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Parcerias Entre Estado e Sociedade Civil na Perspectiva do Capital Social

Brazilian Partnerships Between State and Civil Society From the Perspective of Social Capital

Resumos

A proliferação das parcerias entre o estado e organizações sem fins lucrativos traz à tona questões importantes relacionadas à interação entre Estado e sociedade civil. Este trabalho busca fomentar reflexões sobre as implicações dessas parcerias, bem como as consequências específicas que podem emergir no contexto brasileiro. Assim, este trabalho discute, através do arcabouço teórico de capital social e sociedade civil, quais podem ser as consequências e as limitações das relações construídas através destas parcerias, com foco na realidade brasileira, particularmente, a partir da reforma administrativa de 1995. Para tanto, utilizaram-se como conceitos centrais a perspectiva de Ostrom sobre capital social e a definição de Sociedade Civil elaborada por Cohen e Arato a partir da teoria comunicativa de Habermas. A reflexão sobre as implicações destas parcerias possibilitou novas indagações e hipóteses que, diante da praticamente ausente literatura sobre estes efeitos, representam alternativas e possíveis direções para futuros estudos empíricos.

Capital social; Sociedade civil; Parcerias


The diffusion of partnerships between State and non-profit organizations brings into focus important questions relating to the interaction between State and civil society. This study aims at proposing reflections about the implications of those partnerships in the countries that have adopted such models, as well as the specific consequences that can emerge in the Brazilian context. In this way, this study discusses, through a social capital and civil society theoretical framework, which possible consequences and limitations might exist within the relationships built within such partnerships, particularly focusing on the Brazilian context following the administrative reform of 1995. For this purpose, we rely on Ostrom's (2003) perspective on social capital, as well as the Civil Society definition proposed by Cohen and Arato (1992). The reflection on these partnerships and their implications allows for new questions and hypotheses, which, considering the practically absent literature on these effects, represents alternatives for future empiric studies.

Social capital; Civil society; Partnerships


Introdução

Com a difusão da ideia de governança na administração pública, as parcerias entre governo e organizações não governamentais se proliferaram entre os diversos países (OLIVEIRA; TANDON, 1994OLIVEIRA, M. D., TANDON, R. Citizens: strengthening global civil society. Washington, DC: Civicus, 1994.; MILWARD; PROVAN, 2000MILWARD, H. B.; PROVAN, K. G. The Hollow State: private provision of public services. In: INGRAM, H.; SMITH, S. R. (Eds.). Public policy for democracy. Washington, DC: Brookings Institution, 2000. p. 222-37.; SELSKY; PARKER, 2005SELSKY, J.; PARKER, B. Cross-sector partnerships to address social issues: challenges to theory and practice. Journal of Management, v. 31, n. 6, p. 849-73, Dec. 2005.). Estas parcerias incluem não apenas órgãos governamentais e empresas, mas também organizações da sociedade civil, pois, segundo a retórica reformista, organizações sem fins lucrativos são mais adequadas para a provisão de serviços em determinadas áreas caracterizadas por falhas governamentais (BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.; SELSKY; PARKER, 2005SELSKY, J.; PARKER, B. Cross-sector partnerships to address social issues: challenges to theory and practice. Journal of Management, v. 31, n. 6, p. 849-73, Dec. 2005.; GAZLEY; BRUDNEY, 2007GAZLEY, B., BRUDNEY, J. L. The purpose (and perils) of government–nonprofit partnership. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, v. 36, n. 3, p. 389-415, Sept. 2007.; BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2011BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Public–private partnerships: perspectives on purposes, publicness, and good governance. Public Administration and Development, v. 31, n. 1, p. 2–14, Feb. 2011.). Desta forma, as parcerias entre governo e terceiro setor se expandiram e trouxeram consigo a necessidade de compreender melhor as consequências e limitações destas formas de interação, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, marcado por características culturais e institucionais distintas das que contextualizaram o surgimento dos modelos reformistas nos países "desenvolvidos".

Há um consenso de que alguns problemas da sociedade não podem ser solucionados unicamente através das ações governamentais, nem o mercado pode ser considerado como única alternativa ao aparelho estatal. Nesse sentido, alguns autores advogam a capacidade das parcerias com o terceiro setor, de não apenas oferecer serviços mais eficientes e adaptados às especificidades locais, mas também de promover a representação e emancipação de grupos marginalizados (GIDDENS, 2000GIDDENS, A. The third way and its critics. Cambridge: Polity, 2000.; BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.; DOMÉNECH, 2005DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005.). Nesta perspectiva, as parcerias poderiam ajudar a construir o capital social no seio das comunidades em que atuam. Outros autores, todavia, alertam que estas parcerias têm realizado exatamente o oposto, reforçando a dependência dos cidadãos, ou no mínimo, inibindo a formação de laços associativos orgânicos (HODGSON, 2004HODGSON, L. Manufactured civil society: counting the cost. Critical Social Policy. v. 24, n. 2, p. 139-64, May 2004.; SKELCHER et al., 2005SKELCHER, C.; NAVDEEP, M., SMITH, M. The public governance of collaborative spaces: discourse, design and democracy. Public Administration, v. 83, n. 3, p. 573-96, Aug. 2005.).

Este trabalho baseia-se na ideia de capital social, pois este conceito compreende as redes, relações, valores e normas que são potencialmente afetadas por estas parcerias. Muitos estudos apontam que o capital social consegue fortalecer a democracia e elevar resultados econômicos e sociais (PUTNAM, 1993PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.; FUKUYAMA, 1995FUKUYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation of prosperity.London: Hamish Hamilton, 1995; NARAYAN, 2002NARAYAN, D. Bonds and bridges: social capital and poverty. In: ISHAM, J.; KELLY, T.; RAMASWAMY, S. (Eds.) Social capital and economic development: well-being in developing countries. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. p. 1-44.; OSTROM; AHN, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.; MARTINS; LOTTA, 2010MARTINS, R. D.; LOTTA, G. S. Capital social e redes sociais como alternativa para análise de políticas públicas de educação: o caso de Icapuí-CE. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v.18, n. 69, p. 846-60, 2010.). Ao mesmo tempo, muitos autores defendem que a capacidade do Estado de inibir os laços associativos nas camadas populares é mais acentuada do que sua capacidade de restaurá-los ou fomentá-los (FUKUYAMA, 1995FUKUYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation of prosperity.London: Hamish Hamilton, 1995; EVANS, 1995EVANS, P. Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton: Princeton University Press, 1995.).

No Brasil, analisar as parcerias pelo prisma do capital social parece relevante, pois é comum se considerar que este país é caracterizado por laços associativos menos intensos (NOGUEIRA, 2004NOGUEIRA, M. A. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.). Vale lembrar que a sociedade civil brasileira começou a se consolidar e expandir apenas recentemente, na década de 90 (AVRITZER, 2007AVRITZER, L. Sociedade civil, instituições participativase e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados (Rio de Janeiro), v. 50, n. 3, p. 443-64, 2007.). O caráter recente dos traços associativos na configuração da sociedade brasileira pode representar um risco adicional nas parcerias entre estado e terceiro setor, caso estas impliquem enfraquecimento dos laços sociais.

Assim, a relevância deste estudo está relacionada à proliferação de parcerias entre governo e associações da sociedade civil, concomitante à rara presença de estudos no Brasil que as analisem através de uma perspectiva teórica crítica. Apesar da expansão das estruturas reticulares na administração pública, ainda existe a necessidade de construir uma base teórica e conceitual que auxilie a compreensão dos processos envolvidos nestas novas formas sociais e gerenciais. Nesse sentido, este trabalho busca discutir, através do arcabouço teórico de capital social e sociedade civil, quais podem ser as implicações das relações construídas através destas parcerias nos países que adotaram estes mecanismos. Busca-se, ao final, abordar alguns pontos sobre a reforma administrativa realizada no Brasil e sobre as parcerias que surgiram a partir dela, entre Estado e organizações da Sociedade Civil, buscando levantar possibilidades de análise para futuros trabalhos empíricos. Uma vez que estudos que levantem e explorem os efeitos destas parcerias, na ótica da sociedade civil e do capital social, são ainda escassos, este ensaio possibilita incentivar reflexões e hipóteses que possam auxiliar na compressão desse fenômeno, bem como nortear futuros trabalhos.

Sociedade civil

A sociedade civil é definida usualmente como o campo em que indivíduos se organizam de maneira voluntária e o conjunto de redes formado entre eles que preenchem este espaço (YOUNG, 2000YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000.). Estas redes podem ser constituídas a partir de diversos objetivos, como os de natureza religiosa, ideológica e política (WALZER, 1995WALZER, M. The civil society argument. In: BEINER, R. Theorising citizenship. Albany: SUNY Press, 1995. p. 1-11.).

Muitos autores consideram um marco neste campo o trabalho Democracy in America de Tocqueville. Este autor visitou os Estados Unidos na década de 1830 e através de suas observações estudou o papel da sociedade civil no fortalecimento da democracia, por meio de uma abordagem culturalista. Uma das constatações que mais surpreendeu Toqueville ao estudar a sociedade dos Estados Unidos foi a propensão para a associação cívica existente naquele país:

Americans of all ages, all conditions, and all dispositions constantly form associations. They have not only commercial and manufacturing companies, in which all take part, but associations of a thousand other kinds, religious, moral, serious, futile, general or restricted, enormous or diminutive. The Americans make associations to give entertainments, to found seminaries, to build inns, to construct churches, to diffuse books, to send missionaries to the antipodes; in this manner they found hospitals, prisons, and schools (TOCQUEVILLE, 1969TOCQUEVILLE, A. Democracy in America. New York: Knopf, 1969., v. 2, chapter 5).

O que a obra de Tocqueville oferece não é propriamente uma definição de sociedade civil, mas um alerta para a importância, para a democracia, de elementos culturais e institucionais existentes fora do Estado, como valores cívicos e redes de engajamento comunitário.

O conceito de sociedade civil já assumiu um significado bastante amplo no passado, representando toda a vida social fora das instituições públicas. Hoje, contudo, a maior parte dos cientistas políticos diferencia a sociedade civil do Estado e da economia. Uma forma de entender esta diferença é proposta por Cohen and Arato (1992)COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992., ao se basearem na distinção de Habermas (1987)HABERMAS, J. The theory of communicative action. Cambrigde: Polity, 1987. sobre o sistema e o mundo da vida (Lebenswelt). O Estado coordena através da autoridade racional-legal, o mercado através do dinheiro e a sociedade civil através da interação comunicativa. Nesta visão, o mercado e o Estado pertencem ao sistema, pois, nestas esferas, os indivíduos são condicionados pelos imperativos do lucro e da burocracia, respectivamente. Em outras palavras, os indivíduos, mediatizados pela autoridade legal e pelo lucro, são restringidos em suas atividades de acordo com os objetivos do Estado e do mercado, enquanto na sociedade civil, as pessoas se coordenam mais através do diálogo do que através de regras e preços (YOUNG, 2000YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000.). Esta perspectiva é relevante porque destaca o fato de que na vida associativa da sociedade civil as ações são coordenadas através de uma lógica própria, além de distinguir a sociedade civil do Estado e do Mercado, ambos caracterizados pelo exercício da forma sistêmica de coordenação da atividade humana.

Em termos gerais, prevalece nessas perspectivas uma tentativa de diferenciar substancialmente a sociedade civil e as redes cívicas por meio das quais esta se materializa, de outras formas organizativas inerentes ao mercado e ao próprio Estado. Além do mais, esta diferenciação pode ser caracterizada até por certo antagonismo, inerente à lógica associativista.

Contudo, a sociedade civil compreende formas sociais muito diversas, indo desde os grupos de indivíduos que se reúnem para benefício exclusivo de seus membros até organizações que lutam ativamente para mudar aspectos estruturais da sociedade. Nesse sentido, Young (2000)YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000. chama atenção para o fato de que, enquanto algumas formas associativas realmente apresentam as potencialidades que alguns autores atribuem à sociedade civil organizada, como o fortalecimento da democracia, outras têm poucas chances de gerar benefícios que se estendam além de seu próprio grupo. Nesse sentido, Young divide a sociedade civil em três grupos: a) Associações privadas, b) Associações cívicas e c) Associações políticas.

As associações privadas existem para o bem exclusivo de seus membros, sendo representadas por famílias, clubes esportivos e algumas espécies de grupos religiosos. Associações cívicas, por outro lado, apresentam uma atividade mais direcionada para o ambiente externo do grupo, buscando um bem comum que transborda para fora do círculo de membros, contemplando a vizinhança, a cidade, o país ou até mesmo o planeta, como no caso de algumas organizações ambientais. Geralmente as associações cívicas são abertas, aceitando a entrada de qualquer indivíduo a princípio, ao contrário das associações privadas. Diferentemente das duas formas anteriores, as associações políticas são aquelas capazes de influenciar a formação da agenda, a definição ou a implementação das políticas públicas. As associações políticas incluem ainda casos em que a associação não interfere na política estatal, mas que, à medida que afetam as práticas e políticas de empresas, atuam na esfera pública.

Desta forma, em geral, associa-se o conceito de sociedade civil ao espaço não compreendido nem pelo mercado nem pelo Estado, e que é permeado de formas associativas que obedecem a lógicas próprias e que conectam os indivíduos na sociedade. Uma sociedade civil pujante geralmente é considerada importante para fortalecer a democracia e contrabalançar o poder do Estado.

Capital social

A primeira ocorrência do termo capital social, segundo Putnam (2000)PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000., é o trabalho de Hanifan (1916)HANIFAN, L. J. The rural school community center. Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 67, p. 130-8, 1916., que descreveu a importância do envolvimento da comunidade no sucesso de escolas rurais. Este conceito demorou algumas décadas para se difundir, se tornando mais presente na literatura a partir, principalmente, do trabalho seminal de James Coleman (1990)COLEMAN, J. The foundations of social theory. Cambridge: Harvard University Press, 1990., e pouco mais tarde, dos livros de Putnam (1993PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.). Ao longo do tempo, o conceito passou por mudanças, se expandiu e se tornou um elemento teórico muito utilizado para explicar e discutir políticas públicas, bem como para compreender a forma com que o Estado interage com a sociedade. Contudo, a compreensão de capital social ainda não é homogênea na literatura e inúmeras definições são indicadas pelos estudiosos (ADLER; SEOK, 2002ADLER, P. S; SEOK, W. Capital social: perspectivas para um novo conceito. Academy of Management Review, v. 27, n. 1, p. 17-40, Jan. 2002.).

Uma das formas de compreender melhor a trajetória e as diferentes perspectivas teóricas sobre capital social é considerar a divisão da literatura em duas correntes teóricas, conforme sugerido por Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.. Segundo estes autores, ao longo do tempo, várias visões sobre capital social surgiram, formando duas tendências relacionadas, porém, distintas: a visão minimalista e expansionista.

Na visão minimalista, capital social é um atributo do indivíduo, que a partir de uma rede pessoal consegue alcançar de forma mais eficaz seus objetivos. Em outras palavras, capital social está relacionado às conexões que um indivíduo possui que lhe permitem alcançar melhores resultados em problemas individuais. Dois autores que têm relevância nesta linha são Coleman (1990)COLEMAN, J. The foundations of social theory. Cambridge: Harvard University Press, 1990. e Lin (2001)LIN, N. Building a network theory of social capital. In: LIN, N.; COOK, K.; BURT, R. S. (Eds.). Social capital: theory and research. New Brunswick: Transaction, 2001., que utilizam um nível de análise individual, se baseando na teoria da escolha racional para estudar capital social.

Na visão expansionista, os autores passam a relacionar capital social com o papel do Estado e os problemas de ação coletiva. Tradicionalmente, considera-se que os indivíduos não se engajam em ações coletivas porque esperam que os outros o façam, ou seja, tentam se aproveitar dos benefícios gerados pelos outros sem incorrer no custo da participação (OLSON, 1965OLSON, M. The logic of collective action: public goods and the theory of groups. Cambridge: Harvard University Press, 1965.). Denominou-se este fenômeno de problema dos free-riders, pois, sob a premissa de que as pessoas são individualistas, é natural que elas desejem conseguir "carona" no esforço dos outros, o que impede ações coletivas internas e exige a coordenação através de regras impostas por uma autoridade externa. Desta forma, Olson acredita que os conflitos na sociedade nascem a partir dos interesses individuais e que estes devem ser mediados pelo Estado.

Esta visão, geralmente, ignora que as pessoas não tem uma atitude sempre individualista, podendo apresentar diferentes graus de senso coletivo, e ainda, podem cooperar a partir de determinadas condições sociais e culturais endógenas (OSTROM; AHN, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.). Os estudos da visão expansionista se inserem nesta linha teórica, mostrando que existem aspectos da organização social como normas, redes e confiança, que promovem a coordenação das ações dos indivíduos e favorecem ações coletivas, fortalecendo a democracia e melhorando resultados econômicos e sociais. Além do mais, a visão expansionista migra de um nível de análise individual e com foco na busca individual dos atores de maximizarem seus recursos ou sua utilidade, para um nível macro, que engloba outros elementos sociais como as normas e valores culturais (MURAKAMI, 2010MURAKAMI, S. The logic of norm formation in civil society: comparing the collective-good and the individual-good approaches in social capital studies. The Senshu Social Capital Review, v. 1, p. 63-81, July 2010.).

Numa visão expansionista, Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003. vinculam o conceito de capital social à ação coletiva através da base conceitual mais recente da teoria dos jogos, como a teoria comportamental dos jogos (behavioral game theory) e a teoria evolutiva indireta dos jogos (indirect evolutionary approach). Ao mesmo tempo, através de seu modelo, Ostrom e Ahn permitem desagregar o conceito de capital social, que já foi criticado por contemplar muitos fatores diferentes e ser excessivamente ambicioso. Nesse sentido, Ostrom e Ahn destacam três elementos principais que determinam a presença da ação coletiva, no âmbito do capital social: redes, confiança e reciprocidade, e instituições, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Formas de capital social e sua relação com a ação coletiva

Neste modelo, a confiança representa o elemento central do capital social. Os demais fatores, como redes e instituições, possibilitam a ação coletiva eficaz à medida que geram confiança e reciprocidade. Confiança é entendida como a avaliação que o indivíduo faz da probabilidade do outro ter uma ação específica de natureza cooperativa. Neste modelo, a ação pode visar o longo prazo e beneficiar o grupo, ou pode visar o curto prazo e favorecer apenas o executor.

As formas de capital podem ser compreendidas através da situação hipotética de um grupo de pessoas realizando transações. Quando dois indivíduos realizam transações com frequência, e ainda, têm previsão de continuar realizando-as no futuro, existe um incentivo para que eles cumpram o acordo da transação. Se uma das pessoas não cumpre o acordo, a outra provavelmente irá abandonar a relação e ambas ficarão prejudicadas. Desta forma, a interação continuada entre dois indivíduos tem o potencial de construir reputações de confiabilidade. Esta é a ideia essencial por trás das descobertas que Axelrod (1985)AXELROD, R. The evolution of cooperation. New York: Basic, 1985. apresenta em seu livro clássico The Evolution of Cooperation. Este autor mostra, através da simulação de torneios entre atores partícipes de um dilema do prisioneiro iterativo, adaptado da teoria dos jogos, que o comportamento cooperativo pode emergir e se manter sem mecanismos coercitivos e normativos externos.

No caso das redes, o fluxo de informações entre os membros permite alavancar a criação da confiabilidade gerada na interação entre indivíduos (OSTROM; AHN, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.). No caso da transação entre duas pessoas, uma terceira que faça parte da rede pode acessar a informação sobre a confiabilidade das duas e utilizar esta informação quando for interagir com uma delas. Este fato incentiva os membros da rede a não agirem de forma egoísta, caso contrário, podem ter prejuízos a longo prazo que superem os benefícios imediatos da ação. Portanto, mesmo um indivíduo egoísta pode ter fortes incentivos para agir de maneira colaborativa.

Putnam (1993PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.) também destaca a importância das redes formadas entre cidadãos, famílias, organizações voluntárias, associações cívicas, e outras formas associativas horizontais. A principal característica destas redes é o padrão horizontal de formação das alianças e coordenação. Para Putnam, quanto mais horizontais estas redes maior o incentivo ao desenvolvimento das virtudes cívicas, enquanto estruturas associativas fortemente verticais desestimulariam os indivíduos a se tornarem civicamente engajados.

A outra forma de capital social são as instituições formais e informais, que garantem punições para aqueles que não cumprem os acordos (OSTROM; AHN, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.). A existência de regras e punições para aqueles que não as obedecem incentiva os indivíduos a terem comportamentos mais confiáveis. As instituições contribuem, tanto diretamente, criando incentivos a determinados tipos de comportamento, como indiretamente, facilitando a autocoordenação através de informações, mecanismos de resolução de conflitos, assessoria técnica, dentre outros. Ostrom e Ahn destacam, porém, que as instituições não são suficientes para resolver o problema da cooperação, pois a própria aplicação justa das regras depende frequentemente da ação coletiva em um nível maior. Desta forma, o êxito da ação coletiva depende da combinação total dos fatores do capital social.

Desta forma, percebe-se que, em termos genéricos, a maior parte dos autores concorda que capital social está fortemente relacionado com normas, instituições, confiança e redes. Ao mesmo tempo, em todas as definições e perspectivas teóricas, o capital social aparece como o único capital que é relacional, pois não é um recurso que algum ator consegue possuir, mas que está inserido nos laços e conexões da estrutura social.

Outro ponto importante que emerge a partir da revisão da literatura é que a presença do capital social não é sempre positiva para a sociedade, pois em alguns contextos este pode favorecer alguns grupos de indivíduos em detrimento da maioria restante. Um exemplo que ilustra esta situação é o trabalho de Bourdieu (1986)BOURDIEU, P. The forms of capital. In: RICHARDSON, J. G. Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood, 1986. p. 241-58., que mostrou como as elites utilizam redes de relações sociais para preservar sua posição na sociedade e impedir o acesso a indivíduos de grupos desfavorecidos. Desta forma, o capital social pode ser utilizado tanto por associações cívicas de interesses altruístas como grupos criminosos, ou tanto por elites intencionadas em sua manutenção no poder, quanto por grupos marginalizados que lutam por sua emancipação. A partir desta constatação, surgiram esforços de diferenciar os variados tipos de capital social existentes na sociedade.

Um dos modelos que distingue as possíveis configurações do capital social e suas diferentes consequências é sua divisão entre bridging social capital e bonding social capital (NARAYAN, 2002NARAYAN, D. Bonds and bridges: social capital and poverty. In: ISHAM, J.; KELLY, T.; RAMASWAMY, S. (Eds.) Social capital and economic development: well-being in developing countries. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. p. 1-44.). No caso do bonding social capital, a rede de cooperação ocorre entre indivíduos com características semelhantes, como no caso de atores com o mesmo status socioeconômico, religião ou etnia. Geralmente estes laços são mais intensos, mas podem ter consequências nefastas, pois a rede formada pode excluir não membros do acesso a posições e oportunidades, bem como usar a própria solidariedade contra o interesse público geral.

Já o bridging social capital conecta pessoas com diferentes características e, consequentemente, cria resultados diferentes daqueles geralmente fornecidos pelo bonding social capital. Esta forma de capital social se refere às redes formadas além dos laços primários formados nos círculos familiares, de amizade ou profissionais. Neste contexto, vale ressaltar o estudo de Granovetter (1973)GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-80, May 1973., apresentado em seu conhecido artigo The strenght of weak ties, em que são ressaltadas a importância dos "laços fracos" (weak ties) que conectam o indivíduo com outros atores além daqueles inseridos em sua rede primária, no contexto da busca por oportunidades profissionais. Desta forma, o capital social do tipo "Bridge" favorece a troca de informações entre os indivíduos e facilita a cooperação e coordenação dentro da rede, sem incorrer nos prejuízos geralmente associados ao capital social do tipo "Bond".

Uma comunidade pode ser caracterizada por diferentes níveis de bonding e bridging social capital, podendo ser classificada em quatro tipos, segundo o modelo de Woodhouse (2006)WOODHOUSE, A. Social capital and economic development in regional Australia: a case study. Journal of Rural Studies, v. 22, n. 1, p. 83-94, Jan. 2006. apresentando na Figura 2. O tipo "disengaged" é caracterizado pelo baixo nível de interação entre os membros e reduzidas conexões fora das redes primárias de cada indivíduo. O tipo "blinkered" corresponde a uma comunidade forte, que consegue alavancar a cooperação, mas sofre maior estagnação, pois tem pouco contato com informações e conhecimentos externos.

Figura 2
Tipos de comunidade segundo o nível de bonding e bridging social capital

O tipo "ephemeral" é uma comunidade com muitos laços externos, mas pouca solidariedade interna, como um grupo de trabalhadores temporários que se deslocam para um lugar e depois retornam. O tipo "engaged" é o ideal, em que a comunidade possui forte presença de ambas as formas de capital social e, consequentemente, consegue tanto o acesso a informações externas quanto a cooperação entre os membros.

Apesar da proliferação na literatura e nas práticas de agências de desenvolvimento, governos e organizações não governamentais, o conceito de capital social também tem sido alvo de críticas. A palavra capital social tem sido utilizada em tão diferentes contextos e com tão diferentes significados (OSTROM; AHN,, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.), que o uso do termo corre o risco de perder o sentido e se transformar em apenas mais uma buzzword (CORNWALL; BROCK, 2005CORNWALL, A.; BROCK, K. What do buzzwords do for development policy? A critical look at ‘participation',‘empowerment'and ‘poverty reduction'. Third World Quarterly, v. 26, n. 7, p. 1043-60, 2005.), incorporada na retórica de atores interessados em legitimar seus objetivos e suas intervenções, como parece ser o caso de algumas agências de desenvolvimento, organizações sociais e governos. As agências de desenvolvimento, por exemplo, adotaram largamente a ideia de capital social, apesar de que não é óbvio definir como este conceito deve ser aplicado nas suas intervenções. Conforme esclarece Molyneux (2002)MOLYNEUX, M. Gender and the silences of social capital: lessons from Latin America. Development and Change, v. 33, n. 2, p. 167-88, Apr. 2002., se a teoria do capital social explica a importância de preservar e estimular as formas associativas orgânicas, quais formas de capital social devem ser priorizadas? Quais associações fortalecer? Quem deve tomar essa decisão? Se por um lado parece consensual a visão de que adoção deste conceito representa um avanço em relação à atuação tradicional destas entidades, que por vezes apresentavam um foco estritamente econômico e ignoravam os elementos sociais orgânicos do país ou região que sofria a intervenção, por outro lado, sua aplicação na realidade destes países ainda é alvo de críticas e parece apresentar limitações.

O capital social deixa questões importantes da teoria social de lado, como o poder, o conflito e a exclusão (FINE, 2001FINE, B. Social capital versus social theory: political economy and social science at the turn of the millenium. London: Routledge, 2001.). Sua definição, ao contrário, não contempla questões mais amplas, tendendo a se situar em um nível "micro" de análise. Além do mais, conforme destaca Molyneux, a implicação política do capital social não é clara, sendo utilizado conforme a discricionariedade de governos, organizações não governamentais e agências de desenvolvimento (MOLYNEUX, 2002MOLYNEUX, M. Gender and the silences of social capital: lessons from Latin America. Development and Change, v. 33, n. 2, p. 167-88, Apr. 2002.). Talvez resida no caráter limitado do conceito em captar questões mais amplas da realidade social, a incapacidade desta teoria possibilitar mudanças mais profundas nas realidades dos países assistidos pelas intervenções, ou talvez seja injusto esperar tantos resultados de apenas um modelo teórico.

Compreender as limitações desta literatura é um esforço importante para qualquer investigação, mas buscar extrair mais deste conceito, pretendendo que ele desvele conflitos mais amplos situados fora de seu escopo ou prescreva a fórmula do desenvolvimento é utilizá-lo impropriamente. Este uso indevido, por sua vez, não pode ser considerado justificativa ou argumento com objetivo de invalidá-lo. O capital social, no modelo elaborado por Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003., demonstra especificamente quais são os elementos mais relevantes que criam a confiança e como, exatamente, estes fatores facilitam a cooperação e as ações coletivas. Ao contrário do que sugere o determinismo sociológico, a cooperação não emerge espontaneamente (OLSON, 1965OLSON, M. The logic of collective action: public goods and the theory of groups. Cambridge: Harvard University Press, 1965.) e, portanto, definir os fatores e os mecanismos que a promovem é um desafio fundamental para compreender a realidade social. Diante da pluralidade de definições sobre capital social, optou-se neste ensaio pelo modelo de Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003., devido a sua capacidade de explicação e ao fato de representar justamente um esforço de sistematização e organização desta literatura. Assim como outras visões de capital social, este modelo se enquadra em uma análise "micro" do fenômeno, motivo pelo qual, na análise deste artigo, foi complementada pela perspectiva de sociedade civil.

Relação entre estado e sociedade civil

Antes de explorar a relação entre Estado e sociedade civil e os efeitos do Estado no capital social, vale explicar como os conceitos de capital social e sociedade civil se diferem e, em certa medida, também se aproximam em alguns pontos. Enquanto na visão expansionista (OSTROM; AHN, 2003OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.), utilizada no desenvolvimento deste trabalho, o capital social refere-se a formas associativas, redes e outros elementos que promovem e favorecem a ação cooperativa, alguns autores definem a sociedade civil como as formas associativas que não pertencem nem ao mercado nem ao Estado, se regulando por uma lógica própria. As visões de Young (2000)YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000. e Cohen e Arato (1992)COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992., mais especificamente, utilizam um critério com fundamento em Habermas para distinguir a forma de coordenação dentro deste conjunto de formas associativas, da forma de coordenação dentro do mercado e dentro da burocracia pública. Desta forma, não é difícil perceber que os conceitos se aproximam, apesar das bases epistemológicas nitidamente serem distintas, como claramente é exposto, por exemplo, no trabalho de Fine (2001)FINE, B. Social capital versus social theory: political economy and social science at the turn of the millenium. London: Routledge, 2001.. Por este motivo, o conceito de capital social se torna relevante principalmente em análises de natureza "micro", em que se busca entender como, exatamente, os elementos que o compõem levam à ação cooperativa e ao desenvolvimento socioeconômico. Por outro lado, a sociedade civil permite incluir questões mais amplas, relacionadas, por exemplo, com as categorias política e poder. Em comum, pode-se destacar a presença das formas associativas enquanto objeto que, no contexto deste ensaio, emerge com um dos fenômenos centrais do trabalho. Este ensaio não se limitou em utilizar apenas uma destas visões, mas se valeu de ambas as perspectivas para gerar insights e reflexões sobre as parcerias entre o Estado e estas organizações no Brasil.

Um trabalho seminal que introduz a potencialidade do capital social no desenvolvimento socioeconômico é o estudo de Putnam (1993PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.). Este autor considera que o capital social equivale às redes e normas que mantêm os indivíduos unidos. Putnam, ao comparar o desempenho econômico e social de diversas regiões da Itália a partir de 1970, constatou que as regiões do norte, com significativas tradições de engajamento cívico, apresentaram melhores resultados quando comparadas às regiões com menor nível de mobilização.

Enquanto os estudos de Putnam (1993PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.) são marcados pela premissa de que contextos histórico-culturais específicos determinam a acumulação lenta de laços comunitários e engajamento cívico, os teóricos neoinstitucionalistas rejeitam a primazia das condições histórico-culturais na determinação do nível de capital social, afirmando que são as bases institucionais governamentais que impedem ou fomentam a mobilização cívica. Segundo Abu-El-Haj (1999)ABU-EL-HAJ, J. A mobilização do capital social no Brasil: o caso da Reforma Sanitária no Ceará. São Paulo: Annablume, 1999., o culturalismo de Putnam levado às últimas consequências implicaria considerar civilizações inteiras condenadas ao atraso econômico permanente. Em contraposição, Evans (1995)EVANS, P. Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton: Princeton University Press, 1995., defensor de uma abordagem neoinstitucional, defende que a ausência da horizontalidade social comum à maioria das nações em desenvolvimento decorre das ações e não ações de regimes autoritários pregressos.

Para autores como Putnam (1993)PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993. e Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003., as instituições governamentais podem estimular ou não a criação de capital social quando autorizam espaços para a auto-organização fora do governo, ou podem destruí-lo, quando se tornam os únicos executores de uma ampla gama de atividades, não permitindo a entrada de esforços não governamentais e criando cidadãos dependentes. Evans (1995)EVANS, P. Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton: Princeton University Press, 1995. vai mais além, afirmando que o Estado deveria passar de um regulador da interação social para um ativo mobilizador do capital social. Na perspectiva deste autor, a capacidade de mobilização dos diferentes grupos sociais é desigual e o Estado seria a única instância com potencial para corrigir esta distorção. Young (2000)YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000. vai ao encontro da visão de Evans, afirmando que sem a presença do Estado grupos privilegiados conseguiriam se tornar ainda mais fortes à medida que utilizassem as formas associativas da sociedade civil.

Nesta mesma direção, enquanto os esforços desenvolvimentistas se concentraram nas reformas do Estado e do Mercado, Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003. e Narayan (2002)NARAYAN, D. Bonds and bridges: social capital and poverty. In: ISHAM, J.; KELLY, T.; RAMASWAMY, S. (Eds.) Social capital and economic development: well-being in developing countries. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. p. 1-44. chamam a atenção para a necessidade das intervenções considerarem também aspectos da organização social. Neste sentido, Narayan (2002)NARAYAN, D. Bonds and bridges: social capital and poverty. In: ISHAM, J.; KELLY, T.; RAMASWAMY, S. (Eds.) Social capital and economic development: well-being in developing countries. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. p. 1-44. explica que se deve buscar e facilitar o desenvolvimento de interações social do tipo "bridge", para conectar os diversos indivíduos e redes que compõem uma sociedade heterogênea. Para esta autora, mesmo em Estados com "bom funcionamento" (well functioning), a presença exclusiva do bonding social capital pode levar à exclusão dos grupos não dominantes, bem como à cooptação do aparelho estatal pelos grupos com maior poder. Alguns exemplos citados por Narayan são alguns países da América Latina com larga proporção de população indígena, como Peru e México, bem como os Estados Unidos, com sua exclusão dos grupos minoritários. Neste ponto, pode-se perceber uma leitura da sociedade norte-americana distinta daquela realizada por Tocqueville. Além da diferença temporal, já que Tocqueville se deparou com uma sociedade do século XIX, enquanto Narayan se refere a uma do século XX, a causa desta diferença pode residir na não distinção, por Tocqueville, dos tipos de configurações associativas existentes, que hoje se apresentam na literatura de capital social por meio da tipologia bridge/bond.

Assim, apesar da função do Estado neste contexto não ser um consenso, em geral, a sociedade civil é vista como detentora de um papel central na promoção da democracia e do bem-estar social. A necessidade de fortalecer a sociedade civil é preconizada pela maior parte dos autores, seja permitindo as associações da sociedade civil florescerem sem a ação inibidora do Estado, seja estimulando a mobilização dos grupos populares ativamente através do aparelho estatal e das políticas públicas.

Para estudar a relação do Estado com a sociedade civil, é importante compreender as potencialidades e limitações de cada uma destas esferas. Nesse sentido, Young (2000)YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000. destaca que a auto-organização de pessoas marginalizadas permite a elas discutir e elaborar seus problemas através de uma linguagem que não tem espaço no discurso político tradicional. A discussão e agitação, por sua vez, tem capacidade de influenciar as políticas dos Estados e das empresas. Além do mais, a autonomia em relação ao Estado gera uma base para a inovação social, e os produtos e serviços prestados são menos dominados pelos imperativos do lucro do que nas empresas privadas. Por outro lado, justamente pelo seu caráter autônomo e voluntário, as organizações associativas muitas vezes perseguem seu objetivo ignorando ou até mesmo competindo umas com as outras.

Alternativamente, o Estado é a única instância capaz de coordenar e regular as atividades humanas em larga escala, embora apresente também várias desvantagens conhecidas. As ações do Estado tendem a tornar os cidadãos dependentes, a inibir as tentativas de inovação e a desconsiderar as especificidades locais na provisão de serviços (YOUNG, 2000YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000.; BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.; DOMÉNECH, 2005DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005.).

Consequentemente, para Young, a tensão entre Estado e Sociedade Civil é inevitável. Sempre que o Estado se liga à sociedade civil para criar e implementar políticas públicas, corre-se o risco de simplesmente construir uma nova camada de burocracia, em que os cidadãos perdem sua capacidade de resistência e sofrem o efeito disciplinador do Estado. Portanto, quando o Estado busca realizar suas ações em parceria com os grupos da sociedade civil, todas as características nefastas associadas ao Estado acabam sendo transferidas, em algum grau, para aqueles grupos. Da mesma forma, à medida que Estado e sociedade civil se relacionam de forma mais estreita, as atividades estatais tornam-se mais descoordenadas, devido às características intrínsecas aos grupos associativos voluntários. Este fenômeno fica claro quando se analisa as parcerias entre Estado e Sociedade Civil realizadas em vários países no contexto da governança.

Parcerias entre estado e sociedade civil no contexto das reformas administrativas

Milward e Provan (2000)MILWARD, H. B.; PROVAN, K. G. The Hollow State: private provision of public services. In: INGRAM, H.; SMITH, S. R. (Eds.). Public policy for democracy. Washington, DC: Brookings Institution, 2000. p. 222-37. usam o termo Hollow State para se referir ao então crescente movimento de contratação, pelo governo, de redes de organizações sem fins lucrativos, públicas e privadas, para desempenhar funções públicas. Estas parcerias nascem de um movimento em que os Estados em todo o mundo começam a redefinir seus papéis para atender aos novos desafios de um ambiente complexo, dinâmico e com multiplicidade crescente de atores. Neste contexto, ganha cada vez mais força a ideia de que um órgão isolado do governo não tem capacidade de implementar e administrar as políticas públicas sozinho e que, por este motivo, estas atividades deveriam ser realizadas em rede.

Um ponto importante para compreender o atual contexto da Hollow State é retomar as reformas administrativas que buscaram rever a relação entre Estado, sociedade civil e mercado. Um dos esforços de estabelecer quais serviços públicos o Estado deveria produzir e quais deveria deixar a cargo de outros setores pode ser encontrado no estudo de Domenéch (2005). Para este autor, quatro categorias podem orientar a alocação das atividades entre os setores, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Critérios para alocar a produção de bens e serviços entre estado, mercado ou sociedade civil

A partir da visão de Doménech (2005)DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005. fica claro que os serviços sociais se adaptam bem à produção pela sociedade civil, uma vez que são atividades relacionadas às liberdades individuais; intensivas em mão de obra; direcionadas a usuários que muitas vezes não tem condição de escolher, pagar ou acionar o serviço; e que são tradicionalmente prestadas pelo terceiro setor. A tendência verificada em muitos estados é de "publicizar" estas atividades, criando parcerias entre o Estado, que financia e supervisiona, e as organizações associativas, que prestam os serviços.

Desta forma, vários fatores explicam a atração dos reformistas em utilizar estas organizações para entregar alguns tipos de serviços públicos. Os serviços prestados por organizações do terceiro setor são tidos como mais eficientes (HANSMANN, 1987HANSMANN, H. Economics theories of nonprofit organization. In: POWELL, W. W. (Ed.). The nonprofit sector: a research handbook. New Haven: Yale University Press, 1987. p. 27-42.) e mais adaptados às especificidades locais (YOUNG, 2000YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000.) quando comparados aos prestados pela administração pública. Um dos motivos que explicam estas vantagens é o fato de serem mais flexíveis e sofrerem menos controle legal e burocrático (DOUGLAS, 1987DOUGLAS, J. Political theories of nonprofit organization. In: POWELL, W. W. (Ed.). The nonprofit sector: a research handbook. New Haven: Yale University Press, 1987. p. 43-54.). Nesta perspectiva, a atuação do gestor público se direciona no sentido de construir redes de organizações sem fins lucrativos, públicas e privadas que permitam o ganho de economias de escala e escopo sem incorrer nos efeitos negativos associados às formas burocráticas (MILWARD; PROVAN, 2000MILWARD, H. B.; PROVAN, K. G. The Hollow State: private provision of public services. In: INGRAM, H.; SMITH, S. R. (Eds.). Public policy for democracy. Washington, DC: Brookings Institution, 2000. p. 222-37.).

Apesar da proliferação de estruturas reticulares na administração pública, as redes também apresentam desvantagens em relação às formas tradicionais. Redes são mais instáveis do que as formas hierárquicas devido à autonomia dos membros, elevando sensivelmente o desafio de coordenar os serviços públicos (MILWARD; PROVAN, 2000MILWARD, H. B.; PROVAN, K. G. The Hollow State: private provision of public services. In: INGRAM, H.; SMITH, S. R. (Eds.). Public policy for democracy. Washington, DC: Brookings Institution, 2000. p. 222-37.). Adicionalmente, vale destacar as considerações de Doménech (2005)DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005. a respeito das dificuldades encontradas na relação da administração pública com as organizações sem fins lucrativos. Em primeiro lugar, as pessoas do terceiro setor consideram excessivo, geralmente, o tempo que precisam dedicar nas tarefas de coordenação com a administração pública. Em segundo lugar, não existe a tradição de examinar os resultados dos serviços destas organizações. Conforme explica Doménech, se introduzir a avaliação nos serviços sociais já é difícil sem a parceria, a partir da externalização destes serviços para o terceiro setor este desafio fica ainda maior. Por último, existe a dificuldade de equilibrar a autonomia característica das organizações sem fins lucrativos com a necessidade de controle do gasto público.

No Brasil, um marco na reformulação do papel do Estado é a reforma administrativa de 1995, consubstanciada no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995BRASIL. Presidência da República. Câmara da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF: Câmara da Reforma do Estado, 1995.). No documento da reforma, dividem-se as atividades do Estado em quatro setores: núcleo estratégico, atividades exclusivas, serviços não exclusivos e produção de bens e serviços.

O núcleo estratégico engloba as atividades de definição das leis e políticas, exercidas pelos três poderes. As atividades exclusivas incluem o exercício do poder de regulamentar e fiscalizar. Pode-se citar como exemplo a polícia, a receita federal e outros órgãos com poder extroverso. Os serviços não exclusivos, por sua vez, consistem nas atividades em que o Estado deve estar presente, seja porque envolve direitos humanos fundamentais, seja porque apresentam externalidades positivas relevantes. Por último, a produção de bens e serviços inclui as atividades que precisam ter a presença do Estado porque falta ao setor privado o capital necessário para desempenhá-las ou porque são atividades naturalmente monopolistas. O Quadro 2 apresenta estas divisões e a forma de propriedade associada a cada uma delas no modelo.

Quadro 2
Setores do Estado e formas de propriedade

O setor que interessa a este trabalho é o de serviços não exclusivos, pois é nele que são realizadas as conexões entre o Estado e a sociedade civil através das parcerias. Percebe-se que uma das ideias da reforma administrativa foi transferir as atividades deste setor, de entidades estatais para organizações públicas não estatais, denominadas organizações sociais (OS). As ações passam a ser realizadas simultaneamente pelo Estado, setor privado e setor público não estatal (ou terceiro setor), incluindo as atividades das áreas sociais, culturais, de proteção ambiental e de pesquisa científica e tecnológica.

As parcerias com o setor público não estatal, preconizadas pela reforma administrativa, foram institucionalizadas pela Lei no 9.637 de 1998 (BRASIL, 1998BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 25 maio 1998.), que criou a figura jurídica da Organização Social, e pela Lei no 9.790 de 1999 (BRASIL, 1999BRASIL. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 24 de março de 1999.), que criou a figura da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

A OS é uma pessoa jurídica de direito privado, que realiza parceria com o Setor Público para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado. A qualificação da entidade como Organização Social é decisão discricionária do Poder Público e, quando obtida, permite que a entidade se beneficie de recursos e servidores públicos sem a necessidade de licitação.

As OSCIPs foram institucionalizadas posteriormente e, apesar de possuir semelhanças com as Organizações Sociais, estas entidades se submetem a parcerias com maior controle legal, menos redução estatal e menor discricionariedade para o Poder Público no ato de sua seleção e qualificação. A lei das OSs previa, ainda que indiretamente, a extinção de órgãos públicos e possibilidade de ceder servidores públicos à entidade. Para muitos autores, a lei dava ensejo a uma transferência de atribuição do governo para o setor público não estatal, como uma espécie de "privatização" ou, em outros termos, como uma forma de fuga da incidência do regime jurídico-administrativo na prestação dos serviços públicos. A lei das OSCIPs, por outro lado, não previu a cessão de servidores públicos, nem tão pouco a extinção de órgãos públicos. Ao contrário, a OSCIP traz uma ideia mais próxima da atuação concomitante dos setores público e privado, ao invés da mera substituição de um por outro.

Além do mais, a lei prevê que a qualificação das OSs seja realizada de forma discricionária pelo Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado e pelo Ministro do órgão relacionado à atividade a ser prestada pela OS. A qualificação das OSCIPs, por outro lado, é feita de forma vinculada pelo Ministro da Justiça.

Outra diferença, essa mais importante para a discussão sobre capital social, é a participação de servidores públicos em percentual mínimo no Conselho de Administração da OS. Nas OSCIPs não há essa previsão. Mais especificamente, as OSCIPs devem instituir um conselho fiscal, sendo facultativa a participação de servidores públicos neste conselho. Nota-se que há uma presença maior do Estado nas OSs, uma vez que essas entidades passam a poder receber bens e servidores públicos, além de serem obrigadas a conceder participação do setor público no Conselho de Administração. Esse controle maior parece estar relacionado justamente com a intenção da lei de substituir, paulatinamente, a execução estatal pela prestação mediada pelas OS's. Nesse sentido, a desconfiguração da entidade também pode ser maior, pois a OS se assemelha mais a um braço do governo não submetido à rigidez legal do regime jurídico-administrativo, do que a uma entidade genuinamente pertencente à Sociedade Civil que auxilia o Estado na consecução de seus objetivos.

Devido a essa intenção desvelada de redução do tamanho do Estado através dessas parcerias, bem como a possibilidade do governo se apropriar dessas parcerias para burlar os controles legais e burocráticos aos quais se vê submetido, esses institutos, principalmente o referente às Organizações Sociais, têm sido amplamente criticados por diversos autores (PINTO, 2001PINTO, E. G. Organizações sociais e reforma do Estado no Brasil: riscos e desafios nesta forma de institucionalizar a parceria Estado-sociedade organizada. Documentos Debate Estado Administración Pública y Sociedad, v. 6, p. 47-82, 2001.; VIOLIN, 2006VIOLIN, T. C. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2006.; DI PIETRO, 2008DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.).

Com relação ao uso efetivo desses institutos, ainda há poucos dados sistematizados disponíveis publicamente. Ainda assim, sabe-se que, apesar de ter nascido no bojo da reforma administrativa implementada no governo federal, foi nos governos subnacionais que as OSs e OSCIPs se proliferaram. Dentre os poucos dados consolidados disponíveis, o estudo realizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BRASIL, 2010BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Relações de parceria entre poder público e entes de cooperação e colaboração no Brasil. Brasília, DF: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2010.), intitulado "Relações de parceria entre poder público e entes de cooperação e colaboração no Brasil", indicou que havia, naquela data, 112 OSs no nível estadual, 52 no nível municipal e apenas seis no nível federal. O estado de São Paulo, por exemplo, adotou largamente o modelo de OS na gestão de hospitais e tem qualificadas, atualmente, 33 Organizações Sociais na área da saúde, segundo dados do Portal da Transparência do Governo de São Paulo.

O governo de Minas Gerais parece ter optado por uma ênfase nas OSCIPS, uma vez que qualificou 136 instituições, conforme dados do estudo supracitado realizado pelo MPOG. Segundo este mesmo relatório, em 2010 já havia 5050 entidades sem fins lucrativos qualificadas como OSCIP. A breve leitura dos dados revela dois elementos: em primeiro lugar, tem crescido o número dessas parcerias e, portanto, o impacto das mesmas na sociedade civil organizada tende a ser maior; em segundo lugar, entes federativos diferentes optam por tipos diferentes de parcerias, como, por exemplo, ao priorizar as OSCIPs no lugar das OSs, ou a fazer uso dessas parcerias no setor de saúde ou apenas no setor da cultura.

Reflexões críticas sobre as parcerias, sob o prisma do capital social

Diante de um contexto de complexificação das demandas sociais, os Estados precisaram rever suas estruturas administrativas e sua maneira de interagir com a sociedade. Nos países de cultura pragmática como os Estados Unidos e a Inglaterra, houve uma intensa incorporação de mecanismos de mercado na provisão e controle de atividades públicas, bem como replicação, no setor público, de estratégias consagradas no meio empresarial. Outros países da Europa, cuja trajetória era caracterizada pela influência do modelo de welfare state também realizaram mudanças, porém, enfatizando menos os instrumentos de competição e dando maior atenção à gestão integrada de redes colaborativas, dentro das quais as parcerias entre Estado e Sociedade civil ganharam relevo (PETERS; PIERRE, 1998PETERS, B.G.; PIERRE, J. Governance without government: rethinking public administration?. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 8, n. 2, p. 223-43, 1998.). O Brasil, assim como outras nações em desenvolvimento, importaram os modelos criados na realidade econômica, política e social dos países que capitanearam o movimento reformista, instaurando formas institucionais preconizadas pelas reformas, como o compartilhamento de funções estatais com atores do mercado e da sociedade civil, contudo, sem eliminar as características tradicionais presentes no setor público, como o patrimonialismo (SILVA et al., 2012SILVA, E. A.; PEREIRA, J. R.; ALCÂNTARA, V. C. Interfaces epistemológicas entre administração pública, capital social e institucionalismo. Cadernos EBAPE.BR (FGV), v. 10, p. 20-39, 2012.).

Neste ponto, vale ressaltar que a importação de conhecimento estrangeiro pela academia e pela práxis brasileira é um fenômeno recorrente na história brasileira e que muitas vezes acontece desvinculada de um esforço analítico de consideração das diferenças contextuais (RAMOS, 1996RAMOS, G. A redução sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996.). A própria trajetória do país é caracterizada pela transplantação de uma forma de civilização europeia em seu território, ou seja, desde a origem de sua formação, o Brasil se depara com uma situação formalística, em que as instituições formais, a teoria e o discurso precedem à prática, a vivência, a cultura e a experiência (PRADO JÚNIOR, 2000PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 2000.). Por este motivo, este trabalho se orienta no sentido de fomentar reflexões sobre as possíveis implicações das parcerias nos países que adotaram estes modelos, bem como as consequências específicas que podem emergir no contexto de um país em desenvolvimento como o Brasil.

Para Milward e Provan (2000)MILWARD, H. B.; PROVAN, K. G. The Hollow State: private provision of public services. In: INGRAM, H.; SMITH, S. R. (Eds.). Public policy for democracy. Washington, DC: Brookings Institution, 2000. p. 222-37., os impactos das redes formadas por atores da Sociedade Civil e do Estado têm sido pouco avaliados pelos órgãos governamentais e pesquisadores, apesar da importância de conhecer o grau de efetividade destas estruturas, não só para aperfeiçoá-las, mas também para identificar até que ponto, ou em quais situações, as redes superam a ação pública tradicional. Para estes autores, um dos aspectos importantes da avaliação é a contribuição da rede para a construção do capital social. À medida que trabalham juntas, as organizações podem compreender umas às outras e descobrir em quem podem confiar. Neste caso, as parcerias permitiriam a formação de redes de confiança semelhantes ao quadro descrito no modelo de Ostrom e Ahn (2003)OSTROM, E.; AHN, T. K. Una perspectiva del capital social desde las ciencias sociales: capital social y acción colectiva. Revista Mexicana de Sociologia, v. 65, n. 1, p. 155-233, ene.–mar. 2003.. Neste mesmo sentido, Brinkerhoff e Brinkerhoff (2002)BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002. também destacam a capacidade destas parcerias de responder a falhas políticas, apoiando a representação dos interesses de grupos marginalizados e construindo capital social entre estes indivíduos.

Contudo, têm surgido evidências de que estas parcerias podem descaracterizar as organizações sem fins lucrativos, tornando-as dependentes do recurso público e destruindo o capital social presente nas comunidades, ao invés de fomentá-lo. Hodgson (2004)HODGSON, L. Manufactured civil society: counting the cost. Critical Social Policy. v. 24, n. 2, p. 139-64, May 2004., ao estudar a proliferação de parcerias entre Estado e organizações sem fins lucrativos na Inglaterra, percebeu que estas formas híbridas de ação governamental estavam paulatinamente substituindo as associações voluntárias e informais da sociedade civil. Desta forma, as parcerias estavam modificando os grupos associativos tradicionais, transformando-os no que Hodgson (2004HODGSON, L. Manufactured civil society: counting the cost. Critical Social Policy. v. 24, n. 2, p. 139-64, May 2004., p. 145) chama de "manufactured civil society" – "groups that are formed and funded, at least initially, through some type of state iniciative". Este autor identifica a transferência dos valores presentes na esfera governamental para estes grupos, suprimindo, no lugar de fomentar, o capital social nas comunidades.

Se existe a tendência das organizações do terceiro setor gradualmente operarem e se organizarem da mesma forma que suas contrapartes no setor público, a fim de conseguir mais recursos e exercer maior influência no órgão público (BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.), vale questionar até que ponto o capital social será preservado ou fomentado pelas parcerias. As parcerias levam as organizações sem fins lucrativos a estreitar sua relação com os órgãos públicos, mas se esta relação não é simétrica, devido à dependência de recursos ou à necessidade do controle burocrático sobre os resultados e procedimentos, é pouco provável que as redes sejam horizontais como as formas às quais Putnam atribui significativa importância dentro do conceito de capital social. Nesse ponto, vale destacar o alerta de Fukuyama (1995)FUKUYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation of prosperity.London: Hamish Hamilton, 1995, ao explicar que o capital social pode ser dissipado pelas ações do governo de forma muito mais nítida do que sua capacidade de restaurá-lo.

A Figura 3 ilustra este argumento, mostrando, através de uma parceria hipotética realizada entre o Estado e uma organização da sociedade civil atuante e consolidada no seio das comunidades atendidas, duas ideias importantes para compreender as possíveis implicações destas formas de atuação estatal no capital social. A primeira é a noção de que a partir das parcerias as relações formadas podem se aproximar mais de uma hierarquia do que de uma rede horizontal, devido à dependência de recursos e controles impostos pelo setor público (BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.). Em segundo lugar, se a natureza da organização da sociedade civil se transforma a partir da parceria, vale questionar até que ponto é possível preservar os laços associativos originais. Para ilustrar esta situação, a Figura 3 mostra uma situação pós-parceria em que a organização perde parte dos vínculos que possuía com a comunidade, ao mesmo tempo em que se envolve numa estrutura de relação verticalizada com o órgão público. Estas duas mudanças no padrão associativo significam uma perda para o capital social local, ao invés do suposto estímulo defendido na retórica reformista.

Figura 3
Situação hipotética de uma parceria entre governo e organização da sociedade civil

Contudo, neste exemplo a parceria foi realizada com uma organização relativamente consolidada. Neste caso, provavelmente ainda existe a possibilidade da organização manter sua autonomia e, consequentemente, seus vínculos originais com a comunidade, seus valores e seu modus operandi. Contudo, em um país como o Brasil, considerado como um país com laços associativos pouco intensos (NOGUEIRA, 2004NOGUEIRA, M. A. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.), em que a sociedade civil organizada começou a se expandir apenas recentemente, durante a década de 1990 (AVRITZER, 2007AVRITZER, L. Sociedade civil, instituições participativase e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados (Rio de Janeiro), v. 50, n. 3, p. 443-64, 2007.), torna-se relevante refletir sobre a capacidade das organizações parceiras do Estado preservarem sua autonomia.

Um exemplo elucidativo no contexto brasileiro é a reforma administrativa em Minas Gerais. Nesta reforma, denominada pelo governo estadual como choque de gestão, a maior parte das parcerias foram iniciadas pelo setor público, que passou a coordenar política e tecnicamente as atividades das organizações sem fins lucrativos. Estas organizações se desenvolveram de forma bastante dependente do aparelho estatal, à medida que a maior parte dos fundos que recebiam derivava do governo. Consequentemente, os valores de eficiência e gerencialismo que marcaram a reforma daquele estado foram transferidos para aquelas organizações (PECI et al., 2011PECI, A.; FIGALE, J.; SOBRAL, F. The ‘invasion' of manufactured civil society: government-nonprofit partnerships in a Brazilian state. Public Administration and Development, v. 31, n. 5, p. 377-89, Dec. 2011.). Neste caso, as parcerias parecem ignorar ou até desfavorecer a dimensão participativa e comunitária da sociedade civil.

Neste ponto, vale trazer a explicação de Brinkerhoff e Brinkerhoff (2002)BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002. sobre a importância do contexto de instauração da parceria na determinação de seus resultados. Se por um lado alguns autores advogam o potencial das relações entre governo e terceiro setor de influenciar simultaneamente a entrega de serviços, a representação de grupos marginalizados e o empowerment dos beneficiários, por outro Brinkerhoff e Brinkerhoff explicam que, quando a organização sem fins lucrativos inicia a relação, geralmente ela assume os dois últimos papéis, e quando o governo assume a posição de iniciante, a organização se restringe à provisão dos serviços. No Brasil, a frequência de casos em que o governo inicia a parceria pode refletir uma sociedade civil ainda pouco articulada, enquanto a primazia dos valores e procedimentos derivados do setor público parece indicar uma proposta governamental que se aproxima mais do objetivo de flexibilizar a administração pública e contornar exigências legais, formais e burocráticas, do que promover melhores serviços públicos ou fomentar o capital social.

Nesse sentido, ao avaliar a Lei no 9.637/98, que institucionalizou as OSs, alguns autores tecem críticas a vários aspectos da lei, desde definições vagas sobre o que são organizações sociais, contratos de gestão e outros elementos centrais, até a composição do conselho de administração, que representaria a possibilidade de controle social da OS (PINTO, 2001PINTO, E. G. Organizações sociais e reforma do Estado no Brasil: riscos e desafios nesta forma de institucionalizar a parceria Estado-sociedade organizada. Documentos Debate Estado Administración Pública y Sociedad, v. 6, p. 47-82, 2001.; VIOLIN, 2006VIOLIN, T. C. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2006.; DI PIETRO, 2008DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.). Tais características colocariam o controle social e legal em risco e desvelariam uma intenção, em última análise, de redução do tamanho do Estado, mais do que propriamente aperfeiçoar os serviços públicos ou a garantia dos direitos dos cidadãos.

Outro exemplo das que se formam entre governo e sociedade civil é descrito por Campos e Mendonça (2010)CAMPOS, L. C.; MENDONÇA, P. Provisão compartilhada de serviços públicos: configuração e desafios a partir da análise da política nacional de combate ao HIV/AIDS. Revista Economia e Gestão, v. 10, n. 23, p. 100-17, 2010., ao analisar parcerias entre o setor público e ONGs dentro da política de combate ao HIV. As ONGs ocuparam, ao longo da história, um papel não desempenhado pelo governo: o de facilitar o acesso de grupos marginalizados ao Estado e às políticas de tratamento e prevenção. Anos depois o Estado começou a utilizar estas redes já consolidadas, fazendo parcerias com estas entidades. No entanto, segundo alguns entrevistados, parte dos gestores públicos tendia a abrir mão da titularidade sobre essas atribuições, como prevenção e empoderamento dos beneficiários, quando na verdade elas deveriam ser desenvolvidas concomitantemente entre setor público e sociedade civil. Outra questão que emerge daquela pesquisa é: como a complementariedade na provisão dos serviços de saúde, no contexto da política de combate ao HIV, poderia afetar outras tarefas importantes das ONGs, como o controle social da política? Este controle também era uma tarefa essencial da sociedade civil organizada, mas à medida que as ONGs se empenhavam em prestar outras atividades a partir da parceria com o Estado, aquela função poderia restar prejudicada.

Por último, outra reflexão importante é sobre o tipo de capital social que é afetado ou transformado por estas parcerias. Atualmente, alguns autores (NARAYAN, 2002NARAYAN, D. Bonds and bridges: social capital and poverty. In: ISHAM, J.; KELLY, T.; RAMASWAMY, S. (Eds.) Social capital and economic development: well-being in developing countries. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. p. 1-44., WOODHOUSE, 2006WOODHOUSE, A. Social capital and economic development in regional Australia: a case study. Journal of Rural Studies, v. 22, n. 1, p. 83-94, Jan. 2006.) têm defendido que o capital social que une os indivíduos além de suas redes primárias é mais importante para o desenvolvimento, enquanto aquele que promove uma elevada coesão social, porém, sem ligar indivíduos distantes na rede podem gerar mais perdas do que benefícios. Desenvolver laços, ainda que fracos, porém, que tenham maior alcance na rede, parece importante também para a criação do controle social no contexto das parcerias, promovendo a accountability e substituindo, parcialmente, o controle legal reduzido ao qual o Estado é submetido a partir destes mecanismos. Desta forma, um risco adicional das parcerias é a criação de uma rede fechada entre uma ou poucas organizações sem fins lucrativos e o órgão público, criando uma coesão típica do capital social do tipo bonding, que pode favorecer mais os interesses dos atores envolvidos do que da sociedade de forma geral.

Considerações finais

A perspectiva teórica construída neste trabalho dá ensejo à discussão sobre como o Estado tem atuado no sentido de fomentar ou inibir a construção do capital social. Percebe-se que o conceito de capital social é relevante para compreender as ações governamentais e as políticas públicas a partir da perspectiva da ação coletiva, coesão social e qualidade democrática. A maior parte dos autores defende o fortalecimento da sociedade civil à medida que as formas associativas voluntárias possuem um papel importante para a promoção do bem-estar e fortalecimento democrático. Nesse sentido, na retórica das agências de desenvolvimento, uma das formas de fortalecer a sociedade civil e ainda melhorar a provisão de serviços sociais é a utilização de parcerias entre governo e organizações sem fins lucrativos (NORDTVEIT, 2005NORDTVEIT, B. H. Use of public private partnerships to deliver social services: advantages and drawbacks. Washington, DC: EFA Report, 2005. p. 24.). Contudo, o que muitos governos têm praticado parece ser menos uma forma de promover a emancipação de grupos populares do que simplesmente entregar bens e serviços de forma mais flexível à sociedade, através das parcerias entre governo e organizações sem fins lucrativos.

No caso dos países em desenvolvimento, os efeitos dessa implementação devem ser analisados à luz das diferenças institucionais, culturais e sociais destes países. Conforme explica Putnam (1993)PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., enquanto os Estados Unidos foram os sucessores do associativismo horizontal britânico, relacionado ao Protestantismo, a America Latina, por exemplo, herdou as formas verticais ibéricas, associadas ao Catolicismo. O trabalho de Hofstede (2001)HOFSTEDE, G. Culture's consequences: comparing values, behaviors, institutions, and organizations across nations. 2. ed. Thousand Oaks: SAGE, 2001. corrobora esta visão, ao mostrar, por meio da dimensão power distance, que nos países latinos aceita-se melhor diferenças de poder. Consequentemente, o legado cultural herdado pelos países latinos favorece a instauração de um quadro de baixo nível de capital social. Consequentemente, uma reflexão importante é questionar se as formas associativas dos países em desenvolvimento têm condição de fazer frente ao poder estatal e de preservar em algum grau sua autonomia em relação ao governo no contexto das parcerias. Se estas organizações não apresentarem um mínimo nível de vigor e não estiverem solidamente consolidadas nas comunidades em que atuam, estas parcerias podem, ao contrário do que sugere a retórica reformista, significar o enfraquecimento e perda de autonomia pela sociedade civil.

Enquanto Brinkerhoff e Brinkerhoff (2002)BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002. explicam que a representação de grupos marginais e o empowerment dos beneficiários ocorrem, geralmente, quando as organizações do terceiro setor iniciam a parceria, no Brasil, depara-se com uma situação inversa, pois justamente em um país que possui laços associativos fracos na sociedade civil, o governo inicia a maioria das parcerias, direciona tecnicamente e politicamente as organizações e passa a representar o principal financiador de suas atividades (PECI et al., 2011PECI, A.; FIGALE, J.; SOBRAL, F. The ‘invasion' of manufactured civil society: government-nonprofit partnerships in a Brazilian state. Public Administration and Development, v. 31, n. 5, p. 377-89, Dec. 2011.). Nestes casos, os serviços podem passar a ser prestados, não por organizações com valores altruístas e tradição de trabalho voluntário no seio das comunidades atendidas, mas sim, por uma nova camada da burocracia estatal que prescinde do controle legal que caracteriza o serviço público.

No que tange diretamente ao capital social, vale resgatar a ideia desenvolvida por Putnam (1993)PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993., que explica que a existência de formas associativas horizontais garante maior engajamento cívico, comparadas às formas verticais. Se com as parcerias, as organizações sem fins lucrativos se tornam dependentes do Estado, possibilidade citada por diversos autores (BRINKERHOFF; BRINKERHOFF, 2002BRINKERHOFF, J.M.; BRINKERHOFF, D.W. Government-nonprofit relations in comparative perspective: evolution, themes, and new directions. Public Administration and Development, v. 22, n. 1, p. 3-19, Feb. 2002.; DOMÉNECH, 2005DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005.), pode-se supor que a associação formada será caracterizada pela desigualdade de status e poder entre os membros, formando uma estrutura vertical e hierárquica, ao invés das formas horizontais que descrevem o capital social. Esta visão corrobora a preocupação de Hodgson (2004)HODGSON, L. Manufactured civil society: counting the cost. Critical Social Policy. v. 24, n. 2, p. 139-64, May 2004. sobre o possível desmantelamento dos laços associativos devido à implantação destas formas de parceria.

Além do mais, se existe uma potencial evolução, conforme sugerido por Young (2000)YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2000., das organizações associativas da sociedade civil, desde os grupos fechados em si mesmo, passando por aqueles que produzem bens que transbordam além do círculo de seus membros, até aquelas que interferem na política estatal ou nas práticas das empresas, vale questionar se, a partir do momento que as parcerias são firmadas, estas organizações da sociedade civil não ficam estagnadas no nível de atuação em que se encontravam no momento do contrato. Conforme visto, há uma tendência destas organizações buscarem obter mais recursos do Estado e consequentemente assimilarem o modus operandi do setor público. Neste caso, mais uma vez, ao invés de fortalecer a sociedade civil, corre-se o risco de enfraquecê-la, suprimindo o desenvolvimento de organizações com potencial de atuar em instâncias mais amplas, como na intervenção em políticas estatais ou empresariais. Um exemplo é o caso descrito por Campos e Mendonça (2010)CAMPOS, L. C.; MENDONÇA, P. Provisão compartilhada de serviços públicos: configuração e desafios a partir da análise da política nacional de combate ao HIV/AIDS. Revista Economia e Gestão, v. 10, n. 23, p. 100-17, 2010., em que ONGs desempenhavam o importante de papel de fazer o controle social sobre a política de saúde, ao passo que as novas parcerias formadas com o governo, em alguns casos, as impeliam para outra direção.

Adicionalmente, os escândalos de corrupção envolvendo ONGs e OSCIPS têm se tornado mais comuns na mídia nos últimos anos, sugerindo que o menor controle legal ao qual estas organizações estão submetidas talvez esteja favorecendo a instauração de parcerias ilegítimas. Nesse sentido, considerando que, no Brasil, a sociedade civil se organizou e se expandiu apenas recentemente, existe a possibilidade de que, na ausência do controle legal, o controle social possa ser incapaz o substituir. O próprio Bresser-Pereira (1999)BRESSER-PEREIRA, L. C. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: BRESSER-PEREIRA, L. C.; WILHEIM, J.; SOLA, L. (Orgs.). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp/Enap, 1999. p. 67-116., principal pensador da reforma de 95, destacou a importância da sociedade civil e do controle social na promoção das accountability nas parcerias.

Por este motivo, é importante analisar os mecanismos de transparência no Brasil e procedimentos de controle do recurso público utilizado nestas parcerias. Conforme é enfatizado por Doménech (2005)DOMÉNECH, A. Asociaciones entre lo público y lo privado: en búsqueda de la complementariedad. Revista del CLAD Reforma y Democracia, n. 33, Oct. 2005., as parcerias devem ser realizadas em um contexto que haja capacidade institucional do Estado para promover a transparência e accountability.

Todas estas considerações ensejam a elaboração de estudos comparativos, raros na produção acadêmica brasileira no campo da administração pública, uma vez que a proliferação destas parcerias não é exclusividade deste país, mas uma tendência internacional. Se o Brasil é caracterizado por parcerias que são iniciadas pelo governo, e não pelas organizações sem fins lucrativos, em busca de flexibilização legal; e por uma sociedade civil ainda em desenvolvimento, com fenômenos culturais específicos como o patrimonialismo (SCHWARTZMAN, 1988SCHWARTZMAN, S. Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1988.; SILVA et al., 2012SILVA, E. A.; PEREIRA, J. R.; ALCÂNTARA, V. C. Interfaces epistemológicas entre administração pública, capital social e institucionalismo. Cadernos EBAPE.BR (FGV), v. 10, p. 20-39, 2012.) e o "jeitinho brasileiro" (BARBOSA, 1992BARBOSA, L. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992.; DA MATTA, 2004DA MATTA, R. O que é Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.), vale comparar estes fenômenos e implicações com parcerias realizadas em outros contextos culturais e institucionais. Alguns exemplos de estudos internacionais que vão ao encontro das reflexões deste artigo são o estudo de Hodgson (2004)HODGSON, L. Manufactured civil society: counting the cost. Critical Social Policy. v. 24, n. 2, p. 139-64, May 2004. na Inglaterra e o trabalho de Nordtveit (2005)NORDTVEIT, B. H. Use of public private partnerships to deliver social services: advantages and drawbacks. Washington, DC: EFA Report, 2005. p. 24. em Senegal, em que ambos apontam o desmantelamento do capital social como uma das consequências imprevistas destas formas de parceria.

Outro caminho potencial é comparar, não a experiência de países diferentes, mas as experiências existentes dentro do próprio Brasil. Os governos estaduais, por exemplo, têm se distinguindo ao optar entre as OSs e OSCIPs, priorizando uma forma de parceria em detrimento da outra; e ao implementar as parcerias em uma área de atuação e não em outras.

Desta forma, as reflexões presentes neste trabalho também podem contribuir para o desenho de futuros estudos empíricos, já que trabalhos que investiguem as implicações destas parcerias, na ótica do capital social e da sociedade civil, são ainda escassos. Considerando que estas organizações, no Brasil, se tornaram um importante canal da ação estatal a partir da reforma administrativa de 1995, assim como aconteceu em diversos países a partir do movimento reformista, vale questionar quais efeitos têm surgido nestas organizações sem fins lucrativos e quais os impactos destas parcerias no capital social e na sociedade civil organizada. Vale indagar, por exemplo, se prevalece o controle social e/ou legal, e se a hipótese de desarticulação do capital social, conforme pode sugerir uma parcela da literatura, se confirma na realidade do país. Conforme apresentado neste ensaio, a verticalização através da dependência de recursos e controle burocrático; a iniciativa predominantemente do poder público na instauração das parcerias, no lugar da iniciativa das organizações; os aspectos culturais que caracterizam o Brasil, como a dificuldade de controle social, patrimonialismo e jeitinho; os diferentes tipos de capital social que podem ser construídos e dissipados através das parcerias, como os tipos bridge e o bond; as possíveis lacunas no marco legal de regulação destas parcerias; são alguns elementos relevantes para o estudo desta nova forma de alcance do interesse público.

A tendência de instaurar parcerias com a sociedade civil é uma tendência que aparentemente permanecerá em vigor no Brasil e em outros países. Desta forma, se existe um consenso na literatura sobre a relevância de fortalecer a sociedade civil para a promoção da democracia e melhoria dos resultados sociais, este estudo aponta para a necessidade de compreender as possíveis implicações deste modelo híbrido de atuação estatal, considerando seus efeitos nas formas associativas presentes no espaço ocupado pelas parcerias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2013
  • Aceito
    28 Out 2014
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