Acessibilidade / Reportar erro

A práxis da resistência e a hegemonia da organização

Resumos

Este texto tem dois objetivos: o primeiro é prosseguir em um esforço coletivo de enfrentamento dos procedimentos de exclusão que marcam o campo dos estudos organizacionais. Ao tomar como tema de pesquisa os movimentos sociais, assumimos os riscos de 'rechaço' e 'isolamento', constantemente rememorados pelo 'silêncio da razão'. O segundo propósito é contribuir para tornar visível parte da multiplicidade de mundos organizacionais negada pela hegemonia da organização. O termo hegemonia se refere, aqui, a um alinhamento do discurso político que produz um significado social específico: a definição de organização a partir de um enfoque sistêmico estrutural como objeto formalizado. Para que possamos nos envolver nessa tarefa, precisamos nos expor a outras possibilidades: tanto aquelas já presentes em nosso campo disciplinar e que adotam uma abordagem processual do organizar, quanto por fertilização a partir do engajamento com outros campos disciplinares. Nesse sentido, fazemos uma breve revisão teórica sobre o tema da resistência no que se refere à apropriação do conhecimento, e registramos algumas produções feitas por acadêmicos ativistas ou por ativistas sem inserção na academia, ambos construindo conhecimento na sua práxis de intelectuais orgânicos.


This article has two purposes: the first one is to continue a collective effort to confront the exclusion proceedings usual in the organizational studies field. By taking social movements as our research object, we also take the risks of 'isolation' by 'silence of reason'. The second purpose is to contribute to make visible a part of the multiplicity of organizational worlds present around us and denied by the hegemony of organization. The word hegemony here refers to an alignment of the political discourse which produces a specific social meaning: the definition of organization by a structural systemic approach as a formalized object. For us, to get involved on this task, we need to expose ourselves to other possibilities: not only those which already exist in our field and which adopt a process approach of the organization, but also through cross fertilization with other fields. Hence, we review theories on the issue of resistance, specifically related to knowledge appropriation; and mention some knowledge produced by academic activists or by non academic activists, both of them as part of their praxis as organic intellectuals.


ARTIGOS

A práxis da resistência e a hegemonia da organização

Maria Ceci MisoczkyI; Rafael Kruter FloresII; Steffen BöhmIII

IProfª PPGA/UFRGS

IIProf. EA/UFRGS

IIIProf. Essex University, Reino Unido

RESUMO

Este texto tem dois objetivos: o primeiro é prosseguir em um esforço coletivo de enfrentamento dos procedimentos de exclusão que marcam o campo dos estudos organizacionais. Ao tomar como tema de pesquisa os movimentos sociais, assumimos os riscos de 'rechaço' e 'isolamento', constantemente rememorados pelo 'silêncio da razão'. O segundo propósito é contribuir para tornar visível parte da multiplicidade de mundos organizacionais negada pela hegemonia da organização. O termo hegemonia se refere, aqui, a um alinhamento do discurso político que produz um significado social específico: a definição de organização a partir de um enfoque sistêmico estrutural como objeto formalizado. Para que possamos nos envolver nessa tarefa, precisamos nos expor a outras possibilidades: tanto aquelas já presentes em nosso campo disciplinar e que adotam uma abordagem processual do organizar, quanto por fertilização a partir do engajamento com outros campos disciplinares. Nesse sentido, fazemos uma breve revisão teórica sobre o tema da resistência no que se refere à apropriação do conhecimento, e registramos algumas produções feitas por acadêmicos ativistas ou por ativistas sem inserção na academia, ambos construindo conhecimento na sua práxis de intelectuais orgânicos.

ABSTRACT

This article has two purposes: the first one is to continue a collective effort to confront the exclusion proceedings usual in the organizational studies field. By taking social movements as our research object, we also take the risks of 'isolation' by 'silence of reason'. The second purpose is to contribute to make visible a part of the multiplicity of organizational worlds present around us and denied by the hegemony of organization. The word hegemony here refers to an alignment of the political discourse which produces a specific social meaning: the definition of organization by a structural systemic approach as a formalized object. For us, to get involved on this task, we need to expose ourselves to other possibilities: not only those which already exist in our field and which adopt a process approach of the organization, but also through cross fertilization with other fields. Hence, we review theories on the issue of resistance, specifically related to knowledge appropriation; and mention some knowledge produced by academic activists or by non academic activists, both of them as part of their praxis as organic intellectuals.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

1 Na chamada de trabalhos para o X Colóquio Internacional sobre Poder Local, nos propusemos a discutir aqueles processos de organização da resistência que tendem a ser ignorados pelo discurso organizacional contemporâneo, bem como pelas teorias e práticas da administração. Na chamada, também, apresentamos uma lista não limitante de possíveis tópicos. Com o propósito de ilustrar o campo de possibilidades aberto para os estudiosos de organizações, optamos por reproduzir aqui essa lista:

• críticas dos regimes gerenciais contemporâneos como são articulados na economia, no Estado e na sociedade civil;

• conexões práticas com campanhas concretas contra práticas gerenciais questionáveis, ao redor do mundo;

• movimento x organização - a dicotomia entre movimento como processo de construção social e organização como estrutura, a possibilidade da organização como um suporte necessário para o movimento;

• práticas de organizar que procuram evitar a lógica gerencial hegemônica;

• auto-organização e autonomia como parte do processo de construção de novas práticas e culturas políticas;

• estratégias cotidianas de sobrevivência como parte da resistência contra a lógica hegemônica de organizar;

• questões estratégicas sobre organização que precisam ser perguntadas e tentativamente respondidas pelas organizações contemporâneas de resistência, marcadas pela multiplicidade e fragmentação;

• teoria/prática - a relação entre ativistas nas organizações e pesquisadores das organizações;

• solidariedade global: como organizar movimentos sociais globais; questões pós-coloniais de organização do movimento - a relação entre organizações do Norte e do Sul Global.

2 A esse respeito ver, por exemplo, as formulações de Weick (1979, 1995) e os trabalhos de Cooper (1976, 2005).

3 Esse item se baseia, em parte, no trabalho desenvolvido por Faé (2007) e Silva, Faé e Silva (2006).

4 Essa expressão se refere à noção de produção ativa de não-existências, que ocorre sempre que certa entidade ou fenômeno é ativamente gerado como invisível, como não inteligível, ou como irreversivelmente dispensável, segundo a formulação de Santos (2006). Sobre a utilização desse referencial nos estudos organizacionais ver Misoczky (2007).

5 A dissertação de mestrado do autor, realizada no PPGA-UFRGS, foi publicada em livro por iniciativa do próprio Grupo, tendo recebido este título.

6 Desde o final dos anos 90, uma grande quantidade de empresas foi recuperada por seus trabalhadores com o objetivo de defender suas fontes de trabalho e mantê-las em funcionamento, sob o lema Ocupar, Resistir, Produzir. A esse respeito ver, por exemplo, www.fabricasrecuperadas.org.ar; www.menerweb.com.ar; www.lavaca.org.

7 A Assembléia é uma prática organizacional característica da cultura política argentina. Na crise recente, quando diversos presidentes foram derrubados pela insurgência popular, as Assembléias tiveram um papel chave. Estas possuem uma dinâmica horizontal de tomada de decisões.

8 Desta viagem participaram, além de nós três, estudantes de graduação e de pós-graduação da Escola de Administração da UFRGS, bem como dois estudantes de mestrado do PROPAD-UFPE. A idéia orientadora da viagem, por estrada de Porto Alegre até Buenos Aires, entrando na Argentina pela Província de Entre Rios, foi que todos nós nos engajássemos em situações contemporâneas concretas de hegemonia e de resistência. Como resultado, produzimos relatos como o aqui mencionado, e ainda estamos gerando publicações, sempre com o propósito de contribuir para o processo de resistência dos movimentos que, nessa região, resistem à sua transformação em depositório da produção suja que a Europa não mais tolera.

9 A mesorregião denominada metade sul é limitada por uma linha imaginária que corta o estado do Rio Grande do Sul. Essa região faz fronteira com Uruguai e Argentina e possui, aproximadamente, 146.000 km2, abrangendo 102 municípios (BRASIL, 2007).

10 Informações sobre a situação atual, bem como sobre antecedentes desta luta podem ser encontrados em www.noalapapelera.com.ar; sítio da Assembléia Cidadã Ambiental de Gualeguaychú.

11 O site do grupo é www.guayubira.org.uy.

12 http://www.ephemeraweb.org/journal/6-3/6-3index.htm

13 http://www.ephemeraweb.org/journal/5-2/5-2index.htm Aproveitamos para registrar a importância de publicar em revistas de acesso livre on line. Além de possibilitar a expressão em linguagens diversas - em ambos os números especiais fazemos uso de recursos de imagem, p. ex.; o acesso é isento de qualquer cobrança - apontando para a importante condição de disseminação de informações, aliás de modo coerente com as temáticas abordadas.

  • ACHKAR, M., DOMINGUEZ, A.; PESCE, F. La defensa del agua como recurso público en Uruguay: el caso de la Comisión Nacional en Defensa del Agua y la Vida (CNDAV) y el plebiscito por el agua. Revista Organizações e Democracia, São Paulo, v.6, n. 1. 2005.
  • BELLO, Walden. World Social Forum at the crossroads. [s.l.]: [s.n.]. Disponível em: <http//www.tni.org/detail_page.phtml?act_id=16771>. Acesso em: 05 de maio de 2007.
  • BÖHM, Steffen. Movements of theory and practice. Ephemera, [s.l.], v.2, n.4, p.328-351, 2002.
  • ______; SULLIVAN, Sian; REYES, Oscar. The organisation and politics of social forums. Ephemera, [s.l.], v.5, n.2, p.98-101, 2005.
  • BELLO, Walden. Los movimientos sociales organizan contra la destrucción ambiental de empresas: los casos de Gualeguaychú y Termas de Río Hondo. In: SEMINÁRIO REALIZADO NA UNIVERSIDAD NACIONAL DE SANTIAGO DEL ESTERO (UNSE), 2006, Argentina, Anais... Argentina: Universidad Nacional de Santiago del Estero, 2006.
  • BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2 Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Participar-pesquisar. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.) Repensando a pesquisa participante São Paulo: Editora Brasiliente, 1984.
  • COOPER, Robert. The open field. Human Relations, [s.l.], v.29, n.11, p.999-1017, 1976.
  • ______. Peripheral vision: relationality. Organization Studies, [s.l.], v.26, n.11, p.1689-1710, 2005.
  • DELEUZE, Gilles. Foucault Lisboa: Veja, 1998.
  • ______; GUATTARI, Félix. ?Que es la filosofía¿ Barcelona: Anagrama S.A., 2001.
  • DELLA PORTA, Donatella; DIANI, Mario. Social movements: an introduction. Oxford: Blackwell, 2006.
  • DI MARCO, Graciela et al. Movimientos sociales en la Argentina - Asambleas: la politización de la sociedad civil. Buenos Aires: Jorge Baudino Ediciones, 2003.
  • DUSSEL, Enrique. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão Petrópolis: Vozes, 2000.
  • FAÉ, Rogério. Apropriação do conhecimento no campo da cooperação para o desenvolvimento 2007. Tese (Doutorado)- PPGA-UFRGS, [Porto Alegre], 2007.
  • FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão agrária, pesquisa e MST São Paulo: Cortez Ed., 2001.
  • FERNÁNDEZ, Ana M. Nuevas configuraciones colectivas. Página 12, [s.l.], 2007.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogía do oprimido Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
  • FLORES, Rafael Kruter. A contra-hegemonia e a reestatização de serviços de água e saneamento 2007. Dissertação(Mestrado)- PPGA-UFRGS, [Porto Alegre], 2007.
  • ______. O discurso como estratégia de luta contra a mercantilização da água. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 10., 2006, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2006. 1 CD-ROM
  • FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
  • ______. Hermenêutica do sujeito Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987.
  • ______. O pensamento do exterior São Paulo: Princípio, 1990.
  • ______. El orden del discurso Barcelona: Fabula Tusquets Editores, 2002.
  • ______. A arqueologia do saber Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
  • ______. Eu sou um pirotécnico: sobre o método e a trajetória de Michel Foucault. In: POL-DROIT, Roger (Ed.) Michel Foucault: entrevistas. São Paulo: Graal Ed., 2006.
  • GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978.
  • GRUPO GUAYUBIRA. Disponível em: ,http:://www.guayubira.org.uy>. Acesso em: 14/05/2007.
    » link
  • GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci Rio de Janeiro: Graal, 1978.
  • LANDER, Edgardo. Ciências sociales: saberes coloniales y eurocéntricos. In: LANDER, Edgardo (Org). Colonialidad del saber Buenos Aires; CLACSO, 2004. p.11-40
  • MILANI, Carlos R. S.; LANIADO, Ruthy Nadia. Transnational social movements and the globalization agenda: a methodological approach based on the analysis of World Socail Forum. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2006.
  • MISOCZKY, Maria Ceci. The crisis of power and the future of hope. Revista de Administração Contemporânea, [s.l.], 2007.
  • ______.; FLORES, Rafael Kruter; GOULART, Sueli. Estudos organizacionais e movimentos sociais: o que sabemos? Para onde vamos? [s.l.]: [s.n.], 2007.
  • MISOCZKY, Maria Ceci. Editorial: Vozes da dissidência e a organização de lutas e resistências na América Latina. Ephemera, [s.l.], v.6, n.3, p.224-239, 2006.
  • MUÑOZ, Alberto; MONTI, Fabián. La lucha por el derecho al agua en la provincia de Santa Fe Santa Fe, Argentina: Union de Usuarios y Consumidores, Filial Rosario. Asamblea Provincial por el Derecho al Agua. 2006.
  • NEUHAUS, Susana; CALELLO, Hugo. Emancipación y hegemonía: fabricas recuperadas y poder bolivariano. In: NEUHAUS, Susana; CALELLO, Hugo (Org.) Hegemonía y emancipación: fábricas recuperadas, movimientos sociales y poder bolivariano. Buenos Aires: Herramienta Ediciones, 2006. p.1-7
  • NILSEN, Alf G.; COX, Laurecen. Why do activists need theory? [s.l.]: [s.n.]. Disponível em: <http://www.euromovements.info/html/activist-needs-theory.htm>. Acesso em: 01/02/2007.
  • PAPADIMITRIOU, Tasos; ROOTES, Christopher; SAUNDERS, Clare. Democracy and the London European Social Fórum. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 10., 2006, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2006. 1 CD-ROM.
  • RAUBER, Isabel. A transformação social en el siglo XXI: camino de reformas o de revolución. Pasado y Presente XXI, [s.l.], jun. de 2004.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez Ed., 2006.
  • SANTOS, Carlos et al. Aguas en movimiento: la resistencia a la privatización de agua en Uruguay. Montevideo: Edición de los autores, 2006.
  • SCOTT, W. Richard. Organizations: rational, natural, and open systems. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1981.
  • SILVA, Joysinett Moraes; FAÉ, Rogério; SILVA, Fabiane C. Possibilidades de resistência e luta a partir da leitura Foucaultiana de poder. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 10., 2006, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2006. 1 CD-ROM.
  • TILLY, Charles. Social movements: old and new. In: Kriesberg, L. (Ed.) Research in social movements, conflict and change Greenwich: JAI Press, 1988. p.1-18.
  • TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e ideologia São Paulo: Ática, 1980.
  • VECCHIO, Rafael. A utopia em ação Porto Alegre: Terreira da Tribo Produções Artísticas, 2007.
  • WEICK, Karl . A psicologia social da organização São Paulo: Edgard Blucher, 1973.
  • ______. Sense making in organizations London: Sage, 1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2016
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br