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Executivos e smartphones: uma relação ambígua e paradoxal

Resumos

Fundamentado em abordagens teóricas relativas à existência de paradoxos associados ao uso de artefatos tecnológicos, este artigo procura identificar a existência de paradoxos associados ao uso diário de smartphones pelos executivos brasileiros. O método de estudo de caso único foi aplicado analisando-se uma companhia brasileira atuante no setor farmacêutico, a qual tem por política fornecer smartphones a seus executivos seniores. Os dados foram coletados por meio de questionários desenvolvidos a partir dos paradoxos identificados na literatura, os quais foram respondidos por 14 executivos da companhia em questão, entrevistas em profundidade conduzidas com cinco desses executivos e análise de e-mails enviados pelos respondentes via smartphones por um dado período de tempo. Após a consolidação e análise dos dados obtidos verificou-se que dois paradoxos se mostraram fortemente associados ao uso de smartphones pelos executivos em questão, i.e. continuidade vs. assincronicidade e autonomia vs. vício. Além disso, três outros paradoxos se mostraram moderadamente associados ao uso de smartphones pelos executivos em questão, i.e. liberdade vs. escravidão, dependência vs. independência e planejamento vs. improvisação. Ao final, as implicações e limitações desta pesquisa são apresentadas.

smartphones; paradoxos; tecnologia móvel


Based on theoretical approaches concerning the existence of paradoxes associated with the use of technological appliances, this article seeks to identify the existence of ambiguities in the day-to-day use of smartphones by Brazilian executives. The single representative case study method was applied, by analysing a Brazilian company within the pharmaceutical sector, which has a policy of providing smartphones to its senior executives. Data were collected from: questionnaires filled out by fourteen executives of the company in question; in-depth interviews conducted with five of these executives and e-mails sent by them via smartphones over a given period of time. After consolidation and analysis of the data obtained, it was seen that two paradoxes were strongly related to the use of smartphones by the executives in question, namely: continuity vs. asynchronicity and autonomy vs. addiction. Furthermore, three other paradoxes were moderately associated with the use of smartphones by the executives in question, namely freedom vs. enslavement, dependence vs. independence, and planning vs. improvisation. Lastly, the implications and limitations of the research are set forth.

smartphone; paradoxes; mobile technology


Executivos e smartphones: uma relação ambígua e paradoxal1 1 Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq)

Ana Paula BorgesI; Luiz Antonio JoiaII

IPesquisadora da Escola Brasileira de Administração Publica e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV), professora da ESPM-Rio borgean12@hotmail.com

IIProfessor adjunto da Escola Brasileira de Administração Publica e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV) luiz.joia@fgv.br

RESUMO

Fundamentado em abordagens teóricas relativas à existência de paradoxos associados ao uso de artefatos tecnológicos, este artigo procura identificar a existência de paradoxos associados ao uso diário de smartphones pelos executivos brasileiros. O método de estudo de caso único foi aplicado analisando-se uma companhia brasileira atuante no setor farmacêutico, a qual tem por política fornecer smartphones a seus executivos seniores. Os dados foram coletados por meio de questionários desenvolvidos a partir dos paradoxos identificados na literatura, os quais foram respondidos por 14 executivos da companhia em questão, entrevistas em profundidade conduzidas com cinco desses executivos e análise de e-mails enviados pelos respondentes via smartphones por um dado período de tempo. Após a consolidação e análise dos dados obtidos verificou-se que dois paradoxos se mostraram fortemente associados ao uso de smartphones pelos executivos em questão, i.e. continuidade vs. assincronicidade e autonomia vs. vício. Além disso, três outros paradoxos se mostraram moderadamente associados ao uso de smartphones pelos executivos em questão, i.e. liberdade vs. escravidão, dependência vs. independência e planejamento vs. improvisação. Ao final, as implicações e limitações desta pesquisa são apresentadas.

Palavras-Chave: smartphones. paradoxos. tecnologia móvel.

ABSTRACT

Based on theoretical approaches concerning the existence of paradoxes associated with the use of technological appliances, this article seeks to identify the existence of ambiguities in the day-to-day use of smartphones by Brazilian executives. The single representative case study method was applied, by analysing a Brazilian company within the pharmaceutical sector, which has a policy of providing smartphones to its senior executives. Data were collected from: questionnaires filled out by fourteen executives of the company in question; in-depth interviews conducted with five of these executives and e-mails sent by them via smartphones over a given period of time. After consolidation and analysis of the data obtained, it was seen that two paradoxes were strongly related to the use of smartphones by the executives in question, namely: continuity vs. asynchronicity and autonomy vs. addiction. Furthermore, three other paradoxes were moderately associated with the use of smartphones by the executives in question, namely freedom vs. enslavement, dependence vs. independence, and planning vs. improvisation. Lastly, the implications and limitations of the research are set forth.

Keywords: smartphone. paradoxes. mobile technology

Introdução

Atualmente, estar conectado digitalmente é uma condição fundamental para se sentir inserido em um mundo cada vez mais interativo, onde a informação é uma importante moeda de poder e troca. Esta realidade se faz presente não só no âmbito organizacional, mas também na esfera privada dos indivíduos. Enquanto as organizações procuram adotar tecnologias móveis de comunicação que permitam que seus funcionários se comuniquem de maneira mais rápida e eficiente por meio de ferramentas como celulares e smartphones, esses mesmos funcionários, em suas vidas particulares, também adotam ferramentas que lhes permitam se sentir mais conectados e socialmente integrados. O crescimento da penetração dos smartphones e das redes sociais demonstra a importância da tecnologia e do conceito de conexão como forma de tradução da ideia de pertencimento do homem contemporâneo. Assim, essa nova ordem representada pela crescente importância do acesso à informação e pela possibilidade de estar conectado está alterando, de forma significativa, as dinâmicas sociais, permitindo novas formas de colaboração e interação. (LYYTINEN; YOO, 2002; PICA; KAKIHARA, 2003) Ademais, esta rapidez e instantaneidade inerentes às atuais formas de se comunicar alteram, por meio de novos processos de trabalho, a percepção das pessoas em relação às dimensões de tempo e espaço. (GIDDENS, 1990)

Uma das inovações tecnológicas que têm permitido a concretização da ideia de instantaneidade é a tecnologia push, que "empurra" a informação para o usuário. Essa tecnologia, em oposição à tecnologia pull, onde o usuário precisa ir atrás da informação, mudou a lógica da relação entre indivíduo e informação, tendo sido potencializada com o advento do smartphone.

Atualmente, o smartphone é utilizado por mais de 100 milhões de usuários em todo o mundo. Como acontece com qualquer inovação que rapidamente altera a forma como as pessoas se relacionam, o agressivo crescimento do smartphone tem provocado discussões acerca de seus benefícios e desvantagens, assim como tem ocorrido em relação ao celular e outras tecnologias de uso regular, como internet, jogos eletrônicos, aparelhos digitais de músicas e outros artefatos. Estudos embasados em paradoxos tecnológicos têm demonstrado que a adoção de certas tecnologias pode gerar efeitos positivos ou negativos naqueles que as adotam. (BOORSTIN, 1978; GOODMAN, 1988; WINNER, 1994)

Segundo Lyytinen e Yoo (2002) e Pica e Kakihara (2003), as tecnologias móveis redefinem as dinâmicas sociais por meio do surgimento de novas formas de interação e colaboração. Desse modo, ao mesmo tempo em que o smartphone passa a ser uma ferramenta cotidiana das pessoas, contribuindo para a agilidade na comunicação, ele também pode provocar dependência, ansiedade e diminuição no tempo livre das mesmas.

Assim, entendendo que a tecnologia tem alterado a forma como os indivíduos trabalham, se relacionam e vivem, este trabalho pretende responder a seguinte questão de pesquisa à luz da teoria vigente sobre paradoxos tecnológicos: os paradoxos tecnológicos identificados e extensivos a uma série de tecnologias podem ser encontrados também na relação entre executivos e smartphones? Se positivo, quais desses paradoxos são mais fortemente visualizados nessa relação?

Este artigo estrutura-se da seguinte forma: após a introdução, é apresentada a revisão bibliográfica adotada. Em seguida, detalha-se o procedimento metodológico selecionado e apresenta-se a análise dos dados coletados, assim como os resultados dela advindos. Por fim, são apresentadas as considerações finais do presente trabalho, bem como suas limitações.

Revisão bibliográfica

Paradoxos tecnológicos: aspectos gerais

O conceito de paradoxo não é novo. Originou-se com os filósofos da antiguidade e, desde então, muitos pesquisadores têm estudado esse conceito. (DE VRIES, 1995; EISENHARDT; WESCOTT, 1988; HATCH; EHRLICH, 1993; MURNIGHAN; CONLON, 1991; SABELIS, 1996; VINCE; BROUSSINE, 1996) Todo paradoxo é uma afirmação que, em si mesma, é uma contradição, embora seja possivelmente bem fundamentada e válida. A contradição é apresentada a partir da oposição entre duas proposições, na qual a verdade de uma implica necessariamente na falsidade da outra e vice-versa.

Assim, entendendo a organização como um sistema complexo e rico em relações interpessoais, são abundantes na literatura gerencial estudos que investigam os conceitos de complexidade, equívocos, ambiguidades e paradoxos no campo da Administração. (FRASON, 1996; HANDY, 1994; KOOT; SABELIS; YBEMA et al., 1996; O'CONNOR, 1995; WILSON et al., 2010)

No que se refere às implicações dos paradoxos associados ao campo tecnológico, Ferkiss (1969) afirma que o homem tem tido uma fascinação e uma relação complexa com a tecnologia desde o início de sua existência. Hill (1988) e Avgerou (2001) mencionam que a medida que a tecnologia difunde-se em numerosas esferas do cotidiano, seus significados vêm ao encontro dos mitos da sociedade.

A literatura sobre tecnologia é vasta e, portanto, há uma enorme variedade de perspectivas acerca dessa temática. Entretanto, uma visão comum à grande maioria dos discursos é: a tecnologia contribui, fundamentalmente, para a modernidade e o progresso. Para alguns autores, a tecnologia promove liberdade, controle e eficiência no tempo e no universo do trabalho, já que ela permite que os trabalhadores, por meio dessas ferramentas tecnológicas, maximizem qualidades de onipresença, onisciência e onipotência. (ASBELL, 1963; DEWETT; JONES, 2001) Outros autores, entretanto, vêem o lado sombrio da tecnologia. (BAWDEN; ROBINSON, 2009; GLENDINNING, 1990) Eles argumentam que a tecnologia degrada o meio ambiente, apodera-se da competência humana e encoraja a dependência e passividade humana. Alguns autores observam, portanto, que a tecnologia é paradoxal. Winner (1994), por exemplo, afirma que a mesma tecnologia que cria sentimentos de inteligência e eficiência também pode gerar sentimentos de estupidez e paralisação. Goodman (1988) menciona que as ferramentas tecnológicas adquiridas para otimizar o tempo na execução das tarefas geram regularmente aumento do tempo na execução das mesmas. Já Boorstin (1978) observa que ao mesmo tempo em que a tecnologia aproxima as pessoas, ela as isola.

Abordagens teóricas para os paradoxos tecnológicos

Mick e Fournier (1998) deram sua contribuição à discussão em torno dos paradoxos tecnológicos quando decidiram avaliá-los a partir de uma pesquisa qualitativa baseada na análise de conteúdo de entrevistas, o que ainda não havia sido feito até então no meio acadêmico. A pesquisa, realizada nos EUA, avaliou o sentimento e comportamento de consumidores de produtos tecnológicos – computadores, impressoras, DVDs e televisores – , por meio de entrevistas em profundidade, discussões em grupo e questionários. O objetivo da pesquisa foi sintetizar os conceitos de paradoxo, emoções e estratégias de comportamento dentro do domínio da tecnologia aplicada a produtos de consumo. Ao longo dessa pesquisa foram revelados oito paradoxos, como apresentado no quadro 1 abaixo.


Jarvenpaa e Lang (2005) também estudaram o conceito de paradoxos tecnológicos, mais especificamente no universo da tecnologia móvel. Em 2001, os autores conduziram uma pesquisa com 33 grupos de discussão, formados por 222 usuários recrutados na Finlândia, Japão, China e EUA. Ao término da pesquisa, identificaram 23 paradoxos que, após revalidação metodológica, foram reduzidos a oito que podem ser aplicados especificamente às ferramentas de tecnologia móvel (celulares, assistentes digitais portáteis e soluções integradas sem fio, como os smartphones). Além de quatro paradoxos já apontados no estudo de Mick e Fournier (1998) – liberdade/escravidão, competência/incompetência, satisfação/criação de necessidades e engajamento/desengajamento –, Jarvenpaa e Lang (2005) retrataram, como apresentado no quadro 2, mais quatro paradoxos tecnológicos.


Janverpaa e Lang (2005) chegaram à conclusão de que os impactos positivos e negativos da tecnologia móvel crescem à medida que novos lançamentos surgem no mercado. Concluíram ainda que, apesar da tecnologia móvel ter aumentado a possibilidade de conveniência, flexibilidade, conectividade e novas formas de escolha, ela também gera uma série de situações não previstas e conflitantes.

Mazmanian e outros autores (2006), ao estudarem as implicações sociais associadas ao uso de tecnologias móveis (mais especificamente do smartphone), também identificaram três tipos de dualidades conflitantes advindas do uso dessa tecnologia: continuidade/assincronicidade, engajamento/desengajamento e autonomia/vício (ver quadro 3).


Entendendo que as organizações e os homens adotam tecnologias por acreditarem que estas contribuem para o aumento do desempenho dos mesmos (JOHN; WEISS; DUTTA, 1999), faz-se relevante o entendimento do papel efetivo dessas tecnologias no dia-a-dia desses profissionais. Ambiguidades ou anomalias oriundas desse uso devem ser estudadas e analisadas a fim de se buscar soluções que possam minimizar os aspectos conflitantes associados ao uso dessas tecnologias.

Procedimentos metodológicos

Optou-se, neste estudo, pela utilização do método de estudo de caso simples, no qual o indivíduo é a unidade de análise. A escolha desse método advém da crença de que estudos de caso são especialmente indicados em pesquisas cujos temas são recentes, com pouca literatura a respeito, bem como em pesquisas nas quais as experiências dos atores é crítica para o entendimento da questão de pesquisa. (BENBASAT; GOLDSTEIN; MEAD, 1987; EISENHARDT, 1989; LEE, 1989) Desse modo, a escolha do método de estudo de caso pode ser entendida como uma boa opção para os pesquisadores da área de Tecnologia e Sistemas de Informação. Essa escolha pode ser justificada, ainda, pelo fato do presente estudo requerer uma forte proximidade com a realidade, na qual o entendimento e a percepção do indivíduo têm papel preponderante para o entendimento da questão de pesquisa. Yin (2005) assevera que não há uma fórmula para se decidir quando utilizar o método de estudo de caso, mas afirma que quanto mais o problema de pesquisa procurar explicar uma circunstância presente, mais a aplicação desse método pode ser útil.

Como se pretende testar os paradoxos levantados anteriormente, o estudo terá um viés positivista, apesar de utilizar um sistema híbrido de coleta de dados que demanda também uma análise interpretativista dos depoimentos dos respondentes. (LEE, 1991)

A escolha do caso

Apesar de se entender que a escolha de casos múltiplos contribui para a generalização dos resultados de um estudo de caso, o presente estudo adotou a análise de apenas uma empresa para se atingir o objetivo da pesquisa em questão. Compartilha-se, assim, do pensamento de Stake (1988) de que a generalização não deve ser a ênfase em todas as pesquisas e o estudo de caso pode contribuir, de forma incremental, para o entendimento do fenômeno estudado. Nesse sentido, a opção por um caso simples e intríseco (STAKE, 1988) justifica-se pelo objetivo deste estudo em buscar o aprofundamento em um particular interesse, ou seja, estudos prévios sobre paradoxos tecnológicos.

Como critério para escolha do caso, utilizou-se a recomendação de Paré (2004), que afirma que a escolha do objeto a ser estudado tem o intuito de maximizar a aprendizagem na pesquisa. Desse modo, os critérios utilizados para a seleção do caso basearam-se nos seguintes aspectos: a) empresa de médio ou grande porte que atuasse em mercado competitivo, na qual o fluxo de informações e o comprometimento com os resultados operacionais fossem fortemente exigidos de seus funcionários e b) empresa que possuísse gestores que utilizassem regularmente aparelhos smartphones fornecidos pela mesma em seu dia-a-dia.

Com base nesses critérios, a empresa "Farma Co." (nome fictício) foi escolhida por ser condizente com os pontos previamente definidos no início do desenho de pesquisa. Como a Farma Co. adota uma estrutura de unidade de negócios, a divisão OTC (medicamentos isentos de prescrição médica) foi escolhida por representar 75% do faturamento dessa organização. A Farma Co. é uma empresa de médio porte que atua no mercado farmacêutico brasileiro. Esse mercado é extremamente competitivo, movimentando cifras gigantescas em todo o mundo. No Brasil, o mercado atingiu cifras de mais de R$ 25 bilhões em 2009 e o contínuo processo de aquisições e fusões ocorridas nos últimos anos reflete o dinamismo e competitividade dessa indústria.

Como em muitas empresas nacionais de médio e grande porte, a maioria dos seus executivos de alto escalão utiliza o smartphone como ferramenta diária de trabalho. Por representar, então, um padrão de uso dessa tecnologia, entende-se que a Farma Co. é uma escolha significativa para o aprofundamento da teoria sobre paradoxos tecnológicos, atendendo aos critérios relacionados à questão de pesquisa.

Desenho da pesquisa e coleta de dados

Segundo Benbasat, Goldstein e Mead (1987), antes de iniciar o trabalho de coleta de dados, o pesquisador deve definir a unidade de análise dentro do site escolhido. No caso do presente artigo, as unidades de análise referem-se aos indivíduos, aqui representados pelos executivos da empresa escolhida, que usam smartphone fornecido pela mesma.

O processo de coleta de dados buscou utilizar uma abordagem múltipla a fim de possibilitar a triangulação dos dados de forma a aumentar o grau de evidências e, portanto, a confiabilidade do estudo. (LEE, 1991)

Para este artigo, foram utilizados questionários individuais, entrevistas em profundidade e análise documental referentes ao uso do smartphone pela amostra selecionada.

Na primeira fase da pesquisa – ocorrida em março de 2010 – responderam ao questionário 14 executivos da divisão OTC da Farma Co., representando 75% dos executivos de médio e alto escalão da mesma. Os 25% de executivos restantes não fizeram parte da amostra por não utilizarem o smartphone como ferramenta de trabalho, já que o aparelho não lhes era fornecido pela organização. O perfil da amostra foi de 71% homens e 29% mulheres, com idades variando entre 30 e 54 anos. Os respondentes possuíam, no mínimo, o cargo de gerente, estando na organização, em média, há quatro anos e meio.

Os questionários que constituíram essa primeira fase da coleta de dados foram elaborados a partir da consolidação de 14 paradoxos tecnológicos levantados por Mick e Fournier (1998), Jarvenpaa e Lang (2005) e Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006), já que do total de 15 paradoxos listados, dois (P8 e P14) são semelhantes (ver quadros 1 e 3). Cada um dos 14 paradoxos foi desmembrado em duas perguntas que representassem o antagonismo associado àquele paradoxo. O questionário foi, portanto, composto de 28 perguntas intercaladas, de modo que as questões contraditórias relativas a determinado paradoxo não ficassem juntas ou próximas, objetivando minimizar a percepção dos respondentes quanto ao propósito da pesquisa.

É importante destacar que, durante o processo de coleta de dados, os pesquisadores não mencionaram que a pesquisa objetivava identificar a presença de paradoxos, tendo sido mencionado, apenas, que o estudo abordava a tecnologia smartphone. Desse modo, não foi utilizado o termo paradoxo ou qualquer outro termo que pudesse ter influenciado ou sugerido que os participantes falassem de experiências ambíguas geradas pelo uso do smartphone.

O questionário utilizou uma escala diferencial semântico de Likert de cinco pontos, cuja intenção era avaliar a concordância dos executivos em relação às sentenças apresentadas. A escala variava de um (discordo completamente) a cinco (concordo plenamente).

A segunda fase da etapa de coleta de dados foi composta de entrevistas em profundidade, desenvolvida a partir de um roteiro semiestruturado baseado nos paradoxos tecnológicos apresentados neste estudo a fim de identificar a presença ou não dos mesmos. O roteiro não foi completamente estruturado, de modo a permitir a contemplação de visões e/ou questões não previstas pelo entrevistador que viessem à tona no decorrer da entrevista e que fossem relevantes para o estudo. (MALHOTRA, 2001) As entrevistas em profundidade foram realizadas com cinco executivos que fizeram parte da amostra de respondentes da fase um da coleta de dados. As entrevistas tiveram a duração média de 1 hora e 10 minutos e foram conduzidas na própria Farma Co., antes ou após o horário de expediente, em uma sala de reunião que garantisse a confidencialidade da conversa e a tranqüilidade do respondente.

A terceira fase – a qual ocorreu durante todo o processo de coleta de dados – tratou da análise de e-mails enviados pelos executivos respondentes por meio de seus smartphones. A análise desses documentos teve o propósito de avaliar padrões de espaço, tempo e conteúdo das mensagens enviadas.

O período de coleta de dados durou 11 dias corridos, com intervalo apenas para o final de semana.

Análise dos dados

Os resultados obtidos na primeira fase da coleta de dados foram analisados com base em uma tabulação por frequencia ponderada, na qual buscou-se avaliar a aderência das respostas obtidas às sentenças associadas a cada um dos 14 paradoxos analisados (ver quadro 4).


Para investigação da presença de paradoxos associados ao uso do smartphone pelos executivos, testou-se a igualdade das médias obtidas nas duas perguntas opostas associadas ao mesmo paradoxo. Caso não se pudesse rejeitar a igualdade das médias obtidas para essas perguntas, podia-se suportar a existência de paradoxo. Se, por outro lado, a igualdade das médias associadas a essas perguntas pudesse ser rejeitada, a um determinado nível de significância, tal indicava a não existência de paradoxo.

Por se tratar de uma amostra pequena, utilizou-se para essa análise o teste não paramétrico de comparação de médias de Wilcoxon, bicaudal, com aproximação normal (n>10 respondentes), a níveis de significância de 1% e 5%. (SIEGEL; CASTELLAN JR., 2006)

Após essa fase, analisou-se os paradoxos encontrados vis-à-vis a análise de conteúdo das entrevistas e dos e-mails coletados, de modo a triangular os dados obtidos (YIN, 2005), visando fortalecer as conclusões a serem feitas. Em muitos casos, essa análise foi complementada pela extração de sentenças dos discursos dos entrevistados, visando à exemplificação dos conceitos avaliados.

Resultados

A partir da análise consolidada dos resultados, identificou-se que as sentenças associadas aos aspectos ditos positivos da tecnologia smartphone receberam uma avaliação média superior (3,98) às sentenças associadas aos aspectos ditos negativos (2,99) dessa mesma tecnologia. Esse resultado propõe que a percepção dos benefícios percebidos pelos executivos são superiores à percepção de possíveis malefícios relativos a esse aparelho.

A seguir, procedeu-se consolidadamente ao teste de Wilcoxon, bicaudal, com aproximação normal para cada um dos paradoxos levantados, segundo apresentado na tabela 1.

Como se pode perceber, há dois paradoxos que não podem ser rejeitados a um nível de significância de 1% (continuidade/assincronicidade e autonomia/vício), e três paradoxos que não podem ser rejeitados a um nível de significância de 5% (liberdade/escravidão, independência/dependência e planejamento/improvisação). E assim sendo, pode-se, por simplificação de nomenclatura e facilidade de compreensão por parte dos leitores, atribuir aos dois primeiros paradoxos uma ambiguidade de forte intensidade, e aos três restantes, uma ambiguidade de média intensidade. Quanto aos demais paradoxos oriundos da literatura, não se pode suportar a existência de ambiguidade associada aos mesmos a um nível de significância de 1% ou 5 %.

Análise dos resultados associados aos paradoxos tecnológicos de Mick e Fournier (1998)

Como já dito, os oito paradoxos tecnológicos identificados por Mick e Fournier (1998) em produtos tecnológicos, como computadores, impressoras, DVDs e televisores foram desmembrados em 16 sentenças – oito delas representando os aspectos positivos referentes ao uso do smartphone, e oito referentes aos aspectos negativos dessa mesma relação. Os conceitos com médias maiores e, portanto, mais aderentes à base teórica foram: percepção sobre a facilitação da ordem e do controle de tarefas (média 4,3), sensação de liberdade ocasionada pela redução de restrições (média 4,4) e possibilidade de trazer novos benefícios advindos da evolução tecnológica e de conhecimento (média 4,2). Verifica-se, então, que os aspectos positivos referentes à possibilidade de controle, liberdade e sensação de novidade, identificados por Mick e Fournier (1998) para produtos tecnológicos diversos, também foram identificados na relação de uso entre o executivo e o smartphone.

Os conceitos expostos acima também foram significativamente percebidos nos discursos dos executivos entrevistados. M. (feminino, 42 anos) afirmou: "O fato do pessoal do escritório poder me achar em qualquer lugar, me deixa tranquila. Hoje me dou ao luxo de sair do expediente mais cedo e ir para a academia sem culpa, pois sei que se houver algo importante, o pessoal me achará". Apesar de ter feito essa declaração para exemplificar o quanto seu smartphone lhe proporcionava liberdade, há também no discurso de M. a presença de aspectos oriundos do lado negativo do aparelho, sugerindo que o mesmo deva ficar sempre ligado. Esse aspecto ambíguo da tecnologia é teorizado no paradoxo liberdade/escravidão.

De uma maneira mais moderada, o estudo também identificou a presença da sensação de competência (média 3,9), de eficiência (média 3,5), de satisfação (média 3,5) e de integração (média 3,7) a partir do uso do smartphone, como apontado por Mick e Fournier (1998) para as demais tecnologias.

A identificação da percepção de competência também pôde ser identificada na fala de A. (masculino, 38 anos): "Quando era estagiário, há 20 anos atrás, precisávamos ficar no escritório esperando relatórios de fora, que muitas vezes chegavam de madrugada por causa do fuso. Hoje, posso acessar de casa e trabalhá-los com mais conforto". O exemplo dado por A. para descrever como o smartphone o fazia se sentir eficiente e competente, também pode ser lido pelo viés de liberdade, já que garante uma maior flexibilidade de trabalho.

Quanto ao lado negativo levantado pela abordagem de Mick e Fournier (1998), apenas o aspecto referente à escravidão (média 3,7) foi relacionado, de forma moderada, ao uso do smartphone. O conceito de escravidão apresentado refere-se à sensação de dependência resultante da necessidade de se estar sempre disponível e conectável. Desse modo, apenas o paradoxo liberdade/escravidão, associado ao uso de smartphone, foi identificado a um nível de significância de 5% (ambiguidade de média intensidade).

Não obstante a sentença referente à escravidão ter surgido nos questionários apenas de forma moderada (média 3,7), nos discursos dos respondentes, na segunda fase da pesquisa, esse conceito foi amplamente ressaltado. Apesar dos executivos não declararem de forma explícita que se sentem escravizados pelo uso da tecnologia, todos, sem exceção, afirmaram que precisam deixar o aparelho ligado para serem encontrados, tanto por colegas de trabalho, como no âmbito particular. Essa obrigação de manter o aparelho ligado foi identificada na fala de J. (masculino, 51 anos): "Até para tomar banho eu levo meu aparelho junto comigo. Virou uma espécie de amigo inseparável. Se bem que, às vezes, um amigo meio mala (sic)....". Ou seja, poder ser encontrado e receber ou enviar e-mails a qualquer hora e de qualquer lugar é visto como um benefício pelos executivos. Entretanto, os mesmos parecem não enxergar com clareza que esse mesmo benefício gera também a obrigação de manter-se sempre conectável. Apesar de declararem que o aparelho está sempre ligado, não associam essa afirmação a um malefício, mas sim a uma questão característica relativa ao uso dessa tecnologia.

Análise dos resultados associados aos paradoxos tecnológicos de Jarvenppa e Lang (2005)

Os quatro paradoxos associados aos celulares, assistentes digitais portáteis e soluções integradas sem fio, levantados por Jarvenpaa e Lang (2005), foram desmembrados em oito sentenças. Quanto aos aspectos positivos associados à tecnologia, o presente estudo demonstrou que itens referentes à independência, planejamento e ilusão também aparecem fortemente associados ao uso do smartphone: (i) a sensação de independência está relacionada à possibilidade de se estar conectado a qualquer hora e em qualquer lugar; (ii) a sensação de percepção de planejamento refere-se à contribuição vislumbrada pelos executivos quanto ao planejamento e controle das tarefas; e (iii) a sensação de ilusão está alinhada com a perspectiva de que o smartphone poderá proporcionar novas possibilidades de interação e comunicação entre seus usuários.

Quanto ao lado negativo dos paradoxos tecnológicos propostos pelos autores para celulares, assistentes digitais portáteis e soluções integradas sem fio, nenhuma sentença, individualmente, obteve uma média acima de quatro quando aplicada aos smartphones. Entretanto, os aspectos referentes à dependência e improvisação obtiveram médias 3,4 e 3,1, respectivamente, constatando-se paradoxos a um nível de significância de 5% (ambiguidade de média intensidade).

O conceito de dependência pôde ser observado a partir da análise documental dos e-mails enviados pelos executivos da Farma Co., integrantes da amostra, a partir de seus smartphones. Assim, por meio da análise desses e-mails, foi identificada a prática comum de envio e/ou respostas de e-mails de ordem profissional durante o final de semana. Para obtenção desse material, os pesquisadores pediram que os executivos imprimissem, no período de 15 dias, suas respectivas páginas de itens enviados. Com base no relatório de e-mails enviados por esses executivos num prazo de 15 dias, foi possível identificar uma média de 2,4 e-mails enviados e/ou respondidos por final de semana (de sexta feira à noite, após o expediente, até domingo à noite). Os pesquisadores não tiveram acesso ao conteúdo dos e-mails, mas, de posse da listagem dos itens enviados, solicitaram que os executivos destacassem aqueles e-mails que foram enviados, profissionalmente, durante o final de semana. F. (feminino, 38 anos), por exemplo, enviou, de sua residência, um e-mail sobre orçamento financeiro às 23h24min de uma sexta-feira, e sobre cotação de material às 10h15min de um domingo do mesmo final de semana. Questionada sobre o porquê do envio dos e-mails fora do expediente de trabalho, F. explicou que "era impossível ler um e-mail com uma pendência e deixá-lo sem resposta".

Esse discurso demonstra que, apesar do smartphone proporcionar independência ao usuário, já que lhe permite acessar o aparelho de forma livre, também ocasiona, contraditoriamente, certa dependência.

Análise dos Resultados Associados aos Paradoxos Tecnológicos de Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006)

Os três paradoxos identificados por Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006) foram desmembrados em seis sentenças. Todas as sentenças representativas dos aspectos positivos da tecnologia obtiveram um alto índice de adequação teórica (média superior a quatro). Aspectos relacionados à capacidade de continuidade, engajamento e autonomia foram considerados pelos entrevistados como significativos na relação de uso com o smartphone (ver tabela 1). Os executivos da Farma Co. entendem que o smartphone contribui para que eles se sintam continuamente conectados, mantendo um amplo fluxo de informação. Esses executivos acreditam, também, que o smartphone proporciona um significativo engajamento das comunicações por e-mail, favorecendo um ganho na dinâmica da comunicação. E, por fim, concordam que o uso dessa tecnologia pode aumentar a autonomia e flexibilidade de suas tarefas.

No que se refere às sentenças associadas aos aspectos negativos, apenas uma das três sentenças não obteve um alto grau de adequação à teoria (ver tabela 1). A percepção de desengajamento, que significa o distanciamento das interações pessoais, foi avaliada como possuindo uma média adequação teórica em relação ao uso do smartphone.

Apesar da média para desengajamento ter sido de apenas três, o que denota que os executivos da Farma Co. não concordam e nem discordam da sentença proposta, mantendo-se numa posição imparcial quanto à questão do smartphone proporcionar o distanciamento das relação interpessoais, os discursos e relatórios de e-mails mostram uma realidade diferente. Tanto os relatórios de e-mails enviados pelos executivos através dos aparelhos, quanto os discursos dos executivos durante as entrevistas, apresentam indícios de que o smartphone invade o espaço privado dos usuários, possibilitando a redução de contatos pessoais. F. (feminino, 38 anos), ao comentar o quanto o smartphone faz parte do seu dia-a-dia, diz: "Costumo dar comidinha para o Matheus, com o meu smartphone do lado. Como ele é pequenininho, demora um bocado(sic) para comer... Dou uma colherada e uma olhadinha no smart (sic)... e assim ele come tudinho". Ao analisar suas respostas para o questionário, ela afirmou discordar da sentença de que o smartphone proporcione desengajamento.

Esta aparente contradição entre a resposta ao questionário e o discurso pode ser reflexo de uma dificuldade do usuário do smartphone em visualizar os aspectos negativos ou não tão positivos do aparelho.

Já os aspectos relacionados ao conceito de assincronicidade e vício obtiveram os maiores índices de adequação em relação às 14 sentenças negativas avaliadas (ver tabela 1). O primeiro demonstra que o uso do smartphone pode ser controlado pelo usuário no que se refere à escolha de quando e como ele poderá responder a mensagem. Quanto ao aspecto do vício, há uma forte sensação de que esse aparelho induz no usuário a obrigação de mantê-lo ligado e constantemente atualizado. J. (masculino, 51 anos) declarou: "Minha esposa disse que vai sumir com meu Blackberry. Mas até que ela tem razão.... Outro dia me peguei respondendo e-mail no meio do cinema [...]". Perguntado pelos pesquisadores sobre o porquê de tal comportamento, J. disse que não sabia. "Sei lá (sic). Quando vi, já estava eu digitando. Eu concordo que é o fim".

Assim, nesse conjunto foram suportados dois paradoxos a um nível de significância de 1% (alto grau de ambiguidade): continuidade/assincronicidade e autonomia/vício.

Considerações finais

A partir dos resultados consolidados da pesquisa, conclui-se que dos 14 paradoxos tecnológicos estudados por Mick e Fournier (1998), Jarvenppa e Lang (2005) e Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006), apenas cinco se mostraram associados à tecnologia smartphone de forma forte (α=1%) ou moderada (α=5%).

Como características positivas associadas ao uso do smartphone, pode-se destacar a percepção dos executivos quanto à possibilidade de aumento de liberdade (4,4), independência (4,0), planejamento (4,2), continuidade (4,1) e autonomia (4,4). Entende-se que esses profissionais reconhecem que a tecnologia smartphone contribui de forma importante para a flexibilização de seu tempo, tornando-os mais livres e com mais autonomia. Estas percepções de liberdade, independência e autonomia relacionam-se diretamente com a ideia de uma maior mobilidade, a qual está associada, conseqüentemente, a uma maior sobreposição dos tempos e espaços profissional e pessoal. Desse modo, acredita-se que o advento do smartphone permita que aspectos profissionais avancem mais fortemente em direção ao tempo e espaço privados.

Como características negativas associadas ao uso do smartphone, pode-se destacar: a percepção dos executivos quanto à possibilidade de aumento da sensação de escravidão (3,7), dependência (3,4), improvisação (3,1), assincronicidade (4,5) e vício (4,4). Apesar dos aspectos negativos relacionados a esses paradoxos terem recebido médias um pouco menores do que os aspectos ditos positivos, é evidente a associação de aspectos não saudáveis ao uso da tecnologia smartphone por parte dos executivos da Farma Co. Entende-se que esses profissionais reconhecem que tal ferramenta causa certa dependência, vício e escravidão à medida que se sentem obrigados, ainda que inconscientemente, a mantê-los sempre ligados e constantemente atualizados.

Como já dito, no que se refere aos paradoxos propriamente ditos, verificou-se que dos 14 paradoxos associados a diversos tipos de tecnologia, apenas cinco foram efetivamente associados, também, ao uso de smartphones. São eles: liberdade vs. escravidão, dependência vs. independência, planejamento vs. improvisação, com uma moderada relação de ambiguidade entre as sentenças (α=5%). E mais, continuidade vs. assincronicidade e autonomia vs. vício, com uma forte relação de ambiguidade entre as sentenças (α=1%).

Ao analisar a tabela 1, verifica-se que dos três paradoxos associados ao uso do smartphone identificados por Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006), apenas um não foi encontrado no estudo da Farma Co. – engajamento vs. desengajamento. Entretanto, apesar desse paradoxo ter obtido médias 4,4 e 3, respectivamente, para as sentenças com viés positivo e negativo, caracterizando, via análise estatística, ausência de paradoxo, a ambiguidade referente a esse conceito pode ser verificada nos discursos e relatórios de e-mails levantados na presente pesquisa. Como já mencionado anteriormente, análises feitas nos relatórios de e-mails enviados pelos executivos e nas suas respectivas falas proporcionam indícios de que o smartphone tende a reduzir os contatos pessoais à medida que fortalece a interação homem-máquina.

Quanto aos paradoxos fortemente associados ao uso do smartphone no estudo da Farma Co, também levantados por Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006), aponta-se continuidade vs. assincronicidade e autonomia vs. vício. O primeiro paradoxo está relacionado à ideia de que o smartphone contribui para que os empregados estejam continuamente conectados, mantendo um amplo fluxo de informação. Entretanto, esta continuidade pode ser controlada pelo usuário à medida que ele decide quando e como vai responder a mensagem. Desse modo, a ideia de fluidez de informação, potencializada pela tecnologia pull, pode, na verdade, não ser tão contínua assim.

O segundo paradoxo fortemente associado à teoria é autonomia vs. vício. Esse paradoxo sustenta que, apesar de muitos usuários de smartphone afirmarem que o uso dessa tecnologia aumenta a autonomia e a flexibilidade de seus trabalhos, muitos se sentem obrigados a manter seus aparelhos ligados e constantemente atualizados.

A identificação de paradoxos tecnológicos no mundo empresarial denota a presença de contradições, as quais, segundo Smith e Berg (1987), são fontes de paralisia nas organizações, propiciando o aparecimento de tensões e ansiedades nos seus colaboradores. Desse modo, estudos dessa natureza são relevantes, pois contribuem para o avanço da identificação das ambiguidades e proporcionam subsídios para o desenvolvimento de estratégias que visem à minimização dessas contradições por parte dos executivos e gestores.

Kelbaugh (2005) afirma que as pessoas precisam estar mais conscientes das consequências negativas geradas pela utilização da tecnologia e destaca que, mesmo não havendo uma métrica que possa avaliar com precisão as vantagens e desvantagens da utilização de uma dada tecnologia, é necessário se pensar sobre isso. Como visto neste artigo, ao mesmo tempo em que o smartphone passa a ser uma ferramenta cotidiana das pessoas, contribuindo para a agilidade na comunicação, ele também pode provocar dependência, ansiedade e diminuição no tempo livre delas.

Esta pesquisa procurou utilizar uma abordagem híbrida de coleta de dados a fim de maximizar a confiabilidade do estudo por meio da triangulação de dados. (YIN, 2005) Como mencionado anteriormente, ao utilizar apenas uma organização para o estudo de caso, sabe-se que a validade externa dos resultados pode ficar fragilizada. Entretanto, entende-se que a Farma Co. pode ser considerada uma organização que bem representa os critérios definidos para a seleção da amostra. Portanto, os resultados advindos dela podem contribuir para a visualização da relação ambígua entre executivos e smartphones em outras empresas.

Além disso, nunca é demais citar que este trabalho privilegiou a abordagem de Stake (1998), no que tange ao método de estudo de caso. Segundo Stake (1998), o estudo de caso é mais do que uma opção metodológica, tratando-se da escolha do objeto de estudo – neste caso, o uso do smartphone na Farma Co. e as consequentes ambiguidades geradas pelo seu uso cotidiano. Por essa razão, as análises positivistas de validade e confiabilidade do estudo de caso propostas por Yin (2005), embora relevantes em seu contexto, não configuraram o leitmotiv do método de pesquisa adotado.

Novas pesquisas podem ser propostas à medida que mais executivos possam robustecer a amostra de análise, outras organizações possam ser investigadas, a cultura existente nas empresas possa ser levada em consideração para entendimento das ambiguidades encontradas e outros marcos teóricos associados a paradoxos tecnológicos possam ser adotados em conjunto com os já aqui abordados. Toda esta agenda de pesquisa constitui, também, limitações associadas a este trabalho. Limitações estas que trabalhos futuros podem e devem superar.

Submissão: 18/1/2012

Aprovação: 30/7/2012

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  • 1
    Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Jan 2012
    • Aceito
      30 Jul 2012
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