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A organização dos trabalhadores desempregados como mediação para a consciência de classe

The organization of unemployed workers as mediation for class consciousness

Resumos

Objetivamos analisar as determinações econômicas e políticas que tensionaram o movimento de constituição de uma consciência de classe em um estrato da população desempregada, mediada pela formação do Movimento dos Trabalhadores Desempregados [MTD]. Valemos-nos do debate marxista sobre classes sociais (CS) e consciência de classe, utilizando os estudos de Iasi (2006). A metodologia utilizada é própria da abordagem dialético-materialista, que se assenta em três pressupostos: a contradição, a totalidade e a historicidade. A condição de desempregados que impulsionou o movimento de fusão do grupo (discussão sartriana) é resultante da nova forma de organização da produção a qual implicou à classe trabalhadora tanto o movimento de regressividade na progressividade avançada quanto as possibilidades de organização para além das entidades sindicais. As CS estão instituídas ao mesmo tempo em que se instituem pela ação concreta de seus sujeitos, de modo que são necessárias ao capitalismo, mas - e tão somente - só se realizam enquanto mediações práticas, enquanto mediações contingentes.

Classes sociais; Consciência de classe; Subjetividade; Teoria crítica; Materialismo-dialético


We aim to analyze the economic and political determinations which have instigated the movement towards a class consciousness among an unemployed population mediated by the formation of a social movement, the Unemployed Workers Movement (MTD). We use the Marxist debate about social classes (SC) and class consciousness using the studies of Iasi (2006). The research method used in the present work is characteristic of the dialectical-materialist approach, which is based in three assumptions: contradiction, totality and historicity. The condition of the unemployed which fostered the movement for group fusion (Sartre's discussion), was the result of the new organization of production that has caused both to the working class and the movement of regressivity in the advanced progressivity as regards the possibilities of organization beyond the Trade Unions. The SC are imposed at the same time as they are imposed by the concrete action of their subjects, in a way which is required by capitalism, but only take place while practical mediations, while contingent mediations.

Social classes; Class consciousness; Subjectivity; Critical theory; Dialectical-materialism


A organização dos trabalhadores desempregados como mediação para a consciência de classe

The organization of unemployed workers as mediation for class consciousness

Deise Luiza da Silva FerrazI; João Alberto Menna-BarretoII

IDoutora em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/EA/UFRGS. Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo - PMDA/UP e do Programa Interdisciplinar de Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE-Centro Universitário - Curitiba/PR/Brasil.Endereço: Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300, Prédio da Biblioteca. Curitiba/PR. CEP 81.280-330. E-mail: deiseluizaferraz@gmail.com

IIBacharelando em Ciências Sociais do Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas da UFRGS. E-mail: joaobarretors@gmail.com

RESUMO

Objetivamos analisar as determinações econômicas e políticas que tensionaram o movimento de constituição de uma consciência de classe em um estrato da população desempregada, mediada pela formação do Movimento dos Trabalhadores Desempregados [MTD]. Valemos-nos do debate marxista sobre classes sociais (CS) e consciência de classe, utilizando os estudos de Iasi (2006). A metodologia utilizada é própria da abordagem dialético-materialista, que se assenta em três pressupostos: a contradição, a totalidade e a historicidade. A condição de desempregados que impulsionou o movimento de fusão do grupo (discussão sartriana) é resultante da nova forma de organização da produção a qual implicou à classe trabalhadora tanto o movimento de regressividade na progressividade avançada quanto as possibilidades de organização para além das entidades sindicais. As CS estão instituídas ao mesmo tempo em que se instituem pela ação concreta de seus sujeitos, de modo que são necessárias ao capitalismo, mas - e tão somente - só se realizam enquanto mediações práticas, enquanto mediações contingentes.

Palavras-Chave: Classes sociais. Consciência de classe. Subjetividade. Teoria crítica. Materialismo-dialético

ABSTRACT

We aim to analyze the economic and political determinations which have instigated the movement towards a class consciousness among an unemployed population mediated by the formation of a social movement, the Unemployed Workers Movement (MTD). We use the Marxist debate about social classes (SC) and class consciousness using the studies of Iasi (2006). The research method used in the present work is characteristic of the dialectical-materialist approach, which is based in three assumptions: contradiction, totality and historicity. The condition of the unemployed which fostered the movement for group fusion (Sartre's discussion), was the result of the new organization of production that has caused both to the working class and the movement of regressivity in the advanced progressivity as regards the possibilities of organization beyond the Trade Unions. The SC are imposed at the same time as they are imposed by the concrete action of their subjects, in a way which is required by capitalism, but only take place while practical mediations, while contingent mediations.

Keywords: Social classes. Class consciousness. Subjectivity. Critical theory. Dialectical-materialism.

Introdução

Devido à crise financeira que eclodiu em setembro de 2008, a Organização Internacional do Trabalho [OIT] estimou que ingressaram no desemprego, em todo o mundo, entre 31 a 61 milhões de indivíduos. Estes somaram-se às 260 milhões de pessoas, aproximadamente, que já se encontravam desempregadas em países como Itália, França, Alemanha, Japão e China (Fundo Monetário Internacional [FMI], 2009). Esses números são consideravelmente elevados, mas carece acrescentarmos a eles o número de trabalhadores sem emprego em países como a Índia (cerca de 336 milhões de pessoas) e, ainda, os números da Argentina, Uruguai, Brasil - em suma, os países latinos, onde cerca de 2/3 da força humana trabalha em condições pauperizadas pela falta de emprego (ANTUNES, 1999).

A mundialização do desemprego em massa, reforçada por esta última crise, demonstra que aos desempregados já não é mais possível acreditar na sociedade do pleno emprego nem mesmo onde ela uma vez foi concreta; sobretudo, porque, após a crise da década de 1970, as relações estabelecidas entre o capital e o trabalho foram reelaboradas. Tal reelaboração manifestou-se como uma ofensiva do capital sobre o trabalho no âmbito da produção (ALVES, 2005). A reorganização produtiva marcada pela introdução de novas técnicas de gestão da força de trabalho e de uma tecnologia de base microeletrônica alterou a composição orgânica do capital, aumentando a produtividade do trabalho vivo e deprimindo a demanda por trabalhadores.

Como as ciências administrativas são uma área do conhecimento, cujo objetivo primordial é planejar, avaliar e aprimorar técnicas que visem o aumento da produtividade do trabalho, temos, portanto, a Administração colaborando para o fenômeno do desemprego, por um lado, e, por outro, isentando-se de investigar o que ajuda a criar empregos e os possíveis desdobramentos da consecução daquele objetivo. Neste sentido, este estudo soma-se ao esforço de outros intelectuais brasileiros, como Faria, Misoczky, Goulart, Paes de Paula, Paço-Cunha, dentre outros, que buscam questionar o ato de administrar em sua forma heterogerida como sendo a única possibilidade de organização do processo de trabalho e de produção da riqueza social. Em suma, trata-se de um esforço para desenvolver estudos em Administração que não estejam a serviço da reprodução do sociometabolismo do capital, mas que visem à emancipação humana.

Ao nos depararmos, no Rio Grande do Sul, com um Movimento dos Trabalhadores Desempregados [MTD] - que professa uma crítica radical do capitalismo e propugna pela construção de novas relações de trabalho, negando as relações vigentes, ao mesmo tempo em que reclama para si a condição de classe trabalhadora, descartando, assim, o rótulo de lúmpen-proletários que certa versão de marxismo costuma atribuir aos "sem" - questionamo-nos sobre o processo que permitiu a emergência desse Movimento, ou seja, a formação de uma consciência de classe mediada pela formação de um grupo que, ao reivindicar por emprego, encontra na própria reivindicação a limitação para a superação da autoalienação do trabalho. O objetivo do artigo, portanto, é analisar o processo de constituição de uma consciência de classe em um dado estrato da população desempregada, mediada pela formação de um movimento social que nega o capital. Para a consecução desse objetivo, nos valemos do debate marxista sobre classes sociais e consciência de classe, com o apoio dos estudos de Iasi (2006), os quais se ocupam da constituição do grupo subversivo enquanto negação subjetiva da (re)produção objetiva.

Nossos relatos serão apresentados neste texto de modo que, na próxima seção, ofereceremos considerações sumárias quanto ao método, as quais serão sucedidas por apresentação do debate teórico sobre classes sociais e consciência de classe. É oportuno lembrar que existe um sem número de textos discutindo as questões ligadas a classes sociais e consciências de classe em outras áreas da ciência, como a Sociologia, a Economia Política, dentre outras, sendo, por isso, nossa intenção aqui não reproduzir tais discussões. Propomos, sim, apresentar a abordagem com a qual nos identificamos, buscando fomentar, na Administração, um debate necessário e oportuno para o desenvolvimento do conhecimento nessa área específica do saber, que há muito tem equiparado classes sociais a estratos de renda. Na sequência, apresentaremos nossa análise de alguns dados, buscando evidenciar as determinações políticas e econômicas, como já aludido. Em nossas considerações finais, proporemos um módico balanço sobre as implicações de nosso estudo face à teoria marxista e aos estudos administrativos.

Método

Os dados primários que serão referidos resultam de entrevistas com integrantes do MTD, conquanto os secundários são oriundos de jornais e banco de dados de órgãos de pesquisa. Para obtenção dos dados primários, utilizamos as técnicas de entrevistas semiestruturadas, história de vida, observação sistemática e análise documental. Os dados foram coletados ao longo do ano de 2007 e 2008, período no qual foram entrevistadas dez pessoas do movimento; entre elas há quem participe desde 1995 dos debates acerca da organização dos desempregados e outros que se agregaram ao processo já durante a constituição do mesmo (anos 2000). Alguns desses entrevistados integram ou integraram a direção estadual do movimento nos referidos anos, outros ainda não participaram de tal instância. As entrevistas tiveram uma duração média de três horas, via de regra, distribuídas em dois encontros de noventa minutos. Nelas, eles pontuaram as histórias do movimento, seus dilemas e como as superaram. Nosso objetivo aqui não é análise dos dilemas pessoais em face do coletivo, mas os momentos de superação destes no coletivo. Em virtude disso, quando mencionamos nas análises que "esta ou aquela organização agiu, pensou etc." não estamos hipostasiando a organização, mas mencionando a práxis coletiva dos integrantes que preponderaram, momentaneamente, no movimento de totalização, uma vez que acreditamos não ser a organização um ente, tal qual deseja grande parte dos estudiosos, conforme demonstra os textos de Tragtenberg (2004), Faria (2004) e Paço-Cunha (2010).

Para preservar a identidade dos participantes deste estudo, optamos pela não divulgação de seus nomes; quando nos referirmos a eles no texto, optamos por atribuir-lhes pseudônimos. Foram entrevistados, também, dois sindicalistas, ambos, quando da realização das entrevistas (2007), presidentes dos sindicatos dos metalúrgicos. Os dados secundários são provenientes de estudos desenvolvidos por instituições como o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos [Dieese], o FMI e a OIT.

A orientação teórica adotada baseia-se nos pressupostos daquilo que se costuma referir por materialismo dialético. Marx (1996, p. 39), na Introdução à Crítica da Economia Política, apresenta o método dialético-materialista como a maneira de compreender, explicar e analisar a realidade sem resvalar no reducionismo, nas tautologias e nas abstrações realizadas pelos cientistas. Triviños (1987) menciona que o materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo, que "estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade" (TRIVIÑOS, 1987, p. 51).

Segundo Plekhanov (2008), foram construídas diferentes concepções sobre a História depois que os intelectuais deixaram de compreendê-la apenas como a descrição de fatos e passaram a buscar respostas para a seguinte questão: por que as coisas se passaram de tal maneira e não de outra? Da concepção teológica da história à materialista, muitas teses foram levantadas. De forma bastante sucinta, podemos resumir que o idealismo concebe o desenvolvimento histórico sendo realizado por meio das opiniões dos homens, ou seja, que as mudanças históricas ocorrem em função de mudanças nos costumes e nas ideias de cada povo. A opinião governa o mundo!

Hegel (ano) procura superar o olhar simplista de que as ideias governam o mundo por acasualidade; buscando explicar o que governa o desenvolvimento das opiniões dos homens, encontra a sua gênese no estado social. Porém, o autor não conseguiu explicar o substrato da opinião dos homens e, na tentativa de fugir do argumento tautológico, transfere a responsabilidade pelo desenvolvimento histórico ao Espírito. Digamos que se tratou de uma falsa resolução, pois se explica o desenvolvimento das ideias de um tempo pelo desenvolvimento do espírito do tempo. Romper com o argumento tautológico foi uma das grandes contribuições de Marx, ao superar a explicação do estado social pelo estado das ideias e o estado das ideias pelo estado social, pois encontrou nas condições materiais de (re)produção da vida a origem explicativa do estado social. Contra uma concepção idealista da história, Marx e Engels (2007) mencionam que "Não se trata, [ ] de explicar a práxis a partir da ideia, mas de explicar as formações ideológicas a partir da práxis material" (MARX; ENGELS, 2007, p. 66). As considerações realizadas referem-se ao fato dos ideólogos tomarem a consciência (entendida como representações, conceitos, pensamentos) como autônoma e como grilhões da sociedade. Nesse sentido, a luta dos homens constituiria apenas como uma luta contra as ilusões da consciência.

Chauí (1980) adverte:

A história é a história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência. É a historia do modo como se reproduzem a si mesmo [...] como produzem e reproduzem suas relações sociais [...]. É também história do modo como os homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações (CHAUÍ, 1980, p. 47).

Portanto, toda relação social deve ser entendida em sua historicidade, considerando o desenvolvimento histórico e sua transformação, o que incluí o modo como os homens interpretam racional e afetivamente essas relações. Considerar tanto as condições materiais de reprodução da vida, como também a consciência que os homens possuem delas é fundamental para não produzir nem um conhecimento científico idealista, nem um conhecimento cientifico reduzido ao economicismo vulgar. Considerar as condições materiais e a consciência é fundamental para conhecer a concretude das relações sociais de uma época.

Contudo, não se pode perder de vista que a consciência - que também é concretude -, não é da mesma natureza que as condições materiais de reprodução da vida, e que o conteúdo daquela é condicionada por esta. Advertimos, portanto, que ao discutirmos a historicidade das relações sociais, estamos alertando para a seguinte questão: as coisas passaram de tal maneira e não de outra em função da concretude das relações sociais, que encontra sua origem nas condições materiais de (re)produção da espécie humana, e que conhecer a concretude dessas relações envolve tornar objeto da ciência tanto as condições materiais quanto o que pensam e sentem os homens e mulheres de determinada época. Faria (2007, p. 17) menciona que "resultante da relação entre a matéria e a consciência" é a prática social; destacamos que esta somente é o que está sendo. Eis a concretude da qual a ciência deve se ocupar.

Quanto à possibilidade de conhecer o concreto, Faria (2007) alerta que a ciência é "produzida pelos sujeitos" que estão condicionados pela materialidade-histórica em que vivem; deste modo, o mundo é relativamente cognoscível. Concordamos com o esse autor, sobretudo, em virtude de que as delimitações são sempre proposições de um todo-do-pensamento que não devem pretender substituir as práticas concretas, como assevera Marx em Contribuição à crítica da economia política (1996).

Em Marx (1996), a totalidade é uma das categorias fundantes do método de compreensão racional da realidade. Porém, diferente da categoria filosófica hegeliana, a totalidade não se manifesta no desdobramento do intelecto uno rumo ao encontro de si, mas na limitação cognoscível humana de apreender as relações sociais em suas múltiplas determinações e desdobramentos contraditórios. Neste sentido, a totalidade é sempre um todo-pensado, uma abstração limitada do real, no qual o uno é o resultado de múltiplas determinações, de modo que a concretude das relações sociais é um movimento contraditório de totalizações.

Como menciona Mészáros (2001, p. 381), a totalidade social "[e]xiste nas e através das mediações e transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas - isto é, as 'totalidades parciais' - estão relacionadas entre si, numa série de interrelações e determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam". Na dialética, a concepção de totalidade é o que permite entender a dimensão de cada elemento e a síntese desse conjunto; em suma, a estrutura significativa. Em Marx (1996), a totalidade é una por ser o todo do concreto pensado das multiplicidades do real (de seus encadeamentos). Parte-se do que "se oferece" à observação, para percorrer o processo contraditório da constituição real do que é mais imediato e atingir o concreto "como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas às observações" (CHAUÍ, 1990, p. 48). Deste modo, "[o] concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso" (MARX, 1996, p. 39).

A totalidade, portanto, não revela em si e por si as verdades essenciais do real, pois para Marx (1996), a verdade não está nem no pensamento (no abstrato) nem na coisa em si, mas nas relações entre uma e outra, na práxis das relações sociais. Assim, ao discutir a totalidade, outra importante categoria precisa ser mencionada, trata-se da mediação, pois como apresentado, o todo pensado não é apreendido de imediato. A estrutura da coisa em seu processo de totalização efetua-se por mediações (caso não fosse assim, prescindiríamos da ciência). A totalidade é um momento, expresso no todo-pensado, do movimento de totalização e relativamente cognoscível. Ademais, a totalidade é contraditória, isto é, a totalidade é a estrutura significativa abstrata do movimento histórico das práticas sociais de afirmação (tese) e de negação (antítese). Pensamos não ser necessário alongar a discussão do desenvolvimento histórico da própria dialética, que teve seus primeiros pensadores ainda na Antiguidade. Mas, mencionamos que as reflexões de Hegel foram importantíssimas para o desenvolvimento da dialética materialista, pois, de Hegel, "Marx conserva o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição" (CHAUI, 1980, p. 46). Para Marx (1996), porém, a contradição não é do Espírito (Geist) consigo mesmo, mas entre homens reais em condições históricas e sociais reais.

Ressaltamos que, em Marx, a contradição se "estabelece entre homens reais em condições históricas e sociais reais e se chama luta de classes" (CHAUI, 1980, p. 47), sendo dela que derivam os conceitos e suas validades; percorrê-la, portanto, é o caminho que deve perseguir um cientista comprometido com a necessidade histórica de transcendência da autoalienação do trabalho.

Classes Sociais em Marx: por uma leitura "despositivizante"

Das categorias legadas pelos estudos de Marx, classes sociais é, seguramente, uma das que mais renderam controvérsias. O sentido do uso de classes sociais por Marx não pode ser apreendido devidamente quando não se está ciente da concepção ontogenética da sociabilidade capitalista que este considerava. A seguir revisaremos, muito resumidamente, um conjunto básico de formulações a respeito da ontologia social proposta pelo autor (para comentários muito mais balizados quanto aos fundamentos ontogenéticos em Marx, conferir Lukács, 2010 e Mészáros, 2006).

Para Marx (2006), o homem (aqui e doravante no sentido de homo sapiens sapiens) se distingue de outras espécies que habitam o planeta em virtude de consciência sobre a própria atividade. É desta consciência que ele nos fala na famosa comparação entre o ato de arquitetar edifícios e de construir colméias. A condição de possibilidade dessa consciência não é outra coisa senão a atividade; e há atividade porque, primordialmente, há existência (eis a importância de compreender a consciência e as condições materiais de (re)produção da vida como discutido no item anterior). A atividade humana - que, devido a nossa condição de espécie, só se realiza no coletivo - é o móvel de mediação por excelência da (re)produção da existência. Mas essa condição primordial encontra-se naturalizada pelos agentes, que não se reconhecem como instituidores do mundo instituído com que se deparam cotidianamente; os produtos da atividade humana são percebidos como coisas de gênese misteriosa, como objetos externos à agência humana. Tal é a condição de possibilidade da propriedade privada, percebida por seus agentes como fato que imana misteriosamente de qualquer lugar que não a sua agência. E é a propriedade (da força de trabalho livre e dos meios de produção distribuídos entre diferentes agentes) que, por sua vez, possibilitou o capitalismo1 1 Enquanto condição necessária, mas não suficiente por si, convém frisar. Infelizmente, esse é um debate que não faremos aqui por razões de escopo. Mas, resumidamente, destacamos, sustentados em Chauí (2007, p. 144): "Não pode haver modo de produção capitalista se dois pressupostos não estiverem realizados: o trabalho livre, isto é uma propriedade do trabalhador que pode ser vendida por ele, e a separação entre o trabalho e a propriedade dos meios de produção. [ ] A força de um modo de produção não vem apenas de sua capacidade econômica de repor seus pressupostos, mas também na sua forma de manter nos membros da formação social o sentimento da naturalidade desses pressupostos até que as novas contradições destruam tal sentimento e exibam a violência histórica do sistema". Para maiores esclarecimentos, sugerimos as obras de Michelle Perrot, Eric J. Hobsbawm, István Mészáros. , criando um conjunto sistêmico de constantes antropológicas que somente são possíveis em virtude de haver um grande estrato humano que apenas consegue (re)produzir sua existência à medida que emprega sua capacidade de atividade para valorizar os valores possuídos por outrem - estrato pequeno de grandes proprietários de valores. Eis porque classes sociais são condição necessária do capitalismo, porque condição sine qua non.

Uma dificuldade quanto ao uso da categoria de classes sociais em Marx é a de que sua interpretação é móvel de luta política. Se, por um lado, Marx estipulou pressupostos sociológicos claros a respeito - concordamos com Hirano (1974, p. 78) quando este afirma que, para Marx, sem dúvida, "a classe é uma determinação de uma dada formação social, num dado momento histórico e num dado tipo de produção social" -, por outro, é verdade que o conteúdo prático (no sentido de prática sociológica) a ser relacionado a seus termos não está de todo dado aí, e é objeto de intensa polêmica tanto entre os marxistas como entre seus críticos, pois o que está em jogo, em geral, é muito mais que intenções exclusivamente exegéticas. É sem pretensão de apolitismo que discutiremos, a seguir, a categoria de classes sociais.

Classes sociais

Até a década de 1960, segundo Gurvitch (1996, p. 11), poucos autores negavam "a existência das classes sociais na sociedade contemporânea ou a luta das classes entre si". Mas, ao final daquela década, um ciclo de conflitos políticos em diversos países fundamentou um marco a partir do qual se passou a debater a existência ou não das classes. Alguns decretaram o fim ou morte das classes (GORZ, 1982), e, desde então, vários argumentos foram elaborados para corroborar a certidão de óbito proposta por alguns intelectuais. Por outro lado, concorria uma representação extremista de uma sociedade dividida em duas classes fixas e inalteradas ao longo da história, sustentada, em grande parte, em uma leitura um tanto quanto simplista dos escritos de Marx e Engels, que superestimava o sentido histórico do Manifesto Comunista, um panfleto destinado a discutir a conjuntura européia de 1848, e não a de 1968.

Marx elaborou reflexões sobre as classes sociais em escritos como A ideologia alemã e A miséria da filosofia, e também em As lutas de classe em França e O 18 do Brumário de Louis Bonaparte . Os dois últimos são exemplos de manifestações históricas particulares das classes sociais em suas múltiplas determinações. São nessas obras que Marx apresenta termos como fração de classe, classe de transição, massa indefinida e desintegrada, facções, setores, pequena burguesia, lumpem-proletariat etc. Por sua vez, ao discutir a reprodução simples em O Capital (1996), rumou a um maior grau de generalização, por estar tratando-o no âmbito constitutivo do processo de produção e reprodução do capital "e não da formação histórica" particular (IASI, 2006, p. 56), ou como afirma Mészáros (2002), por se tratar da análise do capital e não do capitalismo.

Em seus estudos teóricos, Marx demonstrava seus argumentos procedendo através de abstrações que não correspondiam às manifestações particulares do processo histórico tal como vivenciado por seus agentes (franceses, ingleses, italianos, alemãs) - coisa da qual muitos de seus leitores descuidaram - ou seja, de modo algum está em debate o atomismo ou o individualismo metodológico. Assim, ao definir sinteticamente o burguês como detentor dos meios de produção e o proletário como aquele que tem por única propriedade sua força de trabalho, estamos operando num alto grau de abstração que, por sua vez, é possibilitado e determinado pela estrutura social reguladora das práticas produtivas e distributivas; mas nada estamos a dizer sobre como agem concretamente numa determinada conjuntura os muitos proletários e os poucos burgueses, menos ainda, estamos afirmando que esta ou aquela classe, de forma determinista, será isso ou aquilo.

Além do mais, não se busca atingir um "conceito essencial" (essencialismo), pois defende-se que nenhuma classe "é um ser fixo e dado de uma só vez" (IASI, 2006, p. 17). Por outro lado, é importante ter claro, ainda, que não se pode pretender instituir a classe à revelia de seus próprios agentes, alerta de Iasi (2006) bastante oportuno. O fato de, no capitalismo, serem, irremediavelmente, necessários alguns padrões de mediações que configuram classes, não autoriza supor que a complexidade dessas relações sociais possam ser, de maneira adequada, subsumidas a um esforço cognitivo2 2 Por exemplo, quanto aos critérios objetivos que permitem generalização e abstração do ser-classe, salientamos que, diferente da leitura apressada, entendemos que os meios de produção não são apenas máquinas, ferramentas, prédios etc. utilizados no setor industrial, enquanto setor fundante da economia estudada por Marx no século XIX, mas também os meios que permitem a produção, distribuição e circulação de qualquer mercadoria, independente da substância que a comporta ("matéria", "ideia", "sentimento" etc.) e da necessidade que satisfaça ("física", "psíquica", "afetiva" etc.). Infelizmente não podemos nos alongar aqui sobre essa questão, mas urge um debate sobre isso no momento hodierno da sociabilidade capitalista. .

A julgar pelo estudo de Hirano (1974), que analisou, sistematicamente, as obras em que Marx discute classes sociais, podemos concluir, de forma sucinta, que, para esse autor, existem três fatores básicos que constituem as classes: a) a estruturação econômica, b) os conflitos que se desenvolvem no campo político de acordo com distintos interesses contingentes e necessários das classes e c) a consciência desses interesses, que são tanto constituintes quanto constituídos pelos e nos embates entre as classes. Ademais, é importante considerar que

As classes não se definem apenas pela posição objetiva no seio de certas relações de produção e de formas de propriedade, mas na concepção de Marx, as classes se formam e se constroem em permanente movimento de negação, ora como indivíduos submetidos à concorrência, ora como órgãos vivos do capital em seu processo de valorização, ora como personificação de interesses de classes em luta, ora como aspectos subjetivos da contradição histórica entre a necessidade de mudar as relações sociais e a determinação das classes dominantes em mantê-las (IASI, 2006, p. 17).

Atentar para os diferentes momentos de manifestação da constituição do ser-classe e para a heterogeneidade do mesmo não implica, necessariamente, conceder ao desejo discursivo do fim das classes, tampouco, concordar com proposições de estratificação que se eximem de discutir características estruturais das relações sociais (como o fazem certos modelos de estratificação por renda, por consumo, por categoria profissional etc.). Como afirma Faria (2004, p. 64), "não é o salário que define a classe operária, pois o salário é apenas uma forma de distribuição do produto social, abrangendo as relações de mercado e as formas de contrato de compra e venda de força de trabalho". Considerar o que se chama de "mercado de trabalho" como parâmetro para definições das classes é não perceber que a própria heterogeneidade que caracteriza as relações sociais nesse mercado é determinada pela alienação do trabalho objetivado como também a determina, segundo relações recíprocas; é não perceber que as formas pelas quais se manifestam a compra e a venda do trabalho determinam e são determinadas pela manifestação de classes em luta.

O ser-classe é determinado multiplamente em virtude das relações entre propriedade e trabalho. Em determinados momentos históricos, o ser das classes manifesta-se enquanto embate político, quando os interesses contingentes e os interesses necessários da classe trabalhadora e da classe burguesa, respectivamente, tencionam alterações na forma de controle do sociometabolismo do capital - eis os momentos em que as classes encontram-se travando uma luta de classes aberta. Em outros momentos, a classe parece estar ausente das relações sociais; todavia, nesses momentos em que o ser-classe-do-trabalho está subsumido aos imperativos de acumulação de capital, pode-se perceber as relações entre as classes nas determinações cotidianas da vida social; por exemplo, são relações que condicionam os indivíduos a manterem-se em concorrência com outros homens da mesma classe. Essa fragmentação que, em momentos de concessão ao capital, cria cisões intraclasse, pode também atuar em seu devir como elos de identificação de classe. O que estamos querendo dizer é que, em virtude de interesses contingentes (como reajuste salarial ou outros), a mobilização política em prol destes pode vir a possibilitar o tensionamento das relações estabelecidas entre as classes sociais, desnaturalizando estruturas sociais e criando possibilidades da identificação com o todo antagônico da relação capital-trabalho. A ruptura com o que se pode chamar lógica de (re)produção do sociometabolismo do capital passa por estranhar, criticamente, o conjunto de "leis" que nos são impostas com o status de "leis naturais", e tal é um processo de subjetivação.

Salvo, talvez, para os crentes na ontologia social liberal, esse estranhamento não pode se autoproduzir misteriosamente no indivíduo; é um processo coletivo. Por isso, estudiosos marxistas das classes sociais, como Antunes (1999), Mészáros (2002), Alves (2005) ou Iasi (2006) sublinham as organizações mediadoras (sejam estas sindicatos, partidos, movimentos sociais etc.) enquanto lócus onde se efetiva a práxis do ser-classe, ou seja, de mobilização de interesses contingentes e necessários, pois, em suma, o processo de desenvolvimento de uma consciência da classe trabalhadora está, inexoravelmente, ligado à intencionalidade das ações e seu caráter de grupo. Aqui encontramo-nos diante de uma problemática cara ao debate marxista: a subjetividade, que nesta tradição costuma ser discutida enquanto problema de consciência de classe.

Durante muito tempo, a leitura positivista dos escritos de Marx soterrou a discussão da subjetividade, tratando-a como aspecto não importante dos fenômenos sociais. Até a década de 1950 ou 1960, poucos estudos de inspiração marxista haviam se ocupado seriamente de questões sobre a subjetividade. Uma vultuosa exceção foi História e consciência de classe, de György Lukács, publicado em 1923. E mesmo após os anos 1960, a ortodoxia do "marxismo oficial" dos partidos comunistas de outrora mantinha a discussão da subjetividade apartada da crítica ao capitalismo; no debate quanto à consciência de classe não havia muita coisa a debater - cada classe tinha uma consciência própria e se esta não estava se manifestando "corretamente", tratava-se apenas de "despertá-la" e ponto final. Na contramão desse entendimento, Iasi (2006) argumenta contra a consciência como essência, seja latente ou manifesta, e também duvida que a classe encontra-se instituída à revelia dos seus próprios agentes. Vejamos.

"As metamorfoses da consciência de classe"

Tal é o título do estudo de Iasi (2006) que se dedica justamente a traçar rotas de uma teoria marxista da subjetividade. Nele, seu autor reafirma as considerações de Marx e Engels realizadas na A ideologia alemã a respeito da consciência de classe não poder ser compreendida sem apreendermos como as classes estão manifestando-se concretamente, pois nenhuma classe é "portadora metafísica de uma 'missão histórica'" (IASI, 2006, p. 26), bem como a consciência de classe não "reside" no indivíduo ou na sociedade - essa polarização tão equivocada quanto recorrente -, mas num conjunto de "mediações que ligam as determinações particulares e genéricas do ser social" (IASI, 2006, p. 25). Temos em jogo aí um ser social cuja unidade de estratificação é uma classe. O que Iasi quer dizer com isto?

O ser da classe trabalhadora não está somente no momento particular de sua expressão cotidiana, nem na abstração sociológica de um sujeito histórico, mas precisamente no movimento que leva de um até outro. Não está num operário andando com suas mágoas e incertezas pela rua, nem em sua classe agindo como sujeito de um determinado período histórico por meio dos instrumentos criados em sua ação. O ser da classe e, portanto, sua consciência, estão no movimento que leva destas trajetórias particulares até conformações coletivas, de modo que estas são constituídas pela multiplicidade de ações particulares ao mesmo tempo que as ações particulares são constituídas por cada patamar coletivo objetivado. O ser e a consciência da classe, portanto, estão mais no processo de "totalização" do que na "totalidade" enquanto produto [ ] pois aqui também o produto costuma esconder o processo (IASI, 2006, p. 75).

Diríamos, por conseguinte, que o ser social é as relações que os agentes praticam, os movimentos que medeiam trajetórias de indivíduos e de coletivos - as "mediações que ligam", referidas há pouco. A classe é unidade sociológica privilegiada para se apreender os movimentos do ser social, porque é irredutível ao indivíduo ou à sociedade (seja lá o que signifiquem essas noções...). A classe só existe enquanto mediação a ligar. E, no capitalismo, existe enquanto necessária e enquanto mediações contingentes. Reconhecer-se como classe é condição mesma de existir a classe, sendo que negá-la é já reconhecer que ela existe, porque nega que as relações homológicas configurem uma classe (mas o que seria uma classe, do ponto de vista conceitual, senão relações de homologia?).

Para construir uma compreensão da dialética da (re)produção subjetiva do ser-classe, Iasi (2006) mobiliza proposições de Freud, Elias e Sartre sempre dialogando com Marx. Vejamos isso em algum pormenor.

A "primeira forma de consciência" e as "cápsulas de individualidade"

Iasi mobiliza Freud porque está intrigado sobre "como se dá a transformação das relações sociais em funções psicológicas" (IASI, 2006, p. 134). Freud desenvolveu uma famosa noção de dialética psíquica - cujo vetor de realização é concebido em termos da tríade id-ego-superego - que Iasi (2006) julga pertinente à questão. O argumento, basicamente, é o de que processo da dialética psíquica inaugura uma primeira forma de consciência, que se institui mediada por relações de afetividade vivenciadas por um neófito ainda incapaz de racionalizar sobre o mundo que o cerca. É a família3 3 Convém frisar as limitações da concepção de família que Freud considera - núcleo burguês "tradicional", composto por pai, mãe e prole. Hodiernamente, encontram-se uma multiplicidade de formas de configuração familiar que demonstram não ser a família burguesa "a" família. Contudo, cremos que essa limitação não altera o sentido do argumento de Freud, que é o de indicar o papel "socializador" do grupo próximo com que o neófito convive regularmente em seus primeiros anos de vida. que constitui o primeiro lócus mediador por via do qual se dá a primeira internalização do mundo exterior, a mais fundamental para a sedimentação da psique. Esta primeira forma de consciência é o que se manifesta socialmente enquanto aquilo que costumamos referir por senso comum. A primeira forma de consciência é pré-ideológica, é mais uma estruturação das possibilidades de pensar do que os pensamentos propriamente ditos. (A ruptura subversiva da ordem não se produz apenas com bons discursos, portanto.)

Essa questão da conversão da ordem social em valores subjetivos remete Iasi (2006) a considerar os estudos de Elias, que se dedicou justamente a estudar problemas sociológicos implicados em uma relação entre estruturas sociais e estruturas de personalidade. Elias, em A sociedade dos indivíduos (1994), comenta a produção histórica do ser social particular que conhecemos por indivíduo4 4 O tema é extremamente profícuo em Elias, de maneira que não consideraremos com maior detalhe suas discussões sobre individuação e individualismo. Para tanto, indicamos a leitura de A Sociedade dos indivíduos (1994). . Para ele, o dualismo sociedade-indivíduo decorre da compreensão datada da distinção do homem em corpo-mente, possível graças ao processo de diferenciação das funções sociais (divisão social do trabalho) caracterizado por crescente complexificação da interdependência e debilitação dos laços grupais. Neste desenvolvimento histórico, o controle social é internalizado como autocontrole e como repressão dos impulsos (a dominação é subjetivada como carga afetiva), visando oportunizar uma realização do ideal de ego. O ideal de ego está relacionado ao processo histórico de individualização, em virtude do qual o homem deve experimentar-se enquanto algo distinto e independente do seu grupo, sendo esse processo de autonomização e diferenciação uma realização socialmente exigida. Devido ao processo de especialização não oportunizar a todos as mesmas possibilidades de realização, emergem tensões.

Outro desdobramento da exigência de autocontrole, que se intensificou com o processo de divisão social do trabalho, foi referente ao fato de, se, por um lado, o indivíduo deve autonomizar-se crescentemente, por outro, seu grau de interdependência social complexificou-se e sua identidade-nós esmaeceu, o que exige, por sua vez, mais reposição de autocontrole. De modo que, hodiernamente, assevera Elias (1994), produzem-se indivíduos encapsulados - no momento histórico em que vivemos, a forma preponderante de ser-e-estar no mundo é a das cápsulas de individualidade. Iasi (2006) indica que essa forma particular de ser-e-estar é generalizada pelas "engrenagens do capital" ao longo de um processo no qual a generalidade do ser social particulariza-se e a particularidade universaliza-se. "A individualização do ser social é uma pré-condição para que os livres vendedores de trabalho se apresentem ao mercado, assim como é essencial para a forma privada de apropriação dos meios de produção" (IASI, 2006, p. 195). Por isso, na sociedade das cápsulas de individualidade, "a consciência imediata só pode assumir a forma de consciência do eu" (IASI, 2006, p. 207), e um "eu" que tenderá a (re)produzir, continuamente, os parâmetros da primeira forma de consciência. O que pode parecer paradoxal, mas somente à primeira vista, é que a (re)produção social da consciência encapsulada na forma do "eu" não tem outra maneira de se processar senão coletivamente.

Iasi (2006) liga à situação de cápsulas de individualidade evidenciada por Elias a proposição de Sartre sobre a serialidade, conceito que denomina uma configuração da divisão social do trabalho caracterizada por uma "pluralidade de solidões" na qual estamos "reunidos, mas não integrados" (SARTRE, 1979 apud IASI, 2006, p. 215). Mas, na busca pela realização dos projetos de vida constituídos por via da relação subjetiva do indivíduo com a objetividade alienada, há, também, possibilidade do rompimento com a primeira forma de consciência desde o momento em que foram introjetados os valores típicos da situação de serialidade. Esta é a possibilidade de uma crise na (re)produção subjetiva do senso comum, uma "não-correspondência entre a antiga visão de mundo e o mundo real em movimento" (IASI, 2006, p. 231). Ora, se a situação de consciência encapsulada e seriada provém da internalização das relações sociais objetivas, a inserção em novas relações sociais acarretará novas internalizações, de qualidade diferente. E, se o processo sociometabólico só se realiza enquanto mediação pela via dos grupos imediatos, são estes os lócis fundamentais de consumação de alguma ruptura subversiva do senso comum, pois operam enquanto mediações fundamentais de realização da objetividade.

Processo de totalização mediado pelos grupos

Na situação de grupo, o "ser social transformado em indivíduo vive [ ] a experiência de se dissolver novamente em ser social e, neste processo, não por acaso, os elementos de uma certa ordem de relações sociais que funcionavam como imposições restritivas internalizadas se fragilizam" (IASI, 2006, p. 271), pois o grupo "apaga momentaneamente os traços distintivos do indivíduo e permite ao ser social expressar-se [ ] integrado como os demais e não em relação de rivalidade competitiva" (IASI, 2006, p. 280). Contudo, a situação de grupo não é, necessariamente, sinônimo de livre práxis. Há de se diferenciar grupos de organizações e instituições. Grupo é aquilo que está ao nível da copresença, da vida cotidiana, que é regida por instituições; e, entre elas e os grupos, a mediação é operada pela forma organizações, sendo que "a interdependência dos níveis assume um caráter de reprodução institucional" (IASI, 2006, p. 283).

A inquietude que sobressai quando da emergência de uma crise de (re)produção das contradições, abre um campo de possibilidades no qual as ações do grupo podem tanto se movimentar rumo ao devir de uma criação-recriada da sociedade dos indivíduos, como ao devir de alterações drásticas nos padrões de sociabilidade. Para melhor demonstrar esse processo dialético de totalização mediada pelos grupos, elaboramos uma ilustração (Figura 1).


A individualidade negada (a impossibilidade da reprodução do indivíduo serial) é o ponto que permite o devir da identificação positiva com outros indivíduos, cujas possibilidades da (re)produção da individualidade seriada também está sendo negada. O fator que age na transformação do coletivo serial em grupo é a "impossibilidade da impossibilidade" que atua em algum ponto essencial à (re)produção da vida, ou seja, em algum momento, a vida encontra-se seriamente ameaçada e a impossibilidade de alterar a impossibilidade de viver leva os indivíduos rompidos a criarem lócus de práxis livre: tem-se o princípio do movimento rumo à fusão do grupo. O que determina a continuidade do movimento é a constituição de relações de interdependência entre os membros do grupo para a sustentação da coesão interna contra o externo, sendo a coesão sustentada por aquilo que é coletivamente negado. Com a intenção de se manter em negação, o grupo em fusão elabora, ainda que não formal e sistematicamente, seu estatuto enquanto poder difuso de jurisdição, o qual é, por Sartre, chamado de "juramento". O estatuto tende a demonstrar para os membros do grupo que, por meio da reciprocidade da interdependência entre eles, o movimento de negação da serialidade (e suas respectivas possibilidades de novas práxis) pode perpetuar-se.

Se o grupo juramentado instituiu-se pelo estabelecimento de um estatuto que o preserva enquanto grupo em relação à ameaça externa, qualquer negação desse estatuto dentro do grupo cria um inimigo interno - é o movimento da fraternidade-terror. Este carrega consigo a ameaça iminente da desagregação ao mesmo tempo em que intensifica a fraternidade recíproca entre os membros. O inimigo interno cumpre a função de manter a tensão no movimento rumo à totalidade. Esse tensionamento pode tanto levar à desagregação e, por consequência, à volta à serialidade, quanto à definição de práxis permanentes, ou seja, à formalização do juramento, entendida enquanto especialização das funções e distribuição de tarefas; temos, assim, depois do momento da fraternidade-terror, o grupo organizado.

O grupo organizado é a objetivação das subjetividades vivenciadas coletivamente. Com a objetivação, a livre práxis torna-se processo, e o que antes era projeto coletivo, que a práxis livre visava como fim, passa a um fim em si mesmo: o grupo instituiu-se. O grupo como instituição não se "apresenta mais como uma força que diante da impossibilidade da impossibilidade se move para a ação, mas constitui, ele próprio parte de um novo campo prático-inerte que se move pela reprodução da inércia de certas impossibilidades" (IASI, 2006, p. 293). A objetivação do grupo em uma instituição impõe-se diante do indivíduo-membro como uma estrutura própria que deve ser seguida e respeitada. O indivíduo-membro já não reconhece que esta estrutura foi ele quem criou, não reconhece na objetividade da instituição sua subjetividade, eis novamente a objetivação como estranhamento, eis o indivíduo-membro transformado em indivíduo-institucionalizado. O movimento do grupo toma forma, neste momento, como uma organização burocrática. Iasi (2006) destaca que Sartre vê aí o fim do movimento sendo imposto pela negação da negação, ou seja, pela criação de uma nova serialidade.

As alterações subjetivas que ocorrem nos indivíduos produzem objetivamente uma nova subjetividade; jamais voltamos a ser o que éramos, contudo, ser algo completamente diferente pressupõe a criação de condições materiais totalmente novas, tarefa que temos dificuldade de efetivar, pois a superação dialética não é um recomeçar partindo do nada, mas de objetividades e subjetividades já apreendidas e, na maioria das vezes, apreendidas como naturais. Deste modo, a superação das contradições pressupõe movimentos concomitantes de destruição do antigo e construção do novo. Quando os indivíduos seriais constroem como novo a serialidade da organização burocrática, temos a volta da serialidade, mas não o fechamento de um ciclo, pois o movimento ocorre seguindo um curso espiral. Sob esse movimento, percebemos que a negação da negação possui duas possibilidades de movimento, quais sejam: avançar na progressividade, quando o grupo identifica-se com alguma classe, que transcende a imediaticidade da situação de grupo; ou, regressar na progressividade, quando a serialidade da organização burocrática torna-se permanente, coincidindo o processo de objetivação com o de alienação.

Segundo Iasi (2006), o que possibilita o avanço na progressividade é a percepção dos membros do grupo de que o complexo das contradições em que estão envolvidos vai além do autointeresse ou dos interesses imediatos do grupo, pois se trata das contradições essenciais do controle antagônico do metabolismo social. São as contradições que produzem a impossibilidade da impossibilidade de reprodução da vida humana enquanto espécie, permitindo a constituição da consciência de classe necessária, a constituição do grupo hegemônico dinâmico como a nova negação da serialidade pela compreensão do complexo de contradições - o movimento de classe em si e para si, a possibilidade de alterar as instituições das formas instituintes. Porque nossa consciência tem por base fundamental nossa primeira forma de consciência, não rompemos em definitivo com os valores, normas do capital, uma vez que, como destaca o autor, caminhamos "dentro da ordem do capital, antes de ser contra ela e iniciar nossos passos além dela" (IASI, 2006, p. 353).

A seguir, demonstraremos o potencial de análise propiciado por tal paradigma sobre o processo de totalização mediado pelos grupos, analisando, sumariamente, a constituição do Movimento dos Trabalhadores Desempregados enquanto processo de ruptura com a serialidade e fusão do grupo, movimentos que correspondem aos primeiros estágios do processo ilustrado sob a Figura 1.

De Desempregados-Assistidos à Movimento dos Trabalhadores Desempregados

Para ilustrarmos o rompimento com a serialidade e a formação de um grupo de desempregados críticos da submissão do trabalho ao capital, necessitamos considerar, mesmo que bastante sumariamente, a conjuntura da década de 1990, que iniciou, no RS, sob os auspícios de graves crises econômicas em virtude de alterações cambiais que deprimiram as exportações.

A estabilidade econômica obtida na primeira metade da década de 1990, via controle da inflação e paridade do Real com o Dólar Americano, causava, por um lado, a sensação de que o Brasil finalmente "acertava o passo", por outro, induzia instabilidades no setor das exportações. Este é um dos fatores que compõem a abertura acelerada da economia brasileira a partir do início da década e que condicionou sua crise, não estando o Rio Grande do Sul a salvo5 5 Segundo Mattos (1998), o Rio Grande do Sul vê ameaçada sua posição de estado economicamente mais importante da região sul desde meados de 1975. A implantação do pólo petroquímico de Triunfo, na década de 1980, rendeu algum fôlego, mas foi insuficiente para manter o crescimento da região, que acumulava perda no dinamismo da atividade secundária, sobretudo de máquinas agrícolas (setor metal-mecânico) e no setor químico, devido à queda de preços das commodities no mercado internacional. . A balança comercial do estado sofreu oscilações em virtude da alteração na relação de competitividade resultante de um câmbio sobrevalorizado. Essa crise agrava a situação de desaceleração do crescimento do setor secundário.

No período de 1994 a 2004, eventos importantes ocorreram na economia brasileira e gaúcha. [ ] cabe mencionar [ ] a reestruturação da indústria nacional em função da abertura comercial, a sobrevalorização do Real (até 1999). Setores como o de calçados no RS, tiveram no final da década de 90, uma das maiores crises da sua história. A indústria de transformação gaúcha como um todo esteve praticamente estagnada no período 1994 a 1996, com crescimento médio zero (KAPRON; LENGLER, 2006, p. 11-12).

Nos primeiros anos da década de 1990, o poder executivo estadual encontrava-se sob o comando do Partido Democrático Trabalhista, na pessoa de Alceu Collares, mais especificamente de 1991 a 1995. Em 1993, com a estabilidade da moeda e a paridade do real, a classe capitalista no RS, sobretudo os exportadores, contabilizou perdas. Um dos casos sintetizadores dessa crise é vivido pelo setor calçadista, mas não é o único, a ele acrescenta-se o setor metal-mecânico. Muitas empresas faliram, e as que não encerraram suas atividades, reestruturaram-se adquirindo novos recursos tecnológicos e diminuindo seus quadros de trabalhadores. Segundo Kapron e Lengler (2006), somente no setor de calçadista 33 mil (mais de 25%) postos de trabalho desapareceram - isso considerando apenas os trabalhadores formais, pois se sabe que neste setor há utilização de mão de obra informal sob o manto do "trabalho em casa". O investimento necessário para tais alterações foi oportunizado via fomento estatal, sobretudo pelo Fundo Operação Empresa (Fundopem). Por sua vez, esses expedientes de recuperação econômica não resultaram em criação de novos postos de trabalho em quantidade suficiente para atrair os que perderam o emprego nem para absorver os novos trabalhadores que ingressaram em idade ativa, como demonstra os indicadores de desemprego do período estudado.

Ser um indivíduo desempregado possibilita uma determinada subjetivação dessa condição, especificamente, o trabalhador percebe que sua mercadoria não tem mais as qualidades necessárias ao processo de produção e reprodução do capital, segundo determinadas especializações da divisão social do trabalho que ainda necessitam estabelecer contratos de compra e venda da força de trabalho segundo as regras formais-legais. Assim, o caráter supérfluo do trabalho vivo é subjetivado individualmente em virtude da não capacidade concreta, do modo de produção, de gerar um mercado de trabalho pleno e decente (segundo evidência os estudos da CEPAL, 2008); e, em uma sociedade de indivíduos encapsulados (ELIAS, 1994), o problema do desemprego é um problema social vivenciado individualmente. Contudo, na perspectiva do sociometabolismo do capital, o conjunto de trabalhadores desempregados e sua força de trabalho não são supérfluas, pois eles são funcionais ao capital mesmo quando estão temporariamente sem exercer algum trabalho e na iminência de introduzir-se no exército ativo (sendo superpopulação fluente) ou trabalhando na informalidade (seja como exército ativo, seja como superpopulação estagnada e ou consolidada) - conforme discussões efetuadas por Ferraz e Menna-Barreto (2010), sustentadas nas reflexões de Oliveira (2003).

As atividades laborais desenvolvidas pelos desempregados no setor informal da economia foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores da região metropolitana de Porto Alegre que, na impossibilidade de prosseguir a venda da força de trabalho por meio da carteira assinada, para sobreviverem, passaram a fazer "biscates" e contar com auxílio de entidades filantrópicas, como a Pastoral Operária [PO].

Os militantes da Pastoral, que outrora se definia por ousadas práticas contestatórias do regime militar, estavam focando, agora, sua atuação nas demandas de populações desempregadas, mas de maneira assistencialista e pontual. Segundo a militante Rosa, do MTD, muitos integrantes da Pastoral perceberam os limites dessas ações ao mesmo tempo em que se comoviam com as histórias da fome: "[ ] também o desempregado sabe fazer seu teatro, acostumado com ganhar a coisa da Igreja". A teatralidade do desempregado é uma ação determinada reciprocamente pela teatralidade dos agentes da assistência. Pondera uma desempregada-assistida à época: "A gente tem que parecer pobre. Se vai lá arrumadinho, com um batonzinho, aí a assistente diz: 'mas não tá precisando, tem até dinheiro pra batom'. Aí se a gente vai desajeitada, é chamada de relaxada, mas ganha a assistência".

A situação de "teatro do desempregado" implicava devires de resignação, de maneira que os partícipes se encontraram em face de um campo de possibilidades: negar o campo inerte - situação de assistido e assistente - ou perpetuá-lo. Quanto aos desempregados, se, por um lado, as doações garantiam as condições de reprodução biológica da vida, por outro, os indivíduos assistidos, ao (re)viverem sua "teatralidade", destruíam o que eles denominam de "ser gente". Essa destruição foi negada subjetiva e objetivamente por indivíduos assistidos que tomaram parte no MTD. A negação da teatralidade, prática social que minimizava a potencialidade destruidora da impossibilidade de alterar a condição de desempregado, foi a objetivação que possibilitou a cisão com a reprodução do indivíduo-serial-desempregado-assistido.

Já alguns militantes da PO, os assistentes, debandaram em busca de outro lócus de atuação, pois o que eles haviam subjetivado acerca das relações sociais postuladas pela Teologia da Libertação, nas décadas precedentes, entrava em contradição com a objetivação do trabalho exigido pelos novos projetos assistenciais da Igreja Católica. A insatisfação desses militantes coadunou-se com indagações de alguns sindicalistas que podem ser resumidas à fala de um dirigente do sindicato dos metalúrgicos de uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre:

Aí o desemprego bateu [ ] E agora? Até ontem vinha aqui como empregado, participava das lutas por aumento de salário. E hoje? Hoje, aquele cara que foi meu colega é um desempregado. Nós não sabíamos o que fazer com essa gente toda. Nós tínhamos as assistências [médica e jurídica], mas não era isso que eles precisavam.

A negação das práticas assistencialistas e as inquietudes acerca do que fazer, impulsionaram mudanças na atuação de alguns militantes que se reuniram, em 1994, para discutir o que era o desemprego para os desempregados. Para tanto, efetuaram uma pesquisa nos bairros periféricos de Porto Alegre e cidades adjacentes, na qual entrevistaram mais de 2000 desempregados. Investigaram a percepção dos trabalhadores acerca das origens do desemprego e inquiriram sobre a disposição do indivíduo de organizar-se para alterar as condições em que viviam. Segundo a militante Rosa, do MTD, as pessoas "diziam que alguma coisa de concreto tinha que ser feito. [ ] as pessoas estavam dispostas ir para a luta". Iniciou, assim, um processo de convergência para a ação entre militantes insatisfeitos com as limitações de suas organizações e desempregados; os primeiros negavam a nova serialidade da instituição-burocrática; os segundos, a condição de desempregado assistido. Inquietudes distintas, mas que expressam a (re)produção da universalização da manifestação particular do indivíduo serial.

As condições concretas para o rompimento com a primeira forma de consciência estavam postas, mas seu rompimento necessitava, também, da elaboração de uma nova internalização, partilhada pelo grupo, que permitisse romper com os valores subjetivados afetivamente que garantem a reprodução do indivíduo encapsulado e resignado com uma vida de privações. A nova subjetivação encontra espaço nas lutas políticas que se apresentaram ora na forma de demonstrações reivindicatórias públicas, ora como reuniões nos bairros, os denominados núcleos de base, onde são agitadas demandas imediatas que poderiam ser atendidas pelo Estado sem a mediação da iniciativa privada, tais como isenção das taxas de energia elétrica e de abastecimento de água. Em paralelo com o movimento de negação, foi necessário que os desempregados não deixassem de ser assistidos, nem os assistentes de participar das ações da PO. Apesar de parecer contraditório, a situação de assistido e sua negação não são, de imediato, autoexcludentes, mas a primeira pode se manifestar como uma possibilidade de efetuar a segunda, pois as doações tornam-se meio de alimentar os desempregados e suas famílias em momentos de protestos, momentos em que estão impossibilitados de fazer os "biscates" que garantem a renda. Por sua vez, são tais momentos que possibilitam constituírem-se, novamente, como "gente", como sujeitos que fazem história.

Deste modo, a (re)produção da teatralidade mantinha os núcleos em luta e possibilitaram tencionar as discussões acerca do desemprego e de suas consequências, potencializando a força de ação política dos trabalhadores, ainda numa relação militantes de várias instituições povo desempregado urbano. Estavam se constituindo as possibilidades do movimento de formação de uma consciência de classe desse contingente de desempregados a partir do rompimento com a serialidade vivenciada até então.

A negação de assistentes efetuada pelos militantes da PO é a manifestação particular de um descontentamento que se espraiava em alguns setores da esquerda brasileira após processo de redemocratização do país. Alguns fatos potencializaram a reflexão da prática desses militantes, dos quais destacamos a ofensiva do capital, mediado pela ação do governo federal, tanto na campanha dos petroleiros entre os anos de 1994 e 1995, quanto o massacre dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra em Eldorado dos Carajás, 1996.

Esses dois eventos foram as condições concretas que tensionaram as contradições entre as subjetividades dos militantes desenvolvidas por meio das ações políticas de meados da década de 1980 e que projetavam um determinado Brasil democrático e a concretude das relações sociais experienciadas na década precedente. Tais contradições alavancaram um processo de reflexão protagonizado tanto por militantes descontentes com o movimento de regresso na progressividade que tangenciava o Partido dos Trabalhadores, conforme já indicara Iasi (2006), quanto por militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Em 1997, O MST mobilizou uma caminhada nacional, apoiada por inúmeros setores de esquerda de outras organizações. As reflexões durante esta caminhada concluíram que os rumos do país, após os episódios da democratização, estavam a exigir reavaliações da conjuntura e elaboração de novas táticas políticas que fizessem convergir trabalhadores urbanos e campesinos, a fim de possibilitar novas tarefas estratégicas de atuação em uma conjuntura em que o capital manifesta-se tanto em sua ofensiva na produção (ALVES, 2005), quanto em sua versão neoliberal, mediada por um estado democrático. Tal conjuntura acarretou perdas para a classe trabalhadora, seja de empregos diretos, seja de direitos conquistados ao longo do século XX no país, vide as inúmeras discussões sobre as desregulamentações das leis trabalhistas.

Uma das iniciativas desses grupos de militantes que rompiam, em parte, com suas organizações de origem foi a constituição, no mesmo ano, da Consulta Popular [CP]. O ponto comum nas reflexões era o questionamento da institucionalização da esquerda brasileira. Urgia, portanto, rearticular os setores mais críticos com a finalidade de consolidar um projeto popular para o país. Disso, se concluiu que o desemprego configurava-se como uma questão central na conjuntura contemporânea. Fazia-se, assim, necessário conhecer melhor esse fenômeno que, para os sindicatos, aparecia na forma de demissões [o que também passa a ser investigado nas ciências administrativas (CALDAS, 2000)]; para o movimento campesino, manifestava-se no ingresso de indivíduos desempregados (desejosos de melhora nas condições de vida mediante o retorno às atividades no campo) no MST; para as pastorais eclesiais, na forma de crescente demanda por doações; para os partidos, na forma de percepção sobre o quanto promessas de combate ao desemprego eram propensas a conquistar apoio eleitoral. Esse conhecimento intuitivo das formas de manifestação do desemprego determinou uma necessidade de intensificação de ações junto aos desempregados, de modo que se organizou um grupo de trabalho na CP que unia pessoas de diferentes movimentos sociais nacionais. Nesse grupo, os militantes da PO que vinham atuando nos núcleos de base na região metropolitana de Porto Alegre tomaram parte e agregaram o conhecimento construído nos três anos de atuações nas periferias das cidades. Durante os anos de 1997 a 2000, o grupo de militantes da CP intensificou as discussões e sua atuação junto aos núcleos de base, aprofundando reflexões com os desempregados acerca de suas demandas e expandindo o número de pessoas envolvidas.

No ano de 1999, desempregados de diversos núcleos congregaram-se em um grupo para participar do Grito dos Excluídos6 6 "O Grito dos Excluídos constitui-se como um espaço de voz e protagonismo dos excluídos e excluídas. Quer mobilizar toda sociedade para mudanças estruturais e conjunturais. A organização do Grito é de responsabilidade das Pastorais Sociais e da Coordenação dos Movimentos Sociais. Acontece anualmente, no dia 7 de setembro, e o público participante são pessoas que almejam mudanças sociais e estruturais" (ZERBIELLI, 2005, p. 24). . Essa participação foi o momento síntese de uma problematização que se desenvolvia em ambos os espaços - núcleos de base e CP -, e deflagrou a necessidade efetiva de formar um instrumento de organização política de desempregados que superasse as limitações dos núcleos, imposta pelas ações em nível local. Concretizou-se, portanto, a necessidade de um movimento social urbano que aglutinasse as reivindicações desse contingente populacional que não parava de crescer - os desempregados organizados localmente. Encontramos um momento em que aflora a necessidade concreta da fusão do grupo7 7 Esse processo de construção do MTD já está a ocorrer concretamente em nove estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Rondônia e Distrito Federal. , esta resultante de um processo de mobilização das subjetividades que se encontravam em tensão com a realidade concreta de reprodução da vida.

O momento síntese em que este grupo funda-se ocorre em uma ação pública de protesto no ano de 2000, quando convergem as realidades negadas, condensadas em um só momento: a inauguração de uma empresa de capital estrangeiro, com sua nova forma de organização do trabalho (demandando um número menor de trabalhadores do que nas sedes do ABC paulista, para uma produção de igual magnitude), sendo recepcionada pelo Partido dos Trabalhadores, que há um ano chefiava o poder executivo estadual e cujas ações, segundo avaliação dos militantes, em pouco atendiam aos interesses necessários da classe trabalhadora. Esse salto qualitativo no movimento operado com e por desempregados tem por marco o dia 22 de maio de 2000, quando ocuparam parte do pátio da General Motors, ainda não inaugurada, na cidade de Gravataí, RS. Eis a ação concreto-simbólica que sintetiza um movimento de negação que ocorria desde de 1994 e culminava com a formação do MTD, a fusão do grupo.

Relevante ressaltar que a ofensiva do capital na produção manifestada na unidade fabril em Gravataí representa a particularidade de um movimento geral: o capital privado apropriando-se do fundo público para a perpetuação e aumento da taxa de exploração da força de trabalho. Como podemos averiguar, os números divulgados acerca do custo total da implantação da GM no RS são controversos. Há autores que mencionam um total de investimento de 550 milhões de dólares (ZAWISLAK; MELLO, 2002), e outros citam valores que alcançam a casa dos 700 milhões (NABUCO; MENDONÇA, 2002). A discordância: considerar ou não os 130 milhões de dólares provenientes dos cofres públicos como parte do montante final? Além desses valores, os governos locais concederam diversos incentivos fiscais. Sustentados nas discussões de Oliveira (1998), mencionamos que o valor proveniente da riqueza pública em geral manifestada na forma de recurso estatal, apesar de não ser capital, não pode deixar de ser considerada, pois opera como um elemento estrutural, determinando as taxas de lucro diferenciais8 8 Para maiores esclarecimentos sobre essa discussão, recomenda-se Oliveira, F. (1998). .

O motivo alegado para a privatização do público - investimento estatal em uma única planta produtiva - como não poderia deixar de ser, era o combate ao desemprego que, à época do anúncio da instalação da montadora (março de 1997), atingia aproximadamente 13,5% da População Economicamente Ativa na região metropolitana de Porto Alegre. Em 2000, quando as atividades iniciaram-se, o índice de desemprego alcançou 16,8%. Nos dois anos subsequentes, houve quedas nesse indicador ao longo dos meses, sendo que o menor índice registrado então foi a de 14,2%, superior, portanto, aos 13,5% do mês de março de 1997. Conforme mencionam Zawislak e Mello (2002, p. 119), superestimaram-se os "indicadores de renda e de emprego para o Rio Grande do Sul", pois estes foram previstos com base na matriz produtiva anterior. Estudos demonstram que, em 1980, um trabalhador produzia 8,8 unidades em média. Esse quantil subiu para 15,9 em 1999, segundo Rodrigues (2002). O que esse caso da GM ilustra é a tendência atual do desenvolvimento das forças produtivas, em que a ascensão de maquinaria tecnologicamente sofisticada libera força de trabalho humana, ou seja, diminui a demanda por trabalho vivo, altera a relação orgânica do capital. Esses dados corroboram análises anteriores, cujas conclusões afirmam que o problema do desemprego não se apresenta como um problema conjuntural, mas estrutural, não sendo, portanto, resultado apenas de crises econômicas, mas da introdução de novas formas de organização do trabalho e da produção que atendam às necessidades de aumento nas taxas de lucro.

O processo de fusão dos desempregados e militantes em um grupo denominado Movimento dos Trabalhadores Desempregados, sintetizado na ação de ocupação da GM, visa problematizar o que a capacidade de produzir mais valor com menos trabalhadores significa: a implantação daquela empresa está intrínseca e antagonicamente relacionada à redução da demanda por trabalhadores, à manutenção do desemprego e, ainda, à vitória dos proprietários do meio de produção. Estes, se não conseguem eliminar totalmente os direitos dos trabalhadores, a efetuam paulatinamente, seja por meio da organização da produção descentralizada que permite o aumento da precarização das relações do trabalho ao longo da cadeia produtiva, via terceirizações, seja pela própria concorrência entre os trabalhadores que fragiliza o movimento sindical e abre espaço para aprovações de leis como o banco de horas, o contrato por tempo determinado, dentre outros. Contudo, há distintas formas de ler e escrever a relação antagônica entre o capital e o trabalho. Vejamos como ela foi narrada pela mídia à época e recontada pelos integrantes do MTD nas entrevistas.

Em 21/07/2000, o jornal Zero Hora noticiou - em virtude de reportagem sobre inauguração da nova planta da GM - a existência do "Movimento dos Trabalhadores Desempregados, recém-criado" que "invadiu um terreno da GM no mês passado". Oportuno indicar que a reportagem está publicada em duas páginas, sendo que ¾ da área total de uma delas é ocupado por grande anúncio publicitário da "Rede Chevrolet", revendedora oficial dos veículos produzidos pela GM. A alocação desse anúncio, em hipótese alguma, pode ser considerada despropositada. O veículo de comunicação mencionado, apoiado financeiramente pela GM, vale-se da antítese, enquanto figura de linguagem, para suscitar a imagem representacional dos conceitos bom/ruim para o desenvolvimento econômico do estado e, assim, (re)produzir o núcleo representacional do que é benéfico para o ideal de ordem e de progresso e do que não o é, ou seja, fornecer conteúdo ideológico à estrutura psíquica construída efetivamente, nossa primeira forma de consciência. O ruim está contido nas ações contestatórias efetuadas por movimentos sociais e partidos políticos que foram relacionadas a palavras, como "guerra", "conflito", "tensão".

No relato jornalístico, contrapondo-se às ações de protesto, está a campanha publicitária, cujo slogan, posto sobre a foto aérea da nova planta, é: "As melhores condições para inaugurar seu carro zero", seguido logo abaixo pela frase "enquanto a GM corta a faixa de inauguração, a Rede Chevrolet corta os preços". Com tais afirmações, reproduz-se a ideia de que há uma relação direta entre o preço da mercadoria e a localidade em que é produzida, realimentando o senso comum da sociedade gaúcha que acreditava na possibilidade tanto de adquirir automóveis a um valor reduzido, após iniciadas as atividades produtivas desta planta, quanto de conquistar um emprego na empresa ou em alguma outra do sistema modular. Como já destacavam Marx e Engels, em 1846, na obra A ideologia alemã, "[a] classe que dispõem do meio de produção material dispõe, também, dos meios de produção espiritual, o que faz com que sejam a elas submetidas, ao mesmo tempo, as ideias daqueles que não possuem os meios de produção espiritual" (MARX; ENGELS, 2007, p. 78). As ideias da classe dominante presentes nessa antítese, e que tendem a ser reproduzidas como sendo, também, as ideias dos dominados, são as de que 1) junto à inauguração da GM nasce um movimento social que efetua atos criminosos; e, 2) tal movimento criminoso se opõe ao desenvolvimento do estado e aos interesses dos consumidores.

A condição de desempregados e de trabalhadores explorados que os indivíduos negaram, e que impulsionou o movimento de fusão do grupo, é resultante não exclusivamente da GM, mas da nova forma de organização da produção também adotada por esta empresa, do movimento de reestruturação geral do capital pós-1970 que, na luta contra a classe trabalhadora, implicou a esta tanto o movimento de regressividade na progressividade avançada, quanto as possibilidades de organização e constituição de uma consciência de classe para além das tradicionais entidades sindicais. Especificamente, o MTD, enquanto resultante da contradição capital/trabalho, se opõe ao movimento de acumulação do capital e ao modelo de desenvolvimento que estava sendo adotado pelo Estado, modelo que atendia aos interesses particulares de uma classe, apesar de soar como interesses universais. Assim, na fala dos militantes, a ocupação ganha a qualidade de reivindicação.

[ ] o movimento vinha debatendo também essa questão do modelo do desenvolvimento do RS. Essa é uma questão importante no surgimento do movimento. Porque nós estávamos em plena fase de debater que modelo de desenvolvimento que queremos para o estado. E o governo Britto foi um que apontou claramente que queria o modelo neoliberal, com concessão às multinacionais, que na época eram as montadoras. E que se consolida aqui com a GM. Então, o fato de ser Gravataí, de ser aqui, tem toda essa discussão de modelo. (militante Caneca, do MTD)

A manifestação de negação local de um fenômeno mundial oportunizou a fusão em um grupo de indivíduos desempregados que recusavam a condição de desempregados-assistidos e desejavam "ser gente". A busca pela efetivação desse desejo possibilitou o movimento de constituição da consciência de classe em uma parcela da população desempregada. O acampamento ao lado da GM e o projeto-ideado de transformá-lo em assentamento possibilitaram a convergência de vários núcleos de base e a instituição da primeira negação da livre práxis - o grupo de militantes de várias instituições « povo desempregado urbano que funda o MTD. Este estabelece suas primeiras regras, instituindo uma organização interna que, por um lado, nega algumas possibilidades da livre práxis, mas, por outro, permite a continuidade no movimento de negação de indivíduos encapsulados. Essas regras - discutidas por Ferraz (2010) - se sustentam na autogestão, na posse coletiva dos meios de produção e em um processo de educação-militante, em que os integrantes discutem as contradições entre capital-trabalho, as quais se manifestam nas experiências que vivenciam e que tensionam o processo dialético de totalização do ser-classe-do-trabalho.

Considerações (ainda que não) Finais

O processo dialético de totalização, em que os membros da superpopulação estagnada dirigem-se à classe, possui, pelo menos, duas determinantes de impossibilidade: a de fluir para o exército ativo e a de manter-se na nova serialidade da organização burocrática. Há, assim, simultaneamente, o rompimento com serialidades distintas. Um grupo rompe com a serialidade de indivíduo encapsulado em sua primeira forma de consciência e o outro rompe com o consentimento ao capital que o movimento de constituição da classe trabalhadora estava efetuando ao institucionalizar a organização burocrática, isto é, com a alienação de sua "livre práxis".

Os múltiplos determinantes que desencadearam o movimento de negação da serialidade e a possibilidade do movimento de constituição de uma consciência de classe em um estrato da população desempregada, mediada pela fusão de um grupo em um movimento social crítico do capitalismo, são encontrados no contexto econômico-político-ideológico nacional, regional e local da referida década.

Na impossibilidade de capturar todos os movimentos do real, procuramos destacar, neste texto, as manifestações particulares consequentes do movimento geral de produção e reprodução do capital, no campo da economia e da política. Os breves comentários sobre a constituição do MTD que alocamos acima demonstram como uma série de determinações sociais convergiu, através de agentes que, em crise diante do campo de possibilidades de (re)produção da existência, reprocessaram suas subjetividades, ressignificando o mundo pela via da identidade com um grupo imediato que comungava da mesma situação de crise. Destacamos que as contingências objetivas que possibilitaram a fusão de grupos imediatos em uma organização são inúmeras e, em grande parte, escapam à própria agência de seus agentes, ao mesmo tempo em que o MTD só se tornou possível pela ação de pessoas que construíram uma consciência coletiva a respeito da situação comum em que se encontravam; uma consciência de ser uma classe, a classe trabalhadora.

Cremos que, da análise da (re)produção social enquanto processo dialético de objetivação subjetivamente mediado, os estudos organizacionais podem extrair importantes conjuntos de questões para o debate crítico sobre os processos de constituição e desenvolvimento das organizações; e aqueles que empreendem estudos administrativos sobre as relações de trabalho certamente têm, a partir do caso do MTD, oportunidade de desenvolver, proficuamente, uma Administração crítica.

Também julgamos que o exposto aqui é suficiente para indicar o potencial de uma leitura "despositivizante" de Marx, uma leitura que faça jus às intenções do estudioso alemão quando construía seus conceitos. Uma classe social está instituída ao mesmo tempo em que se institui pela ação concreta de seus sujeitos, sendo que o estudo dos processos subjetivos, da consciência de classe, é fundamental à análise das relações sociais. Nenhuma classe está "escrita nas estrelas", como muitos "marxistas" parecem crer. Classes sociais são necessárias ao capitalismo, mas - e tão somente - só se realizam concretamente enquanto mediações práticas, ou seja, enquanto mediações contingentes. Talvez, as mentes muito acostumadas à lógica formal tenham dificuldade, num primeiro momento, de apreender como pode algo ser totalmente contingente e totalmente necessário ao mesmo tempo. A estes fazemos o convite de conhecerem, especialmente, em pormenor, a lógica dialética, a qual está fundada no pressuposto de que a existência é o que possibilita a "essência".

Artigo recebido em 12/07/2010.

Última versão recebida em 04/09/2011.

Artigo aprovado em 17/11/2011.

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  • 1
    Enquanto condição necessária, mas não suficiente por si, convém frisar. Infelizmente, esse é um debate que não faremos aqui por razões de escopo. Mas, resumidamente, destacamos, sustentados em Chauí (2007, p. 144): "Não pode haver modo de produção capitalista se dois pressupostos não estiverem realizados: o trabalho livre, isto é uma propriedade do trabalhador que pode ser vendida por ele, e a separação entre o trabalho e a propriedade dos meios de produção. [ ] A força de um modo de produção não vem apenas de sua capacidade econômica de repor seus pressupostos, mas também na sua forma de manter nos membros da formação social o sentimento da naturalidade desses pressupostos até que as novas contradições destruam tal sentimento e exibam a violência histórica do sistema". Para maiores esclarecimentos, sugerimos as obras de Michelle Perrot, Eric J. Hobsbawm, István Mészáros.
  • 2
    Por exemplo, quanto aos critérios objetivos que permitem generalização e abstração do ser-classe, salientamos que, diferente da leitura apressada, entendemos que os meios de produção não são apenas máquinas, ferramentas, prédios etc. utilizados no setor industrial, enquanto setor fundante da economia estudada por Marx no século XIX, mas também os meios que permitem a produção, distribuição e circulação de qualquer mercadoria, independente da substância que a comporta ("matéria", "ideia", "sentimento" etc.) e da necessidade que satisfaça ("física", "psíquica", "afetiva" etc.). Infelizmente não podemos nos alongar aqui sobre essa questão, mas urge um debate sobre isso no momento hodierno da sociabilidade capitalista.
  • 3
    Convém frisar as limitações da concepção de família que Freud considera - núcleo burguês "tradicional", composto por pai, mãe e prole. Hodiernamente, encontram-se uma multiplicidade de formas de configuração familiar que demonstram não ser a família burguesa "a" família. Contudo, cremos que essa limitação não altera o sentido do argumento de Freud, que é o de indicar o papel "socializador" do grupo próximo com que o neófito convive regularmente em seus primeiros anos de vida.
  • 4
    O tema é extremamente profícuo em Elias, de maneira que não consideraremos com maior detalhe suas discussões sobre individuação e individualismo. Para tanto, indicamos a leitura de A Sociedade dos indivíduos (1994).
  • 5
    Segundo Mattos (1998), o Rio Grande do Sul vê ameaçada sua posição de estado economicamente mais importante da região sul desde meados de 1975. A implantação do pólo petroquímico de Triunfo, na década de 1980, rendeu algum fôlego, mas foi insuficiente para manter o crescimento da região, que acumulava perda no dinamismo da atividade secundária, sobretudo de máquinas agrícolas (setor metal-mecânico) e no setor químico, devido à queda de preços das commodities no mercado internacional.
  • 6
    "O Grito dos Excluídos constitui-se como um espaço de voz e protagonismo dos excluídos e excluídas. Quer mobilizar toda sociedade para mudanças estruturais e conjunturais. A organização do Grito é de responsabilidade das Pastorais Sociais e da Coordenação dos Movimentos Sociais. Acontece anualmente, no dia 7 de setembro, e o público participante são pessoas que almejam mudanças sociais e estruturais" (ZERBIELLI, 2005, p. 24).
  • 7
    Esse processo de construção do MTD já está a ocorrer concretamente em nove estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Rondônia e Distrito Federal.
  • 8
    Para maiores esclarecimentos sobre essa discussão, recomenda-se Oliveira, F. (1998).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Jul 2010
    • Aceito
      17 Nov 2011
    • Revisado
      04 Set 2011
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