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Contrapontos e Interseções entre Suicídio e Autossacrifício

Counterpoints and Intersections between Suicide and Self-Sacrifice

RESUMO

Neste artigo, procuro, primeiramente, examinar diversas distinções do senso comum entre suicídio e autossacrifício, adotando aquela em torno da pretendida destinação do ato (para o próprio agente ou para outrem, respectivamente). Num segundo passo, procuro defender esse critério de distinção contra algumas objeções centrais. Conquanto defenda esse critério de distinção contra tais objeções, por fim, pretendo estabelecer questionamentos quanto a interseções entre suicídio e autossacrifício, ocasionadas por situações-limite. Para problematizar essas sobreposições, faço uma breve análise, sobretudo, de Antígona, de Sófocles.

Palavras-chave:
Suicídio; autossacrifício; duplo efeito; Antígona

ABSTRACT

In this article, I seek, at first, to examine several common-sense distinctions between suicide and self-sacrifice, adopting that around the intended destination of the act (for the agent himself or for others, respectively). In the second step, I try to defend this criterion of distinction against some central objections. Though defending this criterion of distinction against such objections, I intend, finally, to establish questions on the intersections between suicide and self-sacrifice, caused by extreme situations. In order to discuss these overlaps, I make a brief analysis, above all, of Sophocles’ Antigone.

Keywords:
Suicide; self-sacrifice; double effect; Antigone

Introdução

Ao fim de um artigo recente, apresento a seguinte distinção entre dois tipos de morte voluntária:

Por ‘autossacrifício’, intenciono significar a escolha da morte ou, pelo menos, a sua aceitação por parte de um agente sendo tal escolha eventualmente necessária à consecução de um fim em favor de outras pessoas.

[…] o suicídio consiste na escolha consciente de um ato ou da omissão de agir, escolha que é, do ponto de vista do agente, causa suficiente, mesmo que não imediata, da morte de seu organismo, ou seja, da abreviação de sua vida, sendo tal escolha motivada pelo desejo de se livrar de um mal ou de buscar um bem maior para si mesmo (Vaz, 2019VAZ, L. 2019. No que é preciso crer para ser um suicidário? Ethic@, 18(1): 21-44., p. 39).

Admitindo a fragilidade e variedade de qualquer demarcação conceitual, porém na esperança de um ganho hermenêutico e heurístico, essa distinção me parece razoável. No entanto, faltou o contraste com outras distinções e um exame sobre a possibilidade de interseção ou sobreposição entre os dois conceitos. Minha proposta neste artigo é examinar a fundo essas outras relações conceituais entre suicídio e autossacrifício, apresentando suas diferenças e, em seguida, levar à frente a distinção proposta, levantando possíveis interseções. Retenho-me aqui a um enfoque, sobretudo, propositivo e deixarei para outras ocasiões a investigação historiográfica sobre os processos filosóficos de construção desses conceitos.

Apresentação das distinções

Cumpre, primeiro, enfatizar que o critério defendido ecoa convicções do senso comum. Sensos comuns - devido à variedade histórica, enfaticamente coloco no plural - são uma das principais fontes da reflexão filosófica, sem serem, contudo, sua instância última de julgamento. De diferentes formulações da compreensão popular sobre a morte voluntária depreendem-se critérios variáveis para marcar a distinção entre suicídio e autossacrifício. Essas formulações e esses critérios podem não ser coerentes com outras convicções e achados do próprio senso comum ou podem ser confusos, desnecessários ou insatisfatórios para lidar com os casos mais difíceis (e às vezes também com os mais óbvios).

Dentre as outras reconstruções filosóficas partindo de convicções correntes diferentes, há um primeiro grupo de tentativas de distinção calcadas na qualificação valorativa de que o suicídio seria sempre imoral ou rejeitável; ao passo que o autossacrifício, não. Há um grande segundo grupo que busca marcas descritivas, mas que pode acabar reafirmando essa separação de cunho notadamente moral.

Como exemplo do primeiro grupo, vejo a proposta de Van Vyve. Em que pese esse filósofo belga reconhecer a possibilidade de um uso teórico ou científico da palavra ‘suicídio’ indistintamente sinônima de ‘morte voluntária’ e sem juízos valorativos1 1 “Toutefois, lorsqu’on fait abstraction de la qualification morale que mérite l’acte de se donner la mort, il n’y a nul inconvénient à user du terme ‘suicide’ comme synonyme de ‘mort volontaire’” (Van Vyve, 1954, p. 617). , a distinção definitivamente defendida por ele ao longo de seu artigo estabelece que o suicídio seria o ato de se matar contra o dever de se manter vivo e o autossacrifício, a aceitação da morte quando há uma causa justificada para morrer (Van Vyve, 1954VAN VYVE, M. 1954. La Notion de Suicide. Revue Philosophique de Louvain, 52(1): 593-618., p. 613). Diferentemente de adjetivações ‘bom’, ‘justo’, ‘má’, não me parece que as palavras ‘suicídio’ e ‘autossacrifício’ designem, por si sós, predicados valorativos ou entidades, estados e atos substancialmente morais ou substancialmente imorais. A definição rigorosa desses termos deve cumprir o papel amoral de circunscrever descritivamente um grupo de atos previamente à qualificação moral. O prejulgamento moral da distinção de Van Vyve parece, portanto, ser danoso à própria colocação dos problemas éticos, prudenciais e políticos a uma e a outra das pontas envolvidas. Essa obsessão por incluir avaliações morais favoráveis ao autossacrifício já na definição causa confusões e vagueza desnecessárias.

Uma desvantagem, força é admitir, persegue também o termo ‘autossacrifício’: suas evidentes origens e conotações religiosas. Sem dúvida, parte da dificuldade de isentar as definições de julgamentos valorativos se deve a fossilização viva da história e da etimologia nas nossas palavras. Fairbairn (1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 30) e outros constatam essa dificuldade e relata que, em razão disso, alguns abdicam definitivamente de qualquer distinção. Em que pese tal desvantagem etimológica, ‘autossacrifício’ é preferível, em consideração às extensões metafóricas (por exemplo, em estratégias de guerras ou de jogos) que a palavra adquiriu com os anos, afastando-se de suas raízes religiosas e ritualísticas. Com isso, pretendo deixar claro que a etimologia não nos enreda à sobrecarga de associações de ideias. Minha proposta, neste artigo, é me reter à esfera das definições e da relação entre os conceitos, deixando em suspenso as avaliações sobre um e outro.

Mais especificamente no que concerne ao autossacrifício, levanta-se o questionamento: se alguém se sacrifica por um tirano que intenciona massacrar seus súditos dissidentes, seria isso, de acordo com a definição de Van Vyve, um suicídio ou um autossacrifício? Dizer que sim parece ferir nosso senso moral e dizer que não exigiria de Van Vyve criar diferenciações entre tipos de autossacrifício que o aproximariam do suicídio. Além disso, contraditoriamente essa definição moralizante de autossacrifício garantiria a validade moral das ações de soldados de um e de outro lado da frente de batalha, por exemplo, numa possível batalha entre os patrióticos defensores de Bolsonaro e Nicolás Maduro.

Gabriel Marcel, por seu turno, chega a dizer que o suicídio é uma “radiação de si” e o autossacrifício uma afirmação daquilo pelo que o sacrificado pretende morrer (apud Van Vyve, 1954VAN VYVE, M. 1954. La Notion de Suicide. Revue Philosophique de Louvain, 52(1): 593-618., p. 602, 615)2 2 De modo semelhante, Baechler (in Seidensticker, 2005, p. 120) classifica os sacrifícios e as “passagens” como oblativos. O oblativo parece corresponder à irradiação e ser uma oferenda. . Se o que Marcel quer dizer com ‘afirmação’ é a confirmação ou a preferência de um valor moralmente aprovável, cumpre retrucar que o suicida também pode afirmar um valor, como sucede quando age por arrependimento, vergonha ou autopunição.

O segundo grupo de distinções que eu gostaria de analisar reúne aquelas que estabelecem um traço descritivo como diferenciador, por vezes oferecendo um vínculo direto e biunívoco entre ele e uma qualificação moral. Por exemplo, Schopenhauer qualifica o autossacrifício como uma forma extrema de supressão do amor-próprio do agente em favor do bem a outrem. Ele opôs o autossacrifício aos suicídios comuns (excetuado o suicídio por inanição) respectivamente como negação pura e afirmação pura da vontade individual, isto é, desse amor-próprio. A reboque disso, Schopenhauer viu no autossacrifício uma alta realização moral da compaixão (WWV I, 4, §67). De maneira análoga ao que se passa com a distinção de Van Vyve, o problema de se proceder com distinções como as de Schopenhauer é não compreender que o autossacrifício pode atender motivações numa categoria intermediária entre egoísmo e altruísmo - o egoísmo coletivo - e serem moralmente reprováveis. Mais à frente, por simplificação terminológica, chamarei de motivações altruísticas as dirigidas (seja como meio seja como fim) a outrem, a despeito da sua validade moral e sem que isso envolva uma recomendação.

Ainda dentro do segundo grupo, nas diferentes tradições cristãs e em algumas outras religiões, as avaliações morais passaram a ser pensadas a reboque da distinção entre, respectivamente, um ato com a intenção central de morrer e ações sem essa intenção.

Numa versão contemporânea da distinção a partir do duplo efeito e suspendendo a avaliação moral3 3 “[…] I do think that whether acts that may have been aimed at self destruction are labelled ‘suicide’ will depend to some extent upon whether the person who is labelling holds the view that suicide is morally wrong” (Fairbairn, 1995, p. 31). , Fairbairn pensa que o autossacrifício residiria não no caráter essencial ou intencional da morte do agente, mas apenas na aceitação dela em prol de algo maior (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31)4 4 “I think it would always be mistaken to say of a person who sacrifices himself simply for the sake of others, that he was a suicide, because though he may go willingly to his death, death is not the end at which he aims” (Fairbairn, 1995, p. 31). . Dito de outro modo, seu fim seria um segundo efeito não intencionado de uma ação tendo por propósito um primeiro efeito (primeiro não necessariamente em ordem temporal, mas sim na hierarquia das intenções do agente). Assim, apenas no suicídio, a morte seria diretamente intencionada como indispensável para a realização do ato (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 32)5 5 Uma discussão dessa formulação conceitual em termos de duplo efeito está em: McMahan, 2002, p. 456. . Conquanto cubra uma vasta variedade de ocorrências, essa marca não é satisfatória, em vista de exemplos de autossacrifício nos quais não há apenas um risco de morte do agente, mas ela é propriamente aquilo que permite algo de bom ser alcançado (ou, pelo menos, destinado) para outrem. Dois exemplos podem ilustrar essa possibilidade: o de um conspirador que, uma vez pego por seus inimigos, decide-se pela morte para evitar a revelação dos segredos que guarda; e o caso de uma vítima de doença transmissível pelo ar que prefere o próprio fim a contaminar terceiros.

O primeiro é um exemplo real de Strozi de Florença e é fornecido por Hume (1826HUME, D. 1826. Of Suicide. In: The Philosophical Works of David Hume. Edinburgh, Adam Black, William Tait, Vol. IV, p. 556-568., p. 566), repetido por Buonafede (1783BUONAFEDE, A. 1783. Istoria critica e filosofica del suicidio. Napoli, Giuseppe Maria Porcelli. , p. 101) e com alterações pelo próprio Fairbairn (1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31) defendendo sua distinção. Todavia, parece-me que é precisamente um exemplo como esse que evidencia que o autossacrifício pode sim visar à morte e não apenas aceitá-la. Fairbairn ainda considera a possibilidade de que, se o conspirador quis evitar as dores da tortura, cometeu suicídio; mas se quis apenas evitar um mal a seus colegas, foi um autossacrifício (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31)6 6 “Such a death would be a suicide if the spy’s intention was simply to avoid pain. However, if he killed himself because he knew that he could not hold out under pressure and wished to avoid the possibility that he should blurt out information that would endanger others, it is at least questionable whether his death, though not only accepted but aimed at, should be thought a suicide” (Fairbairn, 1995, p. 31). . Com isso, Fairbairn acaba por fazer valer o critério da destinação do ato, mesmo que subsequentemente (no mesmo parágrafo) reafirme o critério da intenção central de morrer como marca do suicídio.

Fairbairn (1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 132) chega a considerar, para manter seu critério de distinção, que os monges budistas que se queimaram em protesto contra a guerra do Vietnam cometeram suicídio político ou ideológico e não um autossacrifício, o que parece deveras inapropriado7 7 Mais à frente, debaterei essa subcategoria do suicídio político ou ideológico. Ver também Battin (1994, p. 43), que defende que alguém pode escolher diretamente a morte por motivos altruístas. . Mais à frente (1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 129), Fairbairn diferencia os camicazes japoneses desses monges budistas pelo fato de que os primeiros entreveriam alguma possibilidade de escape, enquanto os segundos seriam apenas suicidas pelo fato de que sua morte seria parte indispensável de seu protesto. Creio que esse comentário desconhece o modo de operação dos camicazes, suas declarações e preparações ritualísticas para a morte antes do voo fatal e - mais importante - é incoerente com o reconhecimento por Fairbairn de que o caso da morte do conspirador é de um autossacrifício.

O segundo exemplo, não menos real, foi fornecido em diversas vezes na história e o ano de 2020 com sua pandemia por coronavírus tem preenchido cemitérios e revistas acadêmicas com casos e mais casos. Li Wenliang, um médico chinês, morreu pela doença que descobriu. Zizek (in Dias, 2020DIAS, M. P. et al. 2020. COVID-19 e as revoltas maiúscula e minúscula: Albert Camus, Giorgio Agamben e Slavoj Žižek lidos em paralaxe. Simbiótica, Edição Especial, 7(1):21-38., p. 34) o considera o herói dos tempos atuais8 8 Dentre os conhecidos, ainda se ressalte a atitude de Daniela Trezzi, enfermeira italiana que se matou, no intuito declarado de evitar a contaminação de outros. Andrade (2020, p. 6-7), especulando sobre os últimos pensamentos da enfermeira, diz: “Ela certamente, ao decidir se auto sacrificar [sic], decidiu um dilema: viver esperando se recuperar e assumir a responsabilidade de contaminar outras pessoas ou dar fim a sua vida e, assim, não ser possível contaminar ninguém.” Essa formulação não é certa, uma vez que pode ter havido motivações pessoais para que ela se matasse. O pavor de causar sofrimentos a outras pessoas pode também vir acoplado à perspectiva que ela mesma tinha de sofrer caso continuasse viva. Entretanto, não temos, até o momento, registros claros de motivações pessoais como essa no caso de Trezzi. .

Contra uma tentativa derivada, porém ligeiramente diferente da teoria do duplo efeito, também não podemos dizer - como intenta Schneider (in Douglas, 1967DOUGLAS, J. 1967. The Social Meanings of Suicide. Princeton, Princeton University Press. , p. 376) - que o suicida visa a sua morte como fim em si mesmo, uma vez que em grande parte dos casos ele quer com seu ato algo a mais do que morrer, por exemplo, vingar-se de alguém, como bem observa Douglas em refutação à definição de Schneider. Visar à própria morte dificilmente pode ser um fim em si mesmo, tanto para o suicida quanto para aquele que se sacrifica. Dificilmente a morte é buscada ou aceita por si mesma. Se não sempre, geralmente uma pessoa se mata apenas como meio para evitar algum mal ou buscar um bem.

O autossacrifício, em contrapartida, também não reside em uma mera busca pelo risco, pois este é gradual e pode ser mensurado por um cálculo de probabilidades, havendo certo grau de risco até mesmo em sair de casa no sábado à noite ou ler um artigo de filosofia (como bem sabem as companhias de seguros). O que importa no autossacrifício não é somente que a morte seja uma possibilidade mais provável, mas, sobretudo, que o agente reconheça essa possibilidade e a aceite em favor de uma finalidade (uma pessoa, instituição, crença, reivindicação etc.) considerada por ele digna de sua morte. Para o herói (ou para o temerário), a morte não é o mais alto valor positivo, mas também não é o mais baixo valor negativo. O herói está disposto a comprovar, conservar ou elevar o valor de algo oferecendo, se necessário, sua vida para isso. Ele se sujeita a riscos adicionais além dos corriqueiros.

Em contrapartida e complemento às observações acima, uma marca de distinção se faz insinuar. O suicídio envolve certeza ou um grau elevado de segurança da morte, enquanto o autossacrifício, não necessariamente.

A distinção antes proposta (Vaz, 2019VAZ, L. 2019. No que é preciso crer para ser um suicidário? Ethic@, 18(1): 21-44., p. 39) retoma algo do senso comum a respeito do uso dessas palavras e de seus traços - algo em parte captado, mas distorcido pela metafísica de Schopenhauer em termos dos pares: afirmação e negação, vontade da agente e da de outrem.

Conquanto, como disse, a distinção conceitual não possa estar na dependência das questões sobre legitimidade moral, é necessário que tal distinção forneça as bases de compreensão dos discursos sobre validade quanto à morte voluntária e, portanto, é possível que se façam presentes aspectos potencialmente relevantes do ponto de vista moral e prudencial, como me parece ser o caso de uma distinção privilegiando os endereçados do fim da ação. Tal distinção se centra sobre essa marca porque é a partir da pergunta sobre quem é digno de quais benefícios da ação que podemos questionar a racionalidade prática do suicídio e do autossacrifício. O critério de distinção centrado nos almejados beneficiários é importante em vista do fato de que as questões práticas a serem colocadas filosoficamente focam indivíduos ou coletividades como entidades agregadoras de benefícios ou malefícios, respeito ou desrespeito. Ainda que sob o risco de incorrer em um nominalismo exacerbado, parece-me que todo e qualquer pretendido beneficiário de uma ação é um ente. Os suicídios políticos ou ideológicos (assim cunhados por Fairbairn) se reduzem, em última análise, a autossacrifícios em favor de algum agrupamento social. De qualquer modo, definir esse ponto não é algo decisivo por ora.

Sem dúvida, o que nomeio autossacrifício cobre, em parte, o que Durkheim chamou ‘suicídio altruísta’, mas o sociólogo francês distingue-o de outras espécies de suicídio com base na origem ou direção (externa ou interna) dos valores do agente (Durkheim, 1997DURKHEIM, E. 1997. Le suicide: étude sociologique. Paris, PUF., p. 238)9 9 “Puisque nous avons appelé égoïsme l’état où se trouve le moi quand il vit de sa vie personnelle et n’obéit qu’à lui-même, le mot d’altruisme exprime assez bien l’état contraire, celui où le moi ne s’appartient pas, où il se confond avec autre chose que luimême, où le pôle de sa conduite est situé en dehors de lui, à savoir dans un des groupes dont il fait partie. C’est pourquoi nous appellerons suicide altruiste celui qui résulte d’un altruisme intense” (Durkheim, 1997, p. 238). . Essa forma de distinção se deve a vários traços da sociologia de Durkheim, quais sejam: tentativa de explicar o comportamento individual e coletivo por remissão aos fatos sociais, que teriam efeito causal; importância da oposição entre indivíduo e fatos sociais nas sociedades modernas; tentativa de dimensionar o grau de afastamento do indivíduo em relação ao agrupamento social. A explicação causal não é o propósito central de uma filosofia prática sobre o suicídio e o modelo de explicação causal especificamente durkheimiano está sujeito a objeções - entre outras - por não considerar a esfera de fins do agente (Douglas, 1967DOUGLAS, J. 1967. The Social Meanings of Suicide. Princeton, Princeton University Press. , principalmente “Appendix II”). A diferença de vetor entre a distinção de Durkheim e a que estou advogando não reside, portanto, no terreno da mera arbitrariedade nem meramente na diferença entre uma abordagem sociológica e outra, filosófica ou ética.

Além de os objetivos e usos entre as duas formas de distinção serem diversas, cabe dizer que há diferenças também quanto ao conjunto de eventos cobertos por uma e por outra. Em muitos casos, suicídios altruístas são também autossacrifícios e a conversa é verdadeira. Sem embargo, há suicídios altruístas que não são autossacrifícios. Suicídios altruístas são determinados, recomendados ou aceitos por uma cultura, mesmo que a morte seja interpretada como um bem também para o próprio indivíduo e desde que essa cultura formule doutrinas, regras, ideais ou mitos em que esse benefício aos indivíduos pode ser visado. Um exemplo disso seria o de mortes autoinfligidas decretadas como primeira penalidade por um tribunal. Na hipótese de que o condenado não aceite essa punição e não queira ser o executor de sua morte, ele poderá sofrer pela mão alheia uma morte mais dolorosa ou menos honrosa (como teria sido o caso da morte de Sêneca)10 10 Como afirma Spinoza na Ethica, IV, prop. xx, schol. . Assim, para evitar uma dor maior, o agente aceita a determinação social. Por outro lado, é possível (conquanto mais raro) que haja autossacrifícios que não são chancelados pela cultura em que o agente se encontra ou pela organização política.

Objeções e confusões

Dois tipos de opção pela morte poderiam, dirá alguém eventualmente, desmanchar o caráter nítido ou exaustivo da distinção aqui subscrita entre suicídio e autossacrifício: primeiro, o suicídio por vingança seria direcionado a outrem, mas não para lhe fazer bem e, segundo, o suicídio por autopunição ou, num vocabulário teológico, por autopenitência almejaria um mal para a própria pessoa. Em qualquer um dos casos, aparenta não haver a busca de um bem qualquer.

Fairbairn (1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 134) imagina que alguém levante uma objeção como essa quanto à vingança. A resposta que Faibairn dá me parece confusa porque ele apela à constatação de confusão mental frequente entre os suicidários que querem se vingar. No entanto, isso também pode estar presente no suicídio ideológico ou político. O fato de o inimigo ser conceituado com uma teoria política ou ideologia não o faz mais claro, uma vez que a própria teoria ou ideologia pode ser confusa e - que dirá? - os seus adeptos extremos. Em razão disso, pode haver elementos vingativos em um autossacrifício (por exemplo, atentados terroristas). Ademais, Faibairn acredita que os suicidas por vingança mais querem se vingar do que morrer; ao passo que os terroristas políticos e ideológicos, o inverso. Essa última diferenciação que Fairbairn reconhece como imperfeita mostra um dos pontos nevrálgicos de uma insistência em apartar o suicídio do autossacrifício sobre os esteios da centralidade da intenção de morrer no suicídio. Além disso, Fairbairn, como já apresentei páginas atrás, comete outro deslize conceitual ao entender que o suicídio por protesto político não é um autossacrifício11 11 Isso evidencia, assim como ocorreu na minha análise sobre Durkheim, que a diversidade de distinções não é um mero jogo de palavras para nomear um mesmo corpo supostamente bem conhecido de atos. . Fairbairn está sendo incoerente com a sua admissão que, sob tortura, a morte intencional de um conspirador para evitar denúncias sobre seus colegas seria um autossacrifício.

Dito isso, vale considerar que um dos problemas que se seguem da distinção entre suicídio e autossacrifício em torno do beneficiário pretendido é tentar entender o estatuto ontológico dessas entidades a que eventualmente se endereça o imaginado bem provindo de uma morte. Alguns depositariam o mais alto valor no ato de uma pessoa morrer pela verdade. Schopenhauer, por exemplo, viu no sacrifício por entidades abstratas e abrangentes a toda a humanidade o nível mais elevado de abnegação pessoal, como teriam feito Sócrates e Giordano Bruno (WWV I, 4, §67)12 12 “Auch steht auf dieser Stufe [do autossacrifício] Jeder, der zur Behauptung Dessen, was der gesammten Menschheit zum Wohle gereicht und rechtmäßig angehört, d. h. für allgemeine, wichtige Wahrheiten und für Vertilgung großer Irrthümer, Leiden und Tod willig übernimmt: so starb Sokrates, so Iordanus Brunus, so fand mancher Held der Wahrheit den Tod auf dem Scheiterhaufen, unter den Händen der Priester” (WWV I, 4, §67). . Outros poderiam achar, antes de tudo, confuso ou impreciso crer nessa destinação. É possível que toda morte aceita supostamente por uma crença ou valor abstrato seja redutível a uma morte por alguém, em que pese não necessariamente pela vida alheia13 13 Talvez seja esse o fundo razoável da irritação de Rambert: “Et vous êtes capable de mourir pour une idée, c’est visible à l’oeil nu. Eh bien, moi, j’en ai assez des gens qui meurent pour une idée. Je ne crois pas à l’héroïsme […]” - o que é compreendido pelo médico heroico a quem ele se dirige, o Dr. Rieux: “- L’homme n’est pas une idée, Rambert” (Camus, 1947, p. 150-151). . Portanto, contra Fairbairn, creio que a destinação política de um ato de escolher a morte faz dele um autossacrifício.

Retornando aos casos de autopunição e de vingança, é preciso ponderar, sem fazer disso uma cama de Procusto, que mesmo neles o agente pretende algum bem para si ao se satisfazer, respectivamente, com a expectativa de um sofrimento alheio ou com a expectativa de ser enfim premiado, reconhecido ou compreendido pela sua penitência.

Sendo assim, um dos pressupostos mais basilares da distinção que estou reafirmando entre suicídio e autossacrifício é a tese originariamente propugnada por Platão e Agostinho de que as pessoas sempre agem visando alguma espécie de bem, em que pesem as variações de concepção de bem e dos distintos direcionamentos desse bem visado. Parece-me proveitoso adotar uma visão como essa, depois de deflacionada de seus acompanhamentos metafísicos sobre a realidade objetiva e transcendente ou divina da ideia de bem. Com esse enxugamento de pressupostos desnecessários e contestáveis, podemos manter uma noção provisória de que toda ação humana se direciona àquilo que ao agente aparenta ser algum bem. Ainda que uma pessoa se mate ou aceite a própria morte por ódio, seu ato visaria algum pretendido bem. Importa deixar claro: aqui não retornam pela porta de trás distinções moralmente carregadas atiradas pela porta da frente, porquanto não estou qualificando essa ou aquela ação, este ou aqueloutro propósito como bom, ruim, mal. Apenas parto do pressuposto que a minha compreensão da ação individual - seja suicídio seja autossacrifício - entende que o agente visa o que lhe parece bem, a despeito da adequação ou inadequação desse propósito.

Também não contribuiria para apagar a distinção entre suicídio e autossacrifício inferir a sua completa supressão pelo fato de que pode haver finalidades inconscientes do agente, como afirma Margaret Pabst Battin (1994BATTIN, M. P. 1994. The Least Worst Death: essays in bioethics on the end of life. New York, Oxford University Press.). Isso seria incorrer na falácia por recurso à ignorância14 14 Essa falácia é patente no trecho: “As soon as we admit the possibility of actions that are performed under intentions not apparent or acknowledged by the agent, the distinction drawn between martyrdom and suicide is blurred” (Battin, 1994, p. 239). . Indo mais além, urge propor que nossa abordagem em filosofia prática sobre a morte voluntária deve privilegiar as justificações e crenças fornecidas pelos próprios indivíduos, ainda que possamos descobrir naquilo que se apresenta algo mais do que as intenções centrais do agente ou enunciador do discurso. A pretendida profundidade do olhar de Battin deve-se defrontar com o fato de que as pessoas fornecem justificações diversas para os seus atos e que, assim, deve haver uma separação, pelo menos, entre níveis aparentes de afirmação e justificação. Os fins expressos nas crenças enunciadas pelos agentes podem estar em concurso ou em conflito a fins não explicitamente enunciados, mas subentendidos dentro do que é enunciado ou praticado.

A própria Battin, em texto posterior (2005BATTIN, M. P. 2005. Ending Life: ethics and the way we die. New York, Oxford University Press. , p. 79), diz que é desejável que, quando uma pessoa considera seriamente a alternativa de morrer, separe de maneira clara quais tipos de propósitos ela tem. Essa recomendação se insere dentro de uma proposta sobre a racionalidade da eutanásia por parte de pacientes soropositivos. Battin acredita que as questões relativas ao bem ou mal-estar alheio só devem entrar na consideração desse paciente por último, ainda que ele venha a contrabalançar a resposta positiva às questões centradas em propósitos, digamos, egoísticos. Não preciso me comprometer com essa ordenação, pelo menos, não por enquanto, uma vez que não se trata aqui de propor princípios, muito menos, no contexto específico de uma doença terminal; porém cumpre realçar que a própria pessoa deve traçar distinções tão nítidas quanto possível entre tipos de propósito (Battin, 2005BATTIN, M. P. 2005. Ending Life: ethics and the way we die. New York, Oxford University Press. , p. 79)15 15 “Rational choices can be self-interested; rational choices can also be self-sacrificing; but they cannot be fully rational when one does not recognize what is at stake” (Battin, 2005, p. 79). .

Para salientar minha oposição contra a quebra de fronteiras conceituais entre suicídio e autossacrifício, vale dizer que nada nos evidencia que essa separação não seja, em princípio, pelo menos, possível e digna de análise teórica e prática.

Cumpre acentuar os meandros e as reservas quanto aos possíveis abusos interpretativos e realçar que as confusões entre suicídio e autossacrifício podem ocorrer por parte não do agente, mas sim de um observador externo. Alguns podem ver como herói aquele que apenas quis se livrar de um mal. Acredito que um exemplo disso é a descrição que González-Pérez (2019GONZÁLEZ-PÉREZ, J. A. 2019. El suicidio como resistencia política: el mundo del empresario del yo. Revista Eleuthera, 21: 51-65. DOI: 10.17151/eleu.2019.21.4.
https://doi.org/10.17151/eleu.2019.21.4....
, p. 58) faz sobre o suicídio do sujeito de desempenho nas sociedades contemporâneas como “ato político de resistência”. O problema mais basilar do artigo de González-Pérez é entender que as visões católicas, de Durkheim, de Cioran e do sujeito de desempenho acerca do suicídio são traços ou faces do próprio suicídio. Sendo assim, a paralaxe pretendida por González-Pérez hipostasia as descrições e os julgamentos como partes constitutivas do próprio objeto. A argumentação do artigo de González-Pérez como um todo trata o deslocamento em paralaxe do objeto a partir do que, na verdade, são casos diferentes de suicídio, tipos diferentes de motivação ou juízos valorativos distintos. O suicídio do indivíduo cansado da sociedade de desempenho não necessariamente é visto por ele mesmo como resistência, mas talvez como desistência.

Sem embargo, nas justificações monológica ou dialogicamente fornecidas pelos agentes, ainda é possível escutar motivações altruístas que podem estar mescladas em iguais proporções a motivações não altruístas. Seja em processos dialógicos concretos com tais agentes seja na análise teórica de casos que tais, devemos tentar proceder a um questionamento, nem sempre exequível diretamente, sobre se o agente cometeria ou teria cometido seu ato ainda que um conjunto de motivações altruístas não se colocasse na situação ou se o agente o faria mesmo sem as motivações egoísticas - questionamento que às vezes é capaz de desmanchar as aparências de conjunção entre as motivações, ajudaria a separar os elementos envolvidos (Menninger, 1938MENNINGER, K. 1938. Man Against Himself. New York, Harcourt, Brace and Company., p. 78)16 16 Sobre autossacrifícios, diz: “The individual may have wished to destroy himself or he may not - but if the social or reality value of his sacrifice is predominant, therein lies the evidence that the self-destructive forces were not triumphant” (Menninger, 1938, p. 78). e, eventualmente, dissuadir o agente de seus intentos.

Talvez um homem-bomba não se mataria se convencido de que não há paraíso ou, por outra ponta, se conhecesse alternativas políticas de mostrar sua indignação. Na hipótese de que uma pessoa não tenha clareza sobre suas motivações, casos assim apresentariam um tipo de relação confusa entre suicídio e autossacrifício. Uma confusão é a mistura do que é separável. Entretanto, é possível que, em contextos específicos, fins altruísticos e egoísticos, separáveis que sejam, estejam sobrepostos harmonicamente. Acredito que duas obras ficcionais ilustram bem essa ocasional sobreposição: Antígona, de Sófocles, e o filme A Vida de David Gale.

Interseções ou sobreposições

Antes de passar a uma análise de Antígona, cumpre advertir, com base nas considerações do primeiro capítulo, que não havia na Grécia Antiga termos nem expressões claramente diferenciando suicídio de autossacrifício, mas apenas um contexto narrativo ou dissertativo (Cooper, 1989COOPER, J. 1989. Greek Philosophers on euthanasia and suicide. In: BRODY, B. (org.). Suicide and euthanasia: historical and contemporary themes. Dordrecht, Kluwer, Springer Science. p. 9-38., p. 11). Testemunho disso é o relato de Diógenes Laércio (1988LAÉRCIO, D. 1988. Vidas e Doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília, UnB., 7.130) de que há dois tipos de condição para a saída racional da vida de acordo com os estoicos: por alguém (pátria ou amigos); por dores ou doenças lancinantes. Não obstante essa ausência de termos diferenciadores, alguma tentativa de interpretação aproximada do texto de Sófocles pode ser feita à luz dos conceitos atuais, tal como demarcados até aqui, uma vez que tais contextos narrativos ou dissertativos envolvem, ocasionalmente, o recurso implícito ou explícito às finalidades do agente.

No caso das ações de Antígona, por exemplo, deixam-se perceber três momentos distintos: no primeiro, sua decisão de honrar o irmão com o sepultamento - aceitando o risco de sua morte como pena - é determinante, embora não exclusiva. O aspecto da aceitação do risco ou, melhor, da escolha que envolve certamente a morte é explícito em uma declaração posterior a esse momento: “Tu [Ismena] escolheste viver, e eu, morrer.” (Sófocles, 1992SÓFOCLES, -. 1992. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian., verso 555). Antígona inicia a peça de Sófocles constatando as inúmeras desgraças a que ela e a irmã foram submetidas ao longo da vida: “Não há dor, não há desgraça, não há vergonha, não há desonra que eu não tenha visto no número das minhas e tuas penas. E agora, que nova é essa que toda a cidade afirma, desse édito que o general acaba de promulgar?” (Sófocles, 1992SÓFOCLES, -. 1992. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian., v. 5-10). Entretanto, a observância de sua honra e da do irmão é, na sequência, realçada:

Tais são os fatos e, em breve, mostrarás [dirige-se a Ismena] se tens caráter ou se da tua nobreza fizeste vileza. (v. 37-38)

A ele [Polinices], eu lhe darei sepultura. Para mim, é belo morrer por executar esse ato. Jazerei ao pé dele, sendo-lhe cara, como ele a mim […] (Sófocles, 1992SÓFOCLES, -. 1992. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian., v. 71-73).

É bastante claro nesse prólogo que, na ausência da necessidade de benefício à memória do irmão, ela não necessariamente chegaria ao ponto de se matar (para se desfazer de suas desgraças): “Mas deixa-me, a mim e à minha loucura, a sofrer este mal terrível. Eu, por mim, não creio que haja outro tão grande como morrer sem honra” (v. 94-96). Aqui e para Antígona, a ação bela e honrosa se constitui como o emblema que sela um conjunto de ações e virtudes que, tradicionalmente entendidas como divinas e eternas, supunham-se ser obrigação da mãe, da filha ou da irmã: sepultar o cadáver. Para Creonte, honroso seria o comportamento devotado à cidade (v. 209-210). Pode haver contextos - como aquele com que se defrontou Antígona - nos quais a valoração de um mesmo ato é variável: para uns (ela mesma), é corajoso; para outros (como Creonte), temerário.

Em um segundo momento, em discussão com Creonte depois de haver sido presa, Antígona justifica sua ação sob o risco da morte com três razões: primeira, ela declara que morreria de qualquer modo algum dia; segunda, a morte seria o fim das suas calamidades; terceira, ela não suportaria ver o cadáver de Polinices insepulto (v. 450-471). É patente que a primeira razão, por demasiado geral, não basta seja para o suicídio seja para um autossacrifício; ao passo que a segunda e a terceira razões de modo mais nítido se encaixam, respectivamente, em propósitos endereçados ao benefício da própria agente e endereçadas ao benefício da memória de outrem.

Num terceiro momento, podemos agrupar uma série de falas e atitudes finais de Antígona frente a decisão de Creonte de não exatamente matá-la, mas sim colocá-la em uma situação de isolamento de tal forma a levá-la a querer se matar. Em verdade, Creonte exprime, diversas vezes, o desejo firme de que Antígona morra: “Não fales [dirigindo-se a Ismena] dela, porque ela já não existe” (v. 567) e até mesmo se dispunha a lhe aplicar a pena de morte: “Tragam essa abjeta criatura, para que morra imediatamente diante dos olhos do noivo, e ao lado dele” (v. 760, grifo meu). Creonte está certo da morte de Antígona (v. 655).

Alguém poderia, então, argumentar, em vista desses trechos, que Creonte matou Antígona ou que ele a forçou a se matar. Todavia, mais à frente, precisamente depois que Hêmon retira-se precipitadamente do diálogo com seu pai, o corifeu pergunta como Creonte pretende matar as duas. O rei responde que Ismena será perdoada. Talvez por prever o que o filho pretendia fazer ou por eventualmente começar a suspeitar que seus atos não sejam justos perante os deuses, Creonte se refreia de afirmar que vai matar Antígona:

Levá-la-ei para onde o caminho estiver deserto de pegadas humanas, e ocultá-la-ei viva numa caverna escavada na rocha, dando-lhe de alimento só o necessário para fugir ao sacrilégio, a fim de que a cidade evite qualquer contaminação ( Sófocles, 1992 SÓFOCLES, -. 1992. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. , v. 773-776).

Encerrem-na num túmulo abobadado, como eu disse, e depois deixem-na só e isolada, quer ela deseje morrer ou viva emparedada em tal reduto. Nós estamos puros pelo que toca a esta donzela, pois não ficará privada da habitação dos de cá de cima (Sófocles, v. 885-891).

Há uma retração quanto ao ato direto e afirmativo da pena de morte substituída por meios indiretos de levar Antígona a, subentende-se, matar-se ou de obter a graça de Hades de não morrer. Ela se matando, ele e a cidade não se contaminariam. Sob essa hipótese, Antígona escarneceria com as próprias mãos o possível mal ou maldição a pesar sobre a cidade. Seu suicídio valeria, dessarte, como um ritual de expiação e desobrigação das mãos tirânicas de Creonte. A partir do momento em que Creonte passa a querer manter-se ambivalente, sem o ato final e direto da pena de morte, é à transgressora de seu édito que cabe não a mera aceitação da possibilidade da morte, mas sim o ato direto de se matar - um suicídio motivado talvez por uma suposta incapacidade em viver segregada, por um desejo de independência em relação a Creonte ou de ver os familiares no Hades17 17 Sobre essa diversidade de motivações de Antígona, ver Seidensticker (2005, p. 123). . Depois de já ter realizado os ritos fúnebres, o intento de Antígona em favor de Polinices já foi alcançado. O que está em jogo agora para a protagonista é viver aprisionada naquelas condições (com o mínimo de alimento) ou morrer. Antígona afirma que há vantagem na morte pelo fato de viver rodeada de infortúnios: “E, se morrer antes do tempo, direi que isso é uma vantagem. Quem vive no meio de tantas calamidades, como eu, como não há-de considerar a morte um benefício?” (Sófocles, 1992SÓFOCLES, -. 1992. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian., v. 463-466).

Precisamente por um embate direto e aguerrido com Creonte, talvez se possam entrever objetivos vingativos no suicídio de Antígona. Mesmo que tais objetivos não tivessem sido guiantes do seu ato, o ganho político da sua morte foi um acento na percepção de Creonte acerca de sua intransigência tirânica, tanto mais em vista das mortes subsequentes de Hêmon e de sua esposa. O suicídio de Antígona contém um efeito centrípeto (rumo à produção de outros suicídios internamente à família) ou de uma reação em cadeia (diversamente, por exemplo, do de Ájax), mesmo que ela não tenha tido esse objetivo (Votrico, 2009VOTRICO, A. 2009. Uccidersi per uccidere: il suicídio per vendetta. Milano, Giufrè., p. 23)18 18 “Anche Antigone, come tante altre donne del mito, si suicida, ma non lo fa né per amore né per vendetta, anche se dal suo gesto scaturiranno eventi luttuosi a catena, degni di una vera e propria crisi sacrificale” (Votrico, 2009, p. 23). . Enfim, seu suicídio não escarnece o mal, mas o injeta em todos os cantos da casa de Tebas. E se Creonte tivesse mudado de ideia antes do suicídio de Antígona ou antes da sua prisão, Antígona teria levado à frente o seu ato fatal? É muito provável que sim, uma vez que as razões de Antígona pessoalmente direcionadas para se matar eram mais constantes e pervasivas do que a proibição do trabalho de luto. Sobreposição semelhante entre finalidades altruístas e egoístas no ato de escolher a morte parece ocorrer no filme A Vida de David Gale, em que dois dos personagens optam pela morte tendo essa duplicidade de fins. O protagonista, David Gale, se oferece ao risco de ser julgado à pena de morte por dois motivos: para provar politicamente que é possível que ela seja uma punição injusta e irreversível; para livrar-se do sofrimento e da ignomínia de ter sido injustamente acusado de estupro por uma estudante e então abandonado pela esposa. Além disso, Constance Harraway - uma colega de David Gale no departamento de filosofia da universidade e na organização de combate à pena de morte - quer morrer também para fornecer uma refutação empírica aos defensores da pena capital e por estar em estágio terminal de uma doença incurável (Life of David Gale, 2003 LIFE of David Gale. 2003. Direção de Alan Parker. Roteiro: Charles Randolph. S.l.: Universal Pictures, Son., color. ).

Importa realçar, assim como fiz ao falar de Antígona, uma ambivalência: paralelamente ao embuste da segunda acusação de estupro e assassinato (dessa vez contra Harraway), a organização não governamental a que os dois personagens pertencem cria recursos paralelos e escondidos (materialidade jurídica) não só para comprovar que David Gale não cometeu estupro, mas também para que uma jornalista investigue e comprove a falha, eventualmente antes da aplicação da pena de morte a Gale. Conquanto não revele toda a trama à jornalista, é possível que Gale apenas se dispusesse a morrer sem intencionar a morte centralmente; ao passo que Harraway já tem a morte como propósito central, a um tempo autossacrifício e suicídio. As três mortes voluntárias (de Antígona, Harraway e Gale) se exercem com caráter político. Nos dois em ambiente prisional, a aceitação da morte se oferece também como afronta ao aprisionador e David Gale usa o Estado para se matar.

Situações são criadas em que tal sobreposição se torna mais pungente. Além do prisional, são favorecedores dessas situações os ambientes hospitalar e bélico. Como a potencial sobreposição entre suicídio e autossacrifício é gerada nesses ambientes? Não apenas por um aumento na probabilidade de morrer, mas também e precipuamente devido ao crescimento do poder humano de adiantar ou retardar a morte (e, com isso, de abreviar ou alongar o sofrimento) - bem entendido, devido ao poder alheio de fazê-lo sobre alguém que pode decidir pelo adiantamento da sua própria morte.

Em várias situações concretas (não apenas nas ficcionais) de suicídio em ambiente prisional, o detento não se volta contra a sentença, talvez nem contra a pena, por reconhecer o erro a tal ponto de se punir. Desse modo, o suicídio por autopunição pode se configurar também como autossacrifício quando o agente julga a continuidade da própria existência como um mal aos outros.

Diversamente disso, o leque de opções de Harraway é naturalmente menor do que o de Gale: a morte por uma doença bate à porta e a morte dela é peça chave na trama montada pela organização, embora seja possível pensar em outras tramas para manifestar o protesto da organização contra a pena de morte. Há inúmeros outros contextos em que a conjunção entre o interesse egoístico de morrer e o altruístico é determinada por uma situação restritiva. Vários e vários exemplos se assemelham ao de Harraway nos leitos de unidades de terapia intensiva sobre os quais o acamado considera as próprias dores e os sofrimentos dos que o rodeiam. Tais exemplos são, inclusive, objeto de uma preocupação de que as pessoas a que for granjeada a permissão de solicitar a eutanásia o façam mais pela consideração dos outros do que por si mesmos. A capacidade técnica da medicina permite o alongamento da vida. Esse avanço em extensão temporal não vai sem a contraparte de possíveis ônus financeira e sentimentalmente adicionais aos que rodeiam o paciente. Nesses exemplos, o próprio corpo vivo - tal como se encontra configurada a situação - supostamente fornece motivos de dor e sofrimento para outros e para o próprio agente.

Eventualmente esse paciente terminal pode solicitar o que lhe parece alívio para vários envolvidos.

Diversamente dos contextos de enclausuramento individual do ambiente hospitalar, porém compartilhando com eles o aspecto do cerceamento à liberdade de opções, a guerra é o confronto entre forças que, pelo menos até certa época da história humana, mais oportunidades suscitou para a sobreposição entre suicídio e autossacrifício. Por vezes, a guerra apenas canaliza ao inimigo forças destrutivas já disponíveis e direcionadas previamente ao próprio soldado19 19 Como relata Camus (1951, p. 210) havia vários terroristas russos desse fim do XIX e início do XX que tinham um respeito imenso pela vida humana em geral e desprezo pela própria vida. “Chez Voinarovski aussi, le goût du sacrifice coïncide avec l’attirance de la mort. Aprés son arrestation, il écrit à ses parents: ‘Combien de fois, pendant mon adolescence, il m’était venu à l’idée de me tuer…’”. ; em outras, ela cria o ferimento e a oportunidade de livrar-se dele atirando-se contra o inimigo.

Considerações finais

Mesmo em vista de exemplos como da tragédia de Sófocles e do filme citado, não é obstáculo à distinção entre suicídio e autossacrifício em torno do pretendido beneficiário a possibilidade de existirem conjuntamente, posto que as propriedades de um e outro não se cruzam a ponto de alimentar uma refutação socrática, do mesmo modo que os distintos conceitos de avó e mãe não impedem a ocorrência conjunta dessas duas propriedades diádicas em uma mesma pessoa (por exemplo, Jocasta em relação a Antígona). A distinção não exige uma separação nem uma oposição. A distinção, sem embargo, auxilia a compreender o que está confuso ou sobreposto, por fornecer um guia de questionamentos sobre o valor, a receptividade, a aceitabilidade dos pretendidos ganhos direcionados a alguém. Com isso, as questões quanto à intenção direta de morrer parecem secundárias ou meramente situacionais.

Referências

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  • VOTRICO, A. 2009. Uccidersi per uccidere: il suicídio per vendetta. Milano, Giufrè.
  • 1
    “Toutefois, lorsqu’on fait abstraction de la qualification morale que mérite l’acte de se donner la mort, il n’y a nul inconvénient à user du terme ‘suicide’ comme synonyme de ‘mort volontaire’” (Van Vyve, 1954VAN VYVE, M. 1954. La Notion de Suicide. Revue Philosophique de Louvain, 52(1): 593-618., p. 617).
  • 2
    De modo semelhante, Baechler (in Seidensticker, 2005SEIDENSTICKER, B. 2005. Die Wahl des Todes bei Sophokles. In: SEIDENSTICKER, B. (org.). Über das Vergnügen an tragischen Gegenständen: Studien zum antiken Drama. Münch und Leipzig, Saur, p. 105-153., p. 120) classifica os sacrifícios e as “passagens” como oblativos. O oblativo parece corresponder à irradiação e ser uma oferenda.
  • 3
    “[…] I do think that whether acts that may have been aimed at self destruction are labelled ‘suicide’ will depend to some extent upon whether the person who is labelling holds the view that suicide is morally wrong” (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31).
  • 4
    “I think it would always be mistaken to say of a person who sacrifices himself simply for the sake of others, that he was a suicide, because though he may go willingly to his death, death is not the end at which he aims” (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31).
  • 5
    Uma discussão dessa formulação conceitual em termos de duplo efeito está em: McMahan, 2002MCMAHAN, J. 2002. Ethics of Killing, problems at the margins of life. New York, Oxford University Press., p. 456.
  • 6
    “Such a death would be a suicide if the spy’s intention was simply to avoid pain. However, if he killed himself because he knew that he could not hold out under pressure and wished to avoid the possibility that he should blurt out information that would endanger others, it is at least questionable whether his death, though not only accepted but aimed at, should be thought a suicide” (Fairbairn, 1995FAIRBAIRN, G. J. 1995. Contemplating suicide: the language and ethics of selfharm. London, New York, Routledge., p. 31).
  • 7
    Mais à frente, debaterei essa subcategoria do suicídio político ou ideológico. Ver também Battin (1994BATTIN, M. P. 1994. The Least Worst Death: essays in bioethics on the end of life. New York, Oxford University Press., p. 43), que defende que alguém pode escolher diretamente a morte por motivos altruístas.
  • 8
    Dentre os conhecidos, ainda se ressalte a atitude de Daniela Trezzi, enfermeira italiana que se matou, no intuito declarado de evitar a contaminação de outros. Andrade (2020ANDRADE, A. 2020. A motivação moral e o suicídio na ética de Schopenhauer: o caso do auto-sacrifício de uma enfermeira italiana ao contrair a covid-19. Voluntas. Santa Maria, 11: e11., p. 6-7), especulando sobre os últimos pensamentos da enfermeira, diz: “Ela certamente, ao decidir se auto sacrificar [sic], decidiu um dilema: viver esperando se recuperar e assumir a responsabilidade de contaminar outras pessoas ou dar fim a sua vida e, assim, não ser possível contaminar ninguém.” Essa formulação não é certa, uma vez que pode ter havido motivações pessoais para que ela se matasse. O pavor de causar sofrimentos a outras pessoas pode também vir acoplado à perspectiva que ela mesma tinha de sofrer caso continuasse viva. Entretanto, não temos, até o momento, registros claros de motivações pessoais como essa no caso de Trezzi.
  • 9
    “Puisque nous avons appelé égoïsme l’état où se trouve le moi quand il vit de sa vie personnelle et n’obéit qu’à lui-même, le mot d’altruisme exprime assez bien l’état contraire, celui où le moi ne s’appartient pas, où il se confond avec autre chose que luimême, où le pôle de sa conduite est situé en dehors de lui, à savoir dans un des groupes dont il fait partie. C’est pourquoi nous appellerons suicide altruiste celui qui résulte d’un altruisme intense” (Durkheim, 1997DURKHEIM, E. 1997. Le suicide: étude sociologique. Paris, PUF., p. 238).
  • 10
    Como afirma SpinozaSPINOZA, B. 2008. Ethica ordine geometrico demonstrata et in quinque partes distincta… Belo Horizonte, Autêntica. na Ethica, IV, prop. xx, schol.
  • 11
    Isso evidencia, assim como ocorreu na minha análise sobre Durkheim, que a diversidade de distinções não é um mero jogo de palavras para nomear um mesmo corpo supostamente bem conhecido de atos.
  • 12
    “Auch steht auf dieser Stufe [do autossacrifício] Jeder, der zur Behauptung Dessen, was der gesammten Menschheit zum Wohle gereicht und rechtmäßig angehört, d. h. für allgemeine, wichtige Wahrheiten und für Vertilgung großer Irrthümer, Leiden und Tod willig übernimmt: so starb Sokrates, so Iordanus Brunus, so fand mancher Held der Wahrheit den Tod auf dem Scheiterhaufen, unter den Händen der Priester” (WWV I, 4, §67).
  • 13
    Talvez seja esse o fundo razoável da irritação de Rambert: “Et vous êtes capable de mourir pour une idée, c’est visible à l’oeil nu. Eh bien, moi, j’en ai assez des gens qui meurent pour une idée. Je ne crois pas à l’héroïsme […]” - o que é compreendido pelo médico heroico a quem ele se dirige, o Dr. Rieux: “- L’homme n’est pas une idée, Rambert” (Camus, 1947CAMUS, A. 1947. La Peste. Paris, Gallimard., p. 150-151).
  • 14
    Essa falácia é patente no trecho: “As soon as we admit the possibility of actions that are performed under intentions not apparent or acknowledged by the agent, the distinction drawn between martyrdom and suicide is blurred” (Battin, 1994BATTIN, M. P. 1994. The Least Worst Death: essays in bioethics on the end of life. New York, Oxford University Press., p. 239).
  • 15
    “Rational choices can be self-interested; rational choices can also be self-sacrificing; but they cannot be fully rational when one does not recognize what is at stake” (Battin, 2005BATTIN, M. P. 2005. Ending Life: ethics and the way we die. New York, Oxford University Press. , p. 79).
  • 16
    Sobre autossacrifícios, diz: “The individual may have wished to destroy himself or he may not - but if the social or reality value of his sacrifice is predominant, therein lies the evidence that the self-destructive forces were not triumphant” (Menninger, 1938MENNINGER, K. 1938. Man Against Himself. New York, Harcourt, Brace and Company., p. 78).
  • 17
    Sobre essa diversidade de motivações de Antígona, ver Seidensticker (2005SEIDENSTICKER, B. 2005. Die Wahl des Todes bei Sophokles. In: SEIDENSTICKER, B. (org.). Über das Vergnügen an tragischen Gegenständen: Studien zum antiken Drama. Münch und Leipzig, Saur, p. 105-153., p. 123).
  • 18
    “Anche Antigone, come tante altre donne del mito, si suicida, ma non lo fa né per amore né per vendetta, anche se dal suo gesto scaturiranno eventi luttuosi a catena, degni di una vera e propria crisi sacrificale” (Votrico, 2009VOTRICO, A. 2009. Uccidersi per uccidere: il suicídio per vendetta. Milano, Giufrè., p. 23).
  • 19
    Como relata Camus (1951CAMUS, A. 1951. L’Homme révolté. 117ª ed. Paris, Gallimard., p. 210) havia vários terroristas russos desse fim do XIX e início do XX que tinham um respeito imenso pela vida humana em geral e desprezo pela própria vida. “Chez Voinarovski aussi, le goût du sacrifice coïncide avec l’attirance de la mort. Aprés son arrestation, il écrit à ses parents: ‘Combien de fois, pendant mon adolescence, il m’était venu à l’idée de me tuer…’”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    23 Set 2021
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