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O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009

Family business research in Brazil: analysis of scientific production in the period 1997-2009

Resumos

Tem-se como objetivo, com este trabalho, analisar a produção científica brasileira sobre empresas familiares, a partir de artigos publicados durante o período compreendido entre 1997 e 2009. Para tanto, foi efetuado um levantamento bibliográfico, enfatizando a identificação de padrões que permitissem realçar alguns aspectos centrais da configuração atual do campo, tais como: conceito de empresa familiar utilizado; temas de pesquisa; abordagem de pesquisa; método de pesquisa; estratégia de pesquisa; técnicas de coleta e análise de dados. A partir dos resultados da pesquisa, foi possível observar a existência de um campo emergente no cenário acadêmico brasileiro, o qual vem apresentando avanços nos últimos anos, sobretudo no que se refere ao crescimento do volume de trabalhos publicados. Portanto, pode-se afirmar que o campo de estudos sobre empresas familiares assume um caráter potencial, se constituindo como alternativa acadêmica relevante para a produção de pesquisas e para o desenvolvimento de teorias dentro da área da Administração e dos Estudos Organizacionais no Brasil.

Empresas familiares; Estudos organizacionais; Brasil


The purpose of this paper is to analyze Brazilian scientific production on family businesses, assessing articles published between 1997 and 2009. We conducted a literature review, focusing on the identification of patterns that highlight some key aspects of the current status of the field, such as: family business concept; research themes; research approach; research method; research strategy; data collection and data analysis techniques. The results indicate the existence of an emerging field in the Brazilian academic scenario, which has shown progress in recent years, particularly in terms of an increase in published papers. Family business research plays a potential role as it becomes a relevant academic alternative for research production and for the development of theories in the area of Management and Organizational Studies in Brazil.

Family business; Organizational studies; Brazil


O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009

Family Business Research in Brazil: analysis of scientific production in the period 1997-2009

Alex Fernando BorgesI; Carolina LescuraII; Janete Lara de OliveiraIII

IMestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras - PPGA/UFLA. Professor da Universidade Federal de Uberlândia – UFU – Ituiutaba/MG/Brasil.Endereço: Praça dos Trabalhadores, 607/ 602, Bloco A, Setor Norte. Ituiutaba/MG. CEP 38300-232. Email: alexfborges@gmail.com

IIMestre em Administração pelo PPGA/UFLA. Professora da Universidade Federal Fluminense – UFF – Niterói/RJ/Brasil. Email: carolescura@gmail.com

IIIDoutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais - CEPEAD/UFMG. Professora da UFMG – Belo Horizonte/MG/Brasil. Email: janetelara@face.ufmg.br

RESUMO

Tem-se como objetivo, com este trabalho, analisar a produção científica brasileira sobre empresas familiares, a partir de artigos publicados durante o período compreendido entre 1997 e 2009. Para tanto, foi efetuado um levantamento bibliográfico, enfatizando a identificação de padrões que permitissem realçar alguns aspectos centrais da configuração atual do campo, tais como: conceito de empresa familiar utilizado; temas de pesquisa; abordagem de pesquisa; método de pesquisa; estratégia de pesquisa; técnicas de coleta e análise de dados. A partir dos resultados da pesquisa, foi possível observar a existência de um campo emergente no cenário acadêmico brasileiro, o qual vem apresentando avanços nos últimos anos, sobretudo no que se refere ao crescimento do volume de trabalhos publicados. Portanto, pode-se afirmar que o campo de estudos sobre empresas familiares assume um caráter potencial, se constituindo como alternativa acadêmica relevante para a produção de pesquisas e para o desenvolvimento de teorias dentro da área da Administração e dos Estudos Organizacionais no Brasil.

Palavras-chave: Empresas familiares. Estudos organizacionais. Brasil.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to analyze Brazilian scientific production on family businesses, assessing articles published between 1997 and 2009. We conducted a literature review, focusing on the identification of patterns that highlight some key aspects of the current status of the field, such as: family business concept; research themes; research approach; research method; research strategy; data collection and data analysis techniques. The results indicate the existence of an emerging field in the Brazilian academic scenario, which has shown progress in recent years, particularly in terms of an increase in published papers. Family business research plays a potential role as it becomes a relevant academic alternative for research production and for the development of theories in the area of Management and Organizational Studies in Brazil.

Keywords: Family business. Organizational studies. Brazil.

Introdução

As empresas familiares têm sido objeto de interesse crescente por parte dos pesquisadores. Trata-se de um tipo de empresa que pode ser considerada como predominante em diferentes setores de atividade, e que contribui de forma significativa para aspectos de ordem econômica e social, sobretudo no Brasil (GONÇALVES, 2000). Dados estatísticos revelam que um número expressivo de organizações é controlado por núcleos familiares, o que reforça a importância desses empreendimentos para a movimentação da economia (BUENO et al., 2007). Especificamente no contexto brasileiro, é verificável que a produção de artigos em congressos e periódicos científicos se deu com maior frequência a partir dos anos de 1999 e 2000 (LIMA et al., 2010; GRZYBOVSKI, 2007).

Atualmente, observa-se um aumento do interesse acadêmico pela temática das empresas familiares, sobretudo quando se considera o crescente volume de produção científica do campo (DEBICKI, et al., 2009). Contudo, nota-se que a preocupação científica para com o tema é apenas recente (HECK et al., 2008; POUTZIOURIS et al., 2006).

Na medida em que se reconhece a importância socioeconômica das empresas familiares e que o interesse científico voltado para a compreensão dessas organizações se torna crescente, surge a necessidade de realização de estudos reflexivos sobre o desenvolvimento deste campo de pesquisas. Tendo em vista esta preocupação, diferentes trabalhos trouxeram em seu bojo esforços de revisão do campo de pesquisas sobre empresas familiares. Esses trabalhos se dividem entre aqueles voltados para a reflexão sobre temas de pesquisa (DEBICKI, et al., 2009; PAIVA et al., 2008; CASILLAS; ACEDO, 2007; SHARMA, 2006; BIRD et al., 2002; DYER JR.; SÁNCHEZ, 1998; SHARMA; CHRISMAN; CHUA, 1997), perspectivas paradigmáticas (MOORES, 2009) e perspectivas metodológicas (PAIVA et al., 2008; ZAHRA; SHARMA, 2004; DAVEL; COLBARI, 2003; WINTER et al., 1998).

O levantamento da literatura sobre empresas familiares executado nesta pesquisa permitiu observar que existem poucos estudos brasileiros realizados com o objetivo de mapear a produção nessa área. Visando contribuir nesse sentido, com este trabalho, objetiva-se, exatamente, tentar suprir tal lacuna existente. Para tanto, buscou-se analisar a produção científica brasileira sobre empresas familiares, a partir do levantamento de artigos publicados em periódicos e anais de eventos em Administração no período 1997-2009. A justificativa para este recorte temporal se dá, de um lado, pelo crescimento observado na produção científica sobre o tema, sobretudo a partir do final da década de 90 e início da década de 2000 (GRZYBOVSKI; 2007; PAIVA et al., 2008; LIMA et al., 2010), e, de outro, pela disponibilização das bases de artigos em formato digital, tanto nos sítios dos periódicos como nos acervos eletrônicos dos eventos da ANPAD (a partir do ano de 1997).

Com a identificação desses aspectos, espera-se reunir elementos que permitam a construção de uma análise crítica da atual situação da área, possibilitando contribuições mais fecundas para o desenvolvimento do campo e indicando novas direções para a pesquisa sobre esses objetos.

Este trabalho está dividido nas seguintes seções, além desta introdução: uma breve revisão sobre o estado da arte das pesquisas sobre empresas familiares; descrição dos procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa; apresentação e análise dos aspectos considerados mais relevantes para o que se propõe neste trabalho e; algumas considerações e encaminhamentos que podem contribuir para pesquisadores da área.

Estado da Arte da Pesquisa sobre Empresas Familiares

O interesse pela compreensão da natureza das empresas familiares tem aumentado significativamente no decorrer das últimas décadas. É perceptível o fato de que diversas pesquisas têm sido efetuadas visando desenvolver teorias, gerar conhecimento e encaminhar alternativas na tentativa de melhor compreender a dinâmica desse tipo de organização.

O campo de estudos sobre empresas familiares é relativamente jovem. Seu surgimento pode ser atribuído à abordagem pró-ativa de praticantes, cujos primeiros trabalhos foram fundamentados em estudos práticos e em estudos de caso (POUTZIOURIS et al., 2006). Nesse momento, teve início o reconhecimento do universo familiar no ambiente organizacional (HECK et al., 2008). No meio acadêmico, havia ainda algumas resistências para se considerar as especificidades desse tipo de organização, especialmente a interação família-organização. Nesse sentido, muitos autores interpretavam que a participação da família nos negócios poderia tornar a gestão desses empreendimentos menos profissional (HOY; SHARMA, 2006).

Após esse momento inicial, observou-se um crescimento gradativo do campo de empresas familiares. Este crescimento ocorreu a partir do surgimento de instituições preocupadas com o tema (ensino, pesquisa, consultoria, governo, fomento), de meios de divulgação científica (periódicos especializados, linhas temáticas em eventos) e da ampliação no volume de artigos publicados sobre o tema (HOY; SHARMA, 2006).

No Brasil, os primeiros estudos sobre empresas familiares apareceram no início da década de 90, destacando-se aqui o pioneirismo de João Bosco Lodi. O surgimento do campo de empresas familiares se deu a partir de trabalhos de consultoria empresarial que focavam, principalmente, problemas vivenciados por essas organizações no decorrer de processos de sucessão (GRZYBOVSKI, 2007). Ainda segundo a autora, o interesse de pesquisadores brasileiros pela discussão teórica sobre empresas familiares teve início somente no final da década de 90, com as primeiras publicações científicas sobre a temática. Depois disso, houve um crescimento gradativo no volume de trabalhos publicados, explicado, principalmente, pelo fato de que os estudos sobre empresas familiares começaram a ocupar cada vez mais espaço em eventos científicos, tais como o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD) e o Encontro de Estudos Organizacionais (EnEO).

Ao observar a evolução do campo sobre empresas familiares, algumas características se destacam. Diferentes autores mapearam a produção com o intuito de compreender o estado do campo de forma sistemática, a partir da identificação das linhas de pesquisa. No plano internacional, os estudos de Dyer Jr. e Sánchez (1998), Bird et al. (2002), Brockhaus (2004), Sharma (2006), Casillas e Acedo (2007) e Debicki et al. (2009) identificaram os temas mais abordados nos trabalhos, quais sejam: o processo de sucessão; a dinâmica entre família e empresa; estratégia e práticas de gestão; formação de ciclos de vida; crescimento e desenvolvimento de empresas familiares; distinções entre empresas familiares e não-familiares; cultura organizacional; desempenho; dentre outros. No âmbito nacional, Paiva et al. (2008) apresentaram um balanço da literatura brasileira sobre empresas familiares publicada nos eventos da ANPAD, o qual identificou os seguintes temas mais pesquisados: sucessão; estratégia; modelos de gestão; profissionalização; cultura; aprendizagem; representações sociais; mudança; e empreendedorismo. Já o estudo de Davel e Colbari (2000) dividiu a produção científica entre aquela voltada para a explicação de aspectos materiais (sucessão, estratégia, ciclos de vida, profissionalização, dentre outros) e de aspectos imateriais (cultura, valores, símbolos, dentre outros).

De modo geral, por meio das evidências expostas acima, pode-se observar que as pesquisas sobre empresas familiares (tanto no nível nacional como no internacional) vêm sendo conduzidas a partir de abordagens teóricas variadas. Segundo Grzybovski (2007), apesar de tal diversidade evidenciar a amplitude temática do campo, ela também demonstra uma falta de foco de investigação e uma dispersão de esforços dos pesquisadores, limitando a possibilidade de obtenção de contribuições teóricas mais robustas e o aprofundamento em temáticas relevantes para o avanço da área.

Em termos metodológicos (ainda tratando em termos internacionais e nacionais), os estudos voltam-se para a discussão de questões vinculadas à definição do método e suas implicações no desenho da investigação de campo, à definição da estratégia de pesquisa, bem como ao estabelecimento de técnicas de amostragem, coleta e análise de dados (WINTER et al., 1998; DAVEL; COLBARI, 2003; ZAHRA; SHARMA, 2004). A despeito disso, avanços são ainda necessários. Há uma significativa diferença entre a pesquisa internacional e a nacional sobre empresas familiares, em termos metodológicos. Por um lado, no nível internacional, há predominância na aplicação do método quantitativo (DEBICKI et al., 2009; POUTZIOURIS et al., 2006) e o debate endereça, prioritariamente, o processo de amostragem, a necessidade de combinação adequada entre método, problema e quadro teórico da pesquisa, e a necessidade de realização de estudos longitudinais e cross-section (ZAHRA; SHARMA, 2004). Os autores sugerem, também, a utilização de outras abordagens metodológicas (WINTER et al., 1998) que possibilitem a construção de teorias mais consistentes e rigorosas sobre esse tipo de organização. No âmbito nacional, predomina a aplicação de métodos qualitativos (PAIVA et al., 2008), e o debate dirige-se à identificação de particularidades do processo de pesquisa fundamentado em tal abordagem, tais como a utilização da técnica de estudo de caso, foco nos processos e análise das falas dos entrevistados, possibilitada pela interação com os sujeitos da pesquisa (DAVEL; COLBARI, 2003). Em suma, a diferença metodológica que se verifica entre a pesquisa internacional e a pesquisa nacional reside na preocupação com dois pontos distintos - amplitude versus profundidade de análise - os quais constituem elementos que podem contribuir e/ou restringir o desenvolvimento do campo.

A partir desse conjunto de elementos, torna-se necessário refletir sobre o atual estágio de desenvolvimento das pesquisas sobre empresas familiares no Brasil. Assim, seria possível apontar as principais características dos trabalhos sobre a temática, bem como abrir espaço para a reflexão crítica e geração de avanços, contribuindo para ampliar as possibilidades de estudos futuros e para identificar agendas relevantes para as pesquisas sobre esses objetos.

Procedimentos Metodológicos

Para atender ao objetivo deste estudo, foi efetuada uma pesquisa bibliográfica, a partir do levantamento dos trabalhos publicados no Brasil sobre empresas familiares, em periódicos e anais de eventos científicos de Administração que apresentam produção relevante no campo, no período compreendido entre os anos de 1997 e 2009. Como já exposto na introdução deste trabalho, a justificativa para esse recorte temporal se dá pelo crescimento observado na produção científica sobre o tema, sobretudo a partir do final da década de 90 e início da década de 2000 (GRZYBOVSKI; 2007; PAIVA et al., 2008; LIMA et al., 2010), bem como pela disponibilidade de acesso às bases de artigos em formato digital, tanto nos sítios dos periódicos como nos acervos eletrônicos (CD-ROM) dos eventos da ANPAD (disponibilizado a partir do ano de 1997).

É importante destacar os procedimentos que foram efetuados no decorrer do processo de levantamento bibliográfico. Os artigos foram classificados, inicialmente, com base no título, resumo, palavras-chave e conteúdo do artigo propriamente dito. O quadro 1 apresenta os periódicos e eventos científicos pesquisados, bem como o período de tempo consultado:


É importante ressaltar que nem todos os periódicos e eventos analisados apresentaram fluxo contínuo de publicação no período analisado. Alguns periódicos começaram suas atividades em anos posteriores (RAE-e, RAM, Cadernos EBAPE.br), e alguns eventos ocorrem com periodicidade bianual (EnEO, EGEPE). Essa variação influencia o volume de produção científica, sobretudo quando se analisa o número de artigos publicados nos anos de 2000 (edição especial da O&S), 2003 (EGEPE), 2006 (EnEO) e 2008 (linhas temáticas no EnEO e no EGEPE). Outro fator que merece destaque é a inclusão da temática no grupo de novos temas de interesse da área de Estudos Organizacionais (EnANPAD e EnEO), ampliando o espaço acadêmico disponível para o debate e produção científica.

Ressalta-se, ainda, que os artigos selecionados foram reagrupados e analisados sob o aspecto de conteúdo, tendo sido destacados: conceito de empresa familiar; temas de pesquisa; abordagem de pesquisa; método de pesquisa; estratégia de pesquisa; técnicas de coleta e análise dos dados. A escolha dessas categorias foi inspirada em outros trabalhos de revisão já realizados na área de Administração e Estudos Organizacionais, tais como os estudos de Machado-da-Silva et al. (1990), Bertero et al. (2005), Paiva et al. (2008), Nassif et al. (2009), dentre outros.

O Campo de Pesquisas sobre Empresas Familiares no Brasil

Nesta seção, é apresentado o mapeamento da pesquisa sobre empresas familiares no Brasil. A apresentação dos resultados é subdividida em: conceito de empresa familiar; temas de pesquisa; tipo de abordagem de pesquisa; método de pesquisa; estratégia de pesquisa; técnicas de coleta e análise dos dados.

Distribuição anual e por tipo de publicação

A distribuição anual e por tipo de publicação dos artigos é apresentada na tabela 1. Procurou-se identificar quais são os meios de divulgação que cedem mais espaço para artigos sobre empresas familiares e a evolução da publicação ao longo do período analisado.

Foram identificados 176 artigos publicados em periódicos e anais de eventos científicos no Brasil entre 1997 e 2009. Cabe ressaltar que 117 trabalhos analisam especificidades associadas à temática das empresas familiares (66,5% do total), enquanto que 59 trabalhos as assumem como lócus para realização da pesquisa (33,5% do total). Essa particularidade revela um importante aspecto a ser considerado no campo. Se, por um lado, é possível observar que existe um reconhecimento dos empreendimentos familiares como objetos de pesquisa, por outro lado, verifica-se certa negligência dos pesquisadores ao considerar como estudos sobre empresas familiares aqueles que tão somente são realizados em empresas familiares. Nesse caso, especificidades inerentes a esse tipo de organização podem não ser adequadamente tratadas, o que acaba por fragilizar os estudos realizados.

Quanto aos meios de publicação mais utilizados, destacam-se os anais de eventos científicos, os quais concentram 75% dos artigos publicados. O EnANPAD, principal evento científico da área de Administração no Brasil, é aquele que reúne o maior número de trabalhos publicados sobre empresas familiares, com 80 artigos (60,6% do total). Em seguida, os eventos mais relevantes foram o EnEO, com 27 artigos (20,5% do total) e o EGEPE, com 25 artigos (18,9% do total). Cabe ressaltar o fato de que os estes três eventos científicos criaram linhas temáticas voltadas para a publicação de artigos sobre empresas familiares: EnANPAD (edição de 2009); EnEO (edição de 2008); e EGEPE (edições de 2005 e 2008). Destaca-se, também, o papel que tais eventos assumem para o desenvolvimento do campo e que, através desses espaços, os pesquisadores encontram um meio reconhecido para a divulgação de trabalhos e contato com outros pesquisadores. A tabela 2 apresenta o número de artigos e a distribuição anual da publicação de artigos em anais de eventos científicos.

Os periódicos, também, constituem um meio relevante para a publicação de artigos sobre empresas familiares, reunindo 25% da produção total na área, como mostrado na tabela 1. A quantidade e distribuição anual dos trabalhos publicados em periódicos são apresentadas na tabela 3.

A Revista Organizações & Sociedade é o periódico que mais publicou trabalhos sobre empresas familiares, reunindo 17 artigos (38,6% do total). Em seguida, aparecem a RAUSP com 11 artigos (25%), a RAM com quatro artigos (9,1%), a RAC e o Cadernos EBAPE.br com três artigos (6,8%), a RAE e a RAP com dois artigos (4,5%) e, por fim, a RAE Eletrônica e a REAd com apenas 1 artigo (2,3%).

Pode-se observar que o volume de artigos publicados em periódicos ainda é pequeno, sobretudo se comparado ao volume de artigos publicados em eventos científicos. Como visto na tabela 1, foram apresentados 132 artigos em eventos e publicados 44 em revistas da área. Destes, apenas 12 trabalhos provenientes de eventos (9,1% do total de artigos apresentados) foram publicados em periódicos científicos da área (27,3% do total de artigos publicados). Não se pode afirmar, naturalmente, que os artigos publicados sob a forma final deveriam ter sido apresentados anteriormente em eventos, mas há uma relação entre essas duas formas de apresentação. Na área de Administração, tem sido constantemente afirmado que grande parte da produção de congressos não chega à forma final de publicação em periódicos, o que fica aqui mais uma vez constatado. Algumas razões podem ajudar a explicar esse gap: a dificuldade e o tempo gasto para se publicar em periódicos reconhecidos, o espaço reduzido dedicado para publicações sobre o tema e, mesmo, a timidez dos pesquisadores que tendem a considerar a apresentação em eventos satisfatória para divulgar sua produção.

Foi identificada apenas uma edição especial dedicada a artigos sobre empresas familiares, realizada pela Revista O&S no ano de 2000. Desse modo, destaca-se a importância da realização de mais fóruns para possibilitar o encontro e o debate entre os pesquisadores da área, visando contribuir para o desenvolvimento do campo.

Ao analisar o conjunto de dados acima apresentados, pode-se afirmar que o interesse pela temática das empresas familiares é crescente, corroborando para a emergência do campo de estudos na área dos Estudos Organizacionais e da Administração no Brasil. Pode-se inferir que o campo está passando por um momento significativo, na medida em que o aumento do volume de artigos aponta para uma possível consolidação do campo no cenário brasileiro.

Conceito de empresa familiar adotado nos artigos analisados

Considerando que existe uma multiplicidade de conceitos sobre empresas familiares na literatura (DAVEL 2008; LITZ, 2008), torna-se relevante identificar quais têm sido utilizados pelos pesquisadores em seus estudos (tabela 4).

Os padrões conceituais do campo foram sintetizados nos seguintes termos: 1) objeto, quando a empresa familiar é abordada apenas como objeto para a realização do estudo; 2) propriedade, quando a empresa é considerada familiar a partir da conjunção entre propriedade e gestão da empresa nas mãos da família (GERSICK et al., 1997); 3) sucessão, quando a empresa é considerada familiar a partir da presença de pelo menos duas gerações na gestão da organização (DONNELLEY, 1964; LODI, 1998); e 4) família, quando a empresa é considerada familiar a partir dos laços de parentesco e/ou sociais existentes entre um grupo de pessoas que controla a organização (GRZYBOVSKI; LIMA, 2004).

Primeiramente, cabe destacar que, dentre os 176 artigos classificados, 117 trabalhos analisam especificidades associadas à temática das empresas familiares (66,5% do total), enquanto 59 trabalhos as assumem apenas como simples objeto para a realização do estudo (33,5% do total). Dentre os trabalhos que analisam as empresas familiares como temática central de estudo, três foram os padrões conceituais identificados: o conceito de empresa familiar a partir da questão da propriedade esteve presente em 36 trabalhos (20,5% do total); o conceito de empresa familiar vinculado à questão da sucessão foi encontrado em 44 artigos (25% do total); e a noção de empresa familiar a partir das relações sociais e/ou de parentesco entre seus controladores esteve presente em 37 trabalhos (21% do total).

A partir desses dados, pode-se constatar que a questão da propriedade, enquanto visão mais tradicional de empresa familiar, é recorrente nas pesquisas. Contudo, a noção de empresa familiar a partir da sucessão, embora mais restrita, é a mais utilizada pelos autores brasileiros. Isso pode ser explicado, em parte, pela predominância da temática da sucessão nos estudos realizados, como será evidenciado posteriormente. Paralelamente, o uso do conceito de empresa familiar a partir das relações de parentesco e/ou sociais entre seus controladores vem crescendo entre os pesquisadores, embora possa ser questionado por sua amplitude. Esse interesse maior pelo conceito vinculado à sucessão e a emergência do conceito de relações familiares na organização demonstram um afastamento do conceito simplesmente associado à propriedade, evidenciando um interesse mais aprofundado e complexo pela compreensão da dinâmica dessas organizações.

Temas de pesquisa

Um aspecto essencial da produção científica do campo de estudos sobre empresas familiares é a abordagem temática adotada pelos pesquisadores. A partir da análise dos artigos selecionados, foi possível identificar onze temáticas que têm sido trabalhadas e que demonstram alguns padrões teóricos da pesquisa sobre empresas familiares (tabela 5).

Pode-se observar que, dentre as abordagens temáticas mais estudadas no campo de empresas familiares, a que mais se destaca é a da sucessão, presente em 40 trabalhos (22,9% do total). Como temática central dos artigos, a sucessão tem sido trabalhada a partir da análise do processo de sucessão em si, bem como por meio de modelos teóricos desenvolvidos por pesquisadores do campo de estudos internacional (GERSICK et al., 1997; STAFFORD et al., 1999; BAYAD; BARBOT, 2002; LAMBRECHT, 2005). A sucessão, também, tem sido estudada sob a ótica da construção e evolução do processo sucessório, do planejamento da sucessão, das relações de poder, da profissionalização, das práticas de gestão, da cultura, do simbolismo, da estratégia, do gênero, das interações entre predecessores e sucessores, das perspectivas individuais dos sucessores, da interação entre família e empresa, dentre outros.

Em segundo lugar, encontram-se os temas estratégia (competitividade, planejamento estratégico, formulação e implantação de estratégias, comportamento estratégico, dentre outros) e governança (estrutura de propriedade, desempenho, valor e concentração acionária, agência, composição de conselhos de administração, dentre outros), com 14 artigos cada (8%). Posteriormente, aparecem as temáticas: cultura organizacional, com 11 artigos (6,3%); práticas de gestão, aprendizagem e questões associadas à família (noção de família, relações familiares na organização, dentre outros), com 9 trabalhos cada (5,1%); relações de gênero, com 7 trabalhos (4%); crescimento e desenvolvimento e empreendedorismo, com 6 artigos cada (3,4%) e; representações sociais/familiares, com 5 trabalhos (2,9%). Esses temas, juntamente com sucessão, estratégia e governança, concentram 74,3% de toda a produção nacional sobre empresas familiares durante o período analisado. Outros temas, também, têm sido estudados, tais como: relações de poder; artigos de revisão do campo; mudança organizacional; identidade; recursos humanos; psicologia; institucionalismo; profissionalização; redes; contabilidade; marketing; responsabilidade social; cognição; desenvolvimento local; história; sobrevivência; e visão baseada em recursos.

De modo geral, nota-se uma concentração de temas de estudo no campo. Por outro lado, há, ainda, uma diversidade e uma grande amplitude de temas abordados. Apesar de tal amplitude ser benéfica para o campo, refletindo diferentes facetas da realidade das empresas familiares, ela reflete, também, uma falta de foco da pesquisa, limitando a possibilidade de contribuições teóricas mais robustas e de aprofundamento em temáticas relevantes para a compreensão da natureza dessas organizações.

Verifica-se, assim, uma necessidade de ampliação do quadro teórico de estudos sobre empresas familiares (CHUA et al., 2003), principalmente com o intuito de se compreender a dinâmica entre família e empresa, as interações entre familiares e os impactos dessa relação sobre as práticas de gestão e o desempenho da empresa. Assim, a teorização deveria considerar, de forma conjunta, os objetivos familiares e organizacionais, possibilitando a ocorrência de uma relação sinérgica e simbólica entre família e empresa que, posteriormente, possa influir na longevidade da organização familiar. Portanto, faz-se necessária a inclusão da vertente familiar nos estudos organizacionais e nos estudos sobre empresas familiares (DYER JR.; DYER, 2009; DYER JR., 2003; LITZ, 1997), pois muitos comportamentos organizacionais só podem ser explicados quando compreendidas as relações que ocorrem no âmbito da família (CASTRO et al., 2008). É preciso relevar a "transversalidade do conhecimento, a multidisciplinaridade de abordagens e a pluralidade de conceitos resultantes da interconexão família-empresa" (GRZYBOVSKI et al., 2008, p. 417-418).

Tipo de abordagem da pesquisa

Quanto à perspectiva metodológica da pesquisa sobre empresas familiares, um dos aspectos analisados foi o tipo de abordagem adotada. Os trabalhos foram diferenciados a partir de três abordagens distintas: abordagem teórica, abordagem empírica ou abordagem teórico-empírica. Há predominância da abordagem teórico-empírica, presente em 154 trabalhos (87,5%). Foram também identificados 21 trabalhos de natureza teórica (11,9%) e apenas 1 trabalho de natureza estritamente empírica (0,6%). Por um lado, a concentração do campo em trabalhos teórico-empíricos é benéfica para o campo, pois evidencia uma maior preocupação com a interface existente entre a teoria e a prática. Entretanto, o baixo número de trabalhos teóricos revela uma fragilidade e limita o avanço da área, restringindo o desenvolvimento de conceitos, teorias e modelos voltados para a compreensão da dinâmica dessas organizações. A tabela 6 apresenta os resultados encontrados.

Método de pesquisa

Os artigos apontados como teórico-empíricos e empíricos na classificação anterior foram reclassificados quanto ao método neles empregado, utilizando-se o seguinte recorte: abordagem qualitativa, abordagem quantitativa ou uma abordagem mista (tabela 7):

A partir dos dados acima apresentados, é possível observar que a pesquisa qualitativa foi a mais empregada nas investigações sobre empresas familiares, concentrando 80% do total de artigos classificados. A pesquisa quantitativa, por sua vez, se fez presente em 18,7% dos trabalhos, enquanto que a abordagem mista ou multimétodo foi encontrada em apenas 2 artigos (1,3% do total).

Nota-se, a partir dos dados acima apresentados, que o campo ainda permanece restrito à abordagem qualitativa. Parece ser um consenso entre os pesquisadores, revelada pela justificativa na escolha do método, que este possibilita uma compreensão mais aprofundada acerca das empresas familiares, na medida em que permite o aprofundamento de realidades mais específicas e complexas. Davel e Colbari (2003) são pesquisadores que consideram a pesquisa qualitativa o método mais adequado para apreender a dinâmica das empresas familiares, devido ao seu caráter circular e reflexivo. Ainda, segundo esses autores, a pesquisa qualitativa possibilita considerar as diferenças de versões da realidade, as representações, a explicação das causas, dos processos e das dinâmicas internas dessas organizações. Desse modo, a profundidade das análises passa a ser mais importante do que a simples multiplicação quantitativa de casos (DAVEL; COLBARI, 2003). Contudo, o excessivo enfoque qualitativo dos estudos pode restringir o desenvolvimento do campo, visto que estudos com uma amostra mais ampla e com o uso de métodos quantitativos podem contribuir para uma maior compreensão das especificidades dessas organizações, como apontado por autores como Winter et al. (1998) e Zahra e Sharma (2004). O mais apropriado seria a triangulação de métodos, possibilitando tanto a amplitude, quanto a profundidade na compreensão das empresas familiares.

Estratégia de pesquisa

A estratégia de pesquisa delimitada nos trabalhos, também, foi um aspecto analisado, sendo os estudos classificados como estudos de caso, etnografias, survey e história de vida e oral. A tabela 8 apresenta a distribuição dos artigos quanto à estratégia de pesquisa adotada

Dentre as estratégias de pesquisa identificadas, destacam-se os estudos de caso - seja na modalidade de estudo de caso único ou estudo multicaso - com 111 artigos (71,6% do total), os quais têm sido a estratégia privilegiada pelos autores brasileiros para investigar empresas familiares. As demais estratégias utilizadas, com percentuais significativamente inferiores, são o survey (20%), a etnografia (5,8%) e as histórias de vida e oral (2,6%).

Certamente, a estratégia de estudo de caso permite um maior aprofundamento e o detalhamento da dinâmica vivenciada pelas empresas familiares. Adicionalmente, o estudo de caso permite que o pesquisador obtenha um conhecimento mais próximo das ações dos indivíduos inseridos no contexto das organizações familiares, além de permitir a identificação de padrões de interação recorrentes que explicitam as especificidades da dinâmica e dos processos que ocorrem nesse tipo de organização (DAVEL; COLBARI, 2003). Contudo, a produção calcada, predominantemente, em estudos de caso parece demonstrar uma falta de abertura dos pesquisadores para a utilização de outros métodos de pesquisa, fato que contribui de forma bastante lenta para o avanço do conhecimento no campo.

Técnicas de coleta e análise de dados

Os dois últimos aspectos analisados foram as técnicas de coleta e análise do material empírico. A tabela 9 apresenta os resultados encontrados acerca das técnicas de coleta de dados.

Uma vez que a pesquisa qualitativa e o método do estudo de caso foram os mais utilizados pelos pesquisadores, era esperado que a técnica de coleta de dados privilegiada fosse mesmo a entrevista, que aparece em 76,7% dos artigos produzidos no período. A observação (sistemática e/ou participante) e a pesquisa documental, também, aparecem como técnicas bastante utilizadas pelos pesquisadores, especialmente porque elas, de maneira geral, são adotadas de modo conjugado com outros recursos de coleta de dados, como a própria entrevista. A aplicação de questionários, por sua vez, apareceu como uma técnica menos adotada, justamente por ser mais aplicada a estudos de natureza quantitativa. Vale ressaltar a recorrência do uso de diferentes meios para coleta de dados, indicando níveis até certo ponto satisfatórios de triangulação entre diferentes procedimentos de coleta.

Por fim, a tabela 10 apresenta os resultados encontrados acerca das técnicas de análise de dados.

No que se refere às técnicas para análise dos dados, a análise de conteúdo aparece como a técnica mais utilizada nas pesquisas sobre empresas familiares no Brasil (72,3% do total), sobretudo, devido à difusão entre os pesquisadores e, também, pelo fato das pesquisas serem centradas, prioritariamente, na abordagem qualitativa. A análise de discurso é menos empregada (7,7% do total), embora seja possível observar que a utilização desta técnica tem crescido nos últimos anos. A menor decorrência deste tipo de análise, talvez, possa ser explicada pela pouca familiaridade dos pesquisadores com a técnica.

A Pesquisa sobre Empresas Familiares: estado atual e direções futuras

De modo geral, pode-se concluir, com a realização desta pesquisa, que o campo de pesquisas sobre empresas familiares apresenta alguns padrões recorrentes, cuja identificação permite realçar os aspectos centrais que contribuem para a configuração atual da área.

No que se refere ao uso dos diversos conceitos de empresa familiar nos artigos produzidos, percebe-se certa fragilidade do campo, pois apesar de reconhecer os empreendimentos familiares como objetos de estudo, uma quantidade significativa de trabalhos negligencia aspectos inerentes à dinâmica da interação entre família e empresa, deixando de agregar maiores contribuições teóricas em suas análises. Isso pode ser explicado, ainda que parcialmente, pelo fato de que o campo de pesquisas sobre empresas familiares é relativamente novo. Embora um campo de estudos novo constitua uma oportunidade interessante para novos entrantes, observa-se, ainda, uma fragilidade teórica e conceitual, em que grande parte dos estudos não consegue aprofundar e explicar as particularidades que tornam as empresas familiares distintas de outros tipos de organizações.

Por outro lado, dentre os artigos que assumem a empresa familiar como temática central do estudo, verifica-se um relativo afastamento da simples definição de propriedade e gestão sob controle de uma família empresária, fato que acaba por representar um avanço do campo. Existe uma preferência dos pesquisadores por definições vinculadas à sucessão e à noção de família a partir de relações de parentesco e/ou sociais. Essa particularidade contribui para revelar dinâmicas mais aprofundadas e complexas, inerentes à natureza das empresas familiares.

Em relação aos temas de pesquisa, verifica-se que estes abordam um leque bastante amplo de alternativas. Essa característica evidencia dois elementos importantes. De um lado, é possível observar a existência de uma diversidade de temas utilizados para o estudo de empresas familiares, o que permite a compreensão de diferentes facetas da realidade vivenciada por essas organizações. Por outro lado, essa amplitude temática pode refletir, também, uma falta de foco das investigações, o que limita as contribuições teóricas e o aprofundamento de questões que poderiam possibilitar uma compreensão mais aprofundada das empresas familiares.

A partir das abordagens teóricas identificadas nos trabalhos analisados, é possível identificar algumas direções futuras para o campo de pesquisas sobre empresas familiares. Nota-se que os trabalhos tendem a ceder mais atenção aos aspectos singulares que constituem essas organizações. Em outros termos, é possível verificar que a tendência não é tratar as empresas familiares como meros objetos de estudo, mas compreendê-las e investigá-las a partir do pressuposto de que a interação entre família e empresa é capaz de imprimir uma dinâmica diferenciada a esses empreendimentos. Algumas temáticas emergiram como possibilidades interessantes para o campo, dentre as quais se destacam: a definição de empresa familiar; a problemática familiar presente no espaço organizacional; a análise dessas organizações sob perspectivas teóricas e disciplinares diferenciadas (Sociologia, Antropologia, Psicologia, dentre outras); as práticas de gestão; a estratégia; os processos de sucessão; os processos de inovação; e o fenômeno do empreendedorismo. Esse conjunto de temas revela que uma das preocupações centrais dos pesquisadores caminha no sentido de revelar as implicações geradas pela influência da vertente familiar sobre os negócios e sua continuidade futura.

Em termos metodológicos, verifica-se a predominância de artigos teórico-empíricos, realizados por meio de abordagens qualitativas de pesquisa. Outro aspecto relevante consiste na predominância de estudos de caso. As discussões teóricas sobre organizações familiares aparecem de modo pouco frequente, fato que limita o desenvolvimento de conceitos, teorias e modelos voltados para a compreensão de elementos vinculados a esse tipo de empresa. Outra deficiência relevante na área consiste na existência de poucos estudos quantitativos e de abordagem mista, limitando uma compreensão mais ampla e possíveis generalizações sobre as características desses objetos. Para a futura consolidação do campo, torna-se necessário que haja um equilíbrio entre a utilização de abordagens diferenciadas de pesquisa. A possibilidade de primazia de um método sobre outro parece uma discussão um tanto inadequada nesse caso, pois a questão parece ser a de utilizar, de forma simultânea e equilibrada, as diversas possibilidades metodológicas disponíveis para o pesquisador.

As limitações do campo de pesquisas sobre empresas familiares podem ser, então, sintetizadas nos seguintes elementos: o excesso de estudos que evidenciam as empresas familiares apenas como objeto de estudo; a multiplicidade de conceitos e definições sobre empresas familiares; a amplitude temática; a falta de foco das pesquisas; a pouca utilização de estudos teóricos e de trabalhos quantitativos; dentre outros. Essas limitações e fragilidades, por sua vez, representam desafios científicos, na medida em que a solução de tais problemas pode contribuir para o avanço e desenvolvimento do futuro da área.

Por fim, é possível observar a existência de um campo de pesquisas emergente no cenário brasileiro. O interesse sobre a temática das empresas familiares é crescente, o que revela que a área vivencia, atualmente, um momento significativo. Assim como o campo internacional, o campo brasileiro de pesquisas sobre empresas familiares tem adquirido níveis crescentes de volume de trabalhos publicados, bem como níveis crescentes de interesse por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, o campo de pesquisas sobre empresas familiares assume um caráter potencial, se constituindo como alternativa acadêmica relevante para a produção de pesquisas e para o desenvolvimento de teorias dentro da área dos Estudos Organizacionais e da Administração no Brasil.

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho consistiu em analisar o estado atual do campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil, bem como destacar possibilidades, tendências e limitações da área. Para tanto, foi feito um levantamento dos trabalhos publicados no Brasil, no período entre 1997 e 2009, em periódicos e anais de eventos científicos da área de Administração, os quais apresentaram produção relevante sobre a temática de empresas familiares.

Os estudos sobre empresas familiares podem ser considerados relativamente recentes no ambiente acadêmico brasileiro. Essa é uma área que tende a ganhar maior atenção dos pesquisadores em razão da importância socioeconômica desses empreendimentos. Contudo, torna-se desafiador para os pesquisadores compreender as especificidades desses objetos de pesquisa, pois são organizações que apresentam uma dinâmica particular, fruto da interação família e empresa, e que demandam a construção de análises teóricas sob a ótica dessa interação.

O conjunto de evidências apresentadas neste trabalho aponta para possibilidades promissoras para o campo de pesquisas sobre empresas familiares. Um novo e promissor campo de estudos pode ser construído por meio da realização de trabalhos com maiores níveis de profundidade, densidade, amplitude, rigor, riqueza e relevância, tanto no nível teórico como, também, em relação ao emprego de uma maior diversidade metodológica. Faz-se necessário aprofundar as interrelações existentes entre o sistema familiar, o sistema organizacional e as interfaces estabelecidas entre ambos. Atender a esse desafio vai permitir aos pesquisadores fazer comparações e extensões da teoria existente, bem como gerar novas teorias para a análise dessas organizações. Assim, o campo de pesquisas sobre empresas familiares pode obter avanços e desenvolver caminhos que permitam sua consolidação efetiva na área dos Estudos Organizacionais e da Administração no Brasil, bem como viabilizar o desenvolvimento de conceitos, conjuntos analíticos e corpos teóricos específicos, configurando uma possível, desejável e, por que não, necessária "teoria da empresa familiar".

Artigo recebido em 27/07/2010

Última versão recebida em 10/02/2012

Artigo aprovado em 30/04/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2010
  • Aceito
    30 Abr 2012
  • Revisado
    10 Fev 2012
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