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O futebol na formação de crianças nos anos 1960: imaginário, organização e uma caixa de sapatos

Football in child formation in the 60's: imaginary, organization and a shoes' box

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O futebol na formação de crianças nos anos 1960: imaginário, organização e uma caixa de sapatos

Football in child formation in the 60's: imaginary, organization and a shoes' box

Juvêncio Braga de LimaI

IProf. do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras- DAE/UFLA

Ano de 1958, bairro de Fátima, Fortaleza, CE. Mudávamos para uma casa nova, chorosos, eu e meus irmãos, deixando o bairro anterior e nossos amigos e vizinhos. A nova história seria marcada, para mim, pelo futebol.

O primeiro time envolvia uma reunião, inicialmente dirigida por um adulto. Após uma oração, o adulto pedia ao presidente para abrir a sessão. O presidente passava a palavra ao secretário, que lia uma ata. Depois passava a palavra ao tesoureiro. Os membros da reunião eram os jogadores. A sessão girava em torno das condições físicas de cada um. Se com gripe ou resfriado, não poderia jogar. Se tivesse um aniversário, saída com a família, verificar-se-iam as possibilidades. Também se mencionavam as características do próximo jogo, quem eram os jogadores do time, como jogar contra eles. Para falar, levantava-se a mão e, então: "- Senhor Presidente, Senhor Secretário...".

Nos anos seguintes, de um time passava-se para outro; daí, agregavam-se novos participantes. Meninos maiores, mais responsáveis, continuávamos a fazer reuniões aos sábados à noite. Sempre havia a leitura da ata. A condução era a mesma. Todos deveriam pedir a palavra levantando a mão e um de nós mesmos era o dirigente. Ali eram comentados os jogos anteriores: todos analisavam gols perdidos, falavam de pancadas levadas, comentavam-se faltas não marcadas ou a rigidez do juiz na expulsão de alguém. Criávamos multa para nós próprios, por expulsão em um jogo da semana, por considerarmos prejudicial ao time. Porém, havia discussão e votação, para decidir se a expulsão fora justa ou injusta.

Na época, as reuniões ocorriam na casa do Gordo; havia uma varanda que dava para um gramado interno. Todos sentávamos nos degraus e os dirigentes sentavam no gramado, em cadeiras. Um fato marcante naquelas reuniões eram os momentos de fazer as pazes. Acontecia de dois dos meninos brigarem em uma "pelada" de meio de semana, deixando de falar um com outro. Então, o grupo definia as condições, dando um prazo para que eles voltassem a se falar. Na próxima reunião, 7 ou 15 dias depois, caso o problema não tivesse sido resolvido, iniciava-se uma deliberação: a paz deveria ser selada naquela noite. Dois negociadores saíam para mais distante do grupo, no jardim, cada um deles com um dos meninos que estavam sem se falar. Após certo tempo, os negociadores retornavam com propostas e discutiam entre si e com o grupo. Acertada a forma, eram trazidos os dois que estavam "de mal" e iniciava-se um ritual: no acordo, alguém diria

o nome do outro inicialmente e o outro estenderia a mão primeiro. Ou vice-versa. Isso poderia ou não envolver um abraço. Mas, no próximo jogo, o time não poderia ser prejudicado porque alguém não passava a bola para o outro ou alguém não pedisse para ser lançado.

Feitas as pazes, isso seria matéria para o jornal falado da próxima reunião. Esse jornal fazia-se no início, antes da reunião propriamente dita. Dois colegas, Luizão e Gordo, liam as notícias, na linguagem e no mesmo ritmo dos noticiários que ouvíamos do rádio. Eram noticiários escritos por eles mesmos, envolvendo fatos ocorridos na semana, notícias de outros times, incluindo júbilo pela paz de dois colegas, selada na reunião anterior. No jornal lalado, eram relatadas entre

vistas com algum de nós, questões relativas ao futebol jogado, causas de perdas de jogos ou vitórias, expulsões justas ou injustas, faltas não marcadas, gols de mão injustamente validados, violência (sempre dos nossos oponentes), além daquelas questões que líamos nas revistas de esporte da época: prato predileto, hora de dormir e acordar, cor de camisa preferida, artista nacional, artista internacional, melhor filme...

Além do jornal falado, tínhamos o jornal escrito. Este, inicialmente intitulado Semanal Esportivo, logo foi corrigido por meu irmão João (de mais idade): Semanário Esportivo. Ali, em folhas de papel almaço, eu redigia, ao longo de duas ou três semanas, um exemplar único. A arte era produzida com canetas nas cores azul, vermelha, verde e preta, as cores da época. Além do editorial, havia manchetes em letras maiores e artigos assinados por qualquer um dos membros do time. Alguns escreviam regularmente; outros, eventualmente. Ali, também, continham as mesmas entrevistas do jornal falado. Fato interessante, as entrevistas e artigos eram passadas ao editor-redator-diagramador que, em certas ocasiões, recebia críticas por mudanças na redação ou nas idéias, o editor tendo agido como um bom e verdadeiro ghost writer.

Dentre as questões das entrevistas, evidentemente, uma era muito interessante, reproduzindo a vida dos jogadores famosos: por que gostar ou não de concentração? E aí, as respostas eram diversas, encontrando-se razões para gostar ou não... Como se alguém pudesse não gostar. Acontece que o time se concentrava. Ou seja, em certos dias de jogo, decidíamos que o time deveria concentrar-se. Todos deveriam ir passar a tarde do sábado juntos, na casa do Gordo. Jogávamos damas, cartas, ludo, mas tínhamos direito de bater uma bolinha, pois, na lateral da casa, dava para jogar dois contra dois, porém, recomendando-se "não bater, não cansar". Também havia treinamento de cobrança de pênaltis. Força ou colocado? Dependia do goleiro previsto para o dia seguinte. Havia um lanche, grande atração. Todos iam para casa na hora do jantar e retornavam para a reunião, com ata, jornal falado etc.

Essa geração viveu o futebol a partir da vitória de 58. Não conhecera a tragédia brasileira, o maracanazzo de 1950. Somente conheceria a tristeza em 1966, ficando com a imagem de um Pelé batido, choroso, devidamente coberto pelo sobretudo de um mítico policial inglês, "aqueles que jamais portavam armas". Fomos, por oito anos, os melhores do mundo. Muitos países entraram em nossas mentes pelo futebol: Bulgária, Hungria e Rússia cuja camisa intrigava com um CCPP.

Desenvolvíamos várias formas de organizar campeonatos de bairro. Cada time mandava um representante para uma reunião, definiam-se as regras, criava-se um caderno de anotações, como uma miniliga, totalmente acordada por aqueles que depois brigariam e chorariam nos campos do bairro. Fazia-se o mesmo com campeonatos de jogos de botões. Meu irmão João construía campos com compensados, originários de invólucros de geladeiras conseguidos em lojas do centro da cidade, com recortes de publicidades de revistas da época, criando um mini campo iluminado, como o do estádio da cidade. Com pilhas e pequenas lâmpadas, criou colunas de metal. Em jogos noturnos, apagávamos a luz ambiente e o campo iluminava-se.

Os campos de futebol eram construídos em terrenos diversos, em regiões do bairro ainda não loteadas, a serem futuramente ocupadas, ou em terreno da igreja. A construção do campo era feita por meninos e jovens de várias idades, organizando-se espontaneamente. Enxadas, enxadões, foices e pás surgiam ninguém sabe de onde. Jogadores em obras. Restavam, por vezes, alguns tocos, restolhos diversos e, daí, todos os times tinham seus kits de saúde, gaze, esparadrapo, mercúrio cromo, além da inevitável pomada Iodex. Andar com um curativo, mancar fora de um jogo, era como um troféu. Tudo isso era esquecido no próximo embate, em que, por vezes, dedos sangrentos empurravam, de bico, uma bola para um gol salvador.

Nada como um "Torneio Início", dia engalanado por camisas novas, por novos times do outro lado da avenida que dividia o bairro ao meio, tribos de outras brigas e novas brigas quase certas dentro do campo; elogios de adultos, melhor ainda se fosse algum pai ou tio... Aliás, os juízes eram, na maioria das vezes, de idade um pouco acima ou, mesmo, por vezes, pais de alguns, inatacáveis pela própria hierarquia natural, de um respeito mais verificável naquele passado. Ninguém reclamava com o juiz, apenas o capitão, sempre de mãos viradas para trás. Jamais um palavrão, que era também anotado como falta, em jogos. Na pelada sim, soltávamos os cachorros, palavrão, ofensas a mães e irmãs... tudo valia. Mas, no jogo: " - Senhor Juiz...".

Todos nós torcíamos por um time local, mas também por um time do Rio de Janeiro e alguns, também, por um de São Paulo. Já vivíamos com esse duplo sentimento e nosso problema era simples de resolver, dado ao fato de que, naquele tempo, esses times faziam excursões pelo Nordeste. Eram quase jogos de exibição, não envolvendo, de imediato, torcer por dois times que se defrontavam. Até cadeira de pista se colocava dentro dos campos, para abrigar mais pessoas. Era uma festa. Para radialistas e torcedores era um evento e, em especial, quando um time local marcava um gol ou em certos casos, chegava a vencer uma partida contra um Flamengo, um Fluminense, um São Paulo. Nesse caso, valia torcida para o time local. Era um feito, pleno de heroísmo, como o dos trezentos de Esparta. Até a próxima excursão, vivíamos na expectativa de uma revanche, na maioria das vezes sempre adiada. Além disso, por vezes, os visitantes jogavam na quarta-feira com um dos times locais e, no sábado ou no domingo, com o outro. Daí pode-se imaginar o frenesi, resultado de ter marcado pelo menos um gol ou, como raramente acontecia, uma vitória heróica. Assunto para um ano nas inevitáveis e cotidianas conversas que envolviam, também, o futebol.

No mercado somente havia camisas de times do Rio e de São Paulo. Muitos times de bairro eram vasquinho, flamenguinho... Daí, e também por questões econômicas, desenvolvemos a arte de tingir e fabricar camisas. Comprávamos camisas brancas, tipo Hering e aí era uma questão de definir cores. A diferença vinha pelo emblema, como chamávamos o escudo, fabricado por mães e por elas costurados nas camisetas; assim, os Águias, os Estrelas, os Guaranis, os Palmeiras, o Avante. Inúmeros times, campeonatos diversos, sendo facilitado devido à melhoria dos transportes initerurbanos. Meus irmãos haviam criado um time, que existe até hoje, no nosso antigo bairro Otávio Bonfim, denominado de Leão XIII, já que muitos nomes de times gravitavam em torno da igreja católica, normalmente, em homenagem aos santos: São Tarcísio, São Paulo, São João... mas eles resolveram dar um nome de um papa do passado, Leão XIII. Mas, sua camisa era igual à do Fluminense, adquirida em lojas de material esportivo, devidamente patrocinado por meu pai. Havia equipes de futebol de campo, futebol de salão, voleibol e basquetebol.

Éramos 5 irmãos; dá para imaginar que comíamos, bebíamos e dormíamos com o futebol. Mesmo depois do advento da TV em Fortaleza, no ano de 1961, o rádio da casa era monopolizado antes ou após refeições, com o noticiário esportivo, seguindo-se discussões, por vezes homéricas, quase briga, diante de comentários sobre um impedimento, sobre um jogo local ou, até mesmo, entre times do Rio de janeiro. Ali, pelas ondas do rádio, imaginávamos as jogadas, defendíamos idéias e a efetividade de um ou outro jogador, que era "melhor" que o outro, mesmo que jamais o tivéssemos visto jogar em estádios, nem pela TV, pois ainda não haviam transmissões. Somente tínhamos oportunidade de ver um jogador, sobre o qual sabíamos tudo, pelas ondas do rádio e por periódicos como a Noite Ilustrada ou Gazeta Esportiva, que traziam desenhos de gols, com esquemas das jogadas. Claro que víamos no cinema, pelo canal 100. Eram imagens deliciosas e fugidias, apesar de grande fato, envolvendo, sobretudo, o gol. Mas, sobretudo, nos inspirávamos nos cronistas e, por meio dessas informações, transformávamos, imaginariamente, em conhecimentos que defendíamos de modo magistral, apropriando-nos de visões que nos faziam chamar os jogadores de "perna de pau", "cabeça de bagre" ou mesmo "craque". Claro, os goleadores e os goleiros assumiam papel principal nessa história.

A televisão nos colocaria em outra esfera, ou seja, em contato com a prática do futebol. Quando vejo o filme " A era do rádio", sei o que sinto.

Avançando na década, sempre segunda-feira à noite, às 10 horas, nos reuníamos na famosa casa da Piauí no 57. Ali, com o devido silêncio, nos encontrávamos, muitos de nós, com os filhos da D.Isabel, Itamar, Luizão e Paulinho, para ver

o vídeo-tape de jogos do domingo no Maracanã, que chegava pelo avião. Depois, saíamos da sala e íamos lá para fora para comentar sobre os jogos vistos. Dona Isabel completa, neste ano, 97 anos, ao lado de sua filha, seus cinco filhos homens (um nos deixou), netos e bisnetos. Ali, naquela casa, na qual, domingo passado reuniram-se alguns daqueles meninos, curtíamos, pela primeira vez jogos completos, em que jogavam ídolos agora conhecidos por todo o país, Nossas opiniões sobre um jogador, a partir de então, podiam ser modificadas ao longo do ano.

O final da década de 1960 foi afastando o grupo dos gramados e dos campos de futebol de poeira, como chamávamos os jogos realizados de pés descalços em campos de terra. Começaram os preprativos para passar no vestibular, ingressar na universidade e, assim, nos tornamos filhos do AI-5 e, como toda uma geração, partilharmos da construção de uma mudança social.

Agora, seriam times de faculdade, com outras pessoas. Cada um se inseriria em outros grupos, jogando em equipes de outros bairros. Mas, logo criamos uma pelada fixa, de universitários, contando, igualmente, com a nova geração de adolescentes do bairro, que chegavam; inicialmente, tendo sido torcedores de nossos jogos, depois, vindo a tornarem-se goleiros em peladas, até assumirem as suas posições de becões, de artilheiros, em plena renovação de craques, como acontece no nosso futebol. Essa pelada era aos sábados, seguida de uma "cervejada". Mas somente os adultos, universitários, podiam beber. A hipótese de alguém menor de 18 anos beber, simplesmente, não existia.

Aqui e acolá, tínhamos notícia de alguém com quem havíamos jogado, juntos ou contra, que havia se tornado profissional. Mas, era algo indefinido, e não temos notícia de qualquer destaque. Porém, vibrávamos por ter um colega de faculdade como profissional. Nenhum de nosso grupo passou de craque de bairro. Hoje, tem um que diz ser craque no tênis, Enéas, aposentado e professor universitário na atualidade. Recentemente, afirmou que "não quer ouvir falar de futebol", sobretudo depois dos três vice-campeonatos do Botafogo, o que, na Europa, é um grande feito, mas, aqui, é um estigma em que seus torcedores são considerados sofredores ou, como alguém jocosamente diria, tri-vice.

A maioria de nós tornou-se torcedor de televisão. Assistimos à integração do campeonato nacional desde a década de 1970. Vez por outra, um dos nossos times locais, tal como o Fortaleza ou o Ceará, tem glórias no nacional série A ou série B. Como muitos jovens e crianças daquela época, vemos com tristeza a violência dos estádios e seu entorno. Dói no peito, nós que somos dos tempos das laranjas chupadas atiradas para frente ou para trás, ver os mortos dos pontos de ônibus, as batalhas campais nos entorno dos estádios, a dilapidação do patrimônio afetivo representado pelo futebol, a dilapidação pelo negócio do futebol, as dívidas intermináveis dos clubes, a CBF do noticiário.

Desde que começou a publicidade nas camisas, já foi difícil aceitar aquela mácula. Hoje, uma camisa dura quantas temporadas? E o torcedor que ainda traz uma marca no peito, com aquela camisa da vitória do ano passado, quando essa marca, agora, está estampada na camisa da equipe ferrenha adversária? O que dizer, quando, em meio a um pequeno debate, alguém diz que "você não sabe nem a escalação de seu time". E daí, como é triste ver um menino todo garboso, no Shopping, vestindo uma camisa de um Manchester United, de um Chelsea, de um Milan, enquanto nossos times vão se acabando a cada plano de recuperação econômica, a cada timemania, a cada renúncia fiscal e a cada escândalo financeiro que revelam os jornais. Então, está mais do que na hora de mudanças na gestão do futebol, cabendo uma intervenção da academia, como já é fato. Inspirando-se na solução do governo americano para o sistema bancário, desde o final de 2008, a sociedade e governo brasileiro poderiam construir uma solução para a crise do nosso futebol.

Aceitamos as escolinhas de futebol, pois acabaram os campos de bairro, a integração social que o futebol permitia. Deploramos a educação física de hoje, em que meninos não trocam nem de roupa ou uniforme e vão praticar esportes nos colégios. Fico imaginando que, em época de vídeogames e computadores e suas formas de comunicação, pudéssemos voltar a favorecer para as crianças, na escola, o valor da atividade física associada ao lúdico, ao amor à camisa e à ética da competição em que se ganha e se perde de modo coletivo, chorando de alegria e de tristeza, mas podendo reconhecer o que é um vin d'honneur. Assim como fizemos no passado, aquele grupo de meninos, todos sentados em volta de uma grande mesa, com toalha branca, com direito a tomar uma meia taça de vinho, brincar de fazer a musiquinha com o dedo girando na borda da taça de cristal, talvez a primeira bebida alcoólica provada com o gosto da vitória, emergindo em seu símbolo do brinde, todos juntos, seguido de um "hip hurra", tudo comandado por meu pai.

Por outro lado, como formar torcedores, se um jogo de futebol em uma grande cidade começa às 10 horas da noite? Até os anos 1970, em dia de jogo não havia novela, e a partida começava às 8 da noite. Hoje, como levar uma criança, com todos os riscos que isso normalmente já envolveria, dadas as características das cidades, para um jogo que termina à meia noite? Como formar torcedores, se há muitos clubes quase falidos e são obrigados a vender jogadores no meio do campeonato? Enquanto Serginho jogou no Milan desde que saiu do São Paulo, há tantos anos, o Kaká está lá também há tanto tempo... Tem grana e tem gestão, tem grana e tem paixão. Por que aqui somos obrigados a conviver com a paixão medida por falcatruas e por asco de ações cafajestes de certos violentos torcedores (são mesmo?), em uma escalada morro abaixo para o tribal? E, nesse caso, podemos dizer contrariamente à máxima do "passar pela decadência sem passar pela civilização", estaríamos passando para decadência depois de termos tido uma prática civilizada nos estádios.

Hoje, 51 anos depois, aqueles meninos são engenheiros, médicos, agrônomos, médicos veterinários, advogados, empresários, professores. Quatro deles continuam a se encontrar pelo menos uma vez por ano e, neste 2009, comemoram seus 240 anos de vida e 200 anos de amizade. Criaram filhos e filhas, a grande maioria, em prédios de apartamentos, em colégios sem campo de futebol, a maior parte deles, sem a prática de futebol junto à vizinhança. Alguns daqueles meninos já dão a mão a um neto, uma neta, por novos caminhos. E mais, não consta nessa história nenhum caso de desvio de conduta nos negócios ou nas repartições públicas. Algo pode ter ficado daquela caixa de sapatos, na qual, a cada reunião, após a palavra do presidente, o tesoureiro prestava contas, por meio de uma prática tão simples e elementar que o mundo do futebol brasileiro, vez por outra no noticiário, com seus patrocínios e empresas estrangeiras, que "vêm para administrar o setor de futebol", parece desconhecer: a contabilidade de partidas dobradas, com o tesoureiro expondo e contando cédulas e moedas, tendo anotado as compras de garrafas de guaraná, esparadrapo, mercúrio, joelheiras, tornozeleiras, pagamentos de passagens de ônibus ou, ainda, a iodex, a pomada imaginariamente mágica para os arroxeados daquelas pernas que, de qualquer forma, queriam entrar em campo na próxima rodada e que tinham muitos caminhos a trilhar em suas vidas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 2009
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