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Casamento, estupro ou dormindo com o inimigo? Interpretando imagens e representações dos sobreviventes de fusões e aquisições

Resumos

A retórica empresarial usual tende a retratar fusões e aquisições (FA) por meio de imagens fortemente idealizadas, divulgando tais processos como grandes feitos e incríveis vitórias. Entre outras imagens - como "a união faz a força", ou "o melhor dos dois mundos" - a projeção mais comum no discurso sobre FAs tem sido uma imagem fortemente idealizada de um "casamento perfeito" ou "feliz". O objetivo deste estudo é contribuir - através de um estudo empírico e de uma discussão teórica - para o entendimento da dinâmica interna de FAs, bem como explorar os complexos processos que podem ser reveladas pela imagem idealizada do "casamento feliz". O estudo empírico envolveu 56 casos de FAs no Brasil, e mais especificamente a análise de 120 desenhos que representavam tais processos, obtidos como parte das entrevistas com 128 empregados "sobreviventes" das empresas sob integração. Neste artigo, optamos por focar somente na análise dos 95 desenhos mostrando representações no nível de análise grupal, que estudamos usando os três pressupostos básicos que Bion (1975) sugere que grupos tendem a mostrar sobre si próprios: luta-fuga, dependência e acasalamento. Os resultados do estudo sugerem que, em processos de FA, (i) acontecem fortes lutas de poder entre os grupos envolvidos, em geral com riscos e perdas significativas para todos; e (ii) longe de constituírem "casamentos felizes", as uniões que decorrem destes processos mostram sinais de crueldade e dominação, onde as pessoas são em geral forçadas a interagir intimamente com aqueles que elas sempre aprenderam a odiar - competidores que eram, até recentemente, seus princiapis oponentes. Finalmente, nossos resultados sugerem que, enquanto as corporações discursam sobre casamentos derivados de FAs, as pessoas podem na verdade sentir-se forçadas a dormir com o inimigo.


Common business rhetoric tends to portrait mergers and acquisitions (M&As) through highly idealized images, trumpeting such processes as great feats and unchallenged victories. Among other images - e.g., "together we will be stronger", or "the best of both worlds" - the most common projection embodied in the M&As discourse has been that of a strongly idealized and "perfect marriage". The objective of this study is to contribute - through an empirical study and a theoretical discussion - to an understanding of the internal dynamic of M&As, and to explore the complex processes that unfold behind the idealized image of the "happy marriage". The empirical study involved 56 cases of M&As in Brazil, and more specifically an analysis of 120 drawings that represented such processes, obtained as part of interviews with 128 "survivor" employees of the companies under integration. In this paper we have opted to focus only on the analysis of the 95 drawings depicting representations at the group level of analysis, which we studied using the three basic assumptions that Bion (1975) suggests groups tend to display about themselves: fight-flight, dependence, and pairing. The study's results suggest that during M&A integration processes, (i) there are intense struggles for power between the groups involved, usually with significant risks and losses for all involved;and (ii) far from being a happy marriage, the unions that result from M&As show signs of cruelty and domination, where people are often required to coexist intimately with those theyhave always learned to hate - competitors who were, until recently, their main opponents. Ultimately, our results suggest that while corporations discourse about marriages derived form M&As, people may actually feel as if they're forced to sleep with the enemy.


ARTIGOS / ARTICLES

Casamento, estupro ou dormindo com o inimigo? interpretando imagens e representações dos sobreviventes de fusões e aquisições 1 1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no ENANPAD 2001, Área de Comportamento Organizacional. Os autores agradecem aos revisores e à audiência do encontro pelas sugestões que fizeram àquela versão, e que procuramos incorporar nesta revisão.

Miguel P. CaldasI; Maria José TonelliII

IFGV - EAESP

IIFGV – EAESP

R ESUMO

A retórica empresarial usual tende a retratar fusões e aquisições (FA) por meio de imagens fortemente idealizadas, divulgando tais processos como grandes feitos e incríveis vitórias. Entre outras imagens – como "a união faz a força", ou "o melhor dos dois mundos" – a projeção mais comum no discurso sobre FAs tem sido uma imagem fortemente idealizada de um "casamento perfeito" ou "feliz". O objetivo deste estudo é contribuir – através de um estudo empírico e de uma discussão teórica – para o entendimento da dinâmica interna de FAs, bem como explorar os complexos processos que podem ser reveladas pela imagem idealizada do "casamento feliz". O estudo empírico envolveu 56 casos de FAs no Brasil, e mais especificamente a análise de 120 desenhos que representavam tais processos, obtidos como parte das entrevistas com 128 empregados "sobreviventes" das empresas sob integração. Neste artigo, optamos por focar somente na análise dos 95 desenhos mostrando representações no nível de análise grupal, que estudamos usando os três pressupostos básicos que Bion (1975) sugere que grupos tendem a mostrar sobre si próprios: luta-fuga, dependência e acasalamento. Os resultados do estudo sugerem que, em processos de FA, (i) acontecem fortes lutas de poder entre os grupos envolvidos, em geral com riscos e perdas significativas para todos; e (ii) longe de constituírem "casamentos felizes", as uniões que decorrem destes processos mostram sinais de crueldade e dominação, onde as pessoas são em geral forçadas a interagir intimamente com aqueles que elas sempre aprenderam a odiar – competidores que eram, até recentemente, seus princiapis oponentes. Finalmente, nossos resultados sugerem que, enquanto as corporações discursam sobre casamentos derivados de FAs, as pessoas podem na verdade sentir-se forçadas a dormir com o inimigo.

A BSTRACT

Common business rhetoric tends to portrait mergers and acquisitions (M&As) through highly idealized images, trumpeting such processes as great feats and unchallenged victories. Among other images – e.g., "together we will be stronger", or "the best of both worlds" – the most common projection embodied in the M&As discourse has been that of a strongly idealized and "perfect marriage". The objective of this study is to contribute – through an empirical study and a theoretical discussion – to an understanding of the internal dynamic of M&As, and to explore the complex processes that unfold behind the idealized image of the "happy marriage". The empirical study involved 56 cases of M&As in Brazil, and more specifically an analysis of 120 drawings that represented such processes, obtained as part of interviews with 128 "survivor" employees of the companies under integration. In this paper we have opted to focus only on the analysis of the 95 drawings depicting representations at the group level of analysis, which we studied using the three basic assumptions that Bion (1975) suggests groups tend to display about themselves: fight-flight, dependence, and pairing. The study's results suggest that during M&A integration processes, (i) there are intense struggles for power between the groups involved, usually with significant risks and losses for all involved;and (ii) far from being a happy marriage, the unions that result from M&As show signs of cruelty and domination, where people are often required to coexist intimately with those theyhave always learned to hate – competitors who were, until recently, their main opponents. Ultimately, our results suggest that while corporations discourse about marriages derived form M&As, people may actually feel as if they're forced to sleep with the enemy.

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  • 1
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no ENANPAD 2001, Área de Comportamento Organizacional. Os autores agradecem aos revisores e à audiência do encontro pelas sugestões que fizeram àquela versão, e que procuramos incorporar nesta revisão.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Abr 2002
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