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Escalas de poder, instituições e terrotórios: estratégias orientadas ao desenvolvimento

Resumo

Este ensaio apresenta, sucintamente, as abordagens tradicionais e as interpretações modernas que tratam da temática das escalas espaciais do processo de desenvolvimento. Procura apontar que essas abordagens, com diferentes visões do que seja o local, acabam orientando intervenções públicas e privadas de natureza bastante distinta. A maioria delas são tentativas de elaboração teórica com pretensão de explicar situações bastante diversas, histórica e geograficamente. Discute-se como o tratamento teórico e o analítico articulador das temáticas das instituições e dos territórios devem ser inspirados por uma concepção de contexto e escala espacial construída política e socialmente. Identificam-se alguns desafios colocados por ambientes de exacerbadas heterogeneidades estruturais, como os da situação de atraso estrutural e de subdesenvolvimento do Brasil. Ao final, explicita uma interpretação à questão das possíveis alternativas e estratégias de desenvolvimento socioeconômico, procurando discutir a problemática da "escala adequada" à construção e à ação das instituições.

Abstract

his essay summarizes the traditional and modern approaches regarding "space scales" in the development process. It aims to point out that such approaches, having different criteria about "the local", suggest very distinct public and private actions. Most of these approaches are theoretical explanations about very different situations, in historical and geographical terms. It is discussed how the theoretical and analytical handling should be inspired by a context and space scale conception, built politically and socially. The assay identifies some challenges generated by environments with extremely diverse structures, so common in Brazilian underdevelopment. Finally, it is presented a discussion about the "proper scale" to be used by institutions to reach social and economic development.

AS VISÕES TRADICIONAIS “ESPECIALIZADAS” DO DESENVOLVIMENTO

Podemos agrupar as abordagens clássicas e mais conservadoras da questão das escalas do desenvolvimento, segundo sua visão do que seja o local. Conforme demonstraremos, nesta visão hegemônica não há contexto institucional ou ambiente construído socialmente, mas dado de forma natural e a histórica.

O local, segundo essa visão, aparece como um espaço-plataforma homogêneo, inerte, dotado de contigüidade, um plano geométrico, onde cristalizariam as aglomerações humanas e agrupar-se-iam certas atividades econômicas.

Assim, estas análises do mainstream da questão espacial (e suas escalas) partem da constatação da desigualdade na distribuição geográfica dos fatores de produção e das atividades. Posta essa diferenciação inicial na dotação de recursos, os autores procuram demonstrar que a racionalidade dos agentes, ao tomarem decisões otimizadoras frente a essas irregularidades, acabará vencendo essas dificuldades de articulação, chamadas por eles de “fricções espaciais”1 1 Esses “custos de interação espacial” refletiriam o “conjunto de custos econômicos impostos pela distância” (...), pois “vencer a distância que separa dois pontos do espaço geográfico exige esforço, recursos e tempo. Esse custo exprime-.se de várias maneiras: custo de transporte das mercadorias, custo de comunicação da informação, custo de deslocamento das pessoas, etc” (...) “os custos impostos pela distância não são apenas custos diretos. Ultrapassar o atrito do espaço exige tempo” (Polèse, 1998: 56). Neste contexto de tomada de decisões "espaço-temporais”, coloca-se a questão do custo de oportunidade, da renúncia de se "utilizar o tempo em outra opção”. . Nesse contexto, frente à impossível eqüidade, a eficiência decisória dos agentes, quanto à localização, contornaria esses obstáculos advindos das indivisibilidades, efeitos de escala e problemas colocados pela insuficiente mobilidade dos fatores de produção e pela distância física entre bens, pessoas e mercados. Ou seja, tudo se transformaria em uma questão de distribuição locacional, em um ambiente não construído, mas dado “naturalmente", passivo, isto e, conformado pelas forças mercantis, sendo apenas o receptor dessas decisões individuais. Conforme apontado mais à frente, este modelo teórico possui nítido caráter a-histórico, a-escalar (aplicável tanto a um país, quanto a uma região, cidade etc). Não há contexto institucional e nem ambiente construído por forças sociais e políticas.

Seguindo essa concepção estática, positivista e utilitarista, esta abordagem conservadora procura analisar as causas da ineficiência alocativa de recursos escassos no espaço e sua mobilidade imperfeita, que acabariam dando origem aos problemas espaciais. Dadas as imperfeições na mobilidade dos fatores de produção, seria necessário que o sujeito atomizado realizasse racionalmente uma escolha locacional ótima. A ordenação dos agentes e das atividades no espaço se daria com regularidade e racionalidade, se garantida a devida mobilidade dos recursos e dos fatores de produção. Deixado funcionar livremente, o mercado ajustaria e equilibraria a distribuição dos bens e fatores no espaço, após um balanço entre forças concentradoras e forças dispersivas.

Na busca por pesquisar as racionalidades e as regularidades presentes nos processos de localização das atividades econômicas e das pessoas, estruturou-se um campo de estudos cuja temática seria a dimensão espacial dos processos socioeconômicos, destacando-se: a localização agrícola em gradientes de Von Thünen (1826VON THÜNEN, Johann Heinrich (1826). The isolated state. New York: Pergamon Press, 1966.); a determinação da localização industrial ótima, aquela que operará com menores custos de produção e incorrerá em menor custo de transporte, de Alfred Weber (1909WEBER, Alfred (1909). Theory of locations of industries. Chicago: University of Chicago Press, 1957.); a análise da formação das redes hierarquizadas de localidades centrais, de Walter Christaller (1933CHRISTALLER, Walter (1933). Central places in Southern Germany. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.); a conformação hexagonal do sistema econômico urbano, estruturada a partir da busca por maximização de lucro, de August Lôsch (1940)LÔSCH, August (1940). The economics of location. New Haven: Yale University Press. etc, até a sistematização neoclássica realizada por Walter Isard (1956ISARD, Walter (1956). Location and space economy: a general theory relation to industrial location, market areas, land use trade and urban structure. Cambridge: MIT Press.).

Baseadas no individualismo metodológico e nas escolhas racionais e maximizadoras, dadas as restrições, com a dotação de recursos inscrita em uma superfície homogênea, contínua e plana, realizam-se os cálculos que regulariam a eficiência nos deslocamentos dos agentes, medida via custos de transportes. A unidade "decisória", usuária de "solo", de assentamento, de vantagens locacionais e de proximidade e acessibilidade a bens e infra-estruturas, segundo seus gostos e preferências individuais, realizariam suas escolhas por espaço/localização. Produzir e consumir não seriam atos indiferentes à sua localização e "a rigor, qualquer transação econômica envolve agora um custo para superar a distância, ou que, para ser disponível, um recurso deve ser antes acessível" (SMOLKA, 1984SMOLKA, Martin O. (1984). O espaço no paradigma neoclássico: notas críticas. Estudos Econômicos, 14(3): 767-784, set./dez.: 771). Ao cabo do processo, afirma-se uma distribuição final racionalizada "das pessoas e dos objetos", otimamente dispostas no espaço geográfico; mas, um espaço amorfo.

Em um espaço-plataforma homogêneo, dotado de contigüidade, um plano geométrico, cristalizariam-se as aglomerações humanas e agrupar-se-iam certas atividades econômicas. Cada bem ou serviço produzido apresentaria uma escala ótima de produção, correspondente a uma demanda repartida regularmente por esse "mercado territorial" homogêneo. "As empresas se repartiriam regularmente no espaço fugindo da concorrência e buscando a proximidade dos clientes" (Benko, 1995BENKO, Georges (1995). Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec.: 52). Em tal ambiente não pode, naturalmente, operar rendimentos crescentes ou externalidades, que criariam fricções e imperfeições à livre "competição espacial" dos agentes.

Os territórios são, nestas construções teóricas, meros receptáculos neutros, sítios sem textura ou entorno. Um platô ou espaço reflexo, inerte, segundo essa concepção empirista do espaço-plataforma. Não é à toa que o espaço é plenamente identificado à distância. Esse é o seu principal atributo. As superfícies pouco importam. Os espaços são meros recipientes, segundo LipietzLIPIETZ, Alain (1977). O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel.. A racionalidade é preservada ao demonstrar-se que no balanço entre deseconomias aglomerativas (desvantagens e custos da alta concentração metropolitana, por exemplo) e economias externas, proporcionadas pela densa aglomeração de atividades e pessoas, os benefícios são bastante compensadores em relação aos custos. Portanto, o tamanho ótimo seria o resultado da posição equilibrada dessa balança.

Apesar da estreiteza metodológica, importantes perguntas são formuladas acerca da dimensão espacial dos processos de desenvolvimento por aqueles autores clássicos, em certo sentido de forma marginal, ou seja, constituindo-se em uma agenda ampla, mas periférica ao mainstream das ciências sociais, que em sua maioria é a-espacial. Os temas e as questões analisadas são variados e seguindo, muitas vezes, trajetórias teóricas pouco convergentes ou mesmo integráveis, mas que contribuíram para que se estruturasse, mais tarde, uma problemática específica. Vejamos algumas de suas teses. A origem do processo que inaugura o crescimento econômico regional é, geralmente, sua singular dotação inicial e relativa de recursos naturais. Existe uma tendência inerente a se agrupar, aglomerar e concentrar as pessoas e as atividades econômicas e sua distribuição geográfica inclina-se a seguir um padrão assimétrico. A distribuição espacializada das estruturas econômicas se dá a partir de pontos ordenados de produção e zonas de mercado de consumo. Neste sentido, a discussão do tamanho do mercado e das distâncias se tornou elemento fundamental da análise. As escolhas de lugar para produzir e consumir teriam natureza complexa. A interdependência econômica e a articulação física e funcional são elementos a serem pesquisados. A distância do mercado hierarquiza o território, estruturando-o em rede de centros urbanos. Há uma enorme diversidade de porte e na forma de distribuição das cidades. Alguns núcleos urbanos e regionais emergem como pontos com alta centralidade. Procura-se avançar uma tipologia, com a classificação dos fatores locacionais: os fatores aglomerativos e desaglomerativos e os efeitos de atração e repulsão. Analisa-se o processo de concentração/desconcentração espacial dos fatores e atividades, buscando uma teoria da localização (sobretudo industrial). Avaliam-se as influências das economias de escala, economias de urbanização e economias de localização. A configuração regional e urbana seria a resultante do balanço dessas forças e efeitos. As análises centradas nas atividades terciárias e sua capacidade de "estruturação espacial" também ganham relevo. Quanto à questão especificamente urbana, caberia lembrar a concepção funcionalista de cidade como "organismo social" da escola da ecologia humana de Chicago, que acabou seguindo uma via de diálogo com as teorias mais conservadoras do debate regional.

Outra visão de local adveio do artigo seminal de Douglas C. North (1955NORTH, Douglas C. (1955). Teoria da localização e crescimento econômico regional. In: SCHWARTZMAN, Jacques (org.) (1977). Economia Regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar.), que lançou os fundamentos para a teoria da base exportação, que assevera que os espaços urbanos ou regionais têm seu apoio econômico e seu processo de crescimento induzido e orientado pela sua capacidade de exportação, dividindo suas atividades em "básicas" (de venda ao exterior) e "não-básicas" (de suporte às atividades exportadoras)2 2 “De maneira geral, o início do processo de desenvolvimento de uma região faz-se através da exportação de algum recurso natural prévio ou de alguma atividade primária (...) Somente as regiões que possuírem recursos naturais, em quantidade economicamente aproveitável e na qualidade requerida, serão capazes, em princípio de atender á demanda externa” (Schwartzman, 1975: 52). . O local deverá reagir positivamente ao impulso inicial possibilitado pelo setor exportador e desencadear um conjunto de reações em cadeia, dinamizadoras de atividades não-básicas urbanas (endógenas), que possibilitará o crescimento urbano-regional.

ALGUMAS VIAS ALTERNATIVAS A ESTE DEBATE

Seria importante discutir, brevemente, algumas trajetórias teóricas que se desenvolveram alternativamente às concepções mais tradicionais apresentadas até aqui.

Nos anos 50 e 60, o debate sobre os processos desenvolvimento regional e urbano recebeu influência direta de todas as correntes principais das chamadas teorias do desenvolvimento econômico. Ou seja, ocorre uma transposição muitas vezes direta do debate internacional e nacional para a escala regional. Assim, tivemos as vertentes que partiam seja criticamente ou para reafirmarem o caráter seqüencial do processo de desenvolvimento segundo o etapismo, em âmbito regional das formulações de Rostow (1959ROSTOW, W. W. (1959). Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não-comunista. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.). Também o debate urbano-regional sofreu influência das teorias do crescimento equilibrado, colocando a necessidade de um tratamento concertado e simultâneo "em diversas frentes", com grande sincronia, a fim de superar os obstáculos ao desenvolvimento regional. Mas talvez a maior influência tenha partido das formulações de Hirschman (1958HIRSCHMAN, Albert O. (1958). Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.), vendo o processo de desenvolvimento como uma cadeia de desequilíbrios, e de Myrdal (1957MYRDAL, Gunnar (1957). Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Saga.), com sua teoria da causação circular acumulativa. Ambos, assim como Perroux (1955PERROUX, François (1955). O conceito de pólo de crescimento. In: SCHWARTZMAN, Jacques (org.) (1977). Economia Regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar.), segundo Furtado (1966FURTADO, Celso (1966). Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983.: 90)3 3 Tais páginas são extremamente reveladoras da influência decisiva dos três autores nas formulações de Furtado e de toda a Cepal. Após sintetizar as contribuições de Myrdal, Hirschman e Perroux, ele afirma que “o estudo do desenvolvimento tende a concentrar-se nas caracterização das estruturas, na identificação dos agentes significatƒvos e nas interações entre determinadas categorias de decisões e as estruturas. Estas condicionam o processo de irradiação e a eficácia no espaço e no tempo das decisões, como vimos ao analisar os efeitos de arrasto e propulsão, mas ao mesmo tempo são por elas determinados” (Furtado, 1966: 92). , realizaram o estudo das macrodecisões, procurando analisar “as cadeias de reações provocadas por decisões autônomas, [pois só assim) será possível identificar fatores que aumentam ou reduzem sua capacidade de reação". As reações em cadeia, dependentes do nível de desenvolvimento das forças produtivas e da complexidade da estrutura local de produção, provocam efeitos de arrasto (backward linkage) e efeitos de propulsão (farward línkages). A articulação de tais efeitos criariam os impulsos transformadores do processo estrutural de desenvolvimento. A riqueza destes três autores, captada devidamente nas formulações de inspiração cepalina, ao analisarem a questão das heterogeneidades estruturais das economias periféricas, reside na perspectiva avançada do tratamento analítico destas macrodecisões por um agente privilegiado o Estado ou outra "unidade dominante" (a grande empresa, por exemplo) em um contexto ou ambiente macroeconômico, resultante da interação de uma pluralidade de decisões cruciais. Seria o Estado o agente privilegiado para avaliar e realizar a síntese das inúmeras cadeias de reações provocadas pelas múltiplas decisões.

Seria importante reter esse ponto, do papel das macrodecisões, segundo essa corrente teórica, para realizar o contraponto com o que poder-se-ia chamar de microdecisões, conforme a outra abordagem, que discutiremos mais à frente.

Cabe lembrar ainda as contribuições teóricas de extração marxista, que buscaram analisar as complexas relações entre a estrutura e a dinâmica do modo de produção capitalista e sua organização espacial. Sob o prisma do movimento da acumulação de capital, examinaram a organização espacial como manifestação e "reflexo" das relações de produção e da luta de classes. Ou seja, buscaram realizar a análise das relações complexas entre o modo de produção e sua forma espacial decorrente.

A concepção teórica e metodológica que perpassa todas as formulações não conservadoras, a partir daí, é a de que o espaço é uma produção social, procurando analisar os conflitos que se estruturam e das lutas que se travam em torno deste ambiente construído socialmente. Nenhum recorte espacial poderá ser mais visto como passivo, mero receptáculo e sem contexto institucional e moldura histórica.

Conhecendo grande desenvolvimento a partir dos anos 70, a investigação inspirada em Marx, acerca da produção e reprodução social do espaço e do ambiente construído, colocou a ênfase na relação entre Estado e capital em sua intervenção sobre o espaço. Diversas foram as contribuições aportadas pela geografia radical, crítica e marxista, assim como da sociologia urbana e da economia política. Cabe destacar as formulações, por vezes conflitivas entre si, dos seguintes autores nessa empreitada: David HarveyHARVEY, David (1973). A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980., Henri Léfebvre, Manuel CastellsCASTELLS, Manuel (1972). A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983., Alain LipietzLIPIETZ, Alain (1977). O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel., Doreen MasseyMASSEY, Doreen. Spatial divisions of labor: social structures and the geography of production. 2. ed. New York: Routledge, 1995., Jose Luiz CoraggioCORAGGIO, Jose L. (1988). Territorios en transición: crítica a la planificación en América Latina. Quito: Ciudad., Milton Santos, Neil Smith, Edward Soja, dentre outros.

É preciso destacar, também, que parcela significativa desses esforços teóricos se esterilizou em tentativas inócuas de definir local, lugar, região, ou seja, ter à disposição uma teoria clara de delimitação de escalas. Da mesma forma, o acalorado debate em torno dos conceitos de espaço, região, lugar, território etc. revelou-se, ao fim e ao cabo, pouco conclusivo.

Recentemente, o debate sobre a dimensão espacial do desenvolvimento foi invadido pelas interpretações oriundas da chamada "nova teoria do crescimento endógeno", elaboradas a partir dos artigos seminais de Romer (1986ROMER, P. M. (1986). Endogenous technological change. Journal of Political Economy, 98(5): 1002-1037.) e Lucas (1988LUCAS, R. (1988). On the mecanisms of economic growth. Journal of Monetary Economics, 22(1): 3-42.), buscando a endogeneização do progresso técnico no modelo de Solow (1956SOLOW, R. A. (1956). Contribution to the theory of economic growth. Quartely Journal of Economics, 70(1): 65-94.) e que procuram ressaltar o papel dos investimentos em P&D e em capital humano como explicação da não tendência à convergência nas taxas de crescimento entre espaços diferenciados.

As intervenções de Krugman (1991KRUGMAN, Paul (1991). Geography and trade. London: MIT Press. e 1995KRUGMAN, Paul (1995). Development, geography and economic theory. Massachusetts: MIT Press.) nesse debate resultaram em um verdadeiro "renascimento" do debate do crescimento econômico regional, sobretudo no seio do mainstream. Segundo ele, seria necessário reconhecer as contribuições importantes aportadas pela "antiga" teoria do desenvolvimento, por terem chamado a atenção para as complementaridades estratégicas e as economias externas, mas é preciso criticá-la pois a mesma teria fracassado na modelização de suas idéias, ou seja, por terem profundas "falhas de formalismo", o que determinou que estas não fossem reconhecidas pelas principais escolas contemporâneas de economia. Destaca o papel da hipótese de que os retornos sociais dos investimentos são maiores do que os retornos privados por causa das economias externas. Criticando as teorias tradicionais da Economia Regional, ressalta que estas não apresentaram os mecanismos dinâmicos do auto-reforço endógeno, formado pelas externalidades presentes em dado ambiente. Assim, sugere o esforço teórico de incorporação nos modelos econômicos da existência de rendimentos crescentes, em um ambiente de concorrência imperfeita.

Por fim, é bom lembrar que os pesquisadores dessa "nova teoria" admitem a intervenção do Estado para contrabalançar as posições de "equilíbrio sub-ótimo", resultantes das "falhas de mercado", mas sobretudo para engendrar um ambiente favorável, estimulante dos investimentos privados, como por exemplo, via maiores gastos em educação ou esforços de aperfeiçoamento regulatório, ou qualquer despesa pública que seja "produtiva", no sentido de desobstruidora e restauradora de condições adequadas à maior produtividade dos fatores, aperfeiçoando o ambiente institucional e possibilitando a diminuição dos "custos de transação" na operação do sistema econômico.

Em suma, após esta sucinta resenha das diversas correntes teóricas, é bom ressaltar o aspecto comum em que todas fracassaram. Todas são tentativas frustradas de elaboração de teorias abstratas, tendo por base princípios que seriam dotados de validez geral. Estes autores, malgrado procurarem, de forma equivocada, elaborar esquemas teóricos generalizantes, com pretensão de dar conta de processos necessariamente específicos, histórica e geograficamente, contribuíram para chamar a atenção para a problemática das diversidades espaciais e para o reconhecimento da necessidade de uma abordagem interdisciplinar desses processos.

A IMPOSSIBILIDADE DE UMA TEORIA GERAL DO DESENVOLVIMENTO E A NECESSIDADE DE PENSAR A HISTÓRIA EM TODAS AS SUAS ESCALAS

As tentativas de formulações abstratas acerca dos fenômenos regionais e urbanos acabaram, para utilizar uma expressão feliz de Florestan Fernandes, ou sacrificando os fatos à teoria ou a teoria aos fatos. É preciso mergulhar nos processos históricos para captar e apreender as manifestações concretas dos fenômenos inerentes à dimensão espacial do processo de desenvolvimento capitalista em cada situação específica. A impossibilidade de tal Teoria do Desenvolvimento acabada deriva da impossibilidade do estabelecimento de leis de validade universal no que diga respeito ao processo de desenvolvimento. As leis de movimento e reprodução só podem ser apreendidas em sua realidade histórico-concreta. Tratam-se de estruturas, dinâmicas, relações e processos historicamente determinados.

No entanto, é fundamental a clara distinção entre historicidade (deste objeto "urbano-regional" concreto) e historicismo (absolutização do caso). O grande desafio é reter as determinações gerais e procurar recorrentemente decifrar as “situações reais”.4 4 ”Mudam freqüentemente as regras do jogo entre os atores e as estruturas, ainda que certas relações continuem sendo constitutivos e permitam compreender as leis de movimento e reprodução. E impossível falar em capitalismo sem falar nos ‘capitalismos'. Aliás, este conceito só pode existir enquanto unidade das diferenças. Os tempos e os espaços não são newtonianos nas ciências sociais. São criados pela ação humana coletiva e quase nunca as intenções combinam com os resultados da ação. E é isso que condena esta forma dominante de organização da vida social moderna à transformação incessante e contraditória. O passado, a ação humana coletiva cristalizada nas instituições e formas de convivência existentes têm peso na configuração das práticas do presente. E preciso distinguir historicidade de evolucionismo”. (Belluzzo, 2002: 437).

E preciso pensar as regiões e os urbanos enquanto loci de reprodução social específicos, investigar sua decorrente inserção em uma divisão inter-regional do trabalho, ou seja, analisar a produção de espaços concretos, captando as suas determinações históricas particulares.

Vimos que é necessário investigar os contornos histórico-institucionais concretos em que se processam a execução das leis imanentes e das determinações mais abstratas. Estas determinações não podem ser utilizadas sem mediações, fora das seqüências do real-concreto que têm vigência histórica peculiar. É preciso construir e hierarquizar as determinações necessárias. A divisão social do trabalho deve ser a categoria explicativa básica da investigação da dimensão espacial do desenvolvimento, posto que permeia todos os seus processos, em todas as escalas.

Expressão do estágio atingido pelo desenvolvimento das forças produtivas, essa categoria mediadora é a adequada para se estudar as heterogeneidades, hierarquias e especializações intra e inter qualquer escala (regional, nacional, internacional). Capaz de revelar as mediações e as formas concretas em que se processam e manifestam a reprodução social no espaço, expressa a constituição socioprodutiva interna e suas possibilidades (e a efetividade) de inserção no contexto maior, isto é, sua posição em uma relação hierárquica superior.

Sob o regime capitalista de produção, a divisão social do trabalho se aprofunda e sofistica, recorrentemente, e as articulações entre espaços diferenciais se processam de forma regular e ordenada5 5 "A divisão do trabalho na sociedade é a base histórica da diferenciação espacial de níveis de condições de desenvolvimento” (Smith, 1988: 152). , embora com natureza desigual, complexa e de forma combinada e sujeita a um processo de evolução hierárquica, submetidas a leis centros de controle e padrões diversificados e específicos de inserção.

INSTITUIÇÕES E TERRITÓRIOS EM AMBIENTES DE HETEROGENEIDADES ESTRUTURAIS, COMO OS DA SITUAÇÃO DE ATRASO ESTRUTURAL E SUBDESENVOLVIMENTO NO BRASIL

Pensar a. construção de instituições em territórios de grandes heterogeneidades estruturais (produtivas, sociais e regionais), como o Brasil, é tarefa complexa e urgente. Nossas diversidades produtivas, sociais, culturais, espaciais (regionais, urbanas e rurais) precisam ser utilizadas no sentido de positividade. Sempre foram encaradas como desequilíbrios, assimetrias e problemas. É possível, com estratégias persistentes de desenvolvimento, fazer operar essa sua imensa diversidade e criatividade no sentido do avanço social, político e produtivo.

É preciso se perguntar o que pode significar a persistência secular de uma sociedade cindida entre uma grande maioria que se localiza subordinadamente na sociedade, configurando uma verdadeira massa de não-cidadãos e uma pequena minoria privilegiada que goza de direitos civis e garantias sociais plenos?

Torna-se impossível para a construção de uma sociedade nacional manter parcela tão expressiva da população jazendo condenada a permanecer à margem dos processos de integração social. Para se estabelecer estratégias de desenvolvimento, seja na escala local, regional, ou nacional, torna-se imprescindível em ambiente social, institucional e político de profundas heterogeneidades, buscar, de forma organizada, descolonizar a vida pública e privada do país.

Vejamos, sucintamente, os traços mais marcantes da corrente internacional a ser enfrentada, que nos impõe um enquadramento perverso e unilateral e uma hierarquia tirânica às relações políticas, econômicas e culturais do mundo neste início do século XXI. Há uma crescente hipermobilidade e internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos do capital mundializado, debilitando os centros nacionais, regionais e locais de decisão e comando sobre os destinos de qualquer território. No caso específico dos países continentais, desiguais e com marcantes heterogeneidades estruturais (produtivas, sociais, regionais), como o Brasil, esta situação se revela ainda mais dramática, ensejando um processo de agudização das marcas do subdesenvolvimento desigual, excludente e segregador. Uma das primeiras manifestações desta desconstrução nacional se revela no esgarçamento do pacto federativo, desorganizando as articulações entre o poder central e os poderes locais/regionais. Sem política de desenvolvimento nacional, esses países jazem à mercê dos fluxos imprevisíveis do mercado internacional, destruíram parte de sua riqueza produtiva e fragmentaram seu tecido social.

No plano internacional, e no interno também, é preciso enfrentar o pensamento único que proclama que bastaria cumprir ainda mais ("aprofundando o ajuste") as "exigências" da globalização, deste novo imperialismo da "partilha dos lugares eleitos", se ajustando, adaptando e submetendo a esta "fatalidade", para se tornar um espaço receptivo e conquistador da confiança dos agentes econômicos mais poderosos.

O certo é que o capitalismo, como sempre o fez, nos últimos anos aperfeiçoou e apurou seus instrumentos de ação, aprendeu ainda mais a mobilizar as heterogeneidades e as diversificadas "forças sociais, históricas, culturais e geográficas" dispersas, dando-lhes a sua coerência. Aprimorou sua capacidade de ser transescalar, isto é, utilizar as escalas nacional, regionais e locais em seu próprio benefício, isto é, o do ganho rápido e sem constrangimentos. Se o sistema esmerou sua ação, é preciso que quem quer que procure regulá-lo e transformá-lo deve fazer o mesmo: aperfeiçoando sua capacidade de promover ações também transescalares. Neste contexto, as ações políticas devem ser mais ágeis, potentes, sistemáticas e devem ser empreendidas simultaneamente em várias direções escalares. É necessário capacidade de aprendizagem para engendrar essa nova ação, rompendo as visões compartimentadas e as falsas dicotomias: econômico x político x social e produção x cidadania etc.

Se as ações de enfrentamento devem reconhecer "o novo" dessas formas do agir, que buscam a valorização máxima, sem maiores problemas e incômodos, para suas grandes fortunas, empresas e propriedades, devem também estar cientes "do velho", do peso da herança das velhas estruturas e seus arraigados interesses de preservação.

Apesar da rápida modernização que se processou no Brasil, a coalizão de poder do pacto de dominação interna não foi modificado. É bom sempre lembrar que a industrialização brasileira se processou em um ambiente acolhedor de interesses conflitantes, em que não coube o redesenho do aparelho financeiro (supridor de crédito de longo prazo), do aparelho fiscal (não-regressivo e com carga impositiva adequada e mecanismos anti-evasão de tributos) e do aparelho de ciência, tecnologia e de aprendizagem (gerador, absorvedor e adaptador de inovações). Ou seja, não se desenvolveu no Brasil os três típicos "corações" do capitalismo desenvolvido: o sistema de crédito, o sistema de exação tributária e o sistema de inovação. Como não se logrou a constituição de um núcleo autóctone de dinamização inovacional e o Estado não teve potência para enfrentar e enjaular a força da coalizão oligárquico-patrimonialista-rentista do poder político e econômico que se instalou há séculos no país, não logrou desenvolver e articular os três sistemas mencionados, constituindo formas capitalistas travadas e mutiladas, especialistas em buscar artifícios de valorização fácil para sua riqueza.

Como pensar na construção de competitividade sistémica e na mobilização de forças econômicas alternativas a essa coalizão se a equação política e econômica cristalizada no Brasil passa necessariamente pela valorização dos capitais mercantis/oligárquicos domésticos e pela manutenção do atraso estrutural? Esses capitais sobrevivem econômica e politicamente ancorados em uma pactação singular de órbitas e circuitos reprodutivos, que se entrecruzam, porém passam sempre pela propriedade fundiária monopolista (rural e urbana) como alicerce do poder político, pelos circuitos imobiliários capciosos, pela manutenção patrimonialista, pela especulação legitimada e bancada pela ação estatal etc. O certo é que "sabemos muito pouco sobre a articulação entre a industrialização e os movimentos das órbitas subordinadas, que, pela peculiar constituição de nosso capitalismo, obtém do político uma fração substancial do excedente geral do sistema". Uma dificuldade-chave para o entendimento da equação política montada é que "as órbitas subordinadas do ponto de vista da industrialização não o são sob o ponto de vista político" (LESSA; DAIN, 1982LESSA, Carlos; DAIN, Sulamis (1982). Capitalismo associado: algumas reflexões para o tema Estado e desenvolvimento. In: BELLUZZO, Luiz G.; COUTINHO, Renata (1982). Desenvolvimento Capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise atual. São Paulo: Brasiliense.: 225). Sobretudo, entendemos que desconhecemos grande parte da dinâmica e dos "segredos" e idiossincrasias e da natureza da subordinação destas órbitas e circuitos não-industriais. Não desvendamos sua lógica de valorização fundada nos lucros extraordinários diferenciais ancorados na "esfera da circulação" e que tiveram sempre uma articulação genética com o Estado. Os circuitos se interpenetram, mesclando os circuitos especulativo, imobiliário, comercial e "bancário"/usurário, determinados por sua dupla face mercantil e financeira, requerendo, recorrentemente, algum privilégio público. Assim, as pesquisas precisam investigar como se dá a valorização da pluralidade das diversas e heterogêneas frações do capital, com diversos portes, nos diversos setores, nas diversas regiões e nos diversos urbanos e espaços rurais brasileiros. E a prática política, nas escalas nacional, regional e local deve combatê-las cotidianamente, se pretender engendrar qualquer processo de desenvolvimento.

Investigar a natureza do pacto que solda os variados interesses de nossas elites não é tarefa fácil. Possivelmente o texto mais importante das ciências sociais dos últimos vinte anos (TAVARES, 1999TAVARES, Maria C. (1999). Império, território e dinheiro. In: FIORI, J.L. (org.). Estado e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes. ), desvendou e expôs didaticamente o pacto oligárquico de dominação interna e de governabilidade antidemocrática das elites brasileiras.

Temos uma reprodução social "dos de cima" de natureza bifronte. Por um lado, contando com cúpulas políticas territoriais que são sedimentadas na terra, possuindo apego patrimonialista orgânico com a terra-propriedade, praticantes da "agricultura itinerante" (FURTADO, 1974; CANO, 2000b), da apropriação privada do território, "sem moldura de regulação das lutas das oligarquias regionais" (TAVARES, 1999TAVARES, Maria C. (1999). Império, território e dinheiro. In: FIORI, J.L. (org.). Estado e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes. ). Por outro, contando com cúpulas do poder cosmopolitas, ligadas ao império e ao dinheiro, que se articulam sob total submissão à grande finança internacional.

Ambas as frações da elite desenvolveram capacidade pretensamente infinitas de reinventar permanentemente novos espaços de acumulação (especializados na "fuga para a frente" territorial e rentista), reinventar o dinheiro, praticar a superexploração do trabalho e tratar o povo como semiescravo, mas sempre buscando renovadas "fronteiras" de valorização interiorizadas e impedindo a politização e a luta de classes aberta, o que cristaliza uma marcha interrompida, tanto do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas modernas quanto do ponto de vista dos direitos sociais (TAVARES, 1999TAVARES, Maria C. (1999). Império, território e dinheiro. In: FIORI, J.L. (org.). Estado e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes. ).

Com os fundos públicos minguados, essa ação se torna ainda mais inorgânica e clientelista. A lógica do proveito próprio, contamina toda a sociedade, com baixíssima capacidade de suporte e normas de convívio, acaba por consolidar o imediatismo do presente, sem valores do passado e "perspectivas" de futuro. Aprofundam-se as distorções da ação estatal, que já era bastante tutelar, vertical e discricionária com os de baixo e, excessivamente, acolhedora, horizontal e protetora com os de cima.

A grande pesquisa a ser realizada é avaliar como ganham com a regressão e a desestruturação produtiva e questionar até que ponto mantêm as velhas cláusulas do pacto básico de dominação que foram brilhantemente esquadrinhados em Lessa & Dain (1982LESSA, Carlos; DAIN, Sulamis (1982). Capitalismo associado: algumas reflexões para o tema Estado e desenvolvimento. In: BELLUZZO, Luiz G.; COUTINHO, Renata (1982). Desenvolvimento Capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise atual. São Paulo: Brasiliense.). Como analisar a lógica do ganho fácil especulativo, rentista e patrimonialista, e que, com a desregulamentação financeira, acelerou o desmonte da fronteira entre valorização lícita e ilícita.

O dramático é que a valorização ilícita, que ocorre transitando por circuitos escusos, atrai para sua órbita uma parcela crescente de não-proprietários e de não-incorporados nos mercados formais de trabalho. Esta imensa "massa sobrante", heterogênea, despolitizada e inativa acaba encontrando "refúgio" na "economia subterrânea de subsistência". Essa massa de marginalizados que foi secularmente disponibilizada para integrar-se ao proletariado, mas que não vem logrando esta "meta".

Os processos que reproduzem a situação de subdesenvolvimento, as forças do atraso estrutural, as forças da mera especulação que dominam o país, as forças dessas órbitas não-industriais e circuitos especulativos que comandam o Brasil são poderosas. Então, temos todo um capital mercantil, especulativo, patrimonialista, imediatista, que só pensa a sua valorização fácil presente. É difícil pensar uma ação planejada num país que tem tal imediatismo de propósitos, em todos os sentidos. Se por um lado a elite é assim, por outro lado o povo brasileiro, por ser um povo sofrido, com um imenso contingente marginalizado, não pode e não consegue aceitar promessas ou ações em um horizonte temporal maior. Assim, apesar do imediatismo, a ação estratégica tem de ser muito forte e sistémica, no sentido de tentar enfrentar as persistências do subdesenvolvimento e as forças antipopulares.

À GUISA DE CONCLUSÃO: CONSTRUIR CIDADANIA, ALARGAR ESPAÇOS DE CONCERTAÇÃO DE INTERESSES E RESGATAR A POTÊNCIA VIRTUOSA DE NOSSA DIVERSIDADE

Como enfrentar essas malformações congênitas do capitalismo brasileiro? Qual a escala adequada e mais eficaz para se tratar de frente, e de forma incisiva, tantas dimensões? Como articular projetos e estratégias de desenvolvimento econômico com inclusão social? Qual a real força das microdecisões, das parcerias público-privadas etc para promoverem processos de transformação?

Em todas as escalas espaciais (nacional, mesoregional, local etc) é preciso ter uma ação orientada pela visão de que o atraso e o subdesenvolvimento são processos persistentes e cumulativos. Neste contexto, o papel da força coletiva legitimada do Estado é decisivo.

O processo de construção do desenvolvimento é necessariamente envolto em forte tensão. O enfrentamento em diversas frentes das forças do subdesenvolvimento deve estar informado pela interpretação que reconheça que quando se fala em desenvolvimento, no adequado sentido de "alargamento dos horizontes de possibilidades", se está falando necessariamente de suas duas faces: 1) aquela própria dos processos de se arranjar, montar, dar sentido, direção, coerência às transformações que uma sociedade quer armar e projetar para o futuro, dispondo de certos instrumentos eleitos para determinados fins; 2) aquela própria dos processos de se desmontar, desarranjar, importunar, constranger, frustrar expectativas e ações deletérias à construção social (BRANDÃO, 2003BRANDÃO, Carlos A. (2003). A dimensão espacial do subdesenvolvimento: uma agenda para os estudos urbanos e regionais. (Tese de livre docência). 2003. Campinas: IE-Unicamp. (no prelo).).

Desenvolver, de forma inclusiva, com duração e sustentabilidade, significa distorcer a correlação de forças, importunar diuturnamente as estruturas e coalizões tradicionais de dominação e reprodução do poder. É exercer em todas as esferas de poder uma pressão tão potente quanto o é a pressão das forças que perenizam o subdesenvolvimento. Para tanto, seriam necessários uma mudança profunda na correlação de forças políticas e o enfrentamento de interesses poderosos. É preciso se questionar, em qualquer escala, quem ganha com a atual concentração de renda e riqueza e com a especulação e o imediatismo, tendo clareza que os ganhadores com o secular modelo patrimonialista mostrarão sua força.

A abordagem e o enfrentamento dos problemas devem ter a natureza do que se está chamando atualmente de transescalar. Tem de agir e trabalhar em todas as escalas. Não ficar apenas na escala localizada, mas estar ciente de que trata-se de um jogo inter-regional, inter-nacional, inter-local etc. Vainer (2001VAINER, Carlos B. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, 2001. Anais... Rio de Janeiro, 28 de maio a 1º de junho de 2001, pp. 140-151.) apresentou importantes pistas de como se pode, em todos os âmbitos em que -você estiver, seja no municipal, estadual etc., agir em várias escalas geográficas. Hoje existe uma possibilidade muito grande de conseguir fazer isso. Em todas as escalas é possível articular ações de natureza transescalar, fazendo aquele duplo jogo: o jogo do arranjo e o jogo de importunar e desarranjar as forças que atrapalham a geração de uma sociedade que tenha por base tanto a eqüidade, quanto a eficiência.

Assim, deve-se combater a visão amplamente divulgada de que o poder, a propriedade etc. vêm sendo diluídos, se tornando dispersos na atmosfera sinérgica das eficiências coletivas e solidárias de um determinado local "que deu certo". Talvez a falha mais grave, em última instância, de grande parte da literatura up-to-date sobre desenvolvimento é que ela negligência totalmente a questão fundamental da hegemonia e do poder político.

O poder não é disseminado, obviamente. Existe uma coesão orgânica extra-localizada, que não é abalada pelas iniciativas empreendedoras ou pela atmosfera de progresso. Mas a visão da endogenia exagerada, não reconhecendo esta complexidade social e das escalas espaciais, deposita, por vezes, toda a potência na vontade dos atores sociais de um determinado recorte territorial que enfeixaria todos os requisitos de superação do subdesenvolvimento.

Perde-se neste enfoque qualquer perspectiva de se pensar verdadeiramente as heterogeneidades estruturais (produtivas, sociais e espaciais) de países como o Brasil, em processo de esgarçamento de seu já historicamente frágil pacto federativo. Para se pensar o fortalecimento da federação é preciso encarar a questão complexa de que, no caso brasileiro, "um dos fatores constitutivos da organização federal de nosso Estado é, também, uma ameaça à sua existência" (AFFONSO, 2000AFFONSO, Rui B. A. (2000). Descentralização e reforma do estado: a federação brasileira na encruzilhada. Economia e Sociedade, Campinas, (14): 127-152, jun.: 132), ou seja, a diversidade regional e a marginalização de uma imensa maioria da população, quando se transformam em assimetria extrema podem desembocar em processos de fratura, inclusive federativa.

Neste sentido, para se pensar a repactuação federativa e a construção de um patamar mínimo de homogeneidade social, como pré-requisitos de um verdadeiro processo de desenvolvimento, é preciso empreender a visão chamada aqui de transescalar.

O debate deve ser realizado com consciência das limitações do crescimento econômico para, automaticamente, incluir os excluídos; com uma boa crítica à visão dicotômica política econômica versus políticas sociais e não deve resvalar para uma discussão economicista de "falta de dinamismo" para gerar emprego e renda, a fim de possibilitar a inserção orgânica dos excluídos, mas deveria partir das alternativas concretas de construção de cidadania, dignidade, segurança e proteção, com radicalidade democrática.

Entendemos que o enfrentamento à visão hoje hegemônica passaria pela discussão de propostas alternativas e pelo tratamento adequado da articulação de todas as escalas geográficas.

Grande parte desta produção intelectual exagera na capacidade endógena de determinado espaço engendrar um processo virtuoso de desenvolvimento sócio-econômico, replicar as características exitosas, tomadas de outros casos e contextos, e, dessa forma, esta corrente teórica principal acaba por subestimar os enormes limites colocados à regulação local.

Como bem afirma Milani (2002MILANI, Carlos (2002). Teorias do capital social e desenvolvimento local: lições a partir da experiência de Pintadas (Bahia, Brasil). NPGA/NEPOL/PDGS. Disponível em http://www.adm.ufba.br/apesqnepol_capital.htm.
http://www.adm.ufba.br/apesqnepol_capita...
: 1):

considerado como projeto (François Perroux, 1961), caminho histórico (Ignacy Sachs, 1993), pluridimensional (Henri Bartoli, 1999), o desenvolvimento local é sabidamente ·marcado pela cultura do contexto em que se situa (...) é também fruto de relações de conflito, competição, cooperação e reciprocidade entre atores, interesses e projetos de natureza social, política e cultural.

Muitas vezes nestas discussões de desenvolvimento local, há grande exagero na capacidade de aprendizagem, na busca de aquisições diferenciais vantajosas em acúmulo coletivo, possibilitados pela proximidade física e pelo exercício de criatividade e de geração e apropriação de sinergias coletivas. Caberia lembrar que, da mesma forma que na literatura internacional, estes trabalhos, muitas vezes, resvalaram por apresentar uma tamanha dimensão de identidade e de "tendência combinatória" dos atores de um dado milieu, que exageram a harmonia de interesses, quase uníssonos, daquela porção do território. Esta "endogenia exagerada" das localidades crê piamente na capacidade das vontades e iniciativas dos atores de uma comunidade empreendedora e solidária, que tem auto-controle sobre o seu destino. Para essas leituras equivocadas do desenvolvimento local, classes sociais, ação pública, hegemonia etc seriam componentes, forças e características de um passado totalmente superado, ou a ser superado.

O certo é que a capacidade de ter centros de controle e de decisão internos à localidade, tendo por base a própria dinâmica endógena é bastante questionável. A análise das situações concretas deve partir das determinações mais profundas de um regime social de produção capitalismo que necessariamente leva às últimas conseqüências a mercantilização e o aprofundamento recorrente da divisão social do trabalho em todas as possíveis dimensões temporais e escalas espaciais.

A escala de intervenção local deve ser o locus do alargamento das arenas públicas, da abertura e da desobstrução dos canais de participação, mobilização, transparência, avaliação, construção de indicadores e monitoramento, não descurando e procurando ter uma concepção abrangente das possíveis ações nas outras escalas.

Toda ação promovida no sentido do desenvolvimento local deve ter o sentido de incorporar socialmente, de construir cidadania e de ter natureza pedagógica e politizadora.

Pensamos que qualquer caminho perspectivo para o Brasil de discussão do desenvolvimento socioeconômico e do avanço político terá de ser o de resgatar a potência virtuosa de nossa diversidade. Nós sempre trabalhamos as heterogeneidades estruturais do país como problemas. É uma idéia equivocada. Sempre vimos nossa diversidade como grande empecilho. Poderíamos trabalhar todas essas assimetrias como um campo interessante de diversidade de um país continental muito rico e complexo em todos os sentidos, pois somos uma sociedade multicultural, uma sociedade "multipluritudo", com grande inventividade e criatividade, que tem todas as possibilidades de construir algo diferente e alternativo nos trópicos.

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  • 1
    Esses “custos de interação espacial” refletiriam o “conjunto de custos econômicos impostos pela distância” (...), pois “vencer a distância que separa dois pontos do espaço geográfico exige esforço, recursos e tempo. Esse custo exprime-.se de várias maneiras: custo de transporte das mercadorias, custo de comunicação da informação, custo de deslocamento das pessoas, etc” (...) “os custos impostos pela distância não são apenas custos diretos. Ultrapassar o atrito do espaço exige tempo” (Polèse, 1998POLESE, Mario (1998). Economia urbana e regional: lógica espacial das transformações econômicas. Coimbra: APOR.: 56). Neste contexto de tomada de decisões "espaço-temporais”, coloca-se a questão do custo de oportunidade, da renúncia de se "utilizar o tempo em outra opção”.
  • 2
    “De maneira geral, o início do processo de desenvolvimento de uma região faz-se através da exportação de algum recurso natural prévio ou de alguma atividade primária (...) Somente as regiões que possuírem recursos naturais, em quantidade economicamente aproveitável e na qualidade requerida, serão capazes, em princípio de atender á demanda externa” (Schwartzman, 1975SCHWARTZMAN, Jacques (1975). A teoria da base de exportação e o desenvolvimento regional. In: HADDAD, Paulo R. Desequilíbrios Regionais e Descentralização Industrial. Rio de Janeiro: IPEA/INPES.: 52).
  • 3
    Tais páginas são extremamente reveladoras da influência decisiva dos três autores nas formulações de Furtado e de toda a Cepal. Após sintetizar as contribuições de Myrdal, Hirschman e Perroux, ele afirma que “o estudo do desenvolvimento tende a concentrar-se nas caracterização das estruturas, na identificação dos agentes significatƒvos e nas interações entre determinadas categorias de decisões e as estruturas. Estas condicionam o processo de irradiação e a eficácia no espaço e no tempo das decisões, como vimos ao analisar os efeitos de arrasto e propulsão, mas ao mesmo tempo são por elas determinados” (Furtado, 1966FURTADO, Celso (1966). Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983.: 92).
  • 4
    ”Mudam freqüentemente as regras do jogo entre os atores e as estruturas, ainda que certas relações continuem sendo constitutivos e permitam compreender as leis de movimento e reprodução. E impossível falar em capitalismo sem falar nos ‘capitalismos'. Aliás, este conceito só pode existir enquanto unidade das diferenças. Os tempos e os espaços não são newtonianos nas ciências sociais. São criados pela ação humana coletiva e quase nunca as intenções combinam com os resultados da ação. E é isso que condena esta forma dominante de organização da vida social moderna à transformação incessante e contraditória. O passado, a ação humana coletiva cristalizada nas instituições e formas de convivência existentes têm peso na configuração das práticas do presente. E preciso distinguir historicidade de evolucionismo”. (Belluzzo, 2002BELLUZZO, Luiz G. (2002). O compromisso entre teoria econômica e política econômica. Economia Aplicada, 6(2): 429-440.: 437).
  • 5
    "A divisão do trabalho na sociedade é a base histórica da diferenciação espacial de níveis de condições de desenvolvimento” (Smith, 1988SMITH, Neil. (1988). Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Forense.: 152).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2004
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