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A estratégia como prática social: o pensar e o agir em um programa social governamental

Resumos

Os sujeitos organizacionais reproduzem específicas maneiras de fazer estratégia notadamente no caso de programas sociais governamentais. Isto pode ser observado no Programa Terra Mais Igual, em Vitória, Espírito Santo, que é ancorado na urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e dedicado à melhoria da qualidade de vida. Considerando que estratégias são associadas às ações cotidianas nas suas formas de pensar, sentir e agir e tendo o objetivo de avaliar o processo de articulação dos sujeitos organizacionais na realização de estratégias, a teoria social de Certeau (1994) foi utilizada como principal referência deste estudo. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado, observação não participante e pesquisa documental. A triangulação de métodos realizada foi adequada ao estudo de caso e como resultado, foram reveladas as particularidades das práticas sociais dos praticantes do programa nas suas formas de tomar decisão, socializar pessoas, adotar práticas administrativas formais, comunicar, negociar e administrar conflitos e aprender.

Estratégia como prática social; Programa social; Articulação Cotidiana; Certeau


The organizational subjects breed specific ways to make strategy, especially in the case of social government programs. It could be observed in the Program Terra mais Igual (Vitória/ES). This program, anchored in the urbanization of occupied areas by low-income population, is dedicated to improve the quality of life. Whereas strategies are associated with actions in their daily ways of thinking, feeling and acting, and considering the aim of evaluating the articulation process of the organizational subjects when realizing strategies, the Certeau's (1994) social theory was applied as the main reference. Data were collected through: semi-structured interviews, non-participant observation and documental research. The method triangulation was appropriate to carry out the study. As a result, the particularities of the program practitioners' social practices were revealed: decision making; socializing people; adopting formal administrative practices; communicating, negotiating and managing conflicts; and learning.

Strategy as Social Practice; Social Program; Daily Articulation; Certeau


A estratégia como prática social: o pensar e o agir em um programa social governamental

Isabel Cristina SampaioI; Graziela FortunatoII; Sergio Augusto Pereira BastosIII

IMestre em Administração de Empresas, FUCAPE Business School. Consultora Organizacional da Tendência Consultoria, Vitória, Espírito Santo. E-mail: tendencia.consult@gmail.com

IIDoutora em Administração de Empresas, Pontifícia Universidade Católica (PUC) - Rio. Professora Associada da FUCAPE Business School. Email: grazielafortunato@fucape.br

IIIDoutor em Administração de Empresas, Pontifícia Universidade Católica (PUC) - Rio. Consultor de Empresas da Substantiva Consultoria, Vitória, Espírito Santo. Email: sergio.bastos@substantiva.com.br

RESUMO

Os sujeitos organizacionais reproduzem específicas maneiras de fazer estratégia notadamente no caso de programas sociais governamentais. Isto pode ser observado no Programa Terra Mais Igual, em Vitória, Espírito Santo, que é ancorado na urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e dedicado à melhoria da qualidade de vida. Considerando que estratégias são associadas às ações cotidianas nas suas formas de pensar, sentir e agir e tendo o objetivo de avaliar o processo de articulação dos sujeitos organizacionais na realização de estratégias, a teoria social de Certeau (1994) foi utilizada como principal referência deste estudo. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado, observação não participante e pesquisa documental. A triangulação de métodos realizada foi adequada ao estudo de caso e como resultado, foram reveladas as particularidades das práticas sociais dos praticantes do programa nas suas formas de tomar decisão, socializar pessoas, adotar práticas administrativas formais, comunicar, negociar e administrar conflitos e aprender.

Palavras-chave: Estratégia como prática social. Programa social. Articulação Cotidiana. Certeau.

ABSTRACT

The organizational subjects breed specific ways to make strategy, especially in the case of social government programs. It could be observed in the Program Terra mais Igual (Vitória/ES). This program, anchored in the urbanization of occupied areas by low-income population, is dedicated to improve the quality of life. Whereas strategies are associated with actions in their daily ways of thinking, feeling and acting, and considering the aim of evaluating the articulation process of the organizational subjects when realizing strategies, the Certeau's (1994) social theory was applied as the main reference. Data were collected through: semi-structured interviews, non-participant observation and documental research. The method triangulation was appropriate to carry out the study. As a result, the particularities of the program practitioners' social practices were revealed: decision making; socializing people; adopting formal administrative practices; communicating, negotiating and managing conflicts; and learning.

Keywords: Strategy as Social Practice. Social Program. Daily Articulation. Certeau.

Introdução

O campo da estratégia vem, desde a década de 60, produzindo diversos movimentos caracterizados por modelos prescritivos fundamentados no cientificismo em detrimento do engajamento prático. (WHITTINGTON, 2004) Diversas correntes de estudo em estratégia buscaram explicar as várias visões conceituais e sua importância para as organizações.

Essas abordagens variam desde concepções mais estreitas e estáticas da realidade organizacional em sua interação com o ambiente externo, até concepções mais amplas que consideram as organizações num complexo de interações mutuamente influenciáveis. (HENDRY, 2000; JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003)

A multiplicidade de abordagens, entretanto, proporcionou reflexões acerca de suas contribuições e impulsionou uma corrente de pesquisadores a focarem seu objeto de interesse na compreensão de como os atores organizacionais interpretam o ambiente externo e o traduzem para o ambiente interno, conforme seus referenciais de experiências anteriores. (HENDRY, 2000; WHITTINGTON, 1996)

Em face dessa característica, e por ser um campo ainda em desenvolvimento (WILSON; JARZABKOWSKI, 2004), este estudo se justifica por contribuir para a pesquisa em estratégia no cotidiano organizacional, pela ótica do executor. Com o objetivo de compreender o processo de articulação das práticas exercidas pelos sujeitos organizacionais, em particular aqueles membros de administrações públicas, em suas formas de fazer estratégia, este estudo utilizou como referência a abordagem de estratégia como prática social. (JARZABKOWSKI, 2004, 2005; WHITTINGTON, 2004; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004)

Para apoiar a investigação na descrição das práticas sociais do fazer estratégia dos sujeitos organizacionais, utilizou-se a concepção de Certeau (1994) sobre as interações cotidianas. Esse autor procura explicar, com base em estratégias e táticas cotidianas, as maneiras de atuação dos sujeitos sociais em suas múltiplas e constantes interações nos contextos em que estão inseridos.

A investigação empírica buscou responder: como as práticas sociais exercidas pelos sujeitos organizacionais se articulam em suas formas de fazer estratégia? Como metodologia, optou-se por um estudo de caso em um programa social governamental: o Programa Terra Mais Igual (PTMI), da Prefeitura Municipal de Vitória, Espírito Santo, mais especificamente numa localidade conhecida como Poligonal 2.

Os resultados obtidos dão suporte ao esquema conceitual proposto, baseado na teoria social e na estratégica como prática social. As práticas sociais investigadas, definidas a partir de revisão bibliográfica, permitem destacar as particularidades das equipes que atuam no PTMI na Poligonal 2 nas suas formas de: tomada de decisão, socialização de pessoas, práticas administrativas formais, comunicação, negociação e administração, conflitos e aprendizagem. Essas categorias de análise selecionadas são os pontos chaves dentro do ambiente observado de fazer estratégia e interpretadas nos estudos referenciados. A definição exata das categorias não está nos trabalhos de Certeau (1994), Clegg, Carter e Kornberg (2004), Hendry (2000), Jarzabkowski (2004, 2005), Wilson e Jarzabkowsk (2004), mas do que é interpretado por exaustão no ambiente e traduzido em categorias.

Referencial Teórico

A literatura em estratégia é vasta e o entendimento de seu significado é ambíguo, mas a aparente dificuldade em determinar suas fronteiras, muitas vezes complementares, implica um pluralismo onde parece residir sua força. (NAG; HAMBRICK; CHEN, 2007) Pode ser considerada, por exemplo, como um conjunto de regras de tomada de decisão para orientação do comportamento de uma organização (ANSOFF; McDONNELL, 1993) ou como um processo de gestão de mudanças em ato de fazer estratégia. (LIEDTKA; ROSEMBLUM, 1996). Barney (2002) define estratégia como a teoria de como a empresa deve competir de forma bem sucedida. Não faltam visões consolidadas em definições que não chegam a divergir, e sim evidenciar a complementaridade oriunda da complexidade da administração estratégica.

Estratégia pode ser vista como resultado de uma série de passos, tais como: determinar a missão, os valores e a visão de futuro, analisar o ambiente externo e tomar decisões de adequação dos fatores internos, avaliar cenários e, com base em reflexões analíticas e integradas, definir o curso de ações (posturas, objetivos e metas) para atingir a visão almejada. O foco dessa abordagem consiste em estabelecer planos para alcançar resultados convergentes com interesses da organização. (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000) Com isso, gestão estratégica é o processo por meio do qual as estratégias são escolhidas e implementadas. (BARNEY, 2002)

A compreensão do que é conceber e realizar estratégias levou Whittington (2002) a propor quatro perspectivas, que podem ser vistas como complementares: clássica, processual, evolucionista e sistêmica. Na perspectiva clássica, é adotada uma visão analítica do processo de concepção da estratégia, privilegiando o papel do estrategista e sua habilidade em estabelecer planos formalizados visando a maximização dos lucros consistentes com os propósitos organizacionais. (WHITTINGTON, 2002) Essa abordagem é baseada na racionalidade que separa o pensamento da ação e que estabelece uma visão estática da realidade. (CLEGG; CARTER; KORNBERGER, 2004)

Os processualistas alegam que os sujeitos organizacionais responsáveis por estratégias são limitados em sua capacidade de lidar com muitos fatos ao mesmo tempo, como defendem os clássicos, e, por conseguinte, reduzem a importância da análise racional e as chances de sucesso das estratégias. O foco dessa perspectiva é na negociação e na aprendizagem que o processo da estratégia traz para a organização, afastando-se de métodos prescritivos e considerando que a formulação da estratégia pode ser compreendida também como decisão política, com o objetivo de debater e escolher alternativas para os dilemas organizacionais. (PETTIGREW, 1977)

A perspectiva evolucionista considera que a maximização dos lucros é regulada pelos mercados e que só sobrevivem as organizações que são capazes de lidar com as adversidades. (WHITTINGTON, 2002). Nessa abordagem, o foco está na confrontação entre a estratégia formulada e a estratégia realizada.

Já a perspectiva sistêmica aponta para a existência de motivos subjacentes às estratégias que são próprios a determinados contextos sociológicos. Assim, tomadores de decisão "não são simplesmente indivíduos imparciais e calculistas que interagem em transações puramente econômicas, mas pessoas profundamente enraizadas em sistemas sociais densamente entrelaçados". (WHITTINGTON, 2002)

Whittington (2004) defende, então, que na abordagem com foco na prática, os pesquisadores não precisam se afastar do seu objeto de estudo, ao contrário, podem estabelecer uma relação íntima com ele. Dessa forma, a estratégia deixa de ser estudada como algo impessoal ou atributo organizacional e traz contribuições sobre o que as pessoas fazem. A estratégia como prática social considera que as estratégias e táticas organizacionais são combinações imbricadas de outras práticas provenientes das maneiras de pensar, sentir e de agir multidimensionais. Além disso, os sujeitos organizacionais submetidos a contextos sociais mais amplos e restritos reproduzem suas maneiras de agir em contextos sociais mais específicos, no caso de organizações públicas ou não. Nessa suposição, os sujeitos organizacionais são considerados um complexo individual e que, em sua atuação na organização, refletem esses contextos sociais, interferindo nos resultados estratégicos (BROWN; DUGUID, 2001; CHIA; MACKAY, 2007; JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003). A abordagem da estratégia como prática social proporciona o debate sobre uma perspectiva micro da estratégia. Além disso, insere o fazer estratégia como algo referente às práticas do cotidiano organizacional. (JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003; CHIA; MACKAY, 2007)

O enfoque da prática está no trabalho dos estrategistas (WHITTINGTON, 2004), mas há espaços para considerar que outros atores, supostamente não estrategistas, desenvolvem práticas que interferem nos resultados estratégicos. É o caso da indicação dos estudos apresentados por Orlikowski (2000) e Jarzabkowski (2005), onde a forma com que os sujeitos organizacionais interpretam e manipulam recursos tem impacto significativo nos resultados organizacionais e pode passar despercebida se o foco não se voltar para a prática.

O estudo da prática é uma oportunidade para se compreender como os gestores traduzem a estratégia em suas atividades gerenciais, por exemplo, como elaboram documentos, apresentações, falas, reuniões, dentre outras práticas (WHITTINGTON, 1996) e quais técnicas utilizam. (CLEGG; CARTER; KORNBERGER, 2004; JARZABKOWSKI, 2005) Importa saber como gestores e consultores se inter-relacionam, se retroalimentam e reduzem a distância entre teoria e prática. (WHITTINGTON, 1996; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004)

Em função de suas características, essa abordagem trata a prática como resultado das construções e reconstruções sociais, na qual os sujeitos organizacionais submetidos a contextos sociais reproduzem suas práticas cotidianas no ambiente organizacional. Para apoiar as investigações da estratégia como prática social, a teoria social se faz presente por considerar que os indivíduos são um complexo de experiências adquiridas nos sistemas coletivos nos quais realizam suas atividades no dia a dia.

Neste estudo, foram utilizadas as contribuições da teoria social de Certeau (1994). Para esse autor, os sujeitos sociais desenvolvem suas práticas, ou seja, maneiras de agir no seu cotidiano, como ler, caminhar, falar, dentre outras que são imperceptíveis aos sistemas em que se desenvolvem, mas que são significativas para compreender como determinados fatos acontecem. O comportamento dos indivíduos é explicado em contextos sociais mais amplos, na forma de estratégias e táticas cotidianas e são diferenciadas pela ótica do poder. (CERTEAU, 1994) Assim, as estratégias cotidianas são apresentadas como "o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito que manifesta vontade e poder é isolável de um ambiente". (CERTEAU, 1994) Vistos dessa forma, esses sujeitos sociais constituem um lugar próprio (numa prefeitura, numa empresa, num canal de televisão) e desencadeiam reações ou táticas cotidianas que são movimentos astuciosos usados pelos sujeitos que não detém o poder e que vigiam as oportunidades para obter ganhos dentro desses ambientes, ou seja, desenvolvem um modo de usar a ordem dominante. (CERTEAU, 1994; SILVA, 2007)

Diante disso, no âmbito deste artigo, as estratégias e táticas cotidianas, conforme Certeau (1994), estão relacionadas às estratégias organizacionais. Na relação com outros contextos sociais, externos à organização, os indivíduos desenvolvem práticas sociais que interferem nas estratégias organizacionais. Assim, os interesses dos indivíduos extrapolam os interesses organizacionais e, dessa forma, as estratégias e táticas cotidianas se imbricam nas estratégias organizacionais, compondo a maneira de fazer a estratégia. Estratégias e táticas organizacionais se combinam, produzem e se reproduzem em outras combinações, geram novos produtos e interagem nos contextos sociais restritos e amplos num continuum onde um influencia o outro, em construções e reconstruções sociais permanentes. (CERTEAU, 1994) A Figura 1 consolida o cenário de interações narrado e constitui o modelo conceitual utilizado como âncora deste estudo.


O contexto social mais amplo é o espaço social dos sistemas coletivos nos quais os atores humanos realizam suas atividades diárias. (JARZABKOWSKI, 2004, 2005) Contidos no mesmo estão "o contexto social mais restrito e o contexto organizacional". (SILVA, 2007) O contexto social mais restrito é o ambiente da cadeia de interações que envolvem a organização − cidadãos, fornecedores, centros de treinamento, agentes de fomento, tecnologia, comunidades carentes, organizações não governamentais com atuação social e ambiental, setores, comunidades de prática, dentre outros com interface mais direta no cotidiano organizacional. Nesse contexto, os sujeitos sociais se articulam e circunscrevem espaços de querer e de poder − associações de moradores, prefeito, dentre outros. É nesse espaço do próprio dominante que as estratégias cotidianas são estabelecidas. (CERTEAU, 1994)

As estratégias cotidianas construídas nas práticas diárias dos sujeitos organizacionais, circunscritos no espaço de poder dos contextos sociais que envolvem a organização, compõem as estratégias organizacionais. No contexto organizacional, o lugar do próprio é representando pelo espaço da prática no estabelecimento dos objetivos e metas organizacionais. (CERTEAU, 1994) As táticas cotidianas, por sua vez, se circunscrevem num espaço sem poder. Elas são reações dos sujeitos sociais na sua interação com os contextos sociais restritos e amplos; fabricam produtos próprios, fruto de suas interpretações e interesses, transgridem a ordem dominante e também se inserem no fazer estratégia nas organizações; são um mecanismo de defesa das amarras do poder dominante.

As "maneiras de fazer" (CERTEAU, 1994) dos sujeitos sociais se constroem neste intrincado relacionamento e se constituem no objetivo deste artigo, cujo foco é compreender como os gestores e equipes multidisciplinares que atuaram e atuam no PTMI se articulam nos contextos representados no modelo da Figura 1, com destaque para a interação com fornecedores e a comunidade. O foco se concentra, também, nos resultados obtidos nessas construções sociais dinâmicas, tornando as estratégias do PTMI algo vivo e em permanente construção. (JARZABKOWSKI, 2005)

A interação, ou continuum, foi observada segundo categorias de análise obtidas da revisão de literatura e em função de sua relevância no caso do PTMI: (i) tomada de decisão, (ii) socialização das equipes, (iii) práticas administrativas formais, (iv) comunicação, negociação e administração de conflitos e (v) aprendizagem.

A tomada de decisão é reconhecida como um processo racional de escolha entre meios de ação, compreendendo várias etapas, relativas a questões pessoais ou públicas, o qual demanda julgamento de valores. (KORTLAND 1996) No caso de Certeau (1994), tomada de decisão refere-se ao poder de deliberar as estratégias, ou seja, de tomar decisão dado o poder assumido. Aqui os temas relacionados remetem ao lugar do próprio e as estratégias cotidianas utilizadas para demarcar o lugar de poder na organização. (CERTEAU, 1994) Clegg, Carter e Kornberger (2004) também se referem à tomada de decisão como uma consequência do poder, e por causa dele, são mais fáceis de serem compreendidas. Portanto, a categoria de tomada de decisão não é definida de forma explícita e sim entendida nos estudos referenciados como pontos chaves saturados dentro do ambiente de fazer estratégia, sendo assim traduzidas em categorias. Isso ocorre com as demais categorias.

A socialização das equipes é entendida como um processo contínuo que um indivíduo passa para absorver valores, normas e comportamentos implicitamente exigidos, permitindo-o participar como membro de um grupo ou instituição. (VAN MAANEN, 1996) Com base em Certeau (1994), a socialização diz respeito à forma como as pessoas do nível gerencial e operacional são preparadas para assumir suas funções, ou seja, passa por um processo de preparação com as práticas do projeto. Aqui entram também os processos organizacionais formais de integração do novo funcionário com os colegas de trabalho e os processos informais provenientes das relações cotidianas do local de trabalho.

As práticas administrativas conceituam-se como aplicação dos conhecimentos da Ciência Administrativa para o eficaz exercício do sujeito que as pratica na descoberta de resoluções de problemas e é um processo de diagnóstico e intervenção que compreende cinco funções: planejamento, organização, execução, controle e avaliação. (FAYOL, 1987) Neste contexto, as práticas administrativas formais são relacionadas ao fazer estratégia, ou seja, ao exercício de realizar a estratégia e as funções de selecionar e organizar os meios de controle, monitorar e avaliar as possibilidades de deslocamentos de metas quando a ação é dirigida para a prática. Os temas se relacionam à estratégia processual, na abordagem da prática social e das táticas cotidianas. (CERTEAU, 1994; JARZABKOWSKI, 2004, 2005)

Já a categoria comunicação, negociação e administração de conflitos diz respeito ao relacionamento e interação com os indivíduos da organização. No caso da comunição é o fenômeno inerente à relação entre os indivíduos para troca de informação sobre seu entorno. A negociação é um processo de comunicação interativo no qual os indivíduos buscam um acordo e a estratégia mais adequada para lidar com cada tipo de situação. Isso também pode ser conceituado como Administração de Conflitos. Os três termos estão intimamente ligados. Neste contexto, esta categoria é escolhida e definida pois refere-se às instruções face a face dos gestores com suas equipes, a forma como os mesmos se comunicam e como negociam os objetivos, metas e ações do Programa. A mediação de conflitos é uma necessidade natural dos conflitos de interesse intrínsecos. Essa categoria trata também da comunicação, negociação e conflitos dos gestores entre si e com fornecedores e lideranças. Os temas se relacionam às estratégias interativas, as atividades distribuídas e táticas cotidianas.

Por fim, aprendizagem também é um processo de estudo, de experiência e observação no qual são adquiridos conhecimentos, habilidades e competências. Passado o processo de solução de problema e gestão das emergências do dia a dia, estabelece-se que o aprendizado foi adquirido. (FLEURY; FLEURY, 2001) No contexto deste estudo, espera-se como resultado final a aprendizagem e formalização do que está relacionado às estratégias interativas, às atividades distribuídas e às táticas cotidianas. (CERTEAU, 1994; JARZABKOWSKI, 2005)

Metodologia

Para compreender os fenômenos que envolvem a questão central de pesquisa deste artigo - as práticas sociais exercidas pelos sujeitos organizacionais se articulando em suas formas de fazer estratégia - foi adotado o método de estudo de caso, no contexto específico de experiências vividas pelos participantes do PTMI na Poligonal 2. O locus de pesquisa foi tal programa social, de uma organização pública, em um projeto de interação com comunidades e níveis hierárquicos estratégicos, táticos e operacionais, o que permite analisar as maneiras de fazer estratégia como prática social em todos os níveis. A unidade de análise são as práticas sociais dos sujeitos que executam as estratégias do PTMI.

O processo de urbanização de favelas em Vitória teve inicio em 1990 com o Projeto de São Pedro. Em sua formulação foram considerados dois eixos prioritários de ações: desenvolvimento humano e desenvolvimento urbano, tendo como princípio norteador a participação comunitária em todas as fases, desde a elaboração do projeto até a execução das obras convencionadas de pré-urbanização e urbanização. Essa experiência, com duração de sete anos, proporcionou as bases para a estruturação do Projeto Terra. Os dois eixos anteriores foram mantidos, com a integração das várias secretarias de governo como forma de otimização de recursos, melhoria dos focos de atuação e, principalmente, a centralização das ações no ser humano, colocando a urbanização e outros aspectos como meio de qualificação do espaço físico. (VITÓRIA, 2007) O Projeto Terra teve início oficializado pelo Decreto 10.131 de 14 de janeiro de 1998 e, em 2008, houve uma revisão metodológica alterando de Projeto Terra para Programa Terra Mais Igual - PTMI.

O Programa Integrado de Desenvolvimento Social, Urbano e de Preservação Ambiental nas áreas ocupadas por população de baixa renda tem por objetivo a melhoria da qualidade de vida desse público, através de um conjunto de intervenções para viabilizar as condições de acesso a bens e serviços às demais áreas do município. (VITÓRIA, 2008) O PTMI abrange cerca de 15 bairros, definidos por meio de áreas geográficas intituladas de poligonais. Em face das inúmeras possibilidades existentes para estudá-lo, optou-se por delimitar o estudo em uma de suas áreas de intervenção denominada de Poligonal 2, que cobre 3 bairros, cerca de 2.000 domicílios e cerca de 8.000 moradores.

A coleta de dados deu-se de 3 formas: entrevistas com roteiro semi-estruturado, observação não participante e pesquisa documental no período de novembro de 2009 a fevereiro de 2010. A triangulação de métodos e teorias permitiu a convergência dos dados e a validação das descobertas. (EISENHARDT, 1989; REMENYI et al., 1998; YIN, 2001) Para as entrevistas, a seleção de sujeitos foi intencional, ou seja, não probabilística (TRIVIÑOS, 1987), seguindo os seguintes critérios: (i) quanto à função - tomadores de decisão estratégica e de destinação de recursos; gestores de equipes de campo de nível tático e técnicos de nível operacional; (ii) quanto ao tempo - desde 1999 até os dias atuais; (iii) quanto à participação - criadores do PTMI que se desligaram da Prefeitura e; (iv) quanto ao envolvimento - fornecedores atuais e as lideranças comunitárias com atuação representativa. Com base nos critérios citados, foram selecionados 24 sujeitos de pesquisa, número adequado pelo critério de saturação. (BAUER; GASKELL, 2008) Em função da estruturação do PTMI, os atores participam de atividades repetitivas e integradas e, desta forma, os temas passaram a ser recorrentes, levando o pesquisador a identificar a saturação (BAUER; GASKELL, 2008) e finalizar as entrevistas. Os sujeitos de pesquisa foram codificados da seguinte forma: G para gerentes, TEC para técnicos e EXT para fornecedores e lideranças externas. A cada código foi acrescentado um número sequencial para identificação dos fragmentos apresentados na Análise dos Resultados.

A observação não participante focou nas instâncias de gestão do PTMI e na compreensão em profundidade das falas dos entrevistados. A observação não participante foi realizada em quatro momentos: nas reuniões de planejamento da Equipe Local, do Conselho de Comunitário, de Acompanhamento de Obras e no evento de troca de experiências promovido pelas equipes do PTMI. Para Triviños (1987), dois aspectos são considerados decisivos nas observações: a amostragem de tempo e as anotações de campo. A amostragem de tempo tem por base a necessidade de observar atividades formais e informais, que neste estudo de caso, referem-se às atividades das equipes de campo, gestores, fornecedores e lideranças comunitárias que incluem reuniões e visita ao escritório de campo. (YIN, 2001) Quanto às reuniões, o pesquisador esteve presente desde a preparação do ambiente antes da reunião até o seu encerramento. As visitas ao escritório de campo se deram durante as entrevistas e realizadas observações nas reuniões de planejamento da equipe local. O escritório de campo do fornecedor foi visitado durante a entrevista, mas dada à movimentação da obra e dos profissionais da empresa contratada, optou-se por realizar apenas a entrevista do fornecedor sem coletar dados de observação. As anotações de campo das observações foram registradas e se basearam no roteiro de observação de práticas e relações pessoais e profissionais dos seguintes atores: (i) gestores (gerente geral, subsecretários e gerentes locais); (ii) técnicos; (iii) lideranças comunitárias e; (iv) fornecedores. Estas informações foram organizadas para o confronto com as categorias de análise estabelecidas para esta pesquisa.

Sendo assim, foram levantadas informações históricas do Programa para conhecer previamente a realidade como forma de facilitar a aceitação do pesquisador pelos informantes que pudesse gerar um clima de convivência adequado aos levantamentos de informações.

Para realizar a pesquisa documental estruturou-se o processo de pesquisa organizando: modelo de cadastro de documentos selecionados para o estudo, modelo-padrão de ofício de solicitação de documentos, agenda de contatos de busca de documentos, agenda de entrevistas, forma de fichamento, organização em bancos de dados e critérios de escolha para a coleta desses documentos. Neste caso, foram pesquisados os arquivos de documentos do Programa Terra Mais Igual no período de 1999 a 2010. Para escolher os documentos, dois critérios foram utilizados: o primeiro tratou de classificar aqueles que descreviam as características gerais do Programa, tais como a trajetória histórica, a metodologia atual do trabalho, a formalização da existência do Programa e legalização de situações das ações no território. O segundo critério adotado foi para documentos específicos referentes à área do estudo, que relatam as práticas adotadas para escrever relatório de controle de ações, comunicações internas e externas, projetos e planos. A pesquisa documental permitiu reconstituir os antecedentes históricos e capturar dados da experiência acumulada ao longo dos anos pelos atores que passaram e os que estão atualmente no exercício das atividades do PTMI. A técnica de análise de conteúdo foi aplicada como recurso metodológico.

Em suma, a análise da estratégia como prática social no PTMI constituiu na execução de processos e práticas do cotidiano organizacional (JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003) utilizando as categorias mencionadas no Referencial Teórico.

Análise dos Resultados

A estratégia explícita do PTMI ancora-se em três eixos: a) defesa da vida e respeito aos direitos humanos; b) desenvolvimento sustentável com inclusão social e; c) democratização da gestão pública. A forma de executar essa estratégia, pelos sujeitos organizacionais numa estrutura de administração pública, é desenvolvida a seguir segundo cada uma das categorias adotadas para demonstrar a prática social: tomada de decisão; socialização; práticas administrativas formais; comunicação, negociação e administração de conflitos; e aprendizagem.

Tomada de Decisão

Tanto Certeau (1994) quanto Clegg, Carter e Kornberger (2004) remetem a tomada de decisão ao poder, que é um dos focos para a estratégia baseada na prática. A partir dos dados colhidos na observação não participante, nas entrevistas em profundidade e na pesquisa documental, a triangulação de métodos revelou que existe uma estrutura de gestão que abrange os níveis estratégico, tático e operacional. Esses níveis, além do ambiente interno, atuam no ambiente externo por meio das comunidades dos três bairros envolvidos no Programa, cuja instância máxima é intitulada de Conselho Comunitário. O estudo concentrou-se em quatro instâncias: Comissão Gestora, Núcleo Gestor, Escritório Local e Conselho Comunitário.

Conforme observado, as reuniões para tomada de decisões no âmbito do PTMI ocorrem com regularidade semanal, quinzenal e mensal conforme a instância, mas podem ocorrer reuniões extraordinárias dependendo do assunto. São rituais consolidados com um coordenador e um secretário para formulação de um relatório com uma estrutura específica que documenta as interações e encaminhamentos decididos. (VITÓRIA, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010) Estas reuniões são realizadas, na maioria das vezes, num espaço específico definido na estrutura física, como a sala de reuniões do PTMI, e se configura num lugar de tomada de decisão, não só da Comissão Gestora, mas também das outras instâncias que compõem a estrutura da gestão do Programa. Um fragmento da ata de reunião da Comissão Gestora evidencia tal organização:

1. No modelo de gestão do Terra, tem-se a Comissão Gestora que reúne os secretários de 15 em 15 dias. As decisões estratégicas são tomadas na Comissão Gestora. Tem-se a Unidade Executora Municipal que é mais de operacionalização dessas decisões, e aí quem que reúne na UEM, são os técnicos indicados pelas secretarias que tem interface com o Terra. (VITÓRIA, 2007)

Pôde-se notar que na Comissão Gestora, as decisões são de caráter diretivo, pois aqui os temas debatidos se relacionam às ações que serão realizadas nos territórios do Programa e com agentes de instituições sociais, econômicas e políticas que se rebatem nas comunidades alvo de suas intervenções.

Nas instâncias de decisão privilegia-se a participação de todos os envolvidos, num processo de interação face a face que desafia os gestores. Planejamento, orientação e controle compõem as atividades em que estes atores se vêem envolvidos e que demandam um grau de formalidade significativo, pois são decisões que envolvem cumprimento das metas estratégicas do PTMI. As decisões são documentadas em relatórios de reuniões que lhes permitem controlar a partilha de tarefas, prazos e responsáveis envolvidos. (VITÓRIA, 2007) O fragmento 2, retirado da entrevista de um dos funcionários, evidencia a situação de distribuição de tarefas, corroborando a observação não participante e os documento analisados:

2. Mas quando eu venho pra cá, eu abro o meu e-mail e sempre distribuo as tarefas e não desligo. Porque eu fico preocupada com o prazo que tem para entregar e as pessoas têm dúvidas se vão me entregar. Porque já ocorreu demais aqui. Mas a gente faz o exercício do controle. (G03)

Apesar disso, o pensamento e a ação são dinâmicos e entrelaçados, não lineares, e as oscilações entre um e outro são decorrentes das influências dos contextos que envolvem e interagem no PTMI, como antecipado por Wilson e Jarzabkowski (2004). Quando se trata da autoridade para tomar decisões, os secretários, subsecretários e gerentes têm um lugar reservado onde se exerce o poder. Essas decisões são de caráter mais estratégico e tático do ponto de vista organizacional e se configuram na tradução das diretrizes de governo para a realidade do PTMI. Nessas instâncias, as habilidades dos gestores em negociação são significativas, posto que há atores internos que precisam constantemente serem convencidos a cumprir etapas e há atores externos vigilantes quanto aos acordos estabelecidos. Os dados revelaram os momentos em que estratégias e táticas cotidianas (CERTEAU, 1994) se sobrepõem às estratégias organizacionais. O fragmento 3 apresenta um desses momentos:

3. [...] Como o Terra é um Programa integrado, você depende também da decisão daquela secretaria, daquele secretário, mas quando não há consenso nisso a gente recorre ao prefeito. (G06)

O conteúdo desta fala mostra como agregar à estratégia a tática cotidiana, o poder do prefeito e o modo de usar a ordem dominante (prefeito), quando necessário, para desembaraçar questões que afetam resultados estratégicos. Ainda no fragmento 3, o lugar do próprio, considerado o lugar do querer e do poder (CERTEAU, 1994) está presente: quando algum secretário não quer abrir mão de sua posição quanto ao que fazer e quando fazer, se recorre ao prefeito para situações em que as possibilidades de negociar algo se mostram infrutíferas. As táticas cotidianas são as astúcias utilizadas pelos indivíduos e que surgem como reação ao poder quando menos se espera. (CERTEAU, 1994)

Estes movimentos de táticas cotidianas, originados de várias fontes, tanto internas como externas, promovem demandas e no momento em que são interpretadas nos coletivos de decisão, geram ações que são construídas e reconstruídas no calor do momento. (CHIA; MACKAY 2007)

Os fragmentos 4 a 6, retirados de atas de reunião da Comissão Gestora, apresentam o momento de uma interação entre os atores presentes nesta reunião referente a uma ação habitacional do PTMI e complementam Chia e Mackay (2007):

4. [...] profissional da PMV da Secretaria informou que recebeu a vereadora [...] que reivindicou a utilização de uma das áreas previstas para o reassentamento, ao lado da Unidade de Saúde, para uma área de lazer.

5. [...] profissional da PMV da secretaria [...] disse que aquela área é uma região muito adensada, com grande necessidade de reassentamento, e não é possível abrir mão de mais áreas para outras finalidades.

6. [...] profissional da PMV concordou e lembrou que a Secretaria [...] terá um processo exaustivo para selecionar famílias. (VITÓRIA, 2006)

Na sequência dessa interação, observa-se que um pensamento vai puxando o outro e as ações são definidas em tempo real. (CHIA; MACKAY, 2007) São as chamadas práticas recursivas que se configuram como um ponto forte na atuação desses profissionais. (JARZABKOWSKI, 2004, 2005)

Há também práticas adaptativas (JARZABKOWSKI, 2002, 2004, 2005) detectadas nos documentos produzidos pela Comissão Gestora e observados nas entrevistas. As práticas são adaptadas para atender condicionantes que obrigam mudanças para suprir determinados requisitos. Ao mesmo tempo em que demarcam o lugar do próprio (CERTEAU, 1994), elas podem incluir outros agentes. Configura-se assim, a visão relacional dos contextos macro e micro que ficam aparentes e se apresentam bidirecionados, de forma que as atividades que ocorrem no âmbito do PTMI relacionam um contexto com o outro. (WILSON; JARZABKOWSKI, 2004)

Ainda no nível das instâncias internas que compõem as estruturas do PTMI, há as Equipes Locais que não se configuram apenas como cumpridoras das deliberações das instâncias hierarquicamente superiores. Construções da prática nos espaços das ações locais retroalimentam a estratégia de intervenção pensada para estes territórios e se refletem nos resultados estratégicos (HENDRY, 2000; JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003). Esta concepção metodológica de trabalho do Programa desconcentra os espaços de poder e pode ser observada no fragmento 7:

7. [...] Por isto é que este gerenciamento é matricial. A gente faz um processo de animação da rede. Nós, por exemplo, na desapropriação, nós precisamos definir as prioridades. Quem define as prioridades é quem tá tocando obra. (G04)

No que se refere ao relacionamento do interno com o externo, a Equipe Local tem um papel significativo de articuladora com as lideranças comunitárias, as comissões temáticas, os representantes de fornecedores de obras e serviços, o Conselho Comunitário e os parceiros de organizações governamentais e não governamentais que atuam no território do Programa.

A Equipe Local é uma instância organizacional muito impactada pelas decisões porque tem o papel de executar a ações do PTMI no local. Há muitos interesses envolvidos, dos quais se pode destacar os políticos, os econômicos, os sociais e os ambientais.

Estes interesses estão representados nos projetos que compõem o Programa por meio de diretrizes, políticas, objetivos, metas e planos. (VITÓRIA, 2007) Há um rigor imposto pelas fontes de financiamento, cujas regras precisam ser cumpridas para fazer valer os acordos celebrados e há também o Plano de Desenvolvimento Local Integrado, construído com a comunidade, cujos compromissos estão ali documentados.

A Equipe Local para cumprir as determinações utiliza um conjunto de reuniões. Foi possível observar nessas reuniões que as estratégias organizacionais estão claramente configuradas e formalmente definidas. Os atores interpretam, interagem e combinam ações que são traduzidas como de planejamento, monitoramento e avaliação. O fragmento 8 ilustra uma interpretação:

8. [...] a nossa estratégia é fazer com que tudo saia perfeito, nada saia fora do Programa. Tem uma meta a ser cumprida e a gente tem que dar conta. Não importa como, você tem que dar conta dela. Tem prazo, então tem que dar conta. (TEC03)

Numa destas reuniões, o pesquisador pôde observar especificamente o que ocorre em um espaço que se configura a cultura do escritório local em um momento específico de arranjo e rearranjo das atividades realizadas pelas equipes naquele território. O ambiente possui um quadro branco, uma mesa de reuniões que comporta a maioria dos participantes, uma copiadora, uma mesa de escritório e respectivas cadeiras.

Há mapas nas paredes: um do Município com a delimitação da Poligonal 2, outro que define os setores e identifica as reconstruções, reassentamentos e melhorias, e se refere ao projeto habitacional. Um terceiro mapa mostra o sistema viário e marca as desapropriações que precisam ser feitas. Outros artefatos (JARZABKOWSKI; WILSON, 2002) compõem este ambiente: são as agendas das várias reuniões que vão acontecer e que envolvem parte dos técnicos ou todos, inclusive a Gerente do Escritório Local.

O esforço de criação das instâncias de decisão no PTMI tem por objetivo facilitar as ações nos territórios de sua atuação. A experiência de atuar em rede é um desafio permanente, mas tem gerado um aprendizado para todas as partes e se mostrado um fator determinante no sucesso da atuação dos atores. Juntos, gestores, técnicos, lideranças e fornecedores procuram atuar em apoio mútuo, numa relação aberta, contributiva e difícil. Além de ter sido possível observar essa prática na rotina do Programa, os fragmentos 9 a 11 corroboram a situação:

9. É um negócio meio complicado, sabe? É difícil mesmo de ser feito. Mas está lá, eu vejo o pessoal tentando, o pessoal brigando para que as coisas aconteçam. (EXT01)

10. [...] Nós temos o Conselho Comunitário, entre Romão, Cruzamento e Forte São João. Temos ainda, a Comissão de Acompanhamento de Obras. A gente acompanha a obra passo a passo, a gente visita a obra. (EXT02)

11. [...] Por isto é que este gerenciamento é matricial. A gente faz um processo de animação da rede. Nós, por exemplo, na desapropriação nós precisamos definir as prioridades, mas quem define as prioridades é quem tá tocando obra. (G04)

Pelo exposto, observa-se que a estratégia envolve múltiplos atores para decisão sobre as ações a serem realizadas, o que exige habilidades administrativas, técnicas e comportamentais, face às características específicas de fundamentação metodológica do PTMI e respectivos contextos envolvidos. As estratégias cotidianas auxiliam a identificar a correlação de forças e evidenciam dificuldades do agir integrado. Já as táticas cotidianas surgem para quebrar o poder dos secretários. A tensão relacional macro versus micro ajuda a explicar fatos que estão ocorrendo no contexto organizacional como, por exemplo, uma paralisação de obras, e induz os profissionais a desenvolverem habilidades de negociação com lideranças e órgãos públicos, como, por exemplo, o Ministério Público. As decisões cotidianas são tomadas no calor do momento e não com base em um distanciamento reflexivo. Desta forma, a socialização das pessoas que ingressam para atuar nas ações do Programa se configuram como um fator crítico para o desempenho esperado. O tópico seguinte aborda como o processo de socialização ocorre no PTMI.

Socialização

A socialização das equipes no PTMI envolve práticas formais e informais. Este processo é considerado chave, pois capacita as pessoas para atuação nas inúmeras atividades do Programa.

No processo formal de integração das equipes são repassadas as informações para atuação nas suas atividades. Estas informações estão organizadas no Manual de Normas de Procedimentos (VITÓRIA, 2007) que contemplam os antecedentes históricos e moldam as atividades atuais. (CHIA; MACKAY, 2007; JARZABKOWSKI, 2004) Isso poder ser observado, também, na fala de um dos entrevistados exposta no fragmento 12:

12. [...] Quando este pessoal chega, aí tem um processo de chegada que é da gente estar apresentando o que já tem de produção, o Manual de Norma de Procedimentos. Então tudo o que a gente tem, dependendo se é o arquiteto, se é engenheiro, se é administrador, cada função que a gente tem uma expectativa, a gente tenta passar um pacote de coisinhas para um primeiro momento de leitura e tem um segundo momento de bate papo, né? É meio que colocando tutores próximos, que é uma capacitação que já vai entrando em serviço. (G04)

Neste documento foram mantidos princípios e objetivos que, pela prática, foram validados e reproduzidos a partir da experiência anterior. (VITÓRIA, 2007) As lições aprendidas a partir da avaliação da prática incorporaram mudanças consideradas significativas a serem adaptadas para reconstruir diretrizes a partir das tensões oriundas dos vários contextos em que o Programa está inserido.

O treinamento dos procedimentos de rotina é realizado no próprio trabalho pelos gestores e pelos profissionais com mais experiência. No entanto, este processo é variável, não necessariamente padronizado para todas as equipes. Os dados revelaram que os profissionais que atuam com mais desenvoltura são os que recebem mais informações referentes à filosofia do PTMI. Outros profissionais enfrentam mais dificuldades para entrar no ritmo imposto pelo dia a dia, porque há uma diferença no processo de socialização. Os fragmentos 13 e 14 ilustram as percepções dos profissionais sobre a integração nas atividades do PTMI:

13. [...] Logo a princípio eu tava me preparando porque ficava lendo teoricamente o que estava sendo proposto e dando parecer ao mesmo tempo, conhecendo tudo. [...] isto pra mim foi fundamental. (G07)

14. [...] Eu senti sim, uma falta de treinamento prá fazer uma execução maior na equipe, prá não ser questão de só urbanístico, só social. Hoje eu já vejo pela minha experiência que já consigo lidar com algumas situações sociais de uma forma diferenciada, mas quando eu entrei não, eu sentia muita dificuldade. (TEC09)

Pelo exposto, a socialização formal é vista pelos profissionais como vantajosa, sendo um meio de formação de identidade (BROWN; DUGUID, 2001) com as premissas do PTMI, já que as rotinas lhes são transmitidas (CHIA; MACKAY, 2007) conferindo-lhes segurança para atuação em suas atividades. (JARZABKOWSKI, 2004)

Os dados revelaram também que há uma flexibilidade para os gestores integrarem suas equipes em função das circunstâncias. Se o momento for de muita emergência, as práticas são adaptadas para atender às contingências que estes momentos impõem, ficando para outro momento conhecer a história e os planos, dentre outros artefatos criados para orientar as ações do PTMI, conforme ilustrado nos fragmentos 15 e 16.

15. [...] Nós não tivemos muito tempo de fazer essa análise porque chegamos com um caminhão de coisas para fazer. Era entrar avaliando rápido o que tava acontecendo, mudando algumas pessoas, avaliando o perfil de cada profissional que estava atuando na área, trocando de posição [...] Na verdade foi o que a gente pode fazer de melhor. (G03)

16. [...] porque você vai ler, mas chega aqui, na prática você é envolvida com um monte de coisa que só vai conhecer a lei, você não conhece o todo. Antes de vir para cá eu deveria conhecer o PDLI, isto até hoje a gente não conhece. A gente lê pedaços, mas até hoje, nestes seis meses, não foi passado para a gente como é, quais foram as metas. Quem chegou aqui, até hoje, não visualizou, entendeu? (TEC03)

As duas situações descritas apresentam dois sujeitos quando ingressaram no Programa e demonstram que mesmo um indivíduo vindo de outro espaço social, traz consigo recursos construídos além do tempo e do espaço e reproduz suas práticas, maneiras de fazer (CERTEAU, 1994), conforme suas prioridades.

A parte informal da socialização é um complemento e é realizada com a aprendizagem no trabalho, onde os gestores e os profissionais que estão atuando recebem os novos integrantes da equipe e repassam as informações, conforme seus próprios referenciais adquiridos no dia a dia. (CHIA; MACKAY, 2007)

Pôde-se constatar que o que emerge como estratégico na prática da socialização das equipes do PTMI é a importância à vivência e à capacitação para o trabalho, utilizando-se de métodos formais validados e o acompanhamento de profissionais mais experientes, como forma de garantir que as atividades se desenvolvam dentro do esperado. Mas isto não é totalmente explícito e racional. Ao contrário, valorizam-se as várias construções possíveis que caibam dentro de determinada realidade que se tem que lidar.

Práticas Administrativas Formais

As práticas administrativas formais utilizadas no PTMI estão representadas pelos documentos que são gerados para a aprovação e formatação das atividades. Estes são decretos, leis, termos de referências para contratação de obras e serviços, projetos, metodologia de condução, relatório de reuniões, relatórios mensais de atividades, fluxograma dos processos de trabalho, planejamentos, cronogramas, modelos padrões para registro de medições, comunicações internas, ofícios, diagnósticos sociais, visita sociais, dentre outros documentos que emergem no dia a dia vivenciado pelas equipes. (VITÓRIA, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010)

As práticas administrativas formais são caracterizadas como parte da estratégia processual. (JARZABKOWISKI, 2005) No caso do PTMI, estas práticas, por sua formalidade, não se configuram como um fator de pouca atenção da gestão. Ao contrário, todas as instâncias criadas têm por objetivo planejar, executar, monitorar e avaliar as ações do PTMI, numa rotina regular. As práticas são reportadas por Jarzabkowski (2004) como algo repetitivo, que foi validado no cotidiano das atividades, construídas por meio do conhecimento tácito e que funcionam como um elemento de reforço e manutenção das estruturas sociais. No PTMI observa-se que o efeito das práticas administrativas formais não se limita ao contexto organizacional. Em função dos contextos sociais nos quais o PTMI está inserido, as práticas formais se estendem para atender às necessidades oriundas das contratações feitas entre os atores. Os fragmentos 17 a 19 ilustram tais situações:

17. [...] a gente leva pra lá (comunidade) qual é o cronograma da obra de dois meses e depois a gente faz o acompanhamento daquele cronograma quinzenalmente, [...] porque com a comunidade a questão que eu vejo maior, é a questão da informação. (G01)

18. Porque tudo que a gente faz, a gente faz questão de construir relatórios. Porque você toma decisões a partir de alguns parâmetros, a partir de determinados critérios, quando surgir situações semelhantes, você sabe naquela situação que você tomou determinadas decisões por causa daqueles parâmetros e para essa situação vamos usar os mesmos parâmetros. [...] Mas a gente tem sempre o cuidado de recuperar dos relatórios e fazer as cobranças. (G06)

19. Elas fazem em toda reunião que tem, toda atividade que elas participam a gerente pede pra elas o relatório, registro fotográfico e lista de presença. Todas as reuniões que elas participam têm que ter. (TEC13)

As práticas administrativas formais, por suas características recursivas, podem contribuir para o deslocamento de metas. (JARZABKOWSKI, 2005) No fragmento 18 pode ser observada uma situação em que os hábitos arraigados de fazer determinado relatório, sempre de uma mesma forma, sem questionar sua necessidade, atrasam a entrega destes relatórios ao cliente. Como consequência, atrapalha o processo de análise do andamento das obras, ou seja, desloca a meta do prazo. As práticas administrativas formais também sofrem evoluções, constituindo práticas adaptativas, como ilustrado no fragmento 20:

20. Eu peguei alguns relatórios que eram feitos pela gerenciadora e devagarzinho tenho apresentado para ver se eu posso fazer um padrão. [...] Antes eles eram encaminhados para a fonte financiadora com muito atraso, hoje nós estamos entrando em dezembro e eu já estou fechando outubro, então com 30 dias a gente tem conseguido fechar estes relatórios pra mandar. (G05)

As práticas no PTMI vêm sendo documentadas ao longo da sua história e apresentam um vasto acervo de lições aprendidas. O Plano de Trabalho Social (PTS) elaborado em 2008 resgata a história da Poligonal 2 desde 1999 e reforça que a prática é situada (JARZABKOWSKI, 2005) e específica no contexto que a envolve. (BROWN; DUGUID, 2001; JARZABKOWSKI, 2004, 2005)

Nesta categoria, pode-se concluir que os praticantes usam práticas formais para controlar metas. As práticas formais de controle são compartilhadas com a comunidade. Há gestores atentos em soluções que deram certo e as usam para situações semelhantes. As práticas recursivas estão presentes promovendo deslocamento de metas e inércia organizacional (desapropriação), mas práticas adaptativas são utilizadas para evitar deslocamentos de metas (relatórios para agentes financeiros).

Pôde ser observado que a valorização pela formalização dos atos está também presente na forma de se comunicar e negociar idéias, ações e de se dirimir os conflitos que surgem no cotidiano das ações do PTMI. Nesta interação construída, a comunicação, a negociação e a administração de conflitos são processos que apresentam micro fenômenos (JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003) com efeitos significativos nos resultados estratégicos do PTMI.

Comunicação, Negociação e Administração de Conflitos

O processo de comunicação no PTMI é estruturado para atender a todas as instâncias da sua estrutura organizacional e está descrito no Manual de Normas de Procedimentos. (VITÓRIA, 2007) Conforme identificado pelo pesquisador em suas observações não participativas, as informações circulam em meio físico e eletrônico em formatos oficiais e criações específicas para atender às situações que se apresentam. Ou seja, podem ser feitos ofícios, relatórios de reuniões ou "mosquitinhos", que são comunicações sucintas para mobilizar moradores em eventos planejados. A produção formalizada é intensa em todas as fases que compõem as ações de comunicação do PTMI no território envolvido. Os espaços e meios de interação para troca de informações e combinação de ações são muito valorizados. O fragmento 21 apresenta a situação:

21. [...] Essa interlocução a gente tem daqui. Pessoas, que são referências para essas poligonais e que acompanham essas reuniões e essas decisões, elas vão abrindo na medida que você tem um coordenador urbanístico, um assessor, uma coordenação social que vai abrindo, ampliando esta divulgação. [...] Então o que eu posso dizer que dependendo do assunto gera um relatório, um e-mail, é telefone, é reunião com a equipe. Então o que a gente tenta cuidar é muito mais de uma troca rápida de informação para todos terem referência e se necessário for, o meu celular institucional fica ligado 24 horas por dia. (G04)

No conjunto de meios de comunicação do Programa, a logomarca é uma contribuição que simplifica, por meio de um símbolo, a imagem estratégica do Programa (HENDRY, 2000; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004), o que pode ser observado no fragmento 22:

22. [...] Até a logomarca do Projeto Terra, se você vê de 3 anos atrás era um monte de casinhas assim. Então eles tiraram as casinhas e colocaram as pessoas. O sentido que eu captei do Projeto Terra e que acho importante é essa questão aí. Essa mudança aí. (TEC.04)

As Figuras 2 e 3 ilustram a comunicação através das logomarcas:



Existem também reuniões que são canais de comunicação muito utilizados. Nas reuniões, onde a interação face a face é mais evidente, os gestores utilizam-se da habilidade de conduzi-las, sabendo administrar e priorizar a pauta de assuntos, bem como administrar conflitos. A observação não participante nessas reuniões permitiu perceber que o relacionamento com os membros do Conselho Comunitário é amistoso e as diferenças de opiniões são encaradas com naturalidade em face da construção coletiva que norteia a metodologia do PTMI. Isto não quer dizer, entretanto, que esta prática social é simples. Ao contrário, a internalização desse modelo de gestão, com ênfase na participação comunitária e na multidisciplinaridade das ações ainda não foi assimilado por todos os atores envolvidos, conforme se observa no fragmento 23:

23. [...] Uma outra dificuldade que a gente enfrenta é fazer com que as secretarias participem realmente do processo, sintam-se parte de fato do processo. [...] É nestas instâncias e a gente tem muito quebra pau, tem muita discussão, tem briga, não é simples, não. (G06)

Hendry (2000) e Wilson e Jarzabkowski (2004) defendem a relevância no discurso da estratégia. Estes autores enfatizam que a comunicação precisa ser simplificada para ser compreendida com facilidade pelos atores presentes. (JARZABKOWSKI, 2005) Este argumento relaciona a linguagem dos estrategistas como uma competência significativa a ser adquirida, posto que a comunicação muitas vezes soa estranha às áreas funcionais encarregadas em fazer as atividades cotidianas.

Aprendizagem

Para Wilson e Jarzabkowski (2004), a combinação entre a orientação (direção) e a animação (agir) oferece uma oportunidade para compreender como a prática relaciona o conhecimento existente proporcionado pelas ações (dimensão repetitiva) com o que se projetou para fazer (dimensão projetiva). Estes autores destacam que as oscilações provenientes das contingências específicas que envolvem cada organização no momento presente geram uma aprendizagem para projetos futuros, posto que os estrategistas precisam exercitar o julgamento a cada situação que têm que enfrentar e redirecionar os rumos a serem seguidos.

Nesta suposição, passado, presente e futuro se combinam, exigindo que os estrategistas reflitam sobre o passado buscando sustentações para compreender suas ações atuais, tal que possam usar de suas habilidades para compor, nessa mediação, a transformação da prática existente. (WILSON; JARZABKOWSKI, 2004)

Os dados obtidos revelaram que as oportunidades para aprender as boas práticas de gestão e de operação estão concentradas na formalidade de documentar as experiências nos relatórios mensais produzidos pelas equipes locais e que é complementado pelo Núcleo Gestor. Os relatórios elaborados a partir de 2008 foram modificados à medida que se percebeu a importância de incluir, não apenas o desempenho do mês, mas também os projetos desenvolvidos pelas equipes locais. Desta forma, surge um banco de dados dessas práticas, que serve de referência para experiências similares.

Outras práticas de aprendizagem são proporcionadas pela educação continuada das equipes por meio de cursos e eventos de troca de experiências entre as poligonais, como o que ocorreu em junho de 2010: o II Seminário do Serviço Social na Habitação.

Um desses treinamentos pôde ser observado, a convite da Gerente do Escritório Local. O evento ocorreu no auditório da Prefeitura, comparecendo aproximadamente 150 pessoas e ocorreu nos dias 17 e 18 de junho de 2010. Foi feita uma programação divulgada num convite impresso, estruturando a agenda de cada dia. O primeiro abrangeu o tema de perspectivas da política nacional de habitação frente à questão urbana da contemporaneidade e o segundo abrangeu o tema da intersetorialidade. A forma de preparação dessa apresentação demonstra uma preocupação em se repassar a história do ciclo do processo de pré-urbanização, dos primórdios em 2004 até os dias atuais.

Este fazer estratégia se configura numa prática social que abrange a capacitação para além dos profissionais internos, envolvendo também outros atores da rede social que se forma para executar as ações do PTMI. O fragmento 24 evidencia esta prática:

24. [...] Foram colocadas as prioridades, as demandas e o planejamento, mas para existir o planejamento fomos capacitados junto à equipe para estar direcionando na comunidade. Porque não adiantava sair na comunidade sem saber realmente lidar com o morador. [...] você tem que estar preparado para vários tipos de situações que vão ocorrer dentro da comunidade. Nós tivemos várias reuniões, foram mais de 180 reuniões. (EXT02)

Há um realce na vivência, nas maneiras de fazer, no conhecimento tácito (CERTEAU, 1994; JARZABKOWSKI, 2004, 2005) como que precedendo à formalidade, conforme demonstrado no fragmento 25:

25. [...] projetos sociais, integrados, mais do que produzir é articular, e articular é vivência, campo, é saber ligar as pontas. Tem que vivenciar isto. Vivenciou, vai construindo uma proposta de trabalho que ao final é redigida, mas no primeiro momento são pessoas fazendo pactos prá isto. (G04)

Brasil (2007) argumenta que a inovação democrática exige habilidades complexas dos gestores locais. A autora se refere ao desafio das multidimensões que estão envolvidas nas ações previstas e projetos, antes ausentes das políticas públicas. As práticas sociais relatadas neste artigo convergem para o argumento exposto por Brasil (2007). As falas dos entrevistados mostram que o desafio de executar as ações do PTMI é, apesar das dificuldades, encarado como positivo. Os fragmentos 26 e 27 relatam a situação:

26. [...] Mas a grande conquista foi o processo de construção de todo o plano de intervenção ali, com a participação da comunidade. [...] Porque as pessoas sabem tudo, a comunidade sabe tudo o que vai acontecer ali. Ela acompanha, ela ajudou a construir o plano, com uma participação efetiva tanto das intervenções urbanas quanto das intervenções sociais. (G06)

27. Nós temos duas formas de trabalhar com a prefeitura e a comunidade. Na verdade eles são abertos prá gente. Para os questionamentos e as demandas que a gente está levando junto a eles. Porque a porta está aberta para as secretarias que a gente estiver precisando. [...] e hoje temos as reuniões que são quinzenais, da Comissão de Acompanhamento de Obras que é liderada por 3 pessoas de cada bairro e que levantam as demandas necessárias para estar trabalhando ali. [...] porque nós sabemos os caminhos, nós sabemos as pessoas a quem devemos procurar e eles atendem a gente da melhor forma possível. (EXT 02)

Observa-se que há uma aceitação, por parte dos profissionais, de que ao compartilhar os diferentes temas da comunidade e buscar uma solução conjunta, contribui-se para o crescimento das partes, aumentando a transparência e a responsabilidade de todos no alcance dos objetivos escolhidos. (CARNEIRO; BRASIL, 2007)

Considerações Finais

Esta pesquisa teve como objetivo compreender o processo de articulação das práticas exercidas pelos sujeitos organizacionais, num contexto de administração pública, em suas formas de realizar estratégia. Para tanto, utilizou-se a abordagem da estratégia como prática social, que permite tratar as organizações em suas peculiaridades, tendo em vista sua inserção em contextos sociais amplos e restritos que as influenciam e são por elas influenciados.

Das práticas analisadas no caso do PTMI, e tendo por base o Esquema Conceitual apresentado na Figura 1, constatou-se que a tomada de decisão e a comunicação, negociação e administração de conflitos são as práticas sociais mais críticas quando se refere ao impacto sobre os resultados estratégicos. Esta constatação é justificada pelo nível de interação face a face que exige habilidades interpessoais e de negociação por parte dos gestores e técnicos quando se veem impelidos a conduzir ações que dependem da participação integrada das secretarias municipais e quando necessitam discutir as ações do PTMI com o conselho comunitário e a comunidade.

As práticas administrativas formais, por sua vez, podem auxiliar ou comprometer os resultados estratégicos. Estas práticas estimulam o êxito das estratégias quando contribuem para controlar as metas do PTMI, mas geram inércia organizacional quando passam despercebidas e continuam a ser utilizadas sem uma análise de sua eficiência.

Quando se trata da socialização das equipes no PTMI, os resultados são mais eficazes quando a capacitação dos profissionais é mais intensiva e baseada na metodologia do PTMI. Isto confere identidade às pessoas e as alinha aos pressupostos filosóficos do Programa. Identificou-se que, quando o ritual de socialização não é possível, os profissionais, principalmente os de campo, sentem-se inseguros, acarretando conflitos interpessoais. Com relação à aprendizagem, identificou-se que as lições aprendidas estão sendo documentadas nos relatórios mensais e nos documentos de trabalho tais como a metodologia do PTMI e os planos de trabalho sociais, dentre outros. Há também uma prática de vivenciar, aprender e validar um determinado conhecimento para depois documentá-lo. Quanto às necessidades de capacitação, não existe um processo estruturado que identifique lacunas e supra as competências necessárias. As necessidades emergem no dia a dia e assim são providenciadas. A prática de aprendizagem, contudo, não se configura como um processo organizacional estruturado.

Quanto à visão sobre os resultados, constatou-se que apesar da ansiedade por resultados mais imediatos, o olhar dos praticantes da estratégia do PTMI aponta para uma experiência positiva. O fato de incluir a comunidade como ator-chave na construção do Plano Local de Desenvolvimento Integrado na Poligonal 2 é um desafio, mas a participação comunitária é considerada como um fator crítico de sucesso e encarada como uma aprendizagem que serve de referência para outras experiências similares.

As estratégias e táticas cotidianas (CERTEAU, 1994), quando presentes nas práticas sociais, auxiliam a: suportar a correlação de forças e a romper com as dificuldades de ação integrada; lidar com a violência existente nos bairros; e reconhecer a manipulação de profissionais que as usam junto a gestores para seu próprio benefício, dentre outras possibilidades.

Pelo exposto, a principal contribuição deste trabalho foi investigar a estratégia pela lente da prática social. O referencial teórico utilizado proporcionou a observação do processo estratégico se apresentando como uma combinação de orientação e animação (WILSON; JARZABKOWSKI, 2004), sendo construído e reconstruído pelos atores em permanente interação.

Os resultados obtidos da pesquisa empírica mostram que o objetivo foi alcançado e revelam que as práticas, construídas pelos diversos atores do PTMI, são articuladas nas formas de fazer estratégia no que tange às suas maneiras de planejar, decidir, socializar, comunicar, negociar, administrar conflitos e aprender. O estudo revelou os aspectos dicotômicos que envolvem o processo estratégico no cotidiano organizacional. A racionalidade e a irracionalidade estão presentes na tomada de decisões; a formalidade e a informalidade compõem a socialização das equipes; as práticas formais e informais coexistem nas rotinas diárias; a comunicação é formal e informal; e a aprendizagem pode acontecer pela via recursiva, que se tornou uma boa prática, ou pela via adaptativa, pela tensão provocada por alguma fonte interna ou externa.

O maior desafio a ser vencido em situações como o caso objeto de estudo, contudo, é o do pensar e agir de forma integrada, de forma a elaborar e realizar estratégias verdadeiramente efetivas. Isto exige um trabalho vigoroso de conscientização de todos os atores, pois se trata de uma mudança de paradigma que demanda um investimento em capacitação e ações que aproximem estes atores de forma continuada.

Uma limitação que se apresentou nesta pesquisa é que o estudo focou em cinco práticas consideradas as mais relevantes para o caso em questão. Mas isso não esgota as inúmeras outras possibilidades de práticas a serem objeto de pesquisas futuras como, por exemplo: delegação de poder, gerência participativa, administração de conflitos, participação comunitária e negociação com a comunidade. Outra limitação é a impossibilidade de generalizar os achados deste estudo a todo tipo de programa social governamental.

Sugere-se também, no futuro pesquisar as redes sociais que envolvem as programas semelhantes e, utilizando um referencial específico, fazer um aprofundamento do poder de influência dos atores e seus relacionamentos no fazer estratégia de programas sociais governamentais.

Submissão: 15/11/2011

Aprovação: 19/03/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2011
  • Aceito
    19 Mar 2013
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