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AS EQUIPES MULTICULTURAIS EM SUBSIDIÁRIAS BRASILEIRAS DE MULTINACIONAIS: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

THE MULTICULTURAL TEAMS IN BRAZILIAN SUBSIDIARIES OF MULTINATIONAL COMPANIES: A MULTIPLE CASE STUDY

Resumos

O objetivo deste artigo foi analisar os desafios do cotidiano intercultural e os resultados do trabalho de equipes multiculturais em três subsidiárias brasileiras. A pesquisa foi qualitativa com análise de documentos oficiais e de 33 entrevistas com brasileiros e estrangeiros. Apesar das dificuldades do início da convivência, fase apontada como a mais difícil, as equipes multiculturais conseguiram estabelecer uma rotina produtiva com a troca de experiências e conhecimentos. O seu trabalho envolveu a superação do encontro com o diferente, problemas de comunicação devido às dificuldades com o idioma, à falta de sintonia e ritmo de trabalho e ao esforço demandado para executar atividades em conjunto que, em ambiente doméstico, são feitas automaticamente. Diante disso, a cultura organizacional com enfoque global tem sido fundamental para as três empresas gerenciarem os desafios apresentados às equipes, além da relevância das subsidiárias brasileiras no contexto global, da gestão internacional de recursos humanos e alguns aspectos da cultura brasileira que auxiliam na integração das equipes.

Ambiente intercultural; Equipes multiculturais; Subsidiárias brasileiras; Cotidiano organizacional; Cultura global


The aim of this paper was to analyze the intercultural challenges of daily life and the results of the work of multicultural teams in three Brazilian subsidiaries. The research was qualitative analysis of official documents and interviews with 33 Brazilians and foreigners. Despite the difficulties of the beginning of the coexistence phase, considered more difficult, multicultural teams were able to establish a routine with the productive exchange of experiences and knowledge. The team’s work involved overcoming the meeting with the different things, communication problems because of difficulties with the language, the lack of harmony and rhythm of work and effort required to perform activities together. Therefore, the organizational culture with a global focus has been fundamental to the three companies manage the challenges presented to the teams. Also, the relevance of Brazilian subsidiaries in the global context, the international human resources management and aspects of Brazilian culture contribute to the integration of the teams.

Intercultural environment; Multicultural teams; Brazilian subsidiaries; Organizational daily life; Global culture


Introdução

O ir e vir tem feito parte da construção das sociedades pós-guerra com o crescimento e a expansão de organizações multinacionais e suas redes de operações que se estendem globalmente, atraindo profissionais para determinadas regiões. Elas necessitam que determinados indivíduos se desloquem pelos países ou regiões onde atuam de modo que as suas operações sejam eficientes e sua cultura se dissemine entre os seus membros, onde quer que eles estejam. Devido a esse aumento na demanda pela mobilidade, principalmente na esfera empresarial, intensificou-se o interesse e o desenvolvimento de um corpo teórico e prático sobre equipes multiculturais. Para Freitas (2008FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008, p. 81):

Como não existem organizações operando no vácuo, as empresas leem as macrotendências do meio e absorvem, com relativa rapidez, as grandes mudanças que nele ocorrem ou poderão ocorrer, dando respostas apropriadas aos seus objetivos de crescimento e expansão. Em outras palavras, hoje, as empresas se confrontam com o problema dos encontros de culturas como jamais antes no seio de suas atividades (encontro que já existia no social mais amplo), impondo-se como uma questão a ser gerida no nível organizacional (FREITAS, 2008, p. 81).

As organizações aumentam suas relações internacionais, seja por meio de parcerias, fusões, aquisições e joint-ventures com organizações de outros países, seja pelo estabelecimento de base própria em outros mercados. O modo pelo qual uma organização se internacionaliza determina a sua necessidade de recursos de ordem financeira, de infraestrutura e de profissionais. A demanda de mobilidade faz com que as organizações estabeleçam processos e controles que permitam o envio e o acompanhamento dos profissionais em outros países onde a finalidade da transferência determina a sua duração e, consequentemente, o pacote de benefícios, remuneração e impacto na carreira do profissional. Basicamente, as transferências podem ser de longo ou de curto prazo e envolvem processos organizacionais de recrutamento, seleção, preparação, deslocamento, adaptação e condições de retorno diferenciados (ADLER; GUNDERSEN, 2008ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008.; DERESKY, 2004DERESKY, H. Administração global: estratégica e interpessoal. Porto Alegre: Bookman, 2004.; FINURAS, 2003FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003.; FREITAS, 2005FREITAS, M. E. Executivos brasileiros expatriados na França: uma contribuição aos estudos organizacionais interculturais. São Paulo: FGV, 2005. 312 p. [Relatório apresentado na Banca para Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas].).

De acordo com Joly (1996)JOLY, A. Alteridade: ser executivo no exterior. IN: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996. v. 1, p. 83-124., para o profissional que vive a experiência da mobilidade internacional a vida no exterior é algo que o mergulha na confusão, no estranhamento, principalmente quando a cultura de origem e a de destino são muito diferentes. Os antigos esquemas de referência não conseguem dar sentido aos novos acontecimentos, que logo necessitam ser tratados e outros esquemas precisam ser inventados. A experiência de viver no exterior, para Freitas (2000)FREITAS, M. E. Como vivem os executivos expatriados e suas famílias: franceses em S. Paulo. São Paulo: EAESP, 2000. [Relatório de pesquisa]., “exige do profissional uma abertura de espírito, abertura a novas experiências, a curiosidade quanto ao diferente, ou seja, uma genuína capacidade de observação e de leitura de cenários”. Para isso, é preciso que haja respeito por uma realidade diferente da sua. E essas são características nem sempre naturais, muitas vezes precisando ser desenvolvidas, o que não significa que todos consigam bons resultados.

Não é só o processo de missão internacional, caracterizado pelas transferências de longo e curto prazo de profissionais, que demanda atenção por parte das organizações, mas também a rotina organizacional afetada pela convivência entre indivíduos de culturas diferentes. Nasce daí a necessidade de uma administração de base intercultural que coordene a movimentação dos profissionais, articule a negociação entre as barreiras nas interações interculturais e faça a gestão de equipes de trabalho, contribuindo para a formação de profissionais com experiência intercultural (CHEVRIER, 2000CHEVRIER, S. Le management des équipes interculturelles. Paris: PUF, 2000.).

No dia-a-dia de uma organização internacionalizada, os indivíduos interagem uns com os outros e podem ver de diferentes formas a si e aos outros e como deve ser a gestão e a execução das atividades. O viver coletivamente significa experimentar os desafios diários da convivência e da interação dos indivíduos, afirma Goffman (2007)GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.. E, no momento do encontro de um indivíduo com outros, o que ocorre é que esses outros buscam informações sobre ele ou relembram as informações já conhecidas. Se não há informação ou ela não é suficiente, o comportamento torna-se mais arredio, cheio de desconfianças e uma barreira é levantada, o que influencia sobremaneira a convivência e a construção do novo ambiente.

É nesse contexto que este artigo tem o propósito de contribuir com a identificação e análise dos desafios presentes no cotidiano de trabalho de equipes multiculturais e as consequências dessa convivência para os indivíduos e para as organizações na perspectiva de brasileiros e estrangeiros em subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais.

Organizações internacionais e administração intercultural

O impacto da questão intercultural pode variar de acordo com o tipo de ambiente de competição e da estratégia global da organização. Se o ambiente é de pouca competição, se a estratégia da organização estiver voltada para o posicionamento e reação a esse ambiente, a preocupação com a questão multi e intercultural poderá ficar mais limitada à integração e cooperação de indivíduos com diferenças culturais regionais ou resultantes de sua ascendência. Já no caso de organizações com ambiente de alta competição com estratégia e atuação global, a preocupação com as questões multi e interculturais são mais amplas e de maior impacto, pois elas necessitam compreender a dinâmica cultural para formular suas estratégias de negócios, executar a produção local e construir equipes multiculturais em vários níveis de suas estruturas organizacionais (DERESKY, 2004DERESKY, H. Administração global: estratégica e interpessoal. Porto Alegre: Bookman, 2004.; EVANS; PUCIK; BJORKMAN, 2010EVANS, P.; PUCIK, V.; BJORKMAN, I. The global challenge: international human resource management. 2. ed. New York: McGraw-Hill, 2010.; FINURAS, 2003FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003.).

Uma forma de analisar o cotidiano das equipes multiculturais é analisar a gestão internacional da organização e qual o papel das subsidiárias. Este papel pode variar conforme o tipo da organização e seu estilo de gestão: elas podem alavancar e disseminar as competências da matriz ou explorar as oportunidades locais. Também podem conjugar os dois papéis, tanto o de trazer contribuições diferenciadas quanto de integrar a operação global. Essa questão é um dos grandes pontos de discussão da literatura em gestão internacional como apresentado por Mariotto (2007)MARIOTTO, F. L. Estratégia internacional da empresa. São Paulo: Thomson, 2007. (Coleção Debates em administração). e Guedes (2007)GUEDES, A. L. Negócios internacionais e gestão internacional: de onde viemos e para onde vamos? In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2007.. O tema é tratado tanto de forma ampla, do ponto de vista da gestão da organização como um todo, como também pelas áreas funcionais como Marketing e Recursos Humanos, que abordam questões específicas dentro dessa relação matriz-subsidiária.

Do ponto de vista da gestão internacional de recursos humanos, Heenan e Perlmutter (1979)HEENAN, D. A.; PERLMUTTER, H. V. Multinational organization development. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979. e Cerdin (2002)CERDIN, J. L. L’expatriation. 10. ed. Paris: Éditions d’Organisation, 2002. destacam quatro abordagens que se refletem nas políticas e práticas da área e afetam as políticas de mobilidade internacional: etnocêntrica, policêntrica, geocêntrica e regiocêntrica. Na abordagem etnocêntrica, são os dirigentes do país de origem da organização que tomam as decisões estratégicas e as subsidiárias não têm autonomia. Os postos-chave no estrangeiro são ocupados por profissionais do país de origem em missão internacional e as decisões e estratégias têm como base a cultura do país de origem, seus valores e pressupostos. Já a policêntrica não considera a missão internacional como a principal ferramenta do desenvolvimento internacional. São os executivos locais que ocupam os postos importantes nas subsidiárias e existe pouca chance de se conseguir experiência internacional. Por outro lado, a organização evita os gastos da missão internacional e seus problemas de adaptação. A terceira abordagem é a geocêntrica, na qual a estratégia da organização ultrapassa o nível nacional diretamente para o internacional, as diferenças nacionais são consideradas secundárias e o que se busca é preencher os postos de trabalho nas subsidiárias de acordo com a experiência e as competências requeridas por eles. A abordagem regiocêntrica significa administrar os gerentes locais a partir de uma região geográfica. Para controlar as subsidiárias de uma região é criada uma base em um dos países mais importantes, que pode ser ocupada por profissionais de diversas nacionalidades.

Cada abordagem privilegia maior ou menor contato entre diferentes culturas nacionais e regionais. E o problema, como aponta Pierre (2001)PIERRE, P. Elements pour une reflexion critique sur le management interculturel. Sociologies Pratiques, n. 5, dez. 2001., é de que maneira fazer com que os indivíduos criem raízes em culturas diferentes e tornem-se mais autônomos, mais qualificados e mais seguros quanto no seu país de origem tem sido uma das indagações que perpassam as estruturas organizacionais de multinacionais. A administração intercultural emerge, então, como uma forma de articulação e coordenação de equipes multiculturais de trabalho, buscando bom desempenho e menores perdas para os envolvidos (CHEVRIER, 2000CHEVRIER, S. Le management des équipes interculturelles. Paris: PUF, 2000.).

A convivência intercultural pode ser vista como uma vantagem a ser explorada no mundo dos negócios para melhorar a compreensão uns dos outros de forma a permitir o uso das suas potencialidades, apropriando-se da diversidade para melhorar a eficiência de processos e decisões organizacionais. Com isso, as organizações podem reduzir seus riscos em investimentos feitos em cenários cada vez mais plurais e mutantes. O resultado da convivência intercultural pode significar um acréscimo de capacidades para lidar com situações diversas e a diminuição de efeitos negativos de determinados traços. Mas, em um primeiro momento, são as diferenças que prevalecem e o potencial para conflitos é extremamente alto, exigindo a complementação de saberes e aperfeiçoamento de competências comunicativas e de negociação, além da habilidade para a coordenação de equipes multiculturais e multidisciplinares. Será preciso, também, a aprendizagem e a inovação como processos contínuos que emergem da permanente reestruturação organizacional que exige cada vez maiores níveis de flexibilidade e sinergia, argumenta Freitas (2008)FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008.

Especificamente no contexto brasileiro, há alguns trabalhos sobre a gestão intercultural e seus efeitos para as organizações e para os indivíduos, como a pesquisa de Tanure (2003)TANURE, B. Gestão à brasileira: uma comparação com América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia. São Paulo: Atlas, 2003., que utiliza as dimensões de Hofstede para comparar a atuação de executivos brasileiros com executivos de outros países. Na mesma linha, Hilal (2003)HILAL, A. Organizational culture dimensions: a brazilian case. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO – ENANPAD, 27., 2003, Atibaia, SP. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2003. analisou empresas brasileiras e estrangeiras. Outro trabalho foi sobre o conceito de distância psíquica – usado para adoção de estratégias de internacionalização – para analisar a adaptação cultural de expatriados de empresas brasileiras e multinacionais estrangeiras no Brasil (TANURE et al., 2007TANURE, B. et al. Psychic distance and the challenges of expatriation: looking at Brazil. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2007.). Foram encontrados alguns trabalhos voltados para o processo de expatriação de estrangeiros no Brasil, como é o caso de Bueno (2004)BUENO, J. M. O processo de expatriação como instrumento de integração de culturas em uma organização no Brasil: o caso Renault. Curitiba, 2004. 151 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004., Homem (2005)HOMEM, I. D. O ajustamento intercultural de expatriados: um estudo de caso em uma multinacional brasileira do estado de Santa Catarina. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO – ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2005., Trevisan (2003), De Paula (2005)DE PAULA, E. R. A percepção dos executivos expatriados italianos sobre a gestão brasileira. 2005.372 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005., De Paula e Staub (2006)DE PAULA, E. R.; STAUB, I. D. A gestão brasileira revisitada por executivos expatriados italianos. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO, 3., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação, 2006., entre outros.

Alguns pontos em comum entre estes trabalhos é o surgimento de alguns traços da cultura brasileira como o “jeitinho”, visto como forma de contornar as regras e, ao mesmo tempo, como não conformismo com as situações-problema encontradas; a dificuldade de cumprir prazos e horários; a cordialidade das relações; a informalidade no ambiente de trabalho; e a rápida adaptação às situações diferentes. A relação do brasileiro com o tempo é um dos pontos mais citados e que gera numerosos conflitos e desgaste entre os envolvidos no ambiente organizacional (BUENO, 2004BUENO, J. M. O processo de expatriação como instrumento de integração de culturas em uma organização no Brasil: o caso Renault. Curitiba, 2004. 151 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004.; DE PAULA, 2005DE PAULA, E. R. A percepção dos executivos expatriados italianos sobre a gestão brasileira. 2005.372 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.; DE PAULA; STAUB, 2006DE PAULA, E. R.; STAUB, I. D. A gestão brasileira revisitada por executivos expatriados italianos. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO, 3., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação, 2006., 2002; HOMEM, 2005HOMEM, I. D. O ajustamento intercultural de expatriados: um estudo de caso em uma multinacional brasileira do estado de Santa Catarina. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO – ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2005., MALAGUTI, 2007MALAGUTI, M. Cultura brasileira: perspectivas de profissionais brasileiros que trabalham no Estados Unidos. 2007. 147 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.; TREVISAN, 2001TREVISAN, L. INTERCULTURALIDADE NO AMBIENTE EMPRESARIAL: Relações interculturais entre trabalhadores brasileiros e alemães na VW-AUDI de São José dos Pinhais/PR. 2001. 185 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba: Universidade Tecnológica Federal, 2001.).

Equipes multiculturais e cotidiano intercultural

O potencial para a produtividade superior de equipes culturalmente diversas é alto; elas possuem o fôlego de recursos, insights, perspectivas e experiências diferenciadas que podem facilitar a criação de novas e melhores ideias. O que ocorre é que, lamentavelmente, as equipes culturalmente diversas raramente alcançam todo o seu potencial, em virtude de desconfiança, falta de comunicação, estresse e a falta de coesão. Somente se a diversidade for bem gerenciada é que as equipes multiculturais podem esperar alcançar seu pleno potencial (ADLER; GUNDERSEN, 2008ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008.). Nesse sentido, Freitas (2008FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008; p. 87) também comenta que a interculturalidade está dentro das organizações “reivindicando atenção e cuidado, pois sinaliza que a diversidade cultural, além de poder favorecer uma maior eficiência organizacional, pode, também, causar sérios problemas quando ignorada ou negligenciada”.

Por isso faz-se necessário levar em conta todas as etapas do processo de criação de uma rotina intercultural. Uma das primeiras etapas é a transferência internacional que engloba desde o recrutamento e seleção de candidatos a cargos no exterior até a inserção e o acompanhamento do indivíduo no novo ambiente organizacional, passando por questões de negociação de benefícios, trâmites legais, alojamento, preparação cultural e de idioma. É possível identificar alguns perigos e efeitos negativos do processo nos níveis individual, organizacional e social. Para o indíviduo, podem surgir problemas relacionados às relações familiares, problemas identitários, isolamento e solidão. Do ponto de vista organizacional, pode haver maior ênfase nas decisões de curto prazo, aumento de conflitos, perda de consistência interna, descompromisso com o local e competição interna agressiva. Na perspectiva social, há o risco de uma ideologia da mobilidade que desconsidere o estável e o duradouro, fuga de cérebros, tensões sociais e culturais e um descolamento cada vez maior entre as empresas (nômades) e a sociedade local (ADLER; GUNDERSEN, 2008ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008.; FREITAS, 2008FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008).

Durante o período de permanência no exterior, a preocupação maior dos indivíduos e das organizações é com a adaptação ao novo ambiente de trabalho e ao país. Para Black (1990)BLACK, J. S. The relationship of personal characteristics with the adjustment of Japanese expatriate managers. Management International Review, v. 30, n. 2, p. 119-34, 1990. e Caligiuri (2000)CALIGIURI, P. M. Selecting expatriates for personality characteristics: a moderating effect of personality on the relationship between host national contact and cross cultural adjustment. Management International Review, v. 40, n. 1, p. 61-80, 2000., a adaptação significa o quanto o indivíduo se sente psicologicamente confortável em viver no exterior. E Cerdin (2002)CERDIN, J. L. L’expatriation. 10. ed. Paris: Éditions d’Organisation, 2002. afirma que a adaptação, acima de tudo, é um processo construído de forma unitária. Tanto em Black, Mendenhall e Oddou (1991), quanto em Cerdin (2002)CERDIN, J. L. L’expatriation. 10. ed. Paris: Éditions d’Organisation, 2002. a adaptação deve ser considerada sob três aspectos: (1) adaptação geral no sentido do dia-a-dia ligado à moradia e alimentação; (2) a adaptação de interação, que diz respeito aos relacionamentos com os membros da comunidade local e (3) a adaptação no trabalho, que está ligada ao acompanhamento, às responsabilidades e ao desempenho no ambiente organizacional.

Um dos principais objetivos da formação de equipes multiculturais consiste em agrupar diferentes tipos de pessoas de diferentes culturas para aproveitar a diversidade de perspectivas e aptidões de seus membros. O êxito na formação de uma equipe multicultural depende de como serão configurados alguns aspectos genéricos como as diferenças de personalidade, o desenvolvimento de um objetivo comum da equipe, a comunicação entre os seus membros e entre a equipe e a organização, a resolução de conflitos e a liderança da equipe. Também de aspectos específicos da relação intercultural, como a influência da cultura nacional, a convergência de objetivos, o idioma e o lugar, os laços com a organização, o reconhecimento e as definições de hierarquia e igualdade (FINURAS, 2003FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003.).

O contato intercultural e a formação de equipes multiculturais podem ocorrer também de outras formas que não só pela transferência internacional: os meios de comunicação como vídeo e teleconferência, correio eletrônico, sistemas de gestão interligados e outras ferramentas de tecnologia de informação permitem que as pessoas possam conversar e discutir estratégias e projetos, decidir as ações que serão realizadas, bem como fazer o acompanhamento e mensuração de resultados dessas ações em diferentes locais e por profissionais de diversos países. O diálogo intercultural, nessas circunstâncias, torna-se um importante elemento do êxito ou fracasso de muitos negócios globais (FINURAS, 2003FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003.). Nesse sentido, Chevrier (2000)CHEVRIER, S. Le management des équipes interculturelles. Paris: PUF, 2000. afirma que a formação de equipes multiculturais é mais do que o reconhecimento das diferenças entre seus membros. Elas têm especificidades próprias e isso precisa ser levado em conta quando da sua criação e gestão.

Para Freitas (2005)FREITAS, M. E. Executivos brasileiros expatriados na França: uma contribuição aos estudos organizacionais interculturais. São Paulo: FGV, 2005. 312 p. [Relatório apresentado na Banca para Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas]., alguns problemas enfrentados pelas equipes multiculturais dizem respeito a problemas atitudinais, como o desconhecimento e a desconfiança. Eles podem levar a dificuldade de comunicação, a troca de informações e a delegação ou compartilhamento de responsabilidades. A diversidade torna mais difícil chegar ao consenso – em equipes homogêneas é mais fácil compreender o que os outros estão tentando dizer e acreditar nos outros é mais rápido. Em equipes culturalmente diversas, as falhas de percepção, de comunicação e de interpretação emergem a toda hora. Por conta dos membros das equipes multiculturais possuírem expectativas diferentes, é comum demorar mais para fazer apropriação de informações relevantes, também há um aumento de ambiguidade, complexidade e confusão (CHEVRIER, 2000CHEVRIER, S. Le management des équipes interculturelles. Paris: PUF, 2000.).

Os modos de percepção não são inatos e nem absolutos, eles são seletivos, aprendidos, culturalmente determinados, consistentes e imprecisos. Para Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008., eles são seletivos de acordo com os modelos mentais; são aprendidos por meio da experiência de cada um que leva a perceber o mundo de certa maneira; são culturalmente determinados, pois as pessoas aprendem a ver o mundo baseadas no seu arcabouço cultural; são consistentes, uma vez que se algo é visto de uma maneira, ele continuará a ser visto sempre assim; e são imprecisos porque as pessoas veem coisas que não existem e não veem coisas que existem. O modelo mental, valores, interesses e cultura agem como filtros e levam a distorção, ao bloqueio e a criação daquilo que os indivíduos escolhem ver e ouvir.

Um dos problemas de natureza da percepção é a criação de estereótipos. Estes, muitas vezes, carecem de veracidade e partem muito mais da leitura enviesada pela cultura do indivíduo do que por características reais. Por isso, a comunicação torna-se o grande instrumento de ligação entre os indivíduos e auxilia na diminuição do desconhecimento do outro. Como não se sabe o que é similar e o que é diferente, é por meio do diálogo que será construída a ponte entre os indivíduos, porém, a comunicação de equipes multiculturais nem sempre resulta em compreensão, pois pode acarretar em entendimento errôneo causado não só por falhas de percepção como também de interpretação e avaliação (ADLER; GUNDERSEN, 2008ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008.).

A interpretação ocorre quando um indivíduo dá significado para observações e para suas relações, pois, baseados em sua experiência, cria pressupostos sobre percepções e não precisa redescobrir significados cada vez que encontra uma situação similar. O processo de interpretação utiliza categorias para classificar situações, pessoas e objetos e dar sentido ao que é percebido, como podemos ler em Moscovici (2004)MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004., para quem a categorização ajuda a distinguir o que é mais importante no ambiente e como agir de acordo com ele. A falha na categorização intercultural ocorre quando se utilizam categorias domésticas para entender situações no estrangeiro.

Apesar de apresentarem mais problemas do que as equipes homogêneas, as equipes multiculturais podem atingir resultados melhores, pois a diversidade permite que os indivíduos desempenhem suas funções com mais criatividade, à medida que percebem, interpretam e avaliam as situações de numerosas formas e geram mais opções e direções. Além disso, a convivência ajuda a adquirir experiência intercultural que pode ser muito útil para o crescimento profissional e para a eficiência organizacional (CHEVRIER, 2000CHEVRIER, S. Le management des équipes interculturelles. Paris: PUF, 2000.; FREITAS, 2008FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008).

Método de pesquisa

A pesquisa foi descritiva, de natureza qualitativa e constituiu-se como estudo de casos múltiplos envolvendo três empresas multinacionais. Para Stake (2005)STAKE, R. E. Multiple case study analysis. New York: Guilford Press, 2005., esse tipo de estudo caracteriza-se pela investigação conjunta de casos para melhor compreender um fenômeno, fazendo isso de forma mais ampla.

Os critérios utilizados para escolha das empresas foram: (1) operar há mais de 10 anos no Brasil; (2) ter na sua estrutura uma área específica para gestão de mobilidade internacional; (3) possuir profissionais de outros países na área administrativo/financeira. Dentro do grupo de empresas que manifestou interesse em participar da pesquisa, foram escolhidas as três que melhor preencheram os critérios estabelecidos. Uma das empresas é uma transnacional do setor financeiro, e as outras duas empresas têm atividades ligadas à indústria de transformação e possuem unidades financeiras que trabalham interligadas com as demais áreas. A organização do setor financeiro é inglesa (Empresa A), uma organização do ramo industrial é sueca (Empresa B) e a outra é inglesa, mas sua base é nos Estados Unidos (Empresa C).

Foram, ao todo, 33 entrevistas obtidas pelo método da bola de neve com profissionais que compõem equipes multiculturais, convivem diariamente com pessoas de culturas nacionais diferentes e com elas interagem no ambiente de trabalho. Eles são brasileiros e estrangeiros trabalhando juntos nas subsidiárias brasileiras. Também foram obtidos e analisados documentos das empresas sobre as políticas de mobilidade internacional, plano de carreira e informações institucionais. OQuadro 1 mostra a caracterização dos entrevistados de acordo com a sua nacionalidade e cargo, também pela modalidade de transferência e tempo no Brasil (este item somente para os estrangeiros).

Quadro 1
Caracterização dos entrevistados

Foi utilizado o método de análise de conteúdo das entrevistas transcritas e dos documentos oficiais disponibilizados com a finalidade de classificar os tipos de conteúdos apreendidos e identificar as categorias analíticas que melhor caracterizam o trabalho cotidiano das equipes multiculturais. A identificação das categorias analíticas foi feita a posteriori, considerando-se os temas tratados pelos documentos da gestão de mobilidade das empresas e das respostas individuais enquanto manifestações e tendências do grupo ao qual pertencia cada entrevistado.

Discussão dos resultados da pesquisa

Os entrevistados foram indagados sobre a sua rotina de trabalho, os desafios e consequências da convivência intercultural tanto para os indivíduos quanto para as organizações e a partir das respostas foram identificadas as categorias que representam os aspectos estruturais e subjetivos do ambiente de trabalho e das relações entre estrangeiros e brasileiros. As categorias encontradas foram: a convivência inicial, a cultura organizacional global, as características da equipe multicultural, a relação entre o global e o local, a adaptação e os estilos de trabalho, a comunicação, e a aprendizagem e desempenho.

Apesar de essas categorias surgirem da análise de conteúdo das transcrições das entrevistas, elas apresentam pontos de contato com a literatura específica sobre ambiente intercultural e trabalho de equipes multiculturais. Autores como Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008. e Freitas (2005)FREITAS, M. E. Executivos brasileiros expatriados na França: uma contribuição aos estudos organizacionais interculturais. São Paulo: FGV, 2005. 312 p. [Relatório apresentado na Banca para Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas]. falam sobre as dificuldades do início do trabalho de um expatriado em um novo país e sobre as características dos membros das equipes, onde a diversidade pode ser um importante ativo, desde que haja respeito e interesse para com o diferente.

O surgimento de uma cultura organizacional que reflete os valores e pressupostos da organização, o impacto da operação global e o papel das subsidiárias são estudados por Evans, Pucik e Bjorkman (2010). Eles argumentam que a cultura organizacional ajuda a organizar o modo de trabalho através das fronteiras. A operação no âmbito global depende do trabalho de equipes multiculturais e a importância das subsidiárias também afeta o interesse em participar de processos de mobilidade internacional e de equipes multiculturais. Essa relação de interdependência irá contribuir com a definição da relação global-local, juntamente com o posicionamento estratégico da organização nos países de atuação.

Da mesma forma, Finuras (2003)FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003. e Brewster, Sparrow e Vernon (2010) falam sobre a importância da gestão de recursos humanos internacional com suas políticas e práticas para selecionar, monitorar, treinar e acompanhar os profissionais que participam de missões internacionais e de trabalho em equipes multiculturais.

As dificuldades de comunicação são mencionadas por vários autores, com destaque para Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008. que apontam para os problemas de percepção e interpretação incorretos, que são questões muito comuns em um ambiente com indivíduos de diferentes culturas. Essa preocupação também aparece nos trabalhos de Finuras (2003)FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003. e Freitas (2005)FREITAS, M. E. Executivos brasileiros expatriados na França: uma contribuição aos estudos organizacionais interculturais. São Paulo: FGV, 2005. 312 p. [Relatório apresentado na Banca para Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas]..

No Quadro 2, foram relacionados trechos extraídos das entrevistas que exemplificam essas categorias que serão detalhadas a partir de agora.

Quadro 2
Categorias de análise encontradas

A experiência de fazer parte de uma equipe multicultural é vista como positiva para os entrevistados, mas eles entendem que ela é desafiadora e difícil, principalmente no começo. Por isso, foi apontado como positivo o perfil mais amistoso e agregador do brasileiro como o profissional local que recebe seus colegas estrangeiros:

Os brasileiros têm uma capacidade incrível de receber, de se adaptar e de encontrar soluções inesperadas. Eu sei que posso confiar na minha equipe para achar as soluções para os problemas. Só tento fazer com que as atividades sigam um cronograma e que todos mantenham o foco (ENTREVISTADO A-11-ESTRANGEIRO).

Muita coisa mudou no meu comportamento, porque com pessoas da sua cultura é tudo mais previsível, você já sabe o que esperar. Com estrangeiros tem que cuidar de todos os detalhes, tem que conhecer mais a cultura do outro, tem que ver se cabe o certo ou errado (ENTREVISTADA B-05-BRASILEIRA).

As culturas nacionais variam de modos significantes e distintos e a nossa maneira de pensar, sentir e comportar-nos não é nem randômica nem casual, mas é profundamente influenciada por nossa herança cultural, dizem Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008.. E essas diferentes culturas estão a serviço de outro tipo de cultura, a organizacional. O problema do encontro entre culturas nas organizações é não conseguir criar um vínculo social duradouro entre os indivíduos, não conseguir o compartilhamento e a crença nos seus valores e, consequentemente, não obter harmonia nos comportamentos e atitudes, afirma Pierre (2001)PIERRE, P. Elements pour une reflexion critique sur le management interculturel. Sociologies Pratiques, n. 5, dez. 2001..

Sobre a cultura organizacional global, com suas estratégias e políticas que perpassam todas as subsidiárias, pode-se dizer que é um dos pilares que sustentam a configuração das equipes multiculturais, assim como direcionam a sua interação e seu cotidiano de trabalho.

Os direcionamentos da empresa, políticas, regras, código de ética e tudo mais, já fazem parte de um entendimento global e ajudam, são parâmetros fundamentais (ENTREVISTADO B11- ESTRANGEIRO)

As estratégias e a metodologia globais ajudam muito quem vai para outro país ou quem vem para cá. Porque as pessoas terão que se adaptar a todo o ambiente, que é diferente, mas o trabalho, em si, é bem tranquilo, não tem muitas surpresas (ENTREVISTADA A-02-BRASILEIRA).

Com a estratégia e as políticas globais, os estrangeiros em missão internacional sabem o que esperar e como agir nas subsidiárias, assim como os locais também sabem qual o propósito da missão e o que significa aquela posição no plano estratégico da organização. Também para as equipes multiculturais espalhadas entre as subsidiárias, ficam claros os papéis e as responsabilidades de cada um. Essa capacidade de pensar a organização de forma global é um dos pontos chaves apontados por Evans, Pucik e Bjorkman (2010) para a gestão de multinacionais. Independentemente das diferenças, há um fio condutor que permite a criação de uma cultura organizacional própria, híbrida de culturas, mas com clareza nas estratégias e políticas.

Essa cultura organizacional instituída estabelece formas de conduta e valores para os sujeitos envolvidos. Ela funciona como um pano de fundo que orienta os procedimentos de trabalho, principalmente as atividades de caráter mais técnico e os comportamentos esperados em determinadas situações. Com isso, há uma diminuição da tensão e desconforto iniciais – de estrangeiros e locais – e menos estranhezas no que concerne ao desempenho das atividades profissionais, como argumentam os entrevistados:

Eu trabalho há 14 anos na Empresa B, já conheço o estilo da empresa. Eu me identifico com a filosofia daqui e quando eu vou trabalhar em outro país (esta é minha terceira missão internacional), eu sei que não são só os processos que são semelhantes, mas a filosofia é a mesma (ENTREVISTADO B-10-ESTRANGEIRO).

A Empresa C é uma organização que prima pelo trabalho em equipe, pelas atividades multifuncionais e prima pela questão da diversidade cultural. Inclusive, a diversidade cultural é um dos grandes valores que nós temos (ENTREVISTADO C-03-BRASILEIRO).

Quanto mais sólida a cultura de uma organização e o alcance de suas políticas, mais esse pano de fundo organizacional facilita a inserção de um novo indivíduo no grupo, pois ele já compartilha um conjunto de valores e pressupostos e já conhece as diretrizes da organização. Esse tipo de situação faz com que seja, muitas vezes, mais difícil para um novo empregado se adaptar à rotina já institucionalizada do que um estrangeiro que trabalha há vários anos na organização e conhece o seu modus operandi, o que confirma o argumento de autores como Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008. e Freitas (2005FREITAS, M. E. Executivos brasileiros expatriados na França: uma contribuição aos estudos organizacionais interculturais. São Paulo: FGV, 2005. 312 p. [Relatório apresentado na Banca para Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas]., 2008FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008) sobre a relevância do papel da cultura organizacional no ambiente multicultural.

Uma evidência identificada no decorrer da pesquisa com relação às características das equipes multiculturais e também sobre a relação global-local é sobre inversão na demanda por profissionais estrangeiros, ou seja, nos últimos anos tem havido uma diminuição sistemática de profissionais estrangeiros trabalhando nas subsidiárias brasileiras, são cada vez menos estrangeiros aqui e cada vez mais brasileiros fazendo parte de missões internacionais em outros países. Uma das explicações encontrada é de que, atualmente, no Brasil existem profissionais preparados e capazes para assumir posições estratégicas e de direção das operações brasileiras.

As três subsidiárias brasileiras têm vivido uma boa fase em termos de desempenho e resultados perante outras subsidiárias e matriz. Isso tem levado profissionais brasileiros a assumir posições de destaque na estrutura global das multinacionais. Eles conseguem demonstrar, em muitos casos, bons resultados e atitudes positivas com relação ao desempenho de várias atividades ao mesmo tempo além da capacidade de conviver e adaptar-se às pessoas de diferentes nacionalidades e culturas. Novas tecnologias e conhecimentos gerados nas subsidiárias brasileiras também chamam a atenção dos gestores e demais profissionais estrangeiros interessados em aprender novas formas de gestão e em participar de projetos. Isso interfere no processo de adaptação e caracteriza novos estilos de trabalho e não somente a imposição de um estilo da matriz:

Há o reconhecimento por parte da matriz e de outros países onde a organização opera de que nós temos ótimos resultados. Nós somos referência em vários indicadores. Então, eles já vêm ‘sem salto’. Isso é nítido (ENTREVISTADO B-02-BRASILEIRO).

A subsidiária está ganhando cada vez mais respeito na organização como um todo, com resultados muito melhores nos últimos cinco, seis anos. Atualmente, o Brasil é um dos únicos países que tem crescimento no Grupo (ENTREVISTADA A-12- BRASILEIRO).

O fato de trabalhar no Brasil, como país, é muito bom. É uma das economias mais importantes do mundo, é uma das mais representativas da América do Sul. E hoje, política e economicamente, é um país estável para trabalhar, com oportunidades, com muitos desafios (ENTREVISTADO C-04-ESTRANGEIRO).

O processo de comunicação é visto como em permanente construção e não são somente as barreiras de idioma, apesar de estas terem sido apontadas como grandes dificultadoras da comunicação. Também tem a questão da forma de se comunicar e, principalmente, da interpretação que é dada aos fatos, às situações e os significados atribuídos às atividades e formas de trabalho.

Neste tipo de convivência a comunicação é muito mais complicada, ainda mais que falamos um idioma estranho para a maioria de nós. E, em alguns casos, a conversa não tem ‘face’, ela é virtual (ENTREVISTADO A-07-BRASILEIRO).

Falar é uma coisa, conseguir se fazer entender em atividades mais técnicas para que o seu colega estrangeiro aqui ou em outro país trabalhe conforme as suas especificações é outra coisa. É bastante difícil e requer paciência (ENTREVISTADO A-05-BRASILEIRO).

Essa situação reforça o que dizem Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008. sobre a preocupação que se deve ter com os problemas de percepção, interpretação e avaliação incorretas que podem se acentuar em ambiente intercultural. Nem tudo o que é dito é compreendido e o tempo gasto para que as informações fluam entre os indivíduos pode ser um motivo de frustração e de tensão em ambiente onde a competição é alta, os clientes são exigentes e os custos de operação são elevados.

Apesar das dificuldades, os entrevistados das três organizações declararam que a participação em equipes multiculturais com suas interações interculturais enriquece o cotidiano de trabalho e propicia a aprendizagem individual e organizacional de modo que todos percebem ganho de experiência não só profissional, mas de vida, e que as organizações são beneficiadas com o processo. Esses relatos corroboram Freitas (2008)FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008, que comenta sobre os ganhos da experiência intercultural não só para as organizações, mas para os indivíduos envolvidos. Muitos comentários apontam para situações de superação das diferenças e de aprendizado para a convivência. Entretanto, eles confessam que o trabalho em equipe multicultural e o cotidiano intercultural exigem mais e, portanto, cansam mais.

Hoje considero que sou muito mais tolerante para entender quem vem de fora. Antes de formar um preconceito, procuro averiguar primeiro a cultura da pessoa, suas origens, e como ela lida com as demais pessoas no dia-a-dia (ENTREVISTADA C-07-BRASILEIRA).

Para aquelas pessoas que não gostam de sair da sua zona de conforto, realmente, é um ambiente muito cruel (ENTREVISTADO B-04-BRASILEIRO).

Eu me sinto mais preparado por conhecer tantas pessoas diferentes, eu acho que sei lidar melhor com os problemas e é algo que transcende o trabalho, a gente leva para outras instâncias da vida (ENTREVISTADO C-05-ESTRANGEIRO).

Nenhuma das três organizações tem política definida para o processo de aprendizagem organizacional que ocorre nas equipes multiculturais. O registro e a sistematização das práticas do fazer intercultural podem servir de base para revisões de políticas e práticas de mobilidade internacional e de processos de trabalho nessas organizações aumentando, assim, os seus ganhos. Como já disseram Adler e Gundersen (2008)ADLER, A.; GUNDERSEN, N. International dimensions of organizational behavior. 5. ed. Cincinnati: Thomson South-Western, 2008., Finuras (2003)FINURAS, P. Gestão intercultural: pessoas e carreiras na era da globalização. Lisboa: Sílabo, 2003. e Freitas (2008)FREITAS, M. E. O imperativo intercultural na vida e na gestão contemporânea. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 79-89, abr./jun. 2008, muitas organizações ainda não aproveitam toda a riqueza que a interação intercultural pode trazer, elas apenas deixam que as coisas aconteçam e não registram o conhecimento e a experiência gerados.

Apesar de muitas similaridades, as três organizações pesquisadas apresentam algumas características bem distintas que influenciam o modo como são formadas suas equipes multiculturais e como o trabalho cotidiano é realizado.

Na Empresa A, a cultura global está em processo de consolidação em todos os países nos quais a organização mantém subsidiárias. Mas, no Brasil, como houve processo de aquisição de outra empresa, o enraizamento dos valores, costumes e comportamentos passa pelo desprendimento de uma cultura organizacional anterior, de característica mais familiar e voltada para o mercado brasileiro, somente. Algumas práticas brasileiras têm sido reconhecidas pela organização como de ótimos resultados e a participação de muitos brasileiros no projeto que determina como devem ser as políticas e práticas globais também tem gerado um sentimento de pertencimento à organização e o reconhecimento de que ela é muito maior do que a operação brasileira. O Quadro 3 sintetiza as categorias que estruturam o cotidiano das equipes multiculturais na Empresa A:

Quadro 3
Síntese da análise do cotidiano da Empresa A

Ela é a organização estudada que mais proporciona a interação entre diferentes culturas, principalmente, de forma remota com o uso de múltiplas ferramentas de tecnologia de informação e comunicação. Praticamente todos os entrevistados fazem parte de equipes multiculturais aqui no Brasil e em equipes multiculturais à distância. É a organização que congrega o maior número de nacionalidades diferentes. E o ritmo de trabalho observado durante a pesquisa também é o mais intenso, com a execução de várias atividades concomitantemente e a participação em projetos com diferentes alcances.

Ao mesmo tempo em que a cultura global cumpre o seu papel de norteadora do comportamento, a receptividade dos brasileiros ameniza as diferenças iniciais, porém não deixa de ser um período tenso no qual as peculiaridades locais e as intenções não estão totalmente claras e entendidas. A Empresa A possui um projeto que busca a integração e homogeneização dos processos organizacionais. Ele impulsiona a colaboração e busca as melhores práticas e isso é feito muito mais à distância, utilizando sistemas de comunicação e de informação que criam equipes multiculturais virtuais. Essas equipes sofrem com a distância para resolver os conflitos, pois há menos interação e menos oportunidade de conhecer o outro, mesmo assim é percebida como uma experiência muito rica e importante para a carreira e que auxilia na ampliação da visão de mundo e daquilo que é diferente.

Já na Empresa B, foi percebida a proximidade cultural de alguns valores e comportamentos entre a cultura sueca e a brasileira, como a tomada de decisão compartilhada, a postura de negócios menos agressiva e uma cultura de engajamento que fazem com que o ambiente multicultural seja mais ameno e menos conflituoso. O Quadro 4 traz as categorias analíticas encontradas durante a análise e que sintetizam o cotidiano intercultural vivenciado pelas equipes multiculturais na Empresa B.

Quadro 4
Síntese da análise do cotidiano da Empresa B

O fato de a organização ter iniciado a sua operação no Brasil há mais de 30 anos também colabora para um ambiente coeso e um forte sentimento de pertencimento por parte dos seus empregados, principalmente de todos os brasileiros entrevistados que têm mais de cinco anos de organização. As diretrizes e cultura organizacional já estão consolidadas e fazem o papel de aglutinadoras das diferentes formas de pensar e agir, formando um conjunto que faz sentido. Muitos comentários dos respondentes sinalizaram a presença de um espírito de equipe que consegue superar muitas barreiras culturais, de diferenças de personalidade e estilos de trabalho para atingir os objetivos estipulados para o grupo. Os conflitos refletem mais posições pessoais e, principalmente, formas diferentes de reagir frente aos riscos e ao mercado brasileiro. Nessa empresa, o clima inicial de desconfiança é menor do que na anterior, mas ocorrem situações e confusão, principalmente, no que diz respeito ao entendimento de como se fazer negócios. A receptividade brasileira é apontada, mas a organização também faz sua parte, conduzindo e monitorando a inserção dos estrangeiros nas equipes de trabalho e na rotina organizacional.

Os valores pregados pela empresa são continuamente repetidos pelos empregados, independente de sua nacionalidade, e parecem ser compartilhados por eles, que dizem vencer as diferenças usando de muita paciência e atitude colaborativa. A postura colaborativa dos estrangeiros demonstra vontade de aprender as práticas exitosas da subsidiária brasileira e também de entender como seus colegas brasileiros trabalham.

Um problema apontado pelos respondentes foi a falta de domínio do idioma inglês por parte de muitos brasileiros, o que limita a interação e faz com que os estrangeiros interajam mais com o grupo menor que fala o idioma com fluência. Já a mudança de atitude e a capacidade de enxergar novas soluções e aprender com outros pontos de vista são resultados positivos apontados.

A terceira empresa pesquisada, Empresa C, passou por um momento de reestruturação de sua operação brasileira e isso levou à diminuição de estrangeiros em posições aqui. Além de serem poucos, os estrangeiros ocupam cargos mais elevados na estrutura da subsidiária e por isso não mantém contato com muitos brasileiros. Isso pode explicar porque os brasileiros não percebem descontinuidade no ambiente de trabalho e poucas alterações com a vinda de estrangeiros. O Quadro 5 apresenta as principais categorias analíticas que sintetizam o cotidiano intercultural desta empresa:

Quadro 5
Síntese da análise do cotidiano da Empresa C

Nessa organização, a área de Recursos Humanos é a mais presente no cotidiano intercultural. Além de fazer a recepção formal do estrangeiro, com uma reunião para apresentação e visita aos departamentos, os profissionais de Recursos Humanos trabalham diretamente com os estrangeiros, em uma estrutura matricial, o que permite o acompanhamento e suporte para resolução de problemas técnicos e relacionais. Esta realidade corrobora o que Evans, Pucik e Bjorkman (2010)EVANS, P.; PUCIK, V.; BJORKMAN, I. The global challenge: international human resource management. 2. ed. New York: McGraw-Hill, 2010. comentam sobre a necessidade da estruturação e da internacionalização da área de Recursos Humanos para que a organização consiga aproveitar dos benefícios da diversidade e obter ganhos com a relação global-local.

O fato das posições dos profissionais em missão internacional serem de nível estratégico ocorre por causa do crescimento da operação brasileira. As movimentações internacionais seguem a diretriz de plano de carreira internacional, portanto, mais do que ensinar ou aprender um processo, tecnologia ou novas práticas, os profissionais vão ocupar posições no exterior como mais uma etapa de suas carreiras e que faz parte do planejamento de longo prazo da organização. Por outro lado, os muitos brasileiros que convivem com os estrangeiros não estão nessas posições estratégicas e têm mais dificuldade em entender o espírito global das políticas e dos processos organizacionais. A falta de fluência em outro idioma também limita a interação e a troca de experiências. Mas, assim como nas outras, na Empresa C são percebidos os ganhos da diversidade e da interação intercultural para ampliação da visão de mundo e de negócios.

No esforço de sintetizar e com isso facilitar a comparação entre as dinâmicas interculturais das três empresas, o Quadro 6 mostra um resumo das categorias analisadas.

Quadro 6
Comparação entre as empresas

Comparando a forma de receber os estrangeiros, percebe-se que onde essa ação é mais organizada e coordenada pelas empresas, o resultado é um início de convivência mais tranquilo e de mais rápida adaptação ao ritmo de trabalho da subsidiária. Também ficou evidenciado o quanto a internalização dos valores e pressupostos da cultura das empresas pelos seus membros pode tornar mais fácil identificar o papel de cada um nas equipes e o que é esperado como resultado do trabalho.

A interação face a face parece tornar mais fácil identificar as diferenças de estilo e de entendimento das atividades de trabalho do que o contato virtual, o que pode tornar mais rápida a adaptação, desde que os membros das equipes estejam dispostos a encontrar um meio termo ou demonstrar mais paciência com a conciliação de diferenças. Já nos contatos virtuais, uma dificuldade a mais está em conciliar agendas e ritmos entre fusos horários diferentes.

É interessante observar que, mesmo sendo vista como algo positivo, a experiência de trabalho em equipe multicultural é reconhecida pelas três empresas como uma realidade mais difícil, que exige mais, seja essa exigência com relação ao perfil profissional, mais globalizado, seja porque o ambiente intercultural demanda mais tempo e esforço na construção dos relacionamentos e na compreensão da realidade do outro.

Sobre os traços da cultura brasileira, pode-se afirmar que além do perfil acolhedor do brasileiro, destacado anteriormente, surgiram comentários sobre os brasileiros serem mais dispersivos, com maior dificuldade de foco que os estrangeiros, e a falta de pontualidade, que é um ponto gerador de irritação e frustração, principalmente no início dos trabalhos. A flexibilidade também foi mencionada, ora em um tom positivo, quando usada para descrever a capacidade dos brasileiros de adaptação e de fazer múltiplas tarefas concomitantemente, mas também destacada como negativa quando percebida a dificuldade dos brasileiros em cumprir prazos determinados e algumas regras.

Considerações finais

Atendendo o objetivo do artigo, que foi analisar os desafios do cotidiano intercultural e os resultados do trabalho de equipes multiculturais, pode-se concluir que, para as três subsidiárias pesquisadas, os desafios encontrados envolvem: a superação do encontro com o diferente, mais difícil no início da convivência; os problemas de comunicação devido às dificuldades com o idioma e com o entendimento dos assuntos de trabalho, à falta de sintonia e ritmo de trabalho e ao esforço demandado para executar atividades, que em um ambiente puramente doméstico são feitas de forma automática.

Diante disso, alguns elementos mostraram-se essenciais para a superação desses desafios e para justificar a visão de resultado positivo da experiência intercultural para os indivíduos e as organizações. O papel da cultura organizacional com enfoque global tem sido fundamental para que os profissionais das três subsidiárias consigam identificar e desempenhar as suas atividades e assumir as suas responsabilidades de acordo com os valores e filosofia das multinacionais. Além da cultura organizacional, a definição de estratégias e políticas globais auxiliam na determinação de papéis e de ações esperados, o que diminui a confusão e o conflito que as falhas de comunicação podem causar. O papel e a relevância das subsidiárias no contexto global das multinacionais também é um fator de impacto na forma e na velocidade com que as equipes conseguem a integração. O papel de destaque das subsidiárias brasileiras afetou positivamente na iniciativa e vontade dos estrangeiros em vir trabalhar no Brasil como também foi um estímulo para os brasileiros adquirirem a experiência intercultural visando à carreira internacional. As políticas de gestão de pessoas que tornam claro o processo de mobilidade internacional, a recepção dos expatriados e o acompanhamento da inserção destes nas equipes de trabalho fazem diferença não só para os profissionais estrangeiros como para as empresas que conseguem contar mais rapidamente com a força de trabalho de equipes em sintonia. Nas duas empresas que já possuem estrutura madura de gestão de pessoas no contexto internacional, o tempo de desconforto e desconhecimento inicial foi mais curto. O Quadro 7 demonstra a importância desses elementos no contexto intercultural:

Quadro 7
Elementos em destaque no contexto intercultural

Os dados apresentados demonstram que a experiência de equipes multiculturais ajuda muito no processo de capacitação intercultural dos profissionais como no desenvolvimento e aprimoramento de habilidades relacionais, na amplitude de visão de mundo e melhor entendimento do que é trabalhar em um contexto global. Isso ocorre não somente com aqueles que aceitam o desafio de viver no estrangeiro, mas também com aqueles que recebem esses profissionais estrangeiros ou trabalham com diferentes nacionalidades em um ambiente virtual.

Esta pesquisa retratou mais situações exitosas da interação e trabalho de equipes multiculturais onde os entrevistados relataram realidades nas quais conseguiram encontrar mais ganhos do que perdas nas diferenças. Então, seria enriquecedor, em pesquisas futuras, investigar situações de fracassos, de retorno antes do esperado e até desligamento de profissionais das organizações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2012
  • Aceito
    03 Abr 2014
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