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A emergência das competências coletivas a partir da mobilização de diferentes grupos de trabalho

The emergence of collective competencies based on the mobilization of working teams

Resumos

As competências coletivas podem ser compreendidas a partir de diferentes contextos. Para este artigo, foi escolhido a dinâmica e resultado da equipe. Assim, buscou-se compreender o desenvolvimento de competências coletivas a partir da interação estabelecida entre diferentes grupos de trabalho. Para tanto, utilizou-se um referencial teórico com base na abordagem social das competências, destacando-se os autores franceses e suecos. Desenvolveu-se um estudo de caso qualitativo, no qual a empresa selecionada deveria ter a cultura do trabalho em grupo e, neste contexto, foi escolhido um processo estratégico que dependesse da mobilização de diferentes grupos. O processo apresentado é o da Parada Geral de Manutenção, na empresa UNIB-RS/Braskem. Como resultados, foram estabelecidos dois níveis de análise: (1) o nível micro, que buscou compreender os elementos constitutivos das competências e (2) o nível macro, focado nos resultados alcançados via esta mobilização. Baseado nesses achados, foram propostos dois conceitos sobre competências coletivas, com diferentes enfoques. O primeiro enfatizando o processo de desenvolvimento dessas competências, e o segundo, o resultado de tais competências.

Competência coletiva; Grupos de trabalho; Interação; Níveis de complexidade; Complementaridade


Collective competencies can be understood from different contexts. For this article we chose the dynamics and outcome of the team. The paper aims to understand the development of collective competencies established by the interaction among different working groups. For this purpose, we used a theoretical approach based on social competencies, in which French and Swedish authors were highlighted. We developed a qualitative case study, in which the selected company should have a teamwork culture and, in this context we chose a strategic process that relied on the mobilization of different groups. The case presented was Turnaround Maintenance, in UNIB-RS/Braskem. The results indicated two levels of analysis: (1) the micro level, which aimed to understand the constituent elements of collective competencies and (2) the macro level, focused on results of those competencies. Based on our findings we propose two concepts of collective competencies. The first one emphasizes the process of developing these competencies and the second is based on their results.

Collective competencies; Working teams; Interaction; Levels of complexity; Complementarity


ARTIGOS

A emergência das competências coletivas a partir da mobilização de diferentes grupos de trabalho

The emergence of collective competencies based on the mobilization of working teams

Maria Josefina KleinI; Claudia BitencourtII

IMestre em Administração pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Consultora em Gestão de Pessoas na Visão Humana Consultoria Ltda, São Sebastião do Caí/RS/Brasil. Endereço: Av. Bruno Cassel. 82, São Sebastião do Caí/RS. E-mail. jo@visaohumana.com.br

IIDoutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/UFRGS. Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração da UNISINOS, São Leopoldo/RS/Brasil. claudiacb@unisinos.br

RESUMO

As competências coletivas podem ser compreendidas a partir de diferentes contextos. Para este artigo, foi escolhido a dinâmica e resultado da equipe. Assim, buscou-se compreender o desenvolvimento de competências coletivas a partir da interação estabelecida entre diferentes grupos de trabalho. Para tanto, utilizou-se um referencial teórico com base na abordagem social das competências, destacando-se os autores franceses e suecos. Desenvolveu-se um estudo de caso qualitativo, no qual a empresa selecionada deveria ter a cultura do trabalho em grupo e, neste contexto, foi escolhido um processo estratégico que dependesse da mobilização de diferentes grupos. O processo apresentado é o da Parada Geral de Manutenção, na empresa UNIB-RS/Braskem. Como resultados, foram estabelecidos dois níveis de análise: (1) o nível micro, que buscou compreender os elementos constitutivos das competências e (2) o nível macro, focado nos resultados alcançados via esta mobilização. Baseado nesses achados, foram propostos dois conceitos sobre competências coletivas, com diferentes enfoques. O primeiro enfatizando o processo de desenvolvimento dessas competências, e o segundo, o resultado de tais competências.

Palavras-chave: Competência coletiva. Grupos de trabalho. Interação. Níveis de complexidade. Complementaridade.

ABSTRACT

Collective competencies can be understood from different contexts. For this article we chose the dynamics and outcome of the team. The paper aims to understand the development of collective competencies established by the interaction among different working groups. For this purpose, we used a theoretical approach based on social competencies, in which French and Swedish authors were highlighted. We developed a qualitative case study, in which the selected company should have a teamwork culture and, in this context we chose a strategic process that relied on the mobilization of different groups. The case presented was Turnaround Maintenance, in UNIB-RS/Braskem. The results indicated two levels of analysis: (1) the micro level, which aimed to understand the constituent elements of collective competencies and (2) the macro level, focused on results of those competencies. Based on our findings we propose two concepts of collective competencies. The first one emphasizes the process of developing these competencies and the second is based on their results.

Keywords: Collective competencies. Working teams. Interaction. Levels of complexity. Complementarity.

Introdução

A dinâmica competitiva do mercado, nas últimas décadas, vem impondo às empresas níveis crescentes de complexidade e interdependência, tanto nas relações intra-organizacionais como interorganizacionais. A necessidade constante de mudanças tecnológicas, econômicas e sociais tem pressionado as organizações a desenvolverem combinações diferenciadas de suas competências como forma de alavancar vantagem competitiva ou mesmo de buscar assegurar sua sobrevivência.

Nesse contexto, percebe-se a importância da construção de uma lógica coletiva para o desenvolvimento das competências, uma vez que as tendências organizacionais não são uniformes, em razão das mudanças significativas ocorridas nas formas de organização do trabalho. Longe da hierarquia, de regras de trabalho segmentadas e procedimentos de trabalho predeterminados, as organizações precisam, cada vez mais, de estruturas orgânicas com processos de trabalho mais flexíveis, colaborativos e efetivos (BOREHAM, 2004, ANTONELLO, 2005).

A excelência desses processos coletivos pode e deve desencadear competências coletivas, que são apresentadas de diversas formas. Entre essas opções, destacam-se, a cadeia produtiva, na qual o processo coletivo gera a complementaridade entre os agentes da cadeia; os processos em rede, cujo foco das competências coletivas volta-se para a relação dos agentes que compõem essa rede; e o grupo, em que o processo pode se centralizar em dois níveis distintos - na interação dos membros de um grupo (visão intragrupo) ou na interação entre grupos de trabalho (visão intergrupos).

O foco para o presente estudo refere-se a essa última opção e tem como propósito contribuir para a compreensão das competências coletivas a partir da mobilização de diferentes grupos de trabalho, tendo como objeto de análise um evento estratégico que seja significativo para promover essa dinâmica entre grupos de trabalho. Em outras palavras, busca-se responder a seguinte questão: O que são e como se consolidam as competências coletivas, tendo como base a interação entre grupos de trabalho?

Para abordar o tema das competências coletivas, este artigo apresenta, inicialmente, as bases conceituais desta pesquisa, destacando a perspectiva social sobre as competências coletivas e os elementos constitutivos de tais competências. Em seguida, os procedimentos metodológicos são apresentados enfatizando-se os critérios de seleção da empresa e do evento estratégico escolhido, no caso, UNIB-RS/Braskem, e o processo da Parada Geral de Manutenção (PGM). Posteriormente, são defi nidas as categorias de análise que se subdividem em dois níveis distintos: micro (destaca os elementos constitutivos das competências coletivas) e macro (representa os resultados dessas competências e evento). Por fim, apresentam-se os principais resultados do estudo e recomendações para pesquisas futuras.

As competências coletivas

O tema competências coletivas tem sido alvo de algumas discussões teóricas, mas raros são os estudos empíricos que se propõem a entender a sua lógica de desenvolvimento, destacando-se entre eles os trabalhos de Frohm (2002), Hansson (2003), Boreham (2004), Becker (2004), Ruas (2005), Bonotto (2005), Sandberg; Targama (2007), Bitencourt (2007) e Bitencourt e Bonotto (2010). A partir da análise desses trabalhos, é possível identificar duas perspectivas distintas: a funcional e a social.

A perspectiva funcional destaca as competências coletivas como um conjunto de recursos produtivos ou funcionais das empresas que complementam e reforçam o conceito de competências organizacionais, "desdobrando-as" e segmentando-as nos diferentes setores da empresa. Essas competências internas compõem o portfólio de competências, que consiste na combinação das competências individuais dos gruposou áreas de trabalho (NORDHAUG; GRÖNHAUG, 1994).

Em um de seus estudos, Ruas (2005) argumenta que o nível funcional ou "competência de grupo" refere-se às competências necessárias para realizar as funções básicas da empresa e, por isso, são consideradas competências coletivas. As competências coletivas são caracterizadas, portanto, pela combinação das atividades principais da organização (Gestão de Pessoas, Marketing, Produção, Suprimentos, entre outras) e que, juntas, permitem a sobrevivência e promovem sua competitividade no mercado.

Outra análise sob a perspectiva funcional refere-se à estrutura necessária para que as competências organizacionais se concretizem. Na visão de Leonard-Barton (1992), sobre a estrutura necessária para as capacidades essenciais, a autora destaca a Visão Baseada em Conhecimento, identificando dimensões relacionadas aos saberes inerentes a cada empresa.

Na perspectiva social, por sua vez, as competências coletivas caracterizam-se pela competência de um conjunto de indivíduos, grupos ou atores sociais que fazem parte de uma organização. Michaux (2005) apresenta em seu artigo um estudo sobre as diferentes concepções sociais da competência coletiva que coexistem na literatura internacional. Nesse estudo, a autora realizou uma análise transversal, na qual identificou quatro contextos de uso da noção de competência coletiva: a) dinâmica e resultado da equipe (sinergia entre as competências individuais que torna o trabalho eficaz); b) aprendizagem coletiva (construção de um novo saber da e para a ação); c) compartilhamento de saberes e experiências (reflexão coletiva conduzida pela experiência); e d) cooperação e comunicação (gestão da mudança e das incertezas). A Figura 1 sintetiza essa análise.


Para este estudo, o foco refere-se à abordagem social e, mais especificamente, ao contexto 1 (dinâmica e resultado da equipe), que envolve os outros 3 níveis.

Para compreender as competências coletivas no contexto dos grupos de trabalho, busca-se na base teórica entender a noção das competências coletivas a partir de seus elementos constitutivos. Inúmeros fatores foram identificados e, após uma análise com base na relevância (da publicação) e redundância (repetição desses fatores), chegou-se aos seguintes elementos: sensemaking (que envolve contexto, papéis e comunicação), entendimento compartilhado (a partir da interação, coordenação dos conhecimentos dos grupos, espírito coletivo), ação (que pode ser reflexiva e não-reflexiva) e abrangência (na qual destacam-se a noção de tempo e espaço). O Quadro 1 apresenta esta síntese.


Esses elementos nortearam a pesquisa de campo, servindo como categorias de análise para o nível micro, como será detalhado nos procedimentos metodológicos.

As competências coletivas podem ser compreendidas a partir do compartilhamento do significado do trabalho (WEICK, 1993; WEICK; ROBERTS, 1993), ou seja, no processo coletivo de tornar significativa a ação - o sensemaking do grupo. Weick (1993) sugere que o processo de produção de sentido está associado ao contexto, à estrutura, aos papéis e às rotinas definidas pela organização e é reforçado pela identidade do grupo. Nessa linha, as ações dos grupos são possíveis somente quando cada participante tem uma representação que vincule as suas ações com as dos outros. Essa interação depende da intersubjetividade que emerge do intercâmbio e da síntese do significado da comunicação entre os membros do grupo, assim como da transformação do sujeito durante a interação.

Neste sentido, o sensemaking estimula o entendimento compartilhado, que é elaborado a partir dos seguintes elementos: interação, coordenação de diferentes bases de conhecimento e espírito coletivo, consolidando-se por meio de um processo de socialização.

A partir da socialização, é possível desenvolver um entendimento do trabalho, no qual há um compartilhamento em comum acordo entre os membros do grupo. O entendimento compartilhado é estruturado pela construção de significado das atividades (SANDBERG; TARGAMA 2007). O significado dessa socialização envolve a aprendizagem individual e coletiva, na qual o processo que constitui o entendimento compartilhado torna-se crucial para o desenvolvimento e manutenção da competência coletiva. O entendimento compartilhado pelos membros é, primeiramente, desenvolvido e formado por meio do processo de sensemaking, a respeito do significado de seu trabalho, como mostra a Figura 2.


A socialização, por sua vez, permite que as ações desenvolvidas pelo grupo, além de um sentido comum, apresentem momentos rotineiros e reflexivos. Weick (1993), em seu artigo sobre o caso "Mann Gulch", conclui que as organizações baseadas em papéis e rotinas são hábeis para lidar com situações defi nidas, gerando um signifi cado não-reflexivo, baseado em experiências anteriores e ações rotineiras. No entanto, se algo diferente acontecer e exigir mudanças na rotina, o processo de sensemaking requer um processo reflexivo de adaptação e de produção de um novo sentido. As ações reflexivas envolvem a elaboração da forma como cada membro do grupo exerce suas atividades e uma base comum de conhecimento que permite que alguns membros do grupo estejam aptos a realizar o trabalho de outros. Portanto, a construção de uma visão compartilhada é fundamental para que seja possível a construção de símbolos referenciais para as ações do grupo.

Para o desenvolvimento de competências coletivas, a ideia contextual é essencial. Esta envolve, além dos elementos destacados anteriormente, a noção de abrangência, ou em outras palavras, a ideia de tempo e espaço. O tempo é o elemento que envolve a experiência e o conhecimento tácito para a competência prática. O espaço diz respeito ao local onde a interação acontece, estimulando a competência interpessoal, que ocorre em um determinado momento, enquanto a competência prática desenvolve-se continuamente no tempo.

De acordo com Frohm (2002), a competência coletiva se estabelece conforme as lógicas interativa e inter-relacional, dependentes do contexto. Uma das maneiras de se estimular o desenvolvimento da competência coletiva é por meio de reuniões de projeto, que servem como arena para os processos de sensemaking e coordenação das diferentes bases de conhecimento dos indivíduos em função de um objetivo comum.

Outra forma de análise é realizada por Boterf (2003) e Zarifian (2001) que identificam a competência coletiva como uma competência de rede. Ou seja, a articulação das competências individuais promove a sinergia e interdependência entre os atores, os recursos envolvidos e suas bases de conhecimentos específicos (BOTERF, 2003). Neste contexto, a força da situação promove o compartilhamento das competências individuais para alcançar o resultado esperado, possibilitando a construção do sentido coletivo (ZARIFIAN, 2001).

Analisando o contexto proposto pelos autores destacados na perspectiva social, percebem-se aspectos relacionados tanto à estrutura formal, representada por regras, papéis, rotinas e departamentos, quanto à estrutura informal, representada pela cultura, linguagem, relações e diferentes formas de comunicação entre os membros e grupos da organização. Os processos envolvidos compreendem aspectos relacionados à noção de competência coletiva que, para este estudo, representa a construção de um significado coletivo do trabalho, a partir de diferentes bases de conhecimento, ampliando, dessa forma, a rede de conhecimentos e construindo uma visão sistêmica e interdependente para o alcance de um objetivo compartilhado.

Procedimentos metodológicos

A estratégia de investigação utilizada é o estudo de caso (YIN, 2001) com uma abordagem qualitativa (GODOY, 1995), devido a sua adequação aos objetivos e à complexidade da temática proposta, na qual privilegia-se uma análise mais profunda e reflexiva ao invés de generalizações.

Para a seleção do caso, foram utilizados dois critérios: (1) empresa de classe mundial; (2) reconhecida pelo desenvolvimento de equipes autogerenciáveis. A empresa escolhida foi a UNIB-RS/BRASKEM. O segundo passo na escolha para o desenvolvimento do caso foi a do processo estratégico. Este deveria referir-se a um evento que (1) mobilizasse um grande contingente de pessoas e grupos de trabalhos; (2) tivesse um grande impacto sobre os resultados da empresa; e (3) fosse considerado estratégico pela organização. O evento escolhido foi a Parada Geral de Manutenção. Desta maneira, o estudo buscou compreender a complexidade envolvida no relacionamento entre os grupos de trabalho no desenvolvimento de competências coletivas, a partir da realização do evento da Parada Geral de Manutenção (PGM) no contexto da UNIB-RS Braskem, petroquímica de classe mundial.

Classifica-se esta pesquisa como qualitativa do tipo exploratório-descritiva, pois tem como objetivo explorar o tema das competências coletivas, caracterizado por estudos incipientes, descrevendo como se desenvolve a interação de diferentes grupos de trabalho. Destaca-se que estudo anterior foi realizado por Bitencourt e Bonotto (2010), tendo como escopo a compreensão das competências coletivas a partir do estudo de dois grupos de trabalho na mesma empresa, porém enfatizando a relação estabelecida dentro de cada grupo.

Apesar de se ter firmado um referencial teórico sobre o tema central do estudo, as variáveis investigadas não foram totalmente definidas a priori, possibilitando a inserção de outros elementos que se destacaram ao longo da pesquisa.

Este estudo foi realizado tendo como base quatro fases distintas e complementares que demonstram a evolução da pesquisa, à medida que a análise foi avançando. Essas fases conduziram ao desenvolvimento da compreensão dinâmica das competências coletivas, como mostra a Figura 3.


Na fase exploratória inicial, ocorreu a coleta de dados que teve por objetivo compreender as competências coletivas enquanto uma visão processual, identificadas neste estudo como nível micro, a partir dos elementos: sensemaking, entendimento compartilhado, ação e abrangência, como destacado anteriormente. Para essa fase, foram utilizadas diversas fontes de dados primários, como as entrevistas semiestruturadas, os grupos de foco, a observação não-participante e, ainda, fontes de dados secundários. A triangulação dos dados no presente estudo aconteceu pelo exame da convergência dessas fontes de evidências coletadas no decorrer da pesquisa. Tal fase contou com a realização de 24 horas de entrevistas envolvendo 15 colaboradores em nível de coordenação do evento da Parada. Realizaram-se, ainda, dois grupos de foco, contando com a participação de nove pessoas de nível técnico, tanto da UNIB-RS-Braskem, quanto de empresas contratadas.

A partir da transcrição de todas as entrevistas e grupos de foco, iniciou-se um processo de análise de conteúdo qualitativa dos dados coletados (YIN, 2001; BARDIN, 1977). Com base nesta pré-codifi cação, procedeu-se a uma codifi cação com o auxílio do software QSR NVivo versão 7.0, com o propósito de ampliar as possibilidades de análise do material coletado e a confi abilidade do estudo, permitindo, ainda, uma triangulação entre a análise qualitativa e quantitativa de conteúdo (TEIXEIRA; BECKER, 2001). Nessa fase, o Nvivo 7 foi utilizado para codifi car os elementos constitutivos das competências coletivas sob uma perspectiva processual, relacionada à dinâmica de interação dos grupos de trabalho para a realização da Parada Geral de Manutenção, elementos estes já apresentados no Quadro 1.

A análise qualitativa de conteúdo desses elementos (visão processual) revelou a existência de outros elementos importantes para a compreensão da competência coletiva (visão de resultado). Foi nesse momento que as autoras incluíram um segundo nível de análise ao estudo, tendo em vista o destaque dado pelos entrevistados e membros dos grupos de foco para a questão dos resultados. Portanto, a análise passa a considerar dois momentos: (1) os elementos constitutivos da competência coletiva (denominado nível micro) e (2) seus resultados (denominado nível macro).

Esses achados da pesquisa remeteram o estudo à fase exploratória avançada que tem por objetivo compreender as competências coletivas enquanto uma visão de resultado, identificadas, neste estudo, como nível macro, evidenciado a partir dos elementos: Segurança, Saúde e Meio Ambiente (SSMA), qualidade, prazo e custos.

Considerando que, ao completar a análise da Fase Exploratória Inicial, evidenciou-se a existência de dois possíveis níveis de análise (micro e macro), tornou-se necessário recodificar as entrevistas transcritas com base nos elementos do nível macro, apresentados no Quadro 2, utilizando-se para isso o Nvivo 7.


Realizadas as fases exploratórias (inicial e avançada), partiu-se para a fase descritiva relacional que tem por objetivo compreender a complementaridade entre os elementos das competências coletivas, evidenciando as relações entre os elementos do nível micro, do nível macro e dos níveis micro e macro entre si.

Diante da complexidade de análise das relações entre os elementos e entre os distintos níveis, utilizou-se, inicialmente, a análise quantitativa de conteúdo, baseada na Matriz de Codificação do Nvivo (FLICK, 2004), permitindo explorar, de forma concisa, as relações entre os dados coletados. Para Flick (2004), esse processo é realizado por meio de uma matriz numérica de dados, composta por linhas e colunas que combinam os textos codificados e as categorias do estudo, revelando os dados numéricos dessa relação.

O uso da Matriz de codificação do Nvivo 7 permite cruzar todas as codificações que foram realizadas para os elementos de análise, e gerar como resultado desse cruzamento uma planilha de dados, ou seja, dados quantitativos do conteúdo das entrevistas. No entanto, ressalta-se a natureza do estudo que é qualitativo, sendo utilizada uma etapa de análise de conteúdo quantitativa com o objetivo específico de complementaridade da análise quali-quanti. Além disso, a análise quantitativa de conteúdo permitiu uma análise mais elaborada das relações entre os elementos. Assim sendo, este estudo gerou três planilhas que apresentam as relações entre os elementos da seguinte forma: entre os elementos do nível micro, entre os elementos do nível macro, e entre os elementos dos níveis micro e macro.

A fase de validação dos dados foi realizada em uma reunião do Comitê Diretivo da PGM, 15 dias após a realização da PGM de 2008, com os objetivos de (1) validar os achados da pesquisa junto aos responsáveis pelo evento, (2) coletar dados referentes ao resultado da PGM e, ainda, (3) aprofundar a compreensão das relações estabelecidas entre as categorias de análise. Nessa reunião, estavam presentes os 28 colaboradores que compõem o Comitê da Parada e teve a duração de 2 horas e 30 minutos.

Por fim, para destacar os cuidados metodológicos envolvidos no estudo, apresenta-se, a seguir, o Quadro 3, que revela os testes realizados com o intuito de conferir validade e confiabilidade ao estudo.


Quadro 3

A UNIB-RS e a parada geral de manutenção

A estatal Companhia Petroquímica do Sul (COPESUL) foi fundada em 1976, mas somente a partir de 1982 iniciou suas operações. Após sua privatização em 1992, tornou-se, ao lado da Braskem, a maior central de matéria-prima (CMP) da América Latina, com uma produção anual de 1,2 milhão de toneladas de eteno e 634 mil toneladas de propeno.

Em março de 2007, a Braskem, Ultrapar Participações S.A. e a Petrobras adquiriram o Grupo Ipiranga. No entanto, a Braskem e a Petrobras detêm os ativos petroquímicos do Grupo, representados pela Ipiranga Química S.A., Ipiranga Petroquímica S.A. (IPQ) e pela participação desta na Copesul, na proporção de 60% para a Braskem e 40% para a Petrobras (BRASKEM, 2007). Assim sendo, a Copesul tornou-se a Unidade de Petroquímicos Básicos (UNIB-RS) da Braskem em Triunfo/ RS.

Considerada a maior petroquímica das Américas e a terceira maior produtora de polipropileno do mundo, a Braskem, visando seu desenvolvimento sustentável, tem como bases de sua estratégia a competitividade e o arrojo tecnológico. É considerada a primeira petroquímica integrada do país, combinando em uma única empresa, operações da primeira geração (eteno, propeno e cloro) e da segunda geração (resinas termoplásticas) da cadeia produtiva do plástico. Em razão disso, a Braskem obtém vantagem competitiva por meio de escalas de produção e efi ciência operacional.

A Braskem produz, atualmente, 15 milhões de toneladas/ano de resinas termoplásticas e outros produtos petroquímicos. Em relação aos processos, o setor petroquímico caracteriza-se por utilizar o padrão de produção do tipo fluxo de produção contínua nas operações das plantas. Outra característica desse tipo de negócio é a ocupação integral da capacidade produtiva da planta e a demanda de um grande sincronismo de sua cadeia logística.

De acordo com Nobre Filho e Guaragna (2004), o setor petroquímico caracteriza-se por utilizar um padrão de produção do tipo fluxo de produção contínua nas operações das plantas. Sendo assim, essas indústrias precisam parar, não apenas porque a legislação NR-13 determina, mas, principalmente, por questões de manutenção centrada em confiabilidade1 1 Redução das falhas dos equipamentos e dos sistemas de produção, otimizando o uso de suas capacidades. . A certificação do Serviço Próprio de Inspeção de Equipamentos (SPIE), concedida à UNIB-RS pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e INMETRO, contribui para o aumento da confiabilidade e do tempo de vida útil das instalações, possibilitando o aumento do intervalo entre as paradas de manutenção.

A Parada Geral de Manutenção (PGM) tem o propósito de realizar inspeções programadas e revamps2 2 Revisão e atualização de equipamentos. , introduzindo novas tecnologias para preparar e assegurar uma nova campanha3 3 Período produtivo da Planta, sem interrupções ou intervalos. de, no mínimo, seis anos de operação (BRUN; SOUZA NETO, 2002. Para que a PGM tenha sucesso, são necessárias quatro fases: a definição do período da parada, o planejamento da parada, a execução da parada e o feedback da parada.

A primeira decisão a ser tomada para a realização da PGM é a definição do período de sua execução que é influenciada por fatores como: a legislação vigente, a probabilidade de falha dos equipamentos, a negociação com os clientes, a agenda das paradas de outras empresas, o tempo de planejamento, a disponibilidade de mão de obra terceirizada e a margem de contribuição para o negócio. Considerando o intervalo entre uma parada e outra, a periodicidade das paradas da UNIB-RS variaram entre 2, 4, 5 e 7 anos, sempre com o objetivo de ampliar os intervalos, tendo em vista seu custo operacional.

A partir da definição do período da Parada, inicia-se o processo de planejamento, que tem como propósito especificar as tarefas e garantir que elas ocorram dentro do prazo estipulado e com a qualidade desejada para evitar que o período da PGM seja ampliado. Nas oito edições da Parada, os períodos de planejamento da UNIB-RS tiveram duração entre 12 meses, para a PGM de 1984 e 30 meses, para a de 2008.

A PGM é uma grande rede de serviços interdependentes, que exige um planejamento antecipado, integrado e detalhado das tarefas, priorizando: a defi nição do escopo da PGM; o detalhamento das tarefas, prazos e recursos para sua realização; a segurança dos colaboradores e das instalações; a contratação das empresas parceiras; e a aquisição dos equipamentos e materiais necessários.

Cada planejamento da Parada está baseado na memória e na história das paradas anteriores, considerando as condições técnicas atuais dos equipamentos, uma campanha futura de, no mínimo, 7 anos, e a necessidade de atualização tecnológica da Planta para atender as demandas competitivas do setor petroquímico. O planejamento da PGM tem como grande desafio a definição do escopo, identificando os caminhos críticos do evento e determinando 90% dos serviços, trinta meses antes do evento, restringindo, ao máximo a entrada de novos serviços.

A PMG de 2008 foi considerada a maior parada da história da UNIB-RS, devido às modificações que aconteceram nos principais equipamentos da Planta 1, a maior do complexo industrial. Essa Parada teve um planejamento de 30 meses, agregando os grupos de planejamento, manutenção, operação, segurança, projeto e comercial, desde o início dos trabalhos. A PGM da Planta 1 foi realizada em 38 dias, em que foram realizadas 41.700 tarefas. Nesse período, a UNIB-RS sediou um contingente de 5.800 profissionais de empresas contratadas, além de 600 colaboradores internos, totalizando 2.094.830 horas trabalhadas.

A compreensão das competências coletivas envolvidas na parada geral de manutenção

As competências coletivas podem ser analisadas a partir de dois níveis distintos de complexidade: o nível micro e o nível macro. Para tanto, compreende-se que o nível micro é composto pelos elementos constitutivos das competências coletivas que revelam a dinâmica de mobilização dos grupos para a realização da Parada. O nível macro é composto por elementos considerados como resultado das competências coletivas evidenciadas no nível micro.

A análise foi realizada separadamente por nível e por elemento, considerando a complexidade da dinâmica do evento pesquisado, buscando-se, por fim, compreender o que são as competências coletivas para o presente estudo com base nas evidências coletadas e à luz do referencial teórico.

Os elementos constitutivos das competências coletivas: nível micro

Os elementos constitutivos das competências coletivas do nível micro compreendem os seguintes elementos: sensemaking (contexto, papéis e comunicação), entendimento compartilhado (interação, coordenação dos conhecimentos dos grupos, espírito coletivo), ação (reflexiva e não-reflexiva) e abrangência (tempo e espaço).

Para um entendimento mais objetivo dos elementos do nível micro, apresenta-se a seguir, no Quadro 4, uma síntese dos elementos constitutivos das competências coletivas do nível micro e os respectivos aspectos coletados através da pesquisa.


Quadro 4

De maneira geral, observa-se a complementaridade entre os elementos constitutivos das competências coletivas. Em alguns casos, inclusive, há a repetição de alguns elementos, como é o caso do planejamento único que, ao mesmo tempo, facilita a coordenação dos conhecimentos dos grupos e reforça o espírito coletivo, contribuindo para o entendimento compartilhado. Esse tipo de "recursão" enfatiza a lógica circular e da mutualidade, gerando melhorias consideráveis nos processos pelo "reforço" de ações distintas que impactam simultaneamente em situações diferentes.

As relações entre os elementos constitutivos das competências coletivas em nível micro é realizada, inicialmente, buscando a convergência entre esses elementos, e utilizando, para isso, a matriz de codificação realizada no NVivo 7, o que resulta na Figura apresentada a seguir.

Para facilitar a análise, foi realizada uma Rede de Relações entre os Elementos do Nível Micro, apresentada na Figura 5, interligando esses elementos de acordo com os resultados da Matriz de Codificação apresentada na Figura 4.



Com base nessa análise, observa-se, de forma mais destacada, que a comunicação, a interação e o espaço são os elementos que mais se evidenciam no processo da Parada, sendo interdependentes entre si. Isso remete ao fato da comunicação estruturada promover os espaços para a interação dos grupos de trabalho da PGM, os quais, por sua vez, executam suas tarefas baseados nessa comunicação.

A interação pode ser intensificada pelo tempo disponibilizado e pelo espaço criado em cada uma das fases da PGM. Por ser um evento que envolve a coordenação de diferentes papéis e variadas formas de interação, torna-se um processo extremamente reflexivo, principalmente nas fases de planejamento e feedback da Parada.

A relação entre os elementos tempo e ação reflexiva, também, apresentam uma forte relação de interdependência, pois quanto mais tempo disponível, maior a reflexão sobre os processos. Percebe-se que ambos os elementos são influenciados pela comunicação e pelo espaço de atuação, sendo que há influência mútua entre a interação e a reflexão coletiva. A comunicação, também, influencia a coordenação dos conhecimentos dos grupos por meio dos papéis que cada grupo representa na PGM, ao mesmo tempo em que é influenciada por estes, por meio da interação, que promove o espírito coletivo da parada.

Na dinâmica que se estabelece entre os elementos, percebe-se que o contexto apresenta relações de diferentes intensidades com todos os outros elementos, exceto com a ação não-reflexiva. As relações mais intensas estão entre: contexto e tempo, e interação e coordenação dos conhecimentos. O contexto e o tempo são influenciados por questões relacionadas à normatização, à estratégia da empresa e ao modelo de gestão, interferindo nas formas de interação e na coordenação dos diferentes conhecimentos dos grupos. O tempo apresenta relação mais intensa com a interação e os papéis, os quais, por sua vez, facilitam a coordenação dos conhecimentos dos grupos.

A coordenação dos conhecimentos está relacionada ao espaço de atuação e à reflexão, que é exercida tendo como base os papéis dos grupos, fortalecendo, com o tempo e o contexto, o espírito coletivo dos grupos envolvidos na Parada. A partir da análise do estudo de caso, pode-se entender que um maior tempo de experiência permite influenciar a ação não-reflexiva sobre os papéis de atuação dos grupos, ou seja, quanto maior a experiência profissional, menor reflexão será necessária para desempenhar os papéis.

A comunicação, por outro lado, facilita a ação não-reflexiva, principalmente por meio da programação que é definida na fase de planejamento. O contexto defi ne diretrizes que não podem ser alteradas. O espaço de atuação de cada grupo é determinado pela expertise de cada grupo, havendo limites para reflexão sobre seus papéis nesse campo de atuação. Na Parada, a interação entre os diferentes grupos de trabalho já faz parte da cultura da empresa, não sendo questionada sua importância, mas sim a qualidade dos serviços prestados.

Percebe-se que, independente dos papéis de atuação dos grupos, há um propósito maior na realização da PGM, que é a cooperação mútua com base na visão processual, facilitando a coordenação dos conhecimentos dos diferentes grupos envolvidos na Parada. Apesar da análise entre os elementos do nível micro ter sido fragmentada e, ainda assim, diferenciada pela análise quantitativa, salienta-se que esse processo foi utilizado para facilitar a análise qualitativa, tendo em vista a complexidade dinâmica dessas relações.

Os elementos constitutivos das competências coletivas: nível macro

O nível macro das competências coletivas compreende os elementos de análise gerados como resultado dos elementos das competências coletivas em nível micro. Esses elementos são considerados fundamentais para a realização da Parada e devem ser analisados por prioridade nas tomadas de decisão, considerando a seguinte ordem: SSMA, qualidade, prazo e custos.

Observa-se que o nível macro não foi definido a priori, sendo identifi cado como uma das categorias de análise que emergiu a partir da análise dos dados, e é apresentado no intuito de complementar a análise do nível micro, principalmente no que se refere aos resultados gerados por esta análise. Apresenta-se, a seguir, no Quadro 5, uma síntese dos elementos das competências coletivas do nível macro.


Quadro 5

Considerando as mais de 40 mil tarefas, realizadas por 6.400 pessoas envolvidas na PGM de 2008, torna-se mais evidente a relação estreita entre qualidade e prazo, uma vez que os custos globais da Parada já estão previamente determinados, ainda que estes possam ser afetados, caso o prazo não seja cumprido. Por outro lado, a SSMA possui, também, seus mecanismos de prevenção e controle estruturados e sistematizados, dificultando a possibilidade de comportamentos de risco. No entanto, algum problema de maior envergadura em SSMA pode afetar diretamente a qualidade dos serviços, aumentando tanto os prazos quanto os custos da Parada.

As relações entre os elementos constitutivos das competências coletivas em nível macro busca a convergência entre os elementos SSMA, Qualidade, Prazo e Custo, como mostra a Figura 5, sendo resultado da matriz de codificação realizada no NVivo 7.

Quando se analisa a Figura 6, percebe-se que as relações de complementaridade mais significativas entre os elementos do nível macro referem-se à qualidade e ao prazo, pelo fato de seus resultados serem mais dependentes do comprometimento e da qualidade técnica da mão de obra. Neste sentido, destaca-se, ainda, que cerca de cinco mil pessoas são contratadas para a realização da PGM. Isso implica dizer que a maioria das pessoas que trabalha neste evento não reflete a cultura de grupo e o espírito coletivo, que são características marcantes da empresa. Esse fato pode interferir diretamente nos resultados da Parada e na mobilização das competências coletivas.


Constatou-se que, apesar da SSMA ser destacada por todos entrevistados como prioridade, as evidências sobre ela não foram tão intensas, havendo mais necessidade de controle sobre o nível operacional dos processos terceirizados. Porém, observou-se que os indicadores relacionados à SSMA, são resultantes de vários programas de prevenção, conscientização e remuneração, demonstrando que se trata de um elemento que foi incorporado à cultura da Parada.

O elemento custos aparece com menos evidências, pelo fato de ser dependente dos outros elementos do nível macro, tendo em vista que possíveis problemas com a segurança, com a qualidade e com o prazo afetarão negativamente os custos do evento.

As relações de complementaridade entre os elementos dos níveis Micro e Macro

Com base na matriz de codifi cação realizada no NVivo 7, foi possível identificar a relação entre os elementos constitutivos das competências coletivas em nível micro e macro, como mostra a Figura 7.


Para facilitar a análise, foi realizada uma Rede de Relações entre os Elementos dos Níveis Micro e Macro, apresentada na Figura 8, interligando esses elementos de acordo com os resultados da Matriz de Codificação apresentada na Figura 7.


Analisando as relações de complementaridade entre os níveis micro e macro, apresentam-se, a seguir, algumas considerações sobre as relações dos elementos do nível micro sobre os elementos do nível macro, uma vez que os elementos da visão processual influenciam os elementos da visão de resultado.

O elemento SSMA está mais relacionado aos elementos comunicação, papéis, espaço e tempo, ou seja, elementos relacionados ao sensemaking e a abrangência. A conscientização sobre aspectos de SSMA está baseada em intensivos processos de comunicação voltados aos papéis dos grupos que ocorrem num espaço de atuação profissional de maior risco à segurança, saúde e meio ambiente. Portanto, é possível concluir que o nível de conscientização com os aspectos de SSMA é influenciado pelo significado e abrangência do trabalho dos envolvidos no processo da Parada.

O elemento qualidade é influenciado pelos elementos: sensemaking (comunicação, papéis e contexto), entendimento compartilhado (interação, coordenação dos conhecimentos e espírito coletivo) e ação reflexiva e abrangência (tempo e espaço). Percebe-se que esses elementos apresentam uma lógica em suas relações, pois, considerando o volume de pessoas envolvidas na execução da Parada, o volume de tarefas e o prazo exíguo para realizá-las é necessário que haja um entendimento compartilhado entre os envolvidos. No entanto, isso somente é possível a partir do significado do trabalho gerado pelos processos reflexivos, os quais ocorrem num determinado tempo e no espaço.

O elemento prazo é influenciado pelos elementos: tempo, comunicação e ação reflexiva. O elemento tempo, em suas várias combinações, é influenciado pela ação reflexiva dos grupos que controlam os prazos da PGM, a partir das diferentes formas de comunicação.

O elemento custos sofre maior influência do tempo, considerando que todos os prazos envolvidos na Parada são controlados pela programação das tarefas. Em caso de algum dos prazos se estender além do previsto, implicará o aumento de custos da PGM, podendo, em última instância, inviabilizar o negócio. O não cumprimento dos prazos pode, também, ser afetado por vários fatores associados a eles, como a SSMA e a qualidade.

Analisando a insignificante relação entre a ação não-reflexiva e a qualidade, pode-se inferir que apesar de pouca abordagem sobre essa relação, ela se justifica porque a qualidade dos serviços também está vinculada à condição sine qua non da habilidade técnica para a realização das tarefas. O prazo apresenta estreita relação com os elementos tempo, comunicação e ação reflexiva. Essa lógica faz sentido, tendo em vista que todos os prazos definidos nas fases da Parada envolvem a questão do tempo. No entanto, esses prazos são definidos a partir dos processos de comunicação e reflexão coletiva proporcionados, principalmente, pela fase de planejamento da Parada, sendo que, na fase de execução, o prazo deve ser cumprido plenamente como programado.

Na relação entre os elementos contexto, espaço e coordenação dos conhecimentos, percebe-se que esses elementos são importantes para priorizar os prazos envolvidos na PGM. O contexto refere-se, principalmente, a NR-13 e à estratégia da empresa que rege o período entre as Paradas e o período da Parada. Mas, também, é importante considerar a qualificação profi ssional necessária para realizar as tarefas e coordenar a ordem dos diferentes conhecimentos envolvidos para garantir a qualidade e não haver retrabalho. Durante a execução da PGM, os prazos são exíguos, fortalecendo o espírito coletivo entre os envolvidos na Parada, independente dos papéis ou campo de atuação.

Mais tempo dedicado à fase de planejamento permite uma melhor preparação para a PGM, tanto na negociação com fornecedores, como no alinhamento e qualificação dos profissionais envolvidos, resultando na realização do prazo e orçamento previsto, bem como num intervalo de sete anos até a próxima Parada, diluindo os custos globais dela. A reflexão coletiva dos diferentes papéis dos grupos envolvidos na Parada é possibilitada pela comunicação e pelo espaço de planejamento único, que facilita a coordenação dos diferentes conhecimentos, otimizando os recursos a serem utilizados na PGM que, por consequência, reduzem os seus custos. O contexto, por sua vez, apresenta maior relação com custos, devido aos investimentos em tecnologia e infraestrutura necessária para a execução da Parada.

A validação da pesquisa

A reunião de validação dos achados da pesquisa evidenciou três aspectos centrais que são apresentados a seguir e que se referem à segurança, à qualidade e prazo dos serviços prestados e à questão dos custos. Como se percebe, os elementos que compõem o nível macro foram os mais discutidos na reunião de validação, inclusive por estes estarem focados nos resultados que a empresa espera com a PGM. Apesar do discurso da priorização dos aspectos de segurança, essa preocupação ainda não se traduz em uma prática efetiva, considerando, principalmente, o envolvimento dos profissionais contratados. Assim sendo, o grupo percebeu que a segurança fi ca mais evidente pela exigência da norma do que pelo nível de consciência dos envolvidos.

Outro aspecto analisado é que a PGM é norteada pela qualidade dos serviços prestados e pelo prazo de realização. Houve surpresa em relação à baixa incidência do espírito coletivo na parada, pois, em razão de toda articulação necessária para a execução desta, estava subentendido o espírito coletivo dos envolvidos, o que não se confirmou pelos dados coletados no estudo. Contudo, destaca-se que a maior parte das pessoas e grupos integrantes da PGM são compostos por terceiros, os quais não estão imbuídos do espírito e cultura coletivos da empresa.

A baixa relação do elemento custo com os outros elementos é reflexo da cultura da "fartura" e da centralização da responsabilidade desse elemento, no papel do coordenador da Parada.

Considerações finais

Este estudo procurou compreender como a interação entre grupos pode estimular o desenvolvimento de competências coletivas. Para atender aos objetivos deste estudo, tomou-se como referencial teórico os autores que tratam das competências coletivas com base em uma perspectiva social. Essa abordagem baseia-se na construção coletiva do significado do trabalho, a partir de uma visão processual que envolve os elementos de sensemaking, entendimento compartilhado, ação e abrangência.

A pesquisa foi realizada com base no processo da Parada Geral de Manutenção da UNIB-RS/BRASKEM, que se caracteriza por mobilizar grupos internos e externos à empresa para executá-la em um mês. Esses grupos (manutenção, operação, projeto, segurança e planejamento) se articulam de diferentes formas para planejar o evento, com antecedência de dois anos, buscando um entendimento compartilhado para que os resultados da Parada sejam alcançados.

Os principais resultados podem ser agrupados a partir das contribuições geradas: reflexões teóricas, práticas de gestão e metodologia. Destaca-se que esses três níveis citados estão profundamente relacionados, sendo muito difícil percebê-los de maneira isolada. Portanto, cada uma das conclusões apresentadas a seguir, independente do seu nível de contribuição, acaba interferindo nos demais níveis, destacando a importância em se estabelecer a complementaridade entre teoria, prática e método.

Em termos de reflexões teóricas, destaca-se que: (a) A interação entre grupos, realmente, mostrou ser um meio efetivo de desenvolvimento de competências coletivas e, mais que isso, foi possível observar a complexidade de relações envolvida na mobilização de vários grupos de trabalho em função de um objetivo comum. (b) Constatou-se, ainda, que as relações intergrupais envolvidas na PGM geram a mobilização de diversos elementos (que denominamos elementos constitutivos da competência coletiva), sob uma perspectiva processual, e essa dinâmica alavanca as competências coletivas como resultado desse processo. (c) Outra evidência desse estudo refere-se à existência de relações de complementaridade entre os elementos das competências coletivas. Constatou-se haver uma complexa rede de relações entre os elementos analisados que reforça a lógica de que cada elemento é dependente dos demais, variando o grau de intensidade dessa relação de acordo com o resultado a ser alcançado. (d) Esses achados revelam que as competências coletivas são desenvolvidas tanto a partir da interação entre diferentes grupos de trabalho, quanto pela interdependência das relações entre processo e resultado.

Baseado nessas reflexões e nas análises realizadas, propõem-se compreender as competências coletivas com base em duas visões distintas: a de processo e a de resultado. Mais especificamente, na perspectiva de visão de resultado, a competência coletiva é vista como um produto, ou mais especificamente, como a capacidade de gerar resultados a partir do relacionamento entre grupos (internos e externos à empresa) mobilizando recursos e capacidades necessários para a realização de uma Parada efetiva, tendo como base uma visão compartilhada sobre o signifi cado da Parada e aspectos voltados à segurança, qualidade, prazo e custos. Na perspectiva de visão processual, a competência coletiva é vista como uma capacidade dinâmica baseada na interação entre diferentes grupos de trabalho, gerando a mobilização de competências complementares a partir de elementos constitutivos da competência coletiva: sensemaking, entendimento compartilhado, ação e abrangência.

As conclusões de cunho mais prático denotam que os elementos constitutivos da competência coletiva - sensemaking (contexto, papéis e comunicação), entendimento compartilhado (interação, coordenação dos conhecimentos dos grupos e espírito coletivo), ação (reflexiva e não-reflexiva) e abrangência (tempo e espaço) - não são percebidos pelos grupos de trabalhos e gestores entrevistados de foram isolada ou desconectada aos resultados esperados. Por esse motivo, inseriu-se o nível macro composto pelos elementos: SSMA, qualidade, prazo e custos. A partir desses achados, passou-se a entender a dinâmica das relações de complementaridade tanto dos elementos, quanto dos níveis entre si. Em outras palavras, os elementos constitutivos existem e são estimulados para o atingimento de resultados específicos.

Em relação aos aspectos metodológicos, destaca-se que a utilização da análise de conteúdo, contando com o uso de técnica qualitativa e quantitativa, mostrou-se bastante efetiva, considerando-se (1) a possibilidade de triangulação das técnicas,(2) a complementaridade entre os resultados da matriz de codificação e as reflexões geradas com base nas entrevistas e grupos de foco, (3) a possibilidade de combinar os elementos do nível micro, macro e micro e macro, conferindo uma visão mais dinâmica a partir da mobilização desses elementos e níveis.

A combinação entre elementos e níveis permitiu uma análise mais reflexiva e menos descritiva, para esta fase, gerando insights já apresentados como contribuições à teoria e à prática de gestão. Destaca-se que uma das principais contribuições, neste sentido, foi a possibilidade de evidenciar diferentes graus de relação entre os elementos/níveis analisados.

Considerando o nível de análise micro, observa-se que as relações entre a comunicação e a interação, e entre a ação reflexiva e o tempo formam o grande fio condutor dos processos de consolidação das competências coletivas sob uma perspectiva processual, representando todas as categorias do estudo: sensemaking, entendimento compartilhado, ação e abrangência. No nível macro, o destaque é para a relação que se estabelece entre qualidade e prazo, que acabam influenciando a questão da segurança e dos custos. Por fim, de acordo com as relações apresentadas entre os elementos do nível micro e os elementos do nível macro, destaca-se que todas as categorias do nível micro influenciam na qualidade, exceto o elemento ação não-reflexiva. Em relação à SSMA, somente o sensemaking e a abrangência exercem influência mais significativa sobre aquele elemento. No entanto, o tempo exerce influência sobre todos os elementos do nível macro, e a comunicação sobre a SSMA, a qualidade e o prazo. Para os participantes do Comitê da PGM, a competência coletiva se desenvolve em função da cultura de internalização das diretrizes e da ação orientada. Isso reforça a importância do processo de sensemaking coletivo, conferindo sentido às ações envolvidas na PGM.

Percebe-se, pelas análises realizadas, que a compreensão das competências coletivas em relação aos níveis micro e macro, somente é possível a partir das relações de interdependência e complementaridade entre esses níveis, independente do grau de intensidade dessas relações.

Esta pesquisa não tem a intenção de buscar generalizações, mas trazer à tona aspectos sobre a articulação de grupos de trabalho e sua relação com o desenvolvimento das competências coletivas, possibilitando aprofundar os dados e gerar reflexões que possam contribuir para a elucidação e avanços em relação à área temática.

Algumas limitações metodológicas podem ser observadas: (1) não estruturação de um roteiro de entrevista voltado para os elementos do nível macro, resultando em poucas informações a respeito desses elementos; (2) a coleta dos dados ocorreu na fase de planejamento da Parada, não sendo possível observar todo o processo dela; (3) não houve acesso a detalhes do processo de entendimento compartilhado entre a UNIB-RS/BRASKEM e as empresas contratadas.

Como possibilidade de estudos futuros, sugere-se um estudo longitudinal que possa acompanhar e coletar as percepções dos envolvidos em cada fase da Parada. Outra sugestão refere-se a um estudo complementar entre a visão intragrupos, como a realizada por Bitencourt e Bonoto (2010), e a visão intergrupos realizada neste estudo. Sugere-se, também, que os elementos identificados nos níveis micro e macro sejam analisados em outros setores e segmentos.

Artigo recebido em 29/01/2011.

Artigo aprovado em 05/10/2012.

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  • 1
    Redução das falhas dos equipamentos e dos sistemas de produção, otimizando o uso de suas capacidades.
  • 2
    Revisão e atualização de equipamentos.
  • 3
    Período produtivo da Planta, sem interrupções ou intervalos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      29 Jan 2011
    • Aceito
      05 Out 2012
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