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Padrões culturais e mudanças na tradição em reação à sobrevivência econômica

Resumo

Rápidas e profundas mudanças provocadas na economia brasileira pela globalização econômica levaram à concepção de estratégias de sobrevivência por parte de diferentes agentes, presentes nos vários mercados da economia nacional. No estado da Bahia, os empresários se organizaram em torno da ação coletiva para lidar com as mudanças resultantes do esforço de adaptação da economia local. A tradição regional de relacionamento entre firmas, baseada na eventual e descontínua constituição de grupos de interesse para alcançar objetivos comuns, contrasta com os novos padrões de conduta exigidos em uma economia e sociedade globalizadas. Estes valorizam a cooperação como recurso para proceder à reestruturação de corporações, de mercados e de redes organizacionais, para melhor lidar com a competição internacional. O foco do presente artigo é examinar a relevância da cooperação e da confiança na organização da ação coletiva como uma estratégia implementada por meio de redes para lidar com as mudanças requeridas, sobretudo nos setores onde os atores locais encontram-se em posições mais vulneráveis em relação aos sistemas globalizados.

Abstract

Rapid and extensive changes ln the Brazilian economy have accelerated the strategies of economic survival in the different markets of the national economy. ln the region of Bahia, local entrepreneurs have organized collective action as strategies for dealing à with the changes endured by the economy locally. The regional tradition continually contrasts with the new cultural patterns of conduct required by a more globalized economy and society, which have design d the restructuring of corporations, markets and organizational networks for dealing with competition. The focus of the present paper is about the relevance of co-operation and trust in order to organize collective action as a strategy to deal with economic changes through networks, where local actors find themselves in more vulnerable positions ln relation to globalized systems.

INTRODUÇÃO

Numa perspectiva Interdisciplinar. de estudo, este trabalho busca articular polaridades importantes para o entendimento do desenvolvimento moderno da sociedade brasileira. Observa o mesmo a oposição entre tradição e mudança em torno da sobrevivência econômica ao nível regional (local) em um contexto de globalização. Considera as implicações que decorrem para o desenvolvimento cívico e democrático, a partir de alguns traços de conduta das elites empresariais. Esses traços são: a) os objetivos não econômicos (que transcendem interesses materiais e estão além do mercado) que promovem a organização da ação coletiva por meio de redes associativas, b) as formas de cooperação empresarial que aumentam a confiança e o apoio mútuo nas ações coletivas setoriais, c) os juízos que os empresários formulam sobre o governo e os políticos em relação ao seu papel para influenciar a economia e, por fim, d) os valores da cultura brasileira que promovem ou restringem a ação coletiva cooperativa por meio de redes associativas. O pano de fundo da análise é o impacto das mudanças trazidas pela internacionalização da economia, promovendo a re-espacialização das atividades e dos investimentos no Brasil e as estratégias concebidas com vistas a garantir a sobrevivência do empresariado na Bahia neste novo contexto. O trabalho se situa numa conjuntura histórica caracterizada por descentralização econômica, modificação do papel do Estado em relação ao desenvolvimento econômico e social, além da globalização da economia, da informação e da cultura.

Trabalhos anteriores (BAIARDI; LANIADO, 1999; 2000) permitiram conhecer o comportamento do empresariado baiano como a ente econômico em um ambiente competitivo e como sujeito participante da responsabilidade social. Isto foi observado combinando-se relações do mundo dos negócios com o mundo da cidadania e focalizando nexos comportamentais das mesmas com a propensão a cooperar, com o fomento da confiança e com valores e ações voltados para reduzir os custos para as firmas e para a sociedade. Olha-se agora o empresário local como um agente capaz de difundir e assimilar valores que ultrapassam as fronteiras da atuação econômica, cada vez mais diluídas, tanto ao nível nacional como transnacional. Investiga-se alguns aspectos que descrevem as percepções deste agente sobre o seu próprio posicionamento no sistema econômico-social num mundo cada vez mais globalizado. Primeiramente, é preciso considerar que a Bahia tem sido afetada por reestruturações, aquisições, fusões e, em alguns casos, simplesmente houve o encerramento de atividades de empresas tradicionais. Em seguida, pode-se indagar como a mentalidade gerencial se torna compatível com as exigências dos tempos atuais e tece laços básicos - fortes ou não - de uma unidade de classe num contexto regional / nacional para este segmento. Procurar-se-á expor a análise destas questões observando o novo papel da cooperação e da confiança na sobrevivência econômica e os valores culturais que as subsidiam hoje.

DESENVOLVIMENTO REGIONAL: MARCOS DOS PADRÕES CULTURAIS E DAS MUDANÇAS NA TRADIÇÃO

O desenvolvimento da sociedade baiana tem sofrido profundas mudanças nas últimas quatro décadas, modificando o modo de inserção do estado no contexto nacional. A economia regional passou por inúmeras transformações desde a época de sua primeira grande reestruturação por obra da SUDENE, nos anos sessenta e setenta, então a principal agência federal para o desenvolvimento do Nordeste. Por meio dela a Bahia captou muitos recursos e realizou um programa de industrialização dirigido que sobreviveu por mais de duas décadas, ajudando a implantar dois parques industriais - o Centro Industrial de Aratu e o Pólo Petroquímico de Camaçari. Não obstante esse dinamismo, o estado é um dos que ainda exibe altos graus de desigualdades sociais, que comprometem os indicadores relacionados com o emprego, a renda, a educação, a saúde e a infância, malgrado a afirmação política regional ter sido reforçada no cenário nacional.

Na última década, a economia do estado tem passado por rápidas transformações, com forte grau de internacionalização. Com diversas contradições, inúmeros paradoxos e disputando, constantemente, investimentos com outros estados brasileiros, as forças -políticas da Bahia têm formado alianças voltadas para atrair investimentos a favor do estado. Aproveitando-se das políticas de descentralização de oportunidades e de recursos por parte do capital privado e da legislação ao nível nacional, a Bahia tem oferecido vantagens diferenciais para a implantação de novos negócios, em especial a vantagem da renúncia fiscal, a qual cria assimetrias de retorno de investimentos entre os estados federados que compõem o Brasil.

Os movimentos econômicos uniformizadores dos anos noventa - a nova onda do processo de globalização - corresponderam a uma retomada da internacionalização da economia, acelerada pelas revoluções tecnológicas, promovendo reestruturações na infraestrutura produtiva e na superestrutura. As reestruturações demandadas pela globalização exigiram comportamentos unificados de gestão da indústria e dos serviços em todo o mundo, promovendo a movimentação e o livre fluxo de dinheiro e de gestores dos negócios por onde ia o capital. Rapidamente, o empresariado local, na Bahia ou em outras regiões, passou a não ser o foco principal das novas gestões da economia, sendo pressionado a integrar-se de diversas maneiras nos novos modos de ação de uma economia com mercados de poucas fronteiras.

No caso do Brasil, os movimentos uniformizadores promovidos pela globalização se deram, predominantemente, sob a liderança das regiões Sul e Sudeste, nas quais o setor produtivo tem demonstrado maior dinamismo, maior oferta de oportunidades para encadeamentos de investimentos internacionais, comparativamente às ·outras regiões. As raízes das vantagens comparativas do Sul e do Sudeste estão na sua formação histórica e na concentração industrial que dela se originou (CANO, 1977CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1977.; 1985CANO, W. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. Campinas: Editora da Unicamp, 1985.). Na realidade, nesta fase da globalização, a diferença entre o Sul e o Sudeste e as demais regiões do país se mantém, conforme diversos indicadores econômicos e sociais. As políticas de desenvolvimento nacional, desde os anos cinqüenta, nunca lograram realizar investimentos maciços com vistas a reduzir os desequilíbrios regionais. Ao contrário, fragmentou-se a idéia de unidade regional do Nordeste, uma vez que, nos últimos dez anos, os próprios estados da região têm competido entre si na captação de investimentos econômicos para atividades permanentes, industriais ou não, através das disputas de renúncia fiscal. Em última instância, pode-se dizer que abriram mão da defesa de uma política regional unificada, configurando, desse modo, uma ruptura mais profunda na idéia de regionalismo, tal como formulado no início dos anos sessenta.

Olhando o tema em- retrospectiva, a Bahia já teve grupos econômicos e empresários que fizeram história. em termos de inovação e de responsabilidade social, desde a segunda metade dos séculos XIX: no ramo têxtil, produtos alimentícios, agroindústria, comércio e exportação, setor financeiro, construção civil, indústria do tabaco. Neles foram visíveis os exemplos de empreendedorismo, distinguindo-se dos setores que mantiveram sua força econômica e poder político vinculados a uma economia mais tradicional do tipo agrário-exportadora. Já nos anos cinqüenta, o estado foi largam1nte beneficiado pela indústria de extração e refino do petróleo, através da empresa estatal Petrobrás. Na década de setenta e oitenta, com a implantação dos dois pólos industriais já mencionados, houve setores envolvidos em investimentos na petroquímica, celulose e mineração. Mas o próprio modelo de desenvolvimento dirigido, como aquele fomentado pelos investimentos canalizados pela SUDENE ou pelo modelo tripartite da indústria petroquímica, enfraqueceu, a médio prazo, a formação e reprodução do empresariado genuinamente local. Na realidade, as atividades industriais que se desenvolveram a partir dos anos sessenta dependeram de uma forte participação de empresas da região Sudeste, de capital internacional e do próprio investimento do Estado em larga escala. Ademais, a atuação do Estado no setor produtivo durante mais de quatro décadas deu grande espaço de ação à tecnocracia estatal que se consolidou primeiro com a indústria do petróleo e depois com o dirigismo econômico do regime militar; que atuava de forma corporativa em nome dos interesses econômicos investidos.

Na última década do século vinte, a Bahia superou o modelo de acumulação baseado na indústria de bens intermediários com forte dependência petroquímica, metalúrgica e na produção de celulose. Implantaram-se indústrias estruturantes, com poder de encadeamento e de estabelecimento de relações intersetoriais, como a indústria automobilística e de autopeças. A propriedade do capital é de fora da região e o grupo que caracteriza o empresariado não tem características regionais. Neste novo ciclo de expansão, não houve o fortalecimento de um empresariado autóctone, havendo, ao contrário, uma diluição do setor empresarial com características genuinamente regionais.

Pode-se dizer que o quadro atual sugere uma combinação de características sobre o empresariado local; que nos setores mais dinâmicos da economia baiana predominam a gestão do executivo sem ações, o white cofiar, o qual passa a assumir, cada vez mais, papéis e funções que antes corresponderiam ao empresário local, em organizações de caráter corporativo e naquelas outras que realizam atividades de responsabilidade social. Outro aspecto importante a especificar, é que em época de intensa competição nacional e internacional, as empresas localizadas no estado, e que lograram sobreviver e se expandir, o fizeram com base em grandes mudanças, nem sempre sob o comando de indivíduos da classe empresarial com raízes locais, como já dito. Esta aparente redução do empresariado genuinamente baiano no que concerne às mudanças ocorridas no mundo da firma, necessariamente não se dá fora dela. No amplo universo da ação empresarial com vistas a promover a cooperação, em relação ao apoio social, ciência e tecnologia, meio ambiente, por exemplo, o empresariado local ainda mantém presença; também ocupa espaço nas funções e cargos das diversas associações de classe.

Em estudo recente (BAIARDI; LANIADO, 2000), verificou-se que o conjunto do empresariado baiano, tanto os setores com raízes no passado como os outros, propende, em um clima de competição, para pr ticas modernas de coesão em atuações corporativistas e para construção de redes formais e informais em que se sobrepõe a cooperação.

GLOBALIZAÇÃO, PADRÕES CULTURAIS E TRADIÇÃO: UM MUNDO DE PARADOXOS

O conteúdo ou precisão do termo globalização é complexo, pois é um conceito abrangente em relação à sua aplicabilidade. Para Therborn (2000THERBORN, G. Globalizations - dimensions, historical waves, regional effects, normative governance. International Sociology, 15 (2), June, 2000), o mesmo contempla argumentos intelectuais, ideológicos ou mesmo da mídia. Abrange, quase sempre, cinco focos alternativos: 1) a intensificação da competição econômica; 2) uma percepção sócio-crítica das conseqüências sociais que acarreta; 3) a impotência do Estado face aos avanços de uma economia globalizada; 4) os fluxos transnacionais de cultura, e, por fim, 5) um discurso sobre ecologia planetária e seus ecossistemas. O impacto da globalização sobre a conduta dos atores cria hoje uma diferenciação entre níveis de oportunidades, conexões, informações, mobilidade, entre outros, subvertendo os valores e os códigos normativos típicos da modernização capitalista. Ademais, o espaço social dos indivíduos se modifica. Primeiramente, alterando diretamente o seu lugar no sistema mundial e, depois, abrindo canais para a sua circulação/movimentação pelo resto do mundo. Para este autor, as elites econômicas tendem, no geral, a ganhar, porque melhoram sua situação nos negócios através do acesso a oportunidades, tecnologia internacional, interação e apoio de organismos internacionais. No entanto, grupos econômicos não competitivos e tradicionalistas, mais localizados em termos de valores e de estilos de vida, tendem a não ter muitos ganhos com a globalização. Sofrem mais a influência das ameaças do sistema econômico, insegurança e perdas acumuladas. Logo, a globalização descreve modos de ser dos sistemas de forma diferenciada e com impactos e efeitos também diferenciados em contextos históricos específicos em todo o mundo.

Essas diferenciações podem ser definidas ao nível da escala, do tamanho e do grau de abertura aos processos de globalização, além da força de intervenção que esses processos assumem em situações mais regionalizadas. Esse foco regional pode contemplar nações ou regiões (por exemplo, o Leste Europeu e o sul da África) ou mesmo pode contemplar frações do território no interior de determinados países (diferentes regiões em estados nacionais). Para a América Latina, por exemplo, Therborn (2000THERBORN, G. Globalizations - dimensions, historical waves, regional effects, normative governance. International Sociology, 15 (2), June, 2000) sugere que a face mais nítida da globalização foi o conjunto de políticas de ajustes estruturais, que incluem a austeridade fiscal com cortes de despesas, a redução de tarifas, as privatizações e a abertura para investimentos externos propostas pelos organismos internacionais, como, por exemplo, o FMI. Os impactos destas políticas para áreas como a América Latina e a África, assim como para alguns países asiáticos, demonstraram que os ganhadores foram poucos e os perdedores muitos. Desta objetivação econômica realizada através de um liberalismo impositivo e da dependência de fluxo de capitais internacionais, a grande oportunidade que se abriu para as populações destas regiões foi a intensificação dos fluxos migratórios do Sul para o Norte, do Leste para o Oeste.

Bartelson (2000) orienta a discussão para o significado e a funcionalidade do conceito de globalização e sugere analisar a sua evolução para apreender o que ele tem implicado ao longo de sua utilização. No seu desenvolvimento ontológico aparece como uma sucessão lógica de diferentes conotações que descrevem trajetórias históricas em diferentes contextos teóricos. Sugere que o conceito não, deve ser abordado como a expressão de um processo de mudança já manifesto, mas deve ser entendido como um veículo (um artefato teórico) para as mudanças que ele registra, retratando tanto experiências como expectativas de ocorrências. Portanto, teoricamente, tem o estatuto de um conceito intermediário, que possibilita mudanças nas teorias clássicas já estabelecidas. Deste modo, a globalização descreveria três dimensões da dinâmica dos sistemas mundiais contemporâneos: transferência (intensificação das trocas), transformação (mudanças nos sistemas e nas identidades de suas unidades constitutivas) e transcendência (não há fronteiras de inclusão ou exclusão, dissolvendo-as).

A intensificação das trocas (transferências econômicas ou simbólicas) é talvez o aspecto mais difundido nas análises sobre a globalização e é caracterizada por um movimento de dentro para fora (inside out) das unidades participantes (os Estados-nação). A segunda dimensão, a transformação, caracteriza uma dinâmica que ocorre por cima das unidades dos sistemas, marcada pela interação entre sistemas e setores; descreve u movimento multidimensional de fora para dentro (outside in), em que definições econômicas e políticas são tomadas num jogo de intercessão que não se restringe às unidades do sistema, relativizando a soberania dos Estados-nação. Finalmente, a dimensão de transcendência da globalização, em última instância, des-espacializa e des-temporaliza as práticas humanas, as condições de produção do conhecimento, caracterizando uma dinâmica própria, irredutível a causas singulares do sistema ou de suas unidades. Refere-se, também, a um mundo em que a relação dos objetos é gradualmente dominada pelos seus signos (informação, por exemplo), subvertendo a ordem constituída dos Estados e da produção de sua identidade, des-territorializando identidades e sistemas de autoridade. Conseqüentemente, afeta a própria estruturação de referência do Estado, da nação, da soberania e da sociedade enquanto conjunto de normas, valores e culturas, herdados e reproduzidos.

Do ponto de vista adotado neste trabalho, entende-se que a essa análise estrutural e sistêmica da globalização é necessário incorporar as dimensões das relações de poder e dos conflitos do mundo social. A globalização não pode ser dissociada dos dilemas do poder que engendra para as diferentes realidades nacionais (ORTIZ, 1994ORTIZ, R. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.); tampouco ela afasta conflitos existentes entre Estados e setores sociais, ou entre ganhadores e perdedores do processo de globalização. Por exemplo, esses conflitos são simbolicamente revividos nas constantes manifestações públicas contra as atividades das diversas agências internacionais. São justamente as dimensões do poder e do conflito que permitem reavaliar os aspectos qualitativos e extensivos da globalização, aqueles que têm acentuado as várias faces das desigualdades sociais - emprego, distribuição da riqueza, educação e saúde, migração etc. As questões de natureza política são indissociáveis do entendimento do processo de reestruturação mundial da economia, pois o mesmo se viabiliza através de redes transnacionais de conexões por meio das quais se articulam os grupos e interesses internos e externos, transcrevendo escolhas e ações estratégicas de implementação de políticas de impactos transnacionais (DINIZ, 2000DINIZ, E. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: FGV, 2000.). Isto é, o poder e os agentes são partes constitutivas das análises sobre globalização que não devem ser desencarnadas dos seus atores.

Quando confrontada com a questão nacional (os diferentes nacionalismos) a globalização depara-se com inúmeras oposições entre: tradição e valores manufaturados (sem raízes), identidade cultural de comunidades e identidade sem configuração cultural específica, normas socialmente produzidas de interação social intensa e solidariedade social em oposição a normas operacionais e de baixíssimo grau de interação entre indivíduos, entre outros fatores (GUIBERNAU, 1997GUIBERNAU, M. Nacionalismos - o estado nacional e o nacionalismo no Século XX. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.). Destarte, a identidade ao nível dos sistemas (nacionais) e ao nível das relações entre indivíduos e grupos influencia os níveis de transformação devido às conseqüências da globalização.

As modificações trazidas pela nova fase do desenvolvimento capitalista, através da intensificação das trocas na economia, das. revoluções tecnológicas, da revolução na informação e da emergência de sistemas culturais difusos, requerem uma reflexão sobre o papel dos atores econômicos e o surgimento de novos sujeitos em diferentes níveis de interação social: de classe, de gênero, de política, étnico-racial, cultural e no âmbito dos ecossistemas. Nas relações sócio-políticas, formam-se novos níveis de representação e de participação de interesses e de identidades. Na esfera da economia isto se reflete também em uma despersonalização crescente da condução dos negócios, pois, cada vez mais, forma-se o capitalista coletivo e há o desaparecimento de representações legendárias como patrão, capitão da indústria etc. Estas categorias, progressivamente, deixam de ser dominantes nas cadeias produtivas e nas representações patronais. Novos padrões emergentes de composições dirigentes do setor produtivo se impuseram no rastro das transformações da base produtiva, marcadas por um acentuado deslocamento dos centros de poder e decisão de dentro das empresas para outros locais, mais distantes e muitas vezes pouco visíveis.

Entretanto, a estas graduais mudanças corresponde o surgimento de agentes econômicos com identidade híbrida, que demonstram capacidade de organizar recursos e símbolos e de buscar novas referências que os posicionam nas cadeias cada vez menos convencionais das estratégias de produção. Ao mesmo tempo, a despeito dessas mudanças, sobrevivem e se reordenam significados inovadores em relação à competência e modernização em sua fase de alta tecnologia, contrapondo-se a idéias que ainda permanecem em condutas arcaicas. No interior dos discursos sobre modernização econômica e sobre os valores da globalização que orientam o mercado e a produção, detecta-se, hoje, uma noção assistemática que combina o local e o global, integrando múltiplos valores nas estratégias de sobrevivência econômica e modificando, gradativamente, o ethos que vincula os agentes econômicos à sua comunidade.

Estudos recentes analisam o problema da transformação dos valores e da identidade situando a questão em relação à aceleração de processos que envolvem tecnologia, informação e mobilidade. As mudanças abrangem a linguagem e os símbolos que difundem modelos culturais e valores, rompendo com os circuitos de regularidade dos mesmos. Seja em uma sociedade pós-industrial, tardo-capitalista, complexa, de informação ou network society, não é simples conceituar os novos modelos culturais e valores que confirmam os processos de sociabilidade, acolhendo as diferenças sociais, culturais e de alteridade. Há dificuldade em identificar como as diferenças se estabelecem e se reproduzem e, também, como se sente um segmento social diante do crescimento no seio de um sistema abstrato que dele retira os condicionamentos sociais da vida cotidiana (GIDDENS, 1991GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp,1991.).

O próprio cotidiano é afetado pelas mudanças ao nível dos sistemas econômico e político; há uma intensificação da participação dos indivíduos sob inúmeras formas. Também a competição e a integração econômicas são submetidas a uma contínua (des)construção dos valores que influenciam os processos através dos quais se realizam. Este é um aspecto que molda o fator capacidade pessoal e que diferencia cada um dos outros. E justamente nesta linha de análise que se pode inserir o estudo da percepção e das manifestações dos agentes econômicos na esfera local em um mundo globalizado, objeto de análise deste trabalho. Os empresários são protagonistas de uma situação em que os sistemas de interação (econômico, político, social e cultural) e os padrões de valor que conferem identidade (local, nacional, global) se articulam de forma complexa, demandando um entendimento de como organizam a ação coletiva por meio da cooperação, como percebem o seu entorno político (os indivíduos no poder político) e como avaliam o papel dos valores no reforço da ação coletiva.

Para os empresários locais, hoje, há mudanças na tradição dos valores, tanto os culturais, que moldam as condutas, como os econômicos, que norteiam a competição e o poder de definir interesses. Mas estes são decididos, controlados e difundidos a partir de núcleos que extrapolam a própria empresa, tais como redes associativas, estruturas participativas difusas de segmentos econômicos. Lida-se, portanto, com uma situação de agentes diferentes e diversificados (local/ nacional ou multinacional) assim como de culturas diferentes e diversificadas. Os padrões culturais se tornam um campo de convergências e distinções, de interações e de oposições e o senso de pertencimento passa a ter um sentido muito paradoxal neste contexto contemporâneo.

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO E MUDANÇAS NA TRADIÇÃO: ASPECTOS DA AÇÃO COLETIVA EMPRESARIAL NA BAHIA

São ainda insuficientes os estudos sobre o empresariado no Brasil. Diniz (2000DINIZ, E. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: FGV, 2000.) acompanha a evolução da atuação empresarial observando o desempenho nacional deste setor da sociedade, tomando São Paulo e Rio de Janeiro como núcleos centrais. Pode-se dizer que a presença empresarial nos acontecimentos das últimas décadas no Brasil tem sido significativa. Contestando a propensão estatizante do regime militar, aderindo ao neoliberalismo, criticando a abertura exagerada da economia ao capital externo, endossando a relevância da modernização e da reestruturação industrial, criticando a abertura das importações e o excesso de burocracia e a carga fiscal, apoiando a estabilidade monetária, entre outros, a atitude dos empresários tem marcado presença com certas contradições e alguns paradoxos. Apresentam condutas claramente engajadas no seu tempo e outras mais restritas a padrões mais tradicionais.

A classe empresarial tem participado dos rumos da economia nacional com certa visibilidade e tem tentado influenciar políticas e decisões econômicas, através das câmaras setoriais, dos lobbies junto ao Congresso ou aos órgãos do Es ado responsáveis por dec1soes que afetam diretamente seus interesses. Também ao longo das últimas décadas houve uma multiplicação das entidades representativas de classe, com posições diferenciadas em relação à economia e políticas sociais. Além disso, tem havido acirradas disputas em torno dos espaços organizacionais e de poder das diferentes associações. Contudo, mesmo assim, as organizações classistas do setor não são muito mais fortes hoje do que antigamente. Pode-se dizer que persiste um traço historicamente enraizado na elite empresarial nacional - que é a falta de um perfil nítido que descreva este segmento e a ausência de uma entidade de c pula forte e representativa. Em geral, apresenta uma visão pontual sobre a realização de seus interesses e a avaliação dos resultados da sua ação de classe, sempre restritos a uma dimensão de curto prazo (DINIZ, 2000DINIZ, E. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: FGV, 2000.). Mas a questão é bem mais complexa no contexto atual.

Com a redemocratização, o setor empresarial necessitou reorganizar os seus espaços de atuação e os meios de participação, que eram fortemente vinculados ao modelo autoritário-burocrático de poder e gestão das políticas econômicas. Por um lado, os empresários perderam os espaços de representação corporativa mais tradicionalmente estabelecidos junto ao executivo do Estado, local e federal. Seu acesso à tecnoburocracia estatal foi enfraquecido tanto como canal de negociação como aliado para pressão política. No entanto, novas formas de inserção da classe empresarial, menos presas ao Estado, incentivaram uma maior capacidade associativa voltada para diferentes fins, tornando a cooperação e a confiança elementos imprescindíveis para alavancar a negociação e parcerias. E este último aspecto que serve como ponto de partida para o estudo do empresariado na Bahia, que, como referido anteriormente, não pode mais ser identificado regionalmente em suas origens stricto sensu.

Ao procurar entender o perfil do empresariado que atua na região na atualidade, leva-se em conta a tradição nacional-local da classe em relação ao seu papel histórico no desenvolvimento da sociedade. Para aprofundar este entendimento, busca-se conhecer um outro ângulo da questão: ·como pensam os agentes econômicos que modificam suas condutas - a ação econômica coletiva - dentro de uma estratégia de sobrevivência da classe para resultar em efeitos positivos mais permanentes na saciedade regional. Em última instância, ao tratar do empresário como uma categoria de análise, torna-se relevante identificar os elementos que caracterizam. os seus atributos como sujeitos da ação social e o seu posicionamento nos sistemas de estratificação de uma sociedade capitalista altamente internacionalizada (BAIARDI; LANIADO, 1999).

Para tal, estudou-se como, através da formação de redes de atuação empresarial para os negócios, estes agentes identificam os objetivos não-econômicos desta forma de associação, justamente aqueles que caracterizam os valores que orientam a sua ação, os quais, em última instância, permitem identificar mudanças de comportamentos para formas menos tradicionais de ação. A cooperação, fundamento da ação contemporânea empresarial, que alia competição com formas cooperativas de conduta no ambiente econômico (BAIARDI; LANIADO, 2000), é tomada como referência central. É a partir da cooperação que é possível inferir o grau de confiança que se produz nas ações de caráter mais individual e de grupo por um lado, e seus efeitos na confiança de natureza mais sistêmica pelo outro (LANIADO, 2001LANIADO, R. N. "Troca e reciprocidade no campo da cultura política". Estado e Sociedade, Vol XVI - n. 1-2, UNB, Jan-Dez/2001.), provocando mudanças na tradição.

Os objetivos não-econômicos das formas associativas por redes são aqueles que transcendem interesses econômicos, conforme observado no Gráfico 1, mais adiante. O fator mais indicado que apoia esta nova estratégia de ação empresarial nos negócios, do ponto de vista do significado social e cultural que ela envolve, é criar uma cultura de cooperação, que alcançou 16.5% das indicações. Nesta questão que envolve múltiplas razões (escolhas) para a ação cooperativa empresarial, destacam-se, em segundo lugar, promover o perfil empreendedor e entender a relevância da interdependência da ação empresarial, com 12.2% cada. Em uma época de globalização e de difícil sobrevivência no que diz respeito ao entrosamento tanto do empresário com raízes locais como dos outros, percebe-se nesses fatores a importância atribuída à constituição da classe enquanto formação de grupo de interesse com força própria.

Gráfico I
Objetivos não Econômicos das Redes

Promover valores éticos de conduta (11.6%) e interagir com a comunidade (11 %) podem também ser considerados fatores que expressam mudanças nos padrões de valor que orientam a ação empresarial, porque ambos são referências que acentuam as demandas que a sociedade tem exigido em relação a uma ação econômica mais engajada do ponto de vista do desenvolvimento integral (econômico social, cultural e institucional) da sociedade.

Na própria forma organizativa em rede, os agentes econômicos percebem que a cooperação aumenta o grau de confiança e de solidariedade entre os participantes, ampliando, por sua vez, as possibilidades de sua sobrevivência em um mercado econômico altamente competitivo que exige alianças que combinem cooperação e competição (como informa o indicador lidar melhor com os riscos do mercado - 11 %, Gráfico I).

O Gráfico II exibe as formas de cooperação que fomentam esta confiança na maneira como elas são percebidas pelos empresários. Os sistemas de negociação para as trocas econômicas, com uma participação de 32.2%, se destacam mostrando a importância da intensificação do diálogo nos negócios, distanciando-se de uma forma de competição predatória que poderia enfraquecer o mercado como um todo, pelo fato da Bahia ser uma econor1ia regional mais vulnerável aos riscos do mercado. A cooperação como base para incrementar a capacidade de organização (com 12.9%) enfatiza a importância da coordenação dos interesses mútuos em torno de estratégias que estabelecem vantagens econômicas e não-econômicas de longo prazo. É um fator que permite integrar, de forma mais permanente e sistêmica, setores da economia ao conjunto das forças que atuam da região e que são afetadas por muitos determinantes econômicos externos, sejam eles de outras regiões do país ou internacionais. Ocupando a terceira posição em termos de importância, o Gráfico II mostra o papel dos valores (com 9,7%) na conformação da cooperação que incrementa a confiança na ação coletiva empresarial. São justamente eles, um dos vetores que orientam a presente discussão, que não somente subsidiam a renovação nos sistemas de negociação e organização, mas subsidiam também a capacidade dos mesmos promoverem a renovação da ação empresarial como um todo, fazendo de sua atuação econômica um elemento fundamental na contribuição do desenvolvimento do capital social da comunidade, no sentido atribuído a ele por Putnam (1994)PUTMAN, R. Making democracy work. Princeton. Princeton University Press, 1994..

Gráfico 2
Formas de Cooperação que Incrementam a Confiança

Pensando a combinação entre os objetivos não-econômicos e as formas de cooperação para aumentar a confiança dentro da classe, conforme observado na Tabela I Tabela I Formas de Cooperação que Aumentam Confiança e Solidariedade Objetivos Não econômicos Formas de Cooperação que Aumentam Confiança e Solidariedade Sistema de negociação Organização Tecnologia Recursos humanos Parcerias Valores Outros Não se aplica Criar cultura de cooperação 10 3 1 1 1 3 2 6 Promover perfil empreendedor 9 2 1 0 1 3 2 2 Entender relevância Interdependência na ação empresarial 10 1 1 0 0 1 2 5 Lidar melhor com os riscos do mercado 9 1 0 0 0 2 1 5 Interagir com a comunidade 8 3 1 0 0 0 2 4 Promover senso cívico 6 1 1 o 1 o 1 2 Alavancar transformações sócio-culturais 8 2 0 0 0 0 1 3 Promover Responsabilidade social 6 1 1 1 1 1 1 3 Promover valores éticos de conduta 8 3 1 1 o 1 2 3 Outros 1 0 0 0 0 0 0 0 Fonte: Pesquisa de campo. em anexo, obteve-se dados da intensidade com que os elementos se combinam: criar uma cultura de cooperação e entender a relevância da interdependência na ação empresarial apresentam o mais alto índice de correlação, 10% cada, em relação ao sistema de negociação. Também os objetivos perfil empreendedor e lidar melhor com os riscos do mercado encontram um alto índice, 9% cada, quando relacionados com sistema de negociação como forma de cooperação. Um outro grupo de fatores com um índice de 8% cada em relação à relevância da negociação, diz respeito a interagir com a comunidade, alavancar transformações sócio-culturais e promover valores éticos de conduta, todos voltados para mudanças de padrões culturais e uma adequação da integração dos empresários aos novos processos de sobrevivência econômica na comunidade.

Como observado anteriormente, mudanças de conduta e transformação dos padrões culturais dentro de um contexto de globalização implica observar também a dinâmica do poder na relação entre agentes. Por isso, os empresários baianos foram perguntados sobre que juízos têm a respeito de sua relação com o governo e com os políticos. Quanto ao primeiro, sobrepuseram-se estabilidade na relação com as empresas e o elevado custo de transação, com 31.8% cada, conforme a Tabela II Tabela II Juízos mais Freqüentes sobre a Relação com o Governo Tipos de Juízo Freq. Simples % Há estabilidade na relação com as empresas 21 31,8 Há elevado custo de transação 21 31,8 Há mecanismos que favorecem corrupção 9 13,6 Há cooperação 8 12,1 Há abertura para negociação 4 6,1 Outros 3 4,5 Total 66 100 Fonte: Pesquisa de campo. , em anexo. Dois indicadores opostos entre si: o primeiro informa uma idéia de regularidade nas relações, o que favorece a atividade econômica de forma geral; mas o segundo informa um modo muito custoso para a economia, os empresários e a sociedade em geral de atuarem nos negócios.

Contrariamente à alta posição que ocupa nos objetivos não-econômicos, a cooperação na relação com o governo ocupa uma posição proporcionalmente baixa - 12.1%; ademais, a negociação, preponderante nas formas de cooperação que aumentam a confiança, ocupa aqui uma posição bem baixa, com apenas 6.1 % de participação.

A opinião dos empresários sobre os políticos mostra uma posição acentuadamente crítica, conforme indicadores e dados da Tabela III Tabela III Juízos sobre a Relação com os Políticos Tipos de Juízo Freq. Simples % Há preocupação com elaboração de leis que agilizam negociações empresariais 16 14,8 Há empenho para simplificar e aliviar a carga fiscal 13 12,0 Há empenho para garantir justas condições de competitividade para o capital nacional 6 5,6 Há estímulo para organização do setor privado em rede 10 9,3 Há tradicionalismo 17 15,7 Há favorecimento aos lobbies 16 14,8 Há favorecimento a corrupção 13 12,0 Há favoreci mente ao clientelismo 16 14,8 Outros 1 0,9 Total 108 100 Fonte: Pesquisa de campo. , em anexo. Para eles, os políticos são fundamentalmente levados pelo tradicionalismo (15.7%), favorecem os lobbies e o clientelismo (14.8% cada), além do favorecimento à corrupção (12%). O apoio que oferecem ao setor empresarial se dá no âmbito da elaboração de leis (14.8%) e do empenho para aliviar a carga fiscal (12%), percentuais que são tão elevados quanto aqueles que expressam uma opinião crítica.

Para completar a análise a partir da fala espontânea dos empresários, procurou-se saber como eles percebem a influência dos valores da cultura brasileira na promoção das formas de cooperação empresarial - as redes enquanto formas associativistas, conforme demonstra o Gráfico III, mais adiante. O maior destaque foi para à característica cultural brasileira sobre como lidar com uma situação de crise e mudança: a capacidade de adaptação, flexibilidade e modernização, com 24% evocando uma pré-disposição dos valores culturais para a adaptabilidade aos novo tempos. Outros valores com participação relevante na interpretação que os empresários baianos fizeram ao relacionar cultura nacional e formas modernas cooperativas foram a capacidade de congregar interesse? e a de participação, ambas com 20% cada. Compromisso com o desenvolvimento do país, aos olhos dos próprios empresários, não ocupou uma posição de grande destaque, aparecendo com 8% das indicações sobre a influência da cultura brasileira, mostrando que eles próprios acham insuficiente o papel deste valor na tradição nacional das elites.

Gráfico III
Valores Culturais que Promovem o Funcionamento das Redes

No que diz respeito aos valores que restringem o funcionamento de formas cooperativas organizacionais como redes empresariais foram mencionados: individualismo (19.7%) e baixo nível de confiança (11.5%), justamente os dois fatores mais rejeitados pelas formas associativas em rede. Segue-se o baixo senso de cooperação e a pouca educação e relação com o estado, com 8.2% cada, valores que se opõem à cooperação em rede frontalmente (Tabela IV Tabela IV Valores da Cultura Brasileira que Restringem o Funcionamento da Rede Valores que Restringem o Funcionamento da Rede Freq. simples % Individualismo 12 19,7 Imediatismo 3 4,9 Relação c/ o Estado 5 8,2 Hierarquia 1 1,6 Cultura de associativismo insuficiente 4 6,5 Pouca participação 2 3,3 Pouca educação 5 8,2 Pouca informação 2 3,3 Baixo senso de cooperação 5 8,2 Baixo nível de confiança 7 11,5 Corporativismo 3 4,9 Corrupção 4 6,5 Tradicionalismo regional 2 3,3 Tradicionalismo/conservadorismo/resistência à mudança 3 4,9 Falta de iniciativa 2 3,3 Não respondeu/não sabe/não se aplica 1 1,6 Total 61 100 Fonte: Pesquisa de campo. , em anexo).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma visão de conjunto, a partir dos elementos obtidos na pesquisa de campo, sugere uma interpretação à primeira vista paradoxal: em tempos de uma aparente perda de identidade decorrente das mudanças estruturais exogenamente determinadas que destruíram empresas regionais, obrigaram outras a se fundirem com capitais nacionais e internacionais e a um terceiro grupo expandir-se além dos limites regionais tornando-se grandes corporações nacionais e internacionais, observa-se que alguns atributos que seriam mais próprios de uma classe empresarial com forte inserção local e forte identidade não foram perdidos, mas sim preservados ou mesmo ampliados.

De outro modo, malgrado o desaparecimento do empresário patriarcal, do capitão da indústria e da empresa familiar que tinha forte identidade com suas congêneres e com as mesmas construía associações privadas de interesse coletivo, o novo executivo, com ou sem laços de sangue com a antiga elite e tendo como pares prepostos de grandes corporações nacionais e internacionais, interage na esfera empresarial, com parcerias não tão genuínas do ponto de vista da associação entre a propriedade do capital e o comando empresarial. Com elas constrói redes de interesse mútuo que se posicionam aquém, dentro e além do mercado para, paralelamente à competição, obter resultados que se expressam em maior competitividade sistêmica e mais amplo compromisso no complementar ações do Estado em termos do desenvolvimento da comunidade e de compensar, de algum modo, o custo Brasil.

Uma possibilidade de análise para esta constatação, que requer mais estudos, é que a globalização não traz consigo, exclusivamente, o acirramento da concorrência e a exclusão. De certa forma, e paradoxalmente, é também disseminadora de determinados valores com gênese na modernidade contemporânea e que tendem a se universalizar, entre eles a convicção da importância da cooperação baseada em uma forma de confiança que interpenetra as relações mais formais ou institucionalizadas com os demais integrantes do tecido produtivo, com o Estado e com a comunidade.

Tabela I


Formas de Cooperação que Aumentam Confiança e Solidariedade

Tabela II


Juízos mais Freqüentes sobre a Relação com o Governo

Tabela III


Juízos sobre a Relação com os Políticos

Tabela IV


Valores da Cultura Brasileira que Restringem o Funcionamento da Rede

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2004
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