentação oficial dos resultados e materiais do projeto ESH no Congresso Nacional, ocorreu o “vazamento” na internet dos vídeos que constituíam um mais amplo “kit” de material educativo, que não havia ainda sequer sido aprovado pelo Ministério da Educação (MEC).

Os vídeos que causaram polêmica foram “Encontrando Bianca”, “Probabilidade” e “Torpedo” (LEITE, 2014LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). O primeiro apresenta a história de uma menina transsexual, evidenciando as inúmeras dificuldades que ela enfrenta no cotidiano escolar por não ter respeitada a sua identidade de gênero. “Probabilidade” aborda a rotina escolar de um adolescente que começa a sentir atraído por um colega de turma homossexual e como ele lida com dúvidas acerca do seu interesse sexual por meninas e meninos. Já o audiovisual “Torpedo” apresenta a história sobre o início do namoro entre duas meninas que, após terem sido expostas por colegas, decidem assumir a sua relação diante de todos através de um abraço afetuoso no pátio da escola.

Para os denunciantes, os materiais que retratam o cotidiano desses estudantes seriam um incentivo a jovens se tornarem trans/homossexuais e incentivá-los a práticas sexuais. Segundo a autora, após o “vazamento” dos vídeos, houve o fervilhar de notas e imagens distorcidas e manipuladas sobre o conteúdo do projeto ESH que levaram à sua suspensão pela então presidente Dilma Roussef em 2011. Em montagens difundidas na internet, materiais distintos são mesclados com um recorte seletivo de trechos e cenas dos vídeos do projeto ESH e vão constituindo, assim, a materialidade da denúncia pública, ao mesmo tempo em que vão produzindo o artefato político “kit gay”, que ganha vida social nas redes sociais.

A cena do vídeo “Probabilidade” que costuma aparecer nas denúncias, por exemplo, é a do protagonista Leonardo de frente para o menino que ele relata ter se apaixonado. Já as montagens incluindo “Encontrando Bianca” focam na imagem do rosto de Bianca e, ao fundo, uma placa de banheiro feminino.

Dessa maneira:

“um conjunto de materiais educativos para trabalhar pedagogicamente a homofobia nas escolas”, acabou, no auge da polêmica, quando o projeto foi suspenso e transformado em “tema nacional”, em um “kit gay”, termo cunhado por seus opositores para denotar que o mesmo poderia “fazer propaganda de opções sexuais”, como disse a presidente Dilma, ou ainda ser um “estímulo à homossexualidade, à promiscuidade e uma porta à pedofilia”, como bradou o deputado Jair Bolsonaro. (Leite, 2014LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.: 180-181).

Em maio de 2011, mesmo mês da suspensão do projeto ESH, Bolsonaro colocou à disposição em seu site pessoal uma lista de materiais que viriam a fazer parte da potente narrativa que legitima um pânico moral sobre uma suposta “homossexualização” de crianças pequenas através de políticas públicas de combate à homofobia nas escolas. Um dos materiais de maior repercussão foi o panfleto “Plano Nacional da Vergonha”, que associa o Plano Nacional de Promoção de Cidadania e Direitos Humanos LGBT (PNPCDH), lançado em 2009, ao projeto ESH, convertido em “kit gay”.

No panfleto elaborado por Bolsonaro, a capa original do Plano PNPCDH é adulterada com elementos e discursos descontextualizados de atores ligados à defesa dos direitos da população LGBT e, no topo, é inserido um “balão” que diz: “querem, na escola, transformar seu filho de 6 a 9 anos em homossexual”. Diante disso, Santos (2012)SANTOS, Lígia Maria Kahl Schreiber Meillo Lopes dos. 2012. Diversidade Sexual nas Escolas: o caso do kit do Projeto Escola Sem Homofobia. Monografia, Curso de Psicologia, Centro Universitário de Brasília UniCEUB. e Leite (2014)LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. afirmam que é possível que os materiais que chegaram até a ex-presidente Dilma Rousseff foram outros que nada tinham a ver com o projeto ESH.

É importante citar a importância da Bancada Evangélica e os seus representantes no desenho da denúncia, da polêmica e principalmente, na potência das suas articulações no debate público, pautados em uma materialidade aparentemente adulterada, sobre as discussões de direitos sexuais nas escolas brasileiras. Santos (2012)SANTOS, Lígia Maria Kahl Schreiber Meillo Lopes dos. 2012. Diversidade Sexual nas Escolas: o caso do kit do Projeto Escola Sem Homofobia. Monografia, Curso de Psicologia, Centro Universitário de Brasília UniCEUB. apresentou as imagens dos slides que foram supostamente apresentados à ex-presidente Dilma pela Banca Evangélica, conforme acusa Toni Reis à matéria do site Terra e resgatou uma matéria do site de notícias Terra que traz a fala de Toni Reis afirmando que:

o material entregue foi uma apresentação em Power Point realizada durante audiência pública para a “Avaliação dos programas federais de respeito à diversidade sexual nas escolas”, ocorrida no Ministério Público Federal. Esclarece: “Há um (arquivo de) Power Point que os evangélicos montaram para apresentar no Ministério Público durante a audiência. Não tem alhos nem bugalhos. Pegaram parte de um material dirigido a usuários de drogas, a prostitutas, à prevenção da AIDS. Transformaram em vídeo e levaram para a Dilma. Não tem nada a ver com o kit Escola Sem Homofobia. A presidente está comprando gato por lebre” (Santos, 2012SANTOS, Lígia Maria Kahl Schreiber Meillo Lopes dos. 2012. Diversidade Sexual nas Escolas: o caso do kit do Projeto Escola Sem Homofobia. Monografia, Curso de Psicologia, Centro Universitário de Brasília UniCEUB.: 61).

Observa-se, assim, que nesta primeira fase de elaboração do “kit gay” como artefato político, materiais e documentos de políticas públicas existentes foram modificados, distorcidos e manipulados, adulterados em seu conteúdo, na sua estética e em seu entendimento ao serem incluídas novas imagens, legendas e discursos descontextualizados de certos atores como forma de construir e/ou sustentar a materialidade da denúncia através de “artefatos gráficos” (Hull, 2012HULL, Matthew. 2012. Government of paper: the materiality of bureaucracy in urban Pakistan. 1st ed. California: University of California Press, Berkeley. 320 p.).

Como evidencia a análise de Leite (2014)LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., Jair Bolsonaro foi o primeiro inimigo público do projeto, seguido do senador evangélico Magno Malta, à época presidente da CPI da Pedofilia. Durante todo o processo da denúncia, os críticos acionaram uma “infância” que precisaria ser protegida de um potencial desvirtuamento financiado pelo Estado em parceria com a comunidade LGBT.

E, em função da eficácia política e emotiva dos pânicos morais constituídos em nome da proteção da infância contra perigos sexuais (Rubin, 2017RUBIN, Gayle. 2017. Políticas do Sexo. Trad. Jamille Pinheiro Dias. 1a ed. São Paulo: Ubu Editora. 144 p.; Lowenkron, 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.), o “kit gay” teve múltiplos reacionamentos (Leite, 2014LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., 2019aLEITE, Vanessa Jorge. 2019a. “A captura das crianças e dos adolescentes: refletindo sobre controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade nas políticas de educação”. Série-Estudos. Setembro-dezembro de 2019. Vol. 24, nº 52, p. 11-30., 2019b). Assim, mesmo após a suspensão presidencial do projeto de política pública ESH e o seu consequente arquivamento oficial, materiais atrelados ao chamado “kit gay” continuaram a proliferar e circular nas redes sociais.

O foco principal deste artigo é sobre como o “kit gay” foi reacionado na rede social Twitter durante as eleições presidenciais de 2018, sendo capaz de produzir efeitos decisivos na arena política do país. Para tal, evidenciamos quais foram os materiais que circularam; quem foram os principais atores responsáveis por essa circulação; de que forma houve engajamento5 5 O fenômeno do engajamento, se tratando das redes sociais, se refere ao alcance de uma publicação através de curtidas, compartilhamento e comentários que impactam o comportamento das pessoas que acessam o conteúdo publicado (Alhabash et al., 2015; Calder et al., 2016) também offline, ou seja, na vida cotidiana fora das redes. ; como os usuários reagiram, os discursos e a sua repercussão.

A vida social do “kit gay”: construção da materialidade on-line

Jair Bolsonaro, desde o início da notoriedade pública do projeto ESH, após a realização de sua primeira apresentação oficial no Congresso Nacional durante o Seminário “Escola sem Homofobia”, em 23 de novembro de 2010, deu sinais públicos de sua insatisfação (Leite, 2014LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Vital e Lopes, 2013VITAL, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite. 2013. Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. 1a ed. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll. 232 p.). E, a partir da criação de diversas polêmicas, iniciou uma série de denúncias a partir de informações equivocadas sobre os materiais pertencentes ao projeto.

Em uma das denúncias de maior repercussão social6 6 A publicação teve 158 mil curtidas, 28 mil comentários, 283 mil compartilhamentos e 8,7 milhões de visualizações. , em 10 de janeiro de 2016BOLSONARO, Jair Messias. (10.01.2016). LIVROS do PT ensinam SEXO para CRIANCINHAS nas ESCOLAS [online]. Facebook. Available at: https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/576132129202444. [Accessed on 25.06.08].
https://www.facebook.com/jairmessias.bol...
, Bolsonaro publicou um vídeo em sua conta da rede social Facebook, utilizando o mesmo material que será novamente acionado pelo então candidato à presidência em entrevista ao Jornal Nacional durante a campanha eleitoral, em 2018, como veremos.

É importante destacar que, além do livro Aparelho sexual e cia, Bolsonaro apresentou nesta denúncia de 2016 outros materiais, sendo estes o “Plano Nacional LGBT” e a capa da Revista Nova Escola de fevereiro de 2015, que há um menino chamado Romeo Clarke, de 5 anos, vestido com uma fantasia de princesa em um fundo azul com a provocação “Vamos falar sobre ele?”. Bolsonaro foi repreendido pela Nova Escola por espalhar notícias falsas (fake news) acerca do conteúdo do ESH (Ratier, 2016RATIER, Rodrigo. (25.01.16) Ainda tem dúvidas sobre o caso Bolsonaro? NOVA ESCOLA esclarece! [online]. Nova Escola. Available at: https://novaescola.org.br/conteudo/9937/ainda-tem-duvidas-sobre-o-caso-bolsonaro-nova-escola-esclarece. [Accessed on 25.02.23].
https://novaescola.org.br/conteudo/9937/...
). O MEC também se pronunciou reiterando que não distribuiu nas escolas livro de educação sexual citado por Bolsonaro (Brasil, 2016BRASIL. (13.01.16). MEC não distribuiu nas escolas livro de educação sexual citado em vídeo na internet [online]. Ministério da Educação. Educação & Ciência. Esclarecimento. Available at: http://www.brasil.gov.br/noticias/educacao-e-ciencia/2016/01/mec-nao-distribuiu-nas-escolas-livro-de-educacao-sexual-citado-em-video-na-internet. [Accessed on 25.02.23].
http://www.brasil.gov.br/noticias/educac...
).

O livro “Aparelho Sexual e Cia” (Zep e Bruller, 2007ZEP; BRULLER, Hélène. 2007. Aparelho Sexual e Cia: um guia inusitado para crianças descoladas. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras. 96 p.), lançado no Brasil pela editora comercial Companhia das Letras em 2007 e de origem franco-belga, apresenta o personagem principal do livro, Titeuf, um menino entre 8 e 10 anos esperto e curioso, já está em circulação desde 1992. Inclusive, os conteúdos sobre Titeuf e sua turma estão nos currículos escolares da França e alguns outros países europeus.

E, devido ao Ministério da Cultura (MinC), de fato, ter adquirido alguns exemplares do livro (que foram entregues a diferentes bibliotecas públicas do país e nenhum foi distribuído para escolas e nem faziam parte do projeto ESH vinculado ao MEC), o livro se tornou o principal material mostrado, em ambas as ocasiões como prova, ou seja, como materialidade sobre a existência de um “kit gay” que estaria expondo as crianças a um “conteúdo sexual explícito”.

Segundo Trotti (2020)TROTTI, Bárbara Araújo Silva de Oliveira. 2020. Pânicos Morais, Sexualidade e Infância: o “kit gay” no embate político contemporâneo brasileiro. 253 f. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., a primeira vez que o livro apareceu em uma denúncia contra a sexualização de crianças nas escolas foi em uma pregação da ex-ministra e pastora evangélica Damares Alves (ex-assessora do senador Magno Malta que veio a se tornar ministra da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de 2019 até 2022, no governo Bolsonaro) na Primeira Igreja Batista de Campo Grande do Mato Grosso do Sul em 13 de abril de 2013, em um contexto de ascensão da cruzada “antigênero” no Brasil. Trechos desta pregação, na qual a pastora evidenciou uma série de slides que, em sua denúncia, expunha a erotização infantil promovida pelo Estado (especificamente o governo do PT), estão acessíveis no documentário Púlpito e Parlamento: Evangélicos na Política (Neves, 2015NEVES, Felipe. (30.11.15) Púlpito e Parlamento: Evangélicos na Política. Documentário [online]. Youtube. Available at: https://www.youtube.com/watch?v=xv4zV9ddPjQ. [Accessed on 25.02.23].
https://www.youtube.com/watch?v=xv4zV9dd...
). Além do livro Aparelho sexual e cia, os slides de Damares trazem também, entre outros materiais, imagens presentes nos slides da bancada evangélica que, segundo Santos (2012)SANTOS, Lígia Maria Kahl Schreiber Meillo Lopes dos. 2012. Diversidade Sexual nas Escolas: o caso do kit do Projeto Escola Sem Homofobia. Monografia, Curso de Psicologia, Centro Universitário de Brasília UniCEUB., podem ter sido as apresentadas à ex-presidente Dilma como materialidade do “kit gay” em 2011.

Todavia, o foco central da denúncia concentrou-se nas páginas 42 e 43 do livro, conforme demonstrado abaixo.

Figura 1
Páginas 42 e 43 do Livro Aparelho Sexual e Cia

Localizadas no Capítulo três e seção dois do livro, intitulado “Como É Que Se Transa?” (Zep e Bruller, 2007ZEP; BRULLER, Hélène. 2007. Aparelho Sexual e Cia: um guia inusitado para crianças descoladas. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras. 96 p.: 31-44), as referidas páginas apontam para o esclarecimento de como funcionaria uma relação sexual heterossexual. Como representantes da cena, há um homem e uma mulher em formato “cartoonesco”, ambos adultos (corpo formado - seios e pênis - e a presença de pelos pubianos e corporal), que dialogam sobre a vontade de ambos de fazer sexo e o que ocorre no corpo no momento anterior ao ato sexual (nervosismo, palpitação no coração, excitação - tirar a roupa) e durante (gemidos e prazer). Para isso, o livro indica uma instrução, que demonstra ludicamente, como uma penetração vaginal ocorre junto a um diálogo entre os personagens.

Tanto as figuras, como o diálogo e a intencionalidade dos autores apontam para uma discussão sobre afeto, excitação, consentimento e prazer através de uma linguagem descontraída. Todavia, Bolsonaro denuncia que o material desvirtua crianças e as ensina a praticar sexo. Para isso, expõe e reproduz o que para ele soa como mais absurdo no livro: o ensinamento de como funcionaria o ato sexual (especificamente a penetração) para crianças. E, então, esbraveja: “(...) esse é o livro do PT. O livro de Lula, o livro de Dilma Rousseff que ensina [sexo] pros (sic) nossos filhos aqui”, ligando, mais uma vez, o partido e, portanto, os seus candidatos a não somente à distribuição do livro para as escolas brasileiras como à aceitação do seu conteúdo, tido por seus opositores, como “material pornográfico para crianças”.

Acusar os seus opositores políticos é uma estratégia que se repete ao longo dos anos em que a pauta é a preservação da “família tradicional” contra a suposta “sexualização” de crianças e adolescentes, sendo essa e outras pautas como a preservação da “família tradicional” sempre foram mote de campanha de Jair Bolsonaro enquanto deputado federal (cargo em que se manteve por 7 mandatos - 28 anos, desde 1991). Entretanto, Bolsonaro começou a enfatizar a sua preocupação com a sexualidade de crianças e adolescentes a partir de 2010, quando começou se intensificar a reação conservadora contra os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil ao longo da primeira década dos anos 2000.

Assim, a houve a distorção e a manipulação de informações e dados que fizeram com que o pânico moral do “kit gay” ganhasse ainda mais força devido a apresentação de “evidências” que constituem a sua materialidade. E, como tática sempre eficaz, o pânico moral sobre a infância, principalmente uma infância corrompida tem forte impacto social e, consequentemente, uma adesão muito potente por parte da população.

Posteriormente, no ano de eleição presidencial no Brasil (em 2018), Bolsonaro torna a utilizar o mesmo livro e as mesmas páginas de 2016 para a promoção da ideia de que, de fato, há um “kit gay” nas escolas, curiosamente, a partir de um material que não apenas não fazia parte do projeto ESH, como também ilustra um intercurso heterossexual. Em sua entrevista para Jornal Nacional da Rede Globo (GloboPlay, 2018GLOBOPLAY. (28.08.2018). Jair Bolsonaro (PSL) é entrevistado no Jornal Nacional [online]. Jornal Nacional. 32 min. Available at: https://globoplay.globo.com/v/6980200/. [Accessed on 25.02.23].
https://globoplay.globo.com/v/6980200/...
), visivelmente defensivo e irritado, ele aciona o material após a entrevistadora Renata Vasconcellos reproduzir algumas falas de cunho homofóbico do candidato. Ele defendeu-se afirmando que sua fama de homofóbico teria surgido por ele ter denunciado o “kit gay” e tentou mostrar o livro Aparelho Sexual e Cia com o mesmo discurso inflamado de proteção à infância e à família, à moral e aos costumes conservadores para que as crianças não sejam expostas a conteúdo sexual nas escolas.

Figura 2
Bolsonaro segurando as páginas 42 e 43 do livro “Aparelho Sexual e Cia” no Jornal Nacional, em 2018

Logo após a tentativa de mostrar o livro, Bolsonaro foi interrompido pelos apresentadores por se tratar de um material inadequado para ser exposto em rede nacional e sob o argumento de que nenhum candidato foi autorizado a mostrar documentos ou elementos gráficos anteriormente. A fala sobre a inadequação do material foi o reforço que Bolsonaro e seus apoiadores precisaram para começar os ataques nas redes sociais. Após o encerramento da entrevista, no dia 28 de agosto de 2018 às 21:15h, Bolsonaro tweetou em sua conta oficial:

Figura 3
Bolsonaro mostrando no seu perfil do Twitter as páginas 42 e 43 do Livro Aparelho Sexual e Cia

No que se identifica ser os bastidores da Rede Globo, Bolsonaro, ainda trajando as roupas formais da entrevista e com uma expressão aparentemente “séria e zangada”, aponta com o dedo indicador para uma das duas páginas do livro “Aparelho Sexual e Cia”. O tom da publicação foi ditado pela indignação de o livro ser um material que estaria disponível nas escolas e que ensinaria práticas sexuais para as crianças em idade escolar e a interferência da emissora Globo ao impedir o candidato de mostrar o livro.

O tweet de Bolsonaro rendeu mais de 34 mil curtidas e 10 mil retweets Supõe-se que o número de engajamento seja muito superior devido a replicação do tweet em outras redes sociais, principalmente o WhatsApp. O número de interações neste tweet de Bolsonaro era consideravelmente maior antes de outros usuários fazerem denúncias massivas de contas responsáveis por espalhar fake news. Assim, com o bloqueio e exclusão das referidas contas, o número de interações diminuiu.

A partir deste momento, o candidato reacendeu a polêmica em torno não somente do que supostamente fazia parte do material “kit gay”, mas também, de uma construção de “provas” da sua existência, substanciando, assim, a sua materialidade. Com o ressurgimento do suposto “kit gay” em rede nacional, o assunto entrou em pauta novamente, conforme mostra o gráfico do Google Trends sobre o tema comentado no Brasil.

Gráfico 1
Trends sobre o assunto “kit gay”: linha do tempo no período do 1Î turno das eleições presidenciais de 2018

Na sequência, houve uma série de comentários sobre a entrevista e acerca do livro mostrado por Bolsonaro. Nos comentários foram sendo compartilhados outros materiais atribuídos ao “kit gay”. A maior parte dos comentários partem para o ataque à emissora Globo e ao Jornal Nacional por não permitir que o material fosse exibido e outros afirmam que esse ato foi uma forma de boicote à denúncia de Bolsonaro, dando legitimidade ao conteúdo publicado pelo candidato.

Os perfis que fazem tais constatações, são, em sua maior parte, de núcleo “bolsonarista” ou “jairista”, em que estes termos de denominação surgiram no próprio contexto das redes sociais e são utilizadas por opositores e críticos, para se referir às pessoas que seguem e defendem a cartilha ideológica de Bolsonaro.

Os “bolsonaristas” virtuais são conhecidos por sua explícita caricatura. Comumente, os seus nomes, icons (fotos de perfil e da capa do perfil) e users - que no Twitter é uma característica de identificação exclusiva para cada usuário e que comumente são criativos e humorados - fazem alusão ou são marcadores da sua posição político-ideológica. Há ainda hashtags, menções e retweets em apoio ao ex-presidente Bolsonaro nos seus discursos e atos políticos, a disseminação de informações que podem ser consideradas controversas e/ou falsas por outros grupos políticos e a crítica a figuras e movimentos de esquerda ou progressistas. Além disso, percebemos que esses perfis são bastante ativos e agressivos nas interações com outros usuários do Twitter que discordam das suas opiniões.

Assim, selecionamos dois tipos de perfis bolsonaristas no Twitter, com os arrobas(@)/users e os icons que acreditamos ilustrar tais características. Os perfis mais “pessoais” costumam se apresentar da seguinte forma

Eliana S. C.

@elipelobrasil

A luta pela cidadania de um Brasil livre, digno e justo!

Administradora, Gestão de Empresas

Anti comunista. Anti feminista. Esquerdopatas fora. Proibido DM [Direct Messenger - mensagem direta, em tradução livre]!

#PorUmBrasilLivre

E os usuários “anônimos”, assim

Deus, Pátria, Família e Lealdade

@bolsonaroecomafamilia

Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.

Conservador, armamentista, anti pt

#DireitaSegueDireita #BrasilComBolsonaro

Tratando-se de um padrão estético, as fotos dos perfis geralmente são de pessoas com a camisa com algum elemento que tem a representação do que é considerado patriota (bandeiras do Brasil, camisa da seleção brasileira, roupas verde e amarela); com óculos de sol; dentro de veículos; com frases de efeito do nicho bolsonarista como apoio às forças armadas, ao “conservadorismo” e anti-esquerda/PT. Assim, os principais comentários que se referiam ao livro como “kit gay” colocaram o candidato Bolsonaro como “presidente” e acusaram a Globo e o Jornal Nacional de mancomunar com a “esquerda” e de ser a favor da distribuição de “material pornográfico” nas escolas para crianças pequenas, partiu desse nicho bolsonarista.

elina bolsonaro

@ElinaFDTorre · 28 de ago de 2018

Em resposta a @jairbolsonaro

Meu Deus!!! A Globo não quis mostrar na TV mas defende que pode mostrar para nossos filhos na escola... #atequando?

Valdir Gros @698Gros · 28 de ago de 2018

Em resposta a @jairbolsonaro

O objetivo desses crápulas é sexualizar a tenra infância pra zumbizar nossa juventude!!! Parabéns presidente Bolsonaro!!!! Brasil Grande!

As postagens que envolveram imagens expuseram o livro (quase sempre na mesma página que Bolsonaro mostrou) como sendo parte de uma “cartilha” ou “kit” - que, no caso, acusa-se de ser o “kit gay” - e outros materiais didáticos como o “Sexo não é bicho-papão”, do autor Marcos Ribeiro (2009), associado a uma página ilustrada do livro que aborda o ato sexual no interior da família heterossexual (papai e mamãe).

Figura 4
Respostas com imagens ao tweet de Bolsonaro que denuncia o livro “Aparelho Sexual e Cia”

A partir da exploração das respostas ao tweet, percebermos como os comentários “nossas (ou suas) crianças”, “nossos filhos”, “nossa juventude”, evoca, por meio dessa aproximação/proximidade com a criança em perigo, a necessidade de “se fazer algo a respeito”- em tom de clamor muito comum das religiões neopentecostais - sendo este “fazer”, votar no candidato que não só promete defender os “nossos” do acesso a todo e qualquer material sob a ameaça de ser “sexualizador”, como pretende acabar com o que - e principalmente quem - seria o responsável por distribuí-los. Assim, Bolsonaro era desenhado como “empreendedor moral” (Becker, 2008BECKER, Howard Saul. 2008. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de Borges. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 232 p.), ou seja, o “salvador” e o único capaz de impedir a “sexualização infantil”, de acordo com os acusadores.

Também, destacamos os discursos morais e religiosos frequentemente acionados por alguns usuários para justificar as suas objeções. Para eles, a aceitação desses materiais (que versam sobre gênero e sexualidade) pelo governo é vista como uma ameaça aos valores morais conservadores, especialmente os cristãos evangélicos.

Kleber costa soares

@soarescostak48 · 30 de ago de 2018

Em resposta a @jairbolsonaro

Se as pessoas não irem de #bolsonaro2018 satanas vai dominar a nossa sociedade. Reage igreja! Acorda crente! #bolsonaropresidente #pastorkleber

Há uma parcela de usuários apoiadores do candidato Bolsonaro que se apresenta de forma explícita como religiosa e usa termos que revelam sua posição, clamando pela intervenção das “pessoas de bem” ou líderes religiosos para influenciar o processo de votação em favor do candidato que se apresenta como conservador nos costumes.

De acordo com Almeida (2019ALMEIDA, Ronaldo de. 2019. “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira.” Novos Estudos Cebrap, São Paulo. Abril de 2019. Vol. 38, nº 1, p. 185-213.: 208), o conservadorismo dos costumes, especialmente o propagado pelo evangelismo, não se restringe mais às suas congregações e fiéis, mas busca espaço em toda a sociedade, inclusive na esfera jurídica, onde tenta impor seus valores morais como normas de moralidade pública. Os “conservadores” acreditam que somente um candidato com essa postura, como Bolsonaro, seria capaz de impedir a propagação do “mal” que ameaça à família e à infância representado pelos materiais associados ao “kit gay”.

Dessa forma, foi-se consolidando as figuras do “empreendedor moral” Jair Bolsonaro versus o “bode expiatório” Fernando Haddad. E, esse “Nós” versus “Eles” (Goode e Benyehuda, 2009GOODE, Erich.; BEN-YEHUDA, Nachman. 2009. Moral panics: The social construction of deviance. 2ª ed. Wiley-Blackwell. 312 p.) se estendeu por toda a campanha presidencial. Conforme a observação de Leite (2019b)LEITE, Vanessa Jorge. 2019b. “‘Em defesa das crianças e da família’: Refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Agosto de 2019. Nº 32, p. 119-142.,

Tais conteúdos eram associados ao Partido dos Trabalhadores e ao seu candidato a presidente, Fernando Haddad, e impulsionaram a campanha política de Jair Bolsonaro (PSL), que reiteradamente, ao longo da campanha eleitoral, se referiu ao “kit” nas suas próprias redes sociais (Leite, 2019bLEITE, Vanessa Jorge. 2019b. “‘Em defesa das crianças e da família’: Refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Agosto de 2019. Nº 32, p. 119-142.: 132).

Essa associação foi reiterada por diversas vezes, seja por tweets do que chamamos de “replicadores de conteúdo” - hoje mais conhecidos como “influencers”. Identificamos como “replicadores de conteúdo” aqueles que, de maneira estruturada ou não, produziram ou receberam algum material que é considerado como “kit gay” e o disseminaram por meio de contas pessoais, perfis de fãs, contas falsas ou robôs (bots) - seja por retweets, comentários e compartilhamentos diversos. Um dos principais replicadores de conteúdo foram os filhos de Bolsonaro, especialmente Eduardo Bolsonaro, que no dia 31 de agosto de 2018, três dias após a sabatina no Jornal Nacional, fez um tweet afirmando “Livro que Bolsonaro tentou mostrar no Jornal Nacional com carimbo de escola pública. Ué, mas não era mentira do Bolsonaro?”.

Figura 5
Tweet de Eduardo Bolsonaro denunciando o “kit gay”

No tweet de Eduardo, Jair Bolsonaro segura o livro “Aparelho Sexual e Cia” com a capa e contracapa aberta no dia da sabatina e abaixo, há a imagem do livro “Sexo não é bicho-papão” (Ribeiro, 2009) com um carimbo da Escola Municipal Major Bonifácio da Silveira, em Maceió, destacado com um círculo vermelho. Vale lembrar que carimbos, assim como assinaturas, brasões e outras inscrições, autenticam e recriam performativamente institucionalidades (Trotti, 2020TROTTI, Bárbara Araújo Silva de Oliveira. 2020. Pânicos Morais, Sexualidade e Infância: o “kit gay” no embate político contemporâneo brasileiro. 253 f. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), servindo, neste caso, para autenticar a fidedignidade da denúncia de que materiais de educação sexual supostamente inadequados para crianças foi distribuído em escolas públicas. A publicação também gerou repercussão e, logo depois, diversos comentários tomaram conta do tweet.

Figura 6
Usuária corrobora com a versão de Eduardo Bolsonaro

Figura 7
Tweet de um replicador de conteúdo

O tweet de resposta e do replicador de conteúdo dados acima nos foi caro na análise devido ao elemento gráfico que apresenta a página 42 e 43 do livro “Aparelho Sexual e Cia” e sobre a imagem de um dos vídeos do projeto de política pública ESH (“Probabilidades”). A estratégia empregada para dar fidedignidade à denúncia, neste caso, é reiterar notícias sobre o “kit gay” publicadas em outras mídias em momentos bem anteriores às eleições (2010 e 2013 - ano do projeto e ano em que as ofensivas antigênero começaram a ganhar força no Brasil).

O primeiro link do tweet refere-se a uma reportagem de título “Livro didático provoca polêmica entre os pais” de Soraya Sobreira, em 2013, para o Jornal de Brasília. A matéria reforça a escandalização e o descontentamento dos pais em relação ao conteúdo do livro Aparelho Sexual e Cia ao falar sobre um abaixo-assinado para que a publicação fosse retirada de circulação em escolas. Entretanto, é interessante notar que um trecho da reportagem também esclarece a proposta do livro.

Com o uso de muitos recursos gráficos, o material é de fácil leitura e se assemelha a um gibi, o que chama a atenção das crianças. Em forma de pergunta e resposta, trata de temas como namoro, paixão, puberdade, relações sexuais e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. O conteúdo, segundo a editora, é recomendado para crianças a partir dos dez anos. De acordo com o texto da autora francesa Héléne Bruller, por volta dos dez anos as crianças começam a pensar neste assunto. Entretanto, ela faz uma ressalva, afirmando que nesta faixa etária o corpo não está pronto. E completa dizendo que há pessoas que transam pela primeira vez bem cedo, outras mais tarde. E faz um resumo: “Não há idade certa” (Sobreira, 2013SOBREIRA, Soraya. (04.02.13). Livro didático provoca polêmica entre os pais [online]. Jornal de Brasília. 04 fev 2013. Available at: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/livro-didatico-provoca-polemica-entre-os-pais/. [Accessed on 25.02.23].
https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/...
).

O segundo link é para a reportagem da TV Record referida na postagem, que denuncia que o “kit” teria sido distribuído nas escolas públicas do Distrito Federal. Já o replicador de conteúdo direciona para o blog de um jornalista considerado “conservador” que fala sobre a denúncia da pastora Damares Alves, sobre o “kit gay” existir, embora esclareça também que o material não foi distribuído nas escolas graças a atuação de alguns parlamentares que pressionaram o MEC.

É importante destacar que, na construção da materialidade da denúncia, a seleção imagética sempre apela para imagens sexuais explícitas, buscando gerar comoção e chamar a atenção do público. Essa estratégia ao que Williams (2004) chama de “on/scenity”, isto é, trazer o que é considerado obsceno para a cena pública a fim de denunciar aquilo que deveria ser mantido fora de cena. Essa estratégia foi também utilizada na CPI da Pedofilia comandada por Magno Malta, na qual imagens pornográficas envolvendo crianças e adolescentes eram constantemente mostradas aos parlamentares (Lowenkron, 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.: 414). O objetivo é causar comoção através das emoções coletivas pela exposição ao choque que as imagens proporcionam (Irvine, 2009IRVINE, Janice. 2009. “Transient Feelings: Sex Panics and the Politics of Emotions”. In: HERDT, G. (ed.). Moral Panics, Sex Panics: Fear and the Fight over Sexual Rights. 1st ed. New York: NYU Press. 304 p.; Lowenkron, 2018LOWENKRON, Laura. 2018. “As várias faces do cuidado na cruzada antipedofilia”. Anuário Antropológico. Janeiro de 2018. Vol. 41, nº 1, p. 81-98.).

Apesar de a repercussão do tweet de Eduardo Bolsonaro ter sido significativamente inferior ao de seu pai, a estratégia de alavancar as visualizações funcionou. O foco adotado por ambos elevou a força em sua argumentação de que o livro não deveria ser distribuído nas escolas, uma vez que é impróprio, reforçando para os pais a necessidade de ficarem atentos ao conteúdo que é passado aos seus filhos em sala de aula. Em sequência, diversas respostas, retweets e mais publicações - incluindo e principalmente dos replicadores de conteúdo - corroboraram com Eduardo e seu pai e os discursos mais inflamados se tornam cada vez mais evidentes e explícitos.

Em uma linguagem bélica e em tom de revolta, os usuários passaram a atacar não somente o material e a sua suposta divulgação, mas, tudo aquilo que “o representa”. Então, personalidades, entidades e pessoas “da esquerda” (abertamente ou apenas consideradas por esses grupos), entidades, movimentos e ativistas, além da sociedade civil que parecia ser ou fosse de um campo mais “progressista”, começaram a ser atacados.

Com isso, uma das nossas principais observações sobre os ataques foi o escalonamento dos discursos violentos, as imagens manipuladas, deturpadas e produzidas para associar partidos, candidatos, personalidades e pessoas ao “kit gay”, a favor da sexualização infantil e em última instância, há a principal acusação: de serem ou favoráveis à pedofilia, entendida como “contaminação perversa” das crianças nas escolas pelas imagens associadas ao “kit gay” (Trotti, 2020TROTTI, Bárbara Araújo Silva de Oliveira. 2020. Pânicos Morais, Sexualidade e Infância: o “kit gay” no embate político contemporâneo brasileiro. 253 f. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), ou eles mesmos pedófilos. Esse elemento pode ser categorizado como “assassinato de reputações” em que, ao invés de atacar as ideias, projetos e campanha do candidato adversário, no caso Fernando Haddad (PT), concentraram seus ataques diretamente em sua pessoa ao expor o ex-ministro da educação como pedófilo.

Compreendemos tais ataques como “assassinato de reputação” através acusação de “pedofilia” a partir de circulação de notícias falsas nas redes sociais durante as eleições de 2018. Esse “assassinato de reputação” se deu a partir de três acusações principais: 1) o de Haddad ser “pai do kit-gay” enquanto ex-ministro do MEC, 2) posteriormente ter sido acusado de distribuir, enquanto prefeito de São Paulo, “mamadeira de piroca” em creches públicas e 3) na reta final da campanha eleitoral faltando dois dias para a votação quando foi falsamente acusado nas redes sociais de estuprar uma menina de 11 anos.

Dessa maneira, diversos usuários o acusaram de ser o principal responsável pela concepção, elaboração, promoção e distribuição desses materiais supostamente erotizador de crianças nas escolas.

Figura 8
O candidato Haddad é atacado e associado à pedofilia ou como pedófilo

Os oponentes políticos atribuíram o “kit gay” ao comunismo, que, segundo eles, é representado pelo PT, acusando assim toda a esquerda de compartilhar das mesmas ideias. Essa generalização da esquerda tornou tanto “petista” quanto “esquerdista” termos de insulto para aqueles que defendem políticas públicas, como o projeto ESH, que foi rotulado como “kit gay”. O objetivo dessas acusações é culpar não apenas o governo, mas também o candidato, como representante de um governo “esquerdista” e, portanto, prejudicial. No entanto, o principal ataque é direcionado ao “medo de gênero” ou “medo da ideologia de gênero”, uma ideia de que LGBTs (pessoas ou políticas públicas) estão “invadindo” um espaço antes reservado à família, à igreja e ao ensino de conteúdo didático, como a escola.

A estratégia bolsonarista de construir uma narrativa que reverte as investidas dos adversários teve sucesso ao fazer com que algumas pessoas acusassem os defensores do “kit gay” de imoralidade e perversão. Isso transformou a figura pública de Haddad em um alvo de ataques pessoais, mudando a forma como a política é vista pelos cidadãos comuns. A disseminação do “kit gay” como artefato político continua a gerar pânico moral e acusações contra os adversários, enquanto a campanha de Bolsonaro o apresenta como o único capaz de proteger as crianças da suposta ameaça do “kit gay”.

Figura 9
Tweets sobre as figuras do “empreendedor moral” e do “pedófilo”

A campanha política digital dos “conservadores” em 2018 usou a agenda “antipedofilia” e a “cruzada antigênero” como uma estratégia para legitimar um pânico moral que cria figuras antagônicas necessárias para enfrentar esses males a serem combatidos. Um candidato foi construído como moralmente inabalável, enquanto o outro foi apresentado como a personificação de tudo que estava errado no país.

Considerações Finais

O apelo emocional da proteção das crianças contra perigos sexuais é uma das estratégias mais rentáveis de sensibilização e mobilização de seguidores utilizada por atores e grupos conservadores na arena política brasileira contemporânea (Lowenkron, 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.; Leite, 2019bLEITE, Vanessa Jorge. 2019b. “‘Em defesa das crianças e da família’: Refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Agosto de 2019. Nº 32, p. 119-142.). Ao investigar a fabricação da materialidade do “kit gay” no Twitter ao longo das eleições presidenciais de 2018, nosso objetivo foi identificar e rastrear quais “artefatos gráficos” (Hull, 2012HULL, Matthew. 2012. Government of paper: the materiality of bureaucracy in urban Pakistan. 1st ed. California: University of California Press, Berkeley. 320 p.) foram utilizados para construir um clima de pânico moral/sexual que afetou diretamente o resultado eleitoral ao situar Jair Bolsonaro como o “empreendedor moral” e Fernando Haddad como “bode expiatório” - que chegou a ser rotulado como “pedófilo”. Buscamos também identificar quais perfis ou personalidades foram responsáveis pelo alastramento da materialidade da denúncia acerca de materiais pedagógicos que, na acusação, seriam responsáveis pela degradação moral e sexual das crianças e das famílias das escolas públicas do país.

Os resultados da pesquisa revelam que o “kit gay” não é “um material”, mas um conjunto de materiais e discursos que vão construindo a sua materialidade. Na primeira fase de elaboração do “kit gay” como artefato político, em 2011, vimos que foram utilizados trechos de vídeos do projeto ESH mesclados com materiais adulterados e descontextualizados de outras políticas públicas. Naquele momento, foi dado destaque à homossexualidade e à transgeneridade enquanto elementos poluidores e desvirtuadores de crianças e jovens no contexto escolar.

Já no contexto da campanha presidencial de 2018, os materiais denunciados como “kit gay” no Twitter foram principalmente livros infanto-juvenis de educação sexual que nunca fizeram parte do projeto ESH (embora integrassem o acervo de algumas bibliotecas públicas do país), mas que se tornaram atrativos para os denunciantes por conter ilustrações sexualmente explícitas, mesmo que heterossexuais. Nesse sentido, é curioso notar que materiais com cenas heterossexuais foram reiteradamente atribuídos ao “kit gay”, neste contexto, de modo que o seu principal denunciante, agora candidato à presidente, parecia buscar se desvincular da fama de “homofóbico”, privilegiando ilustrações consideradas por ele “pornográficas” e, portanto, inapropriadas para o público infanto-juvenil.

Ao abordar as políticas das emoções dos pânicos morais/sexuais, Janice Irvine (2009)IRVINE, Janice. 2009. “Transient Feelings: Sex Panics and the Politics of Emotions”. In: HERDT, G. (ed.). Moral Panics, Sex Panics: Fear and the Fight over Sexual Rights. 1st ed. New York: NYU Press. 304 p. nota que, “como estratégia política, a demonização sexual emprega imagens sensoriais desagradáveis naquilo que William Miller chama de idioma da aversão, uma ferramenta poderosa nas políticas morais” (: 255). Assim, a análise evidenciou a efetividade no uso de imagens, ilustrações e montagens altamente visuais - não apenas textos - sexualizadas pelos acusadores. O objetivo foi mobilizar “aversão”, “horror”, “ódio”, entre outras emoções e afetos hostis (Díaz-Benítez et al, 2021DÍAZ-BENÍTEZ, María Elvira; GADELHA, Kaciano; RANGEL, Everton. 2021. “Nojo, humilhação e desprezo: uma antropologia das emoções hostis e da hierarquia social.” Anuário Antropológico. Setembro-dezembro de 2021. Vol. 46, nº 3. p. 10-29.) associados aos pânicos morais, que são efetivos na mobilização de seguidores políticos. A partir disso, verificamos as continuidades das estratégias utilizadas por políticos conversadores em outros contextos na história recente do país, como na CPI da Pedofilia analisada por Lowenkron (2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p., 2018LOWENKRON, Laura. 2018. “As várias faces do cuidado na cruzada antipedofilia”. Anuário Antropológico. Janeiro de 2018. Vol. 41, nº 1, p. 81-98.).

A homossexualidade - compreendida como sexualidade desviante, nociva, contaminadora, perversa e, portanto, perigosa - era o foco central do ataque no pânico moral que começa a ser disseminado em 2011. A partir dessa concepção, começa-se a fazer associações entre homossexualidade, delinquência, perversão (Rubin, 2017RUBIN, Gayle. 2017. Políticas do Sexo. Trad. Jamille Pinheiro Dias. 1a ed. São Paulo: Ubu Editora. 144 p.) e pedofilia. Essa contaminação perversa por meio da “homossexualização” infantil levaria aos “perigos da pedofilia”.

Dessa forma, tais reivindicadores dos direitos das crianças, pautados sob a infância (a)sexuada (Anastasía González, 2019ANASTASÍA GONZÁLEZ, Pilar. 2019. “Erotización infantil y gramáticas afectivas: discursos sobre la infancia en la era 2.0 en Argentina.” Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro. Abril de 2019. Nº 31, p.101-118.), “desfilam para conservar o direito de discriminar, castigar e corrigir qualquer forma de dissidência ou desvio, mas também para lembrar aos pais dos filhos não-heterossexuais que o seu dever é ter vergonha deles, rejeitá-los e corrigi-los” (Preciado, 2013PRECIADO, B. 2013. “Quem defende a criança queer?”. Resposta à marcha de oposição ao casamento homossexual que ocorreu no dia 13 de janeiro de 2013. Trad. MARCONDES NOGUEIRA, F. F. Jangada crítica. Março de 2018. Vol. 1, nº 1, p. 96-99.). Em 2018, observando a circulação de materiais no Twitter, observa-se uma inversão da centralidade da homossexualidade para a pedofilia nas acusações contra o “kit gay”. Ao mesmo tempo, a análise das postagens evidencia também que os empreendedores morais, constantemente, coligaram as agendas “anti gênero” e a cruzada “anti-pedofilia”, traçando uma ponte entre as duas pautas (Leite, 2019bLEITE, Vanessa Jorge. 2019b. “‘Em defesa das crianças e da família’: Refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad. Agosto de 2019. Nº 32, p. 119-142.).

Vale destacar que a categoria pedofilia não é utilizada, neste contexto, no seu sentido médico-psiquiátrico original, isto é, como uma parafilia caracterizada pelo interesse sexual intenso por crianças pré-púberes (DSM-V, APA, 2014APA. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 2014. Manual diagnóstico e estatístico de transtorno 5ª edição (DSM-5). Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento et. al. Porto Alegre: Artmed. 948 p.). Tampouco se refere, como o senso comum frequentemente mobiliza o termo, a violências sexuais cometidas por adultos contra crianças. A nosso ver, a pedofilia adquire neste pânico moral um outro sentido: o de uma contaminação perversa (Trotti, 2020TROTTI, Bárbara Araújo Silva de Oliveira. 2020. Pânicos Morais, Sexualidade e Infância: o “kit gay” no embate político contemporâneo brasileiro. 253 f. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), uma vez que a própria ideia de uma sexualização das crianças, presumida pelos empreendedores morais, é poluidora do ideal de infância (pura e inocente) a ser defendido, infância esta concebida como assexuada (Anastasía González, 2019ANASTASÍA GONZÁLEZ, Pilar. 2019. “Erotización infantil y gramáticas afectivas: discursos sobre la infancia en la era 2.0 en Argentina.” Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro. Abril de 2019. Nº 31, p.101-118.).

Essa abordagem ocorre em meio a um jogo de poder no qual inflama-se a opinião pública que apela para as emoções coletivas (Irvine, 2009IRVINE, Janice. 2009. “Transient Feelings: Sex Panics and the Politics of Emotions”. In: HERDT, G. (ed.). Moral Panics, Sex Panics: Fear and the Fight over Sexual Rights. 1st ed. New York: NYU Press. 304 p.; Lowenkron, 2015LOWENKRON, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. 1a ed. Rio de Janeiro: EdUERJ. 456 p.) e suscitam a ideia de “Nós versus Eles” (Goode e Benyehuda, 2009GOODE, Erich.; BEN-YEHUDA, Nachman. 2009. Moral panics: The social construction of deviance. 2ª ed. Wiley-Blackwell. 312 p.). Vimos ainda que as pautas sobre a proteção à infância e à criança, constantemente se entrecruzam com outras pautas morais como as da agenda “antiaborto”, a cruzada “antipedofilia” e as ofensivas “antigênero”, sempre em nome da defesa “da pátria, das crianças e da família” (cristã e cis-hetero-patriarcal). Entretanto, o que esse pânico moral silencia são as infâncias e as famílias diversas que existem e foram sendo excluídas deste projeto politicamente conservador de nação, que levou Bolsonaro à presidência em 2018 e permanece polarizando o país, mesmo após a sua derrota e eleição do presidente Lula em 2022.

  • 1
    Acreditamos ser importante mencionar a mudança de nome do Twitter para “X” em 24 de julho de 2023, meses após a compra da rede pelo bilionário Elon Musk. No entanto, como a pesquisa foi realizada entre os anos de 2018 a 2020, optamos por manter o seu nome e as suas diversas nomenclaturas como “tweet, retweet, twitteiro”.
  • 2
    Sobre a origem da expressão “ideologia de gênero” e os impactos das cruzadas nacionais e internacionais antigênero, ver Miskolci e Campana (2017)MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. 2017. “‘Ideologia de gênero’: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo”. Revista Sociedade e Estado, Brasília. Vol. 32, nº 3, p. 725-748.; Junqueira (2018)JUNQUEIRA, Rogério Diniz. “‘A invenção da ‘ideologia de gênero’: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero”. Revista Psicologia Política. Dezembro de 2018. Vol.18, nº 43, p. 449-502.; Corrêa (2018) e Prado e Correa (2018)PRADO, Marco Aurélio Maximo; CORREA, Sonia. 2018. “Retratos transnacionais e nacionais das cruzadas antigênero”. Revista Psicologia Política. Dezembro de 2018. Vol. 18, nº 43, p. 444-448..
  • 3
    Para uma análise dos materiais utilizados na primeira fase da denúncia contra o ESH, em 2010, ver a dissertação de mestrado de Trotti (2020)TROTTI, Bárbara Araújo Silva de Oliveira. 2020. Pânicos Morais, Sexualidade e Infância: o “kit gay” no embate político contemporâneo brasileiro. 253 f. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro..
  • 4
    Segundo Leite (2014)LEITE, Vanessa Jorge. 2014. “Impróprio para menores”? Adolescentes e diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas brasileiras contemporâneas. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., o planejamento e a elaboração do projeto contaram com a colaboração da rede internacional Global Alliance for LGBT Education (GALE), bem como de várias organizações não-governamentais, incluindo a Associação Pathfinder do Brasil, a Comunicação em Sexualidade (ECOS), a Reprolatina (Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
  • 5
    O fenômeno do engajamento, se tratando das redes sociais, se refere ao alcance de uma publicação através de curtidas, compartilhamento e comentários que impactam o comportamento das pessoas que acessam o conteúdo publicado (Alhabash et al., 2015ALHABASH, Saleem; MCALISTER, Anna; LOU, Chen; HAGERSTROM, Amy. 2015. “From clicks to behaviors: The mediating effect of intentions to like, share, and comment on the relationship between message evaluations and offline behavioral intentions”. Journal of Interactive Advertising. Vol. 15, nº 2, p. 82-96.; Calder et al., 2016CALDER, Bobby; MALTHOUSE, Edward; MASLOWSKA, Ewa. 2016. “Brand marketing, big data and social innovation as future research directions for engagement.” Journal of Marketing Management. Vol. 32, nº 5/6, p. 579-585.) também offline, ou seja, na vida cotidiana fora das redes.
  • 6
    A publicação teve 158 mil curtidas, 28 mil comentários, 283 mil compartilhamentos e 8,7 milhões de visualizações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2023
  • Aceito
    28 Set 2023
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