Acessibilidade / Reportar erro

Regulação em Saúde e Epistemologia Política: Contribuições da Ciência Pós-normal para Enfrentar as Incertezas

Health Regulation and Political Epistemology: Contributions of Post-normal Science in the Challenge of Uncertainties

Resumos

Este estudo teórico-conceitual considera a regulação em saúde como uma ação complexa que lida com uma pluralidade de perspectivas em situações com inúmeras incertezas existentes. A regulação em saúde possui finalidade de proteger a saúde da população na defesa do interesse público, sendo a dimensão da qualidade do conhecimento central para a tomada de decisões. Nessa perspectiva, o artigo possui como objetivo discutir as contribuições teórico-metodológicas da Ciência Pós-Normal para tal regulação, abordagem que aprofunda e propõe estratégias de gestão de temas complexos relacionados à interface ciência-política. Destaca aspectos que a ciência tradicional tende a desconsiderar como as incertezas, o peso dos valores e a pluralidade de perspectivas legítimas frente à qualidade dos tomadas de decisão, justificando a relevância dos processos participativos em uma perspectiva democrática e epistemológica. Conclui-se que a incorporação das estratégias metodológicas da Ciência Pós-Normal pode contribuir para a atividade regulatória em saúde por integrar epistemologia e política, ampliando a qualidade das decisões regulatórias.

Ciência; Regulação em Saúde; Incerteza; Política; Ciência Pós-Normal


Although there are numerous definitions for the regulatory activities in health, this theoretical study defines health regulation as a complex and dynamic action that handles a plurality of perspectives in situations of deep uncertainty. This action involves different tools and methodologies with the purpose of defending public interest. From this perspective, the study's objective is to discuss the theoretical and methodological contributions of the Post-Normal Science to such regulation. The Post-Normal Science approach consists of design management of complex issues relating to the science–policy interface. This approach highlights certain aspects that traditional science tends to ignore, such as the uncertainties, the weight values in decision making, and the plurality of legitimate perspectives. Thus, this study concludes that the incorporation of conceptual and methodological strategies of the Post-Normal Science is highly relevant for regulatory activity, by integrating health and political epistemology to extend the quality of regulatory decisions.

Science; Health Regulation; Uncertainty; Politics; Post-Normal Science


Introdução: regulação, ciência e política

Regulação é um vocábulo polissêmico que pode ser empregado para diferentes finalidades. Contudo, nesse estudo, de natureza teórico-conceitual, será adotada a definição proposta por Davies et al. (2010)DAVIES, G. J. et al. Regulators as "agents": power and personality in risk regulation and a role for agent-based simulation. Journal of Risk Research, v. 13, n. 8, p. 961-82, 2010., que consideram a regulação como uma atividade do Estado que consiste na implementação de uma política estruturada por meio de processos e documentos normativos como atos, regulamentações e manuais. Especificamente em relação à regulação em saúde, Lloyd-Bostock e Hutter (2008)LLOYD-BOSTOCK, S. M.; HUTTER, B. M. Reforming regulation of the medical profession: the risks of risk-based approaches. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 69-83, 2008. destacam que é uma atividade que pode ser mais bem compreendida como um processo que envolve diferentes instrumentos, metodologias e abordagens ao invés de ser considerada como um método coerente e claramente definido.

Em função da natureza de seu próprio objeto, a atividade regulatória em saúde apresenta grande complexidade e se constitui em uma das funções essenciais da saúde pública que abrange, conforme Buss (2010)BUSS, P. M. Saúde pública hoje. In: HORTALE, V. A. et al. Pesquisa em saúde coletiva: fronteiras, objetos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. p.33-55.: desenvolvimento e fiscalização do cumprimento de normas sanitárias; credenciamento e controle da qualidade dos serviços de saúde; certificação da qualidade de drogas, equipamentos e tecnologias; geração de novos regulamentos e ações de vigilância destinados a melhorar a saúde da população e a promover ambientes saudáveis; proteção dos consumidores, trabalhadores e da população em geral e de suas relações com os serviços de saúde; além da realização oportuna, adequada e completa das atividades regulatórias.

A fim de proporcionar estratégias mais qualificadas e adequadas de ação para lidar com a complexidade inerente à regulação em saúde, serão apresentadas e discutidas nesse artigo questões específicas relacionadas à qualidade do conhecimento para a tomada de decisão, em especial as contribuições da abordagem da Ciência Pós-Normal (CPN). A discussão central desta abordagem, isto é, a interface ciência-política, é essencial para a atividade regulatória por definir critérios de qualidade em relação às incertezas e controvérsias sobre intervenções, riscos e proteção à saúde.

A Ciência Pós-Normal tem origem nos trabalhos seminais de dois autores, Funtowicz e Ravetz (1994)FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Emerging complex systems. Futures, v. 26, n. 6, p. 568-82, 1994., envolvidos em discussões epistemológicas e políticas acerca dos problemas socioambientais modernos, cujos desafios trazem à tona os limites da ciência normal hegemônica, no sentido dado por Kuhn (1988)KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1988., para a resolução de problemas e tomadas de decisão de políticas públicas. Segundo Turnpenny et al. (2011)TURNPENNY, J.; JONES, M.; LORENZONI, I. Where now for post-normal science?: a critical review of its development, definitions, and uses. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 287-306, Dec. 2011., a CPN pode ser compreendida como: uma resposta às reflexões do filósofo da ciência Thomas Kuhn que desenvolveu o conceito de ciência normal; o desenvolvimento de um método para ampliação da ciência tradicional e um desafio para os cientistas; uma força para mudanças sociais, políticas e epistemológicas frente a problemas complexos com alto nível de incertezas e valores em jogo.

Para além dos problemas socioambientais, a qualidade da atividade regulatória em saúde também envolve inúmeras situações com alto nível de incerteza e complexidade, incluindo valores, interesses e potenciais conflitos. Funtowicz (2006)FUNTOWICZ, S. Why knowledge assessment? In: PEREIRA, A. G.; VAZ, S. G.; TOGNETTI, S. Interfaces between Science and Society. Sheffield: Greenleaf Publishing, 2006. p. 138-45., entretanto, ressalta que essa garantia de qualidade precisa ser definida em termos de incertezas e urgência nas decisões, abrangendo o interesse público, os conhecimentos científicos e as diversas formas de conhecimentos advindos da experiência, incluindo o conhecimento vivencial ou situado dos não especialistas, como as populações e pessoas que vivenciam situações de risco, problemas específicos de saúde ou são afetadas, de alguma maneira, pelas decisões tomadas quanto às políticas e ações no campo da saúde. Tal perspectiva justifica a importância da participação não apenas em defesa da democracia frente aos interesses em jogo, mas em sua dimensão epistemológica, aproximando epistemologia e política. Ou seja, assume-se que os postulados, as referências teóricas, os caminhos metodológicos e os dados considerados diante de certo problema ou fenômeno não são absolutos ou únicos, principalmente diante de problemas complexos. As análises realizadas por distintas abordagens científicas podem desconsiderar valores, incertezas e saberes importantes para uma compreensão abrangente e robusta da questão em jogo, direcionando de forma restrita ou mesmo manipuladora as decisões sobre políticas ou ações regulatórias. Nessa perspectiva, o artigo possui como objetivo discutir as contribuições teórico-metodológicas da Ciência Pós-Normal para a regulação em saúde, uma vez que avaliamos ser necessário uma maior aproximação entre ciência e política para que a atividade regulatória cumpra seu papel democrático, rompendo com divisões artificiais entre debates e espaços ditos técnicos, restritos aos especialistas, ou os chamados políticos, cuja natureza envolveria diferentes setores da sociedade através de um leque mais amplo ou restrito a certos segmentos ou de forma representativa ou mais direta.

Para estruturar a discussão proposta no presente estudo, o texto está dividido da seguinte maneira: nesta primeira seção encontra-se a introdução, na segunda seção realiza-se uma aproximação ao conceito de regulação em saúde, a terceira e quarta seções apresentam nossa compreensão de epistemologia política a partir dos aportes da Ciência Pós-Normal e como as contribuições desta podem subsidiar ações regulatórias mais adequadas. Finalmente, na última seção estão as considerações finais.

Regulação em saúde: uma aproximação

A regulação consiste em uma das clássicas e principais funções governamentais do Estado Moderno. De uma perspectiva histórica pode ser observado que os governos iniciaram suas atividades regulatórias antes mesmo de proporcionarem serviços de bem-estar social aos seus cidadãos. Nesse sentido, a regulação busca definir limites entre a sociedade e o Estado, bem como entre o governo e o mercado na garantia dos direitos constitucionais e do bem público. Representa a busca de critérios e decisões por parte do Estado frente aos conflitos e à produção de hegemonias frente ao Estado, o qual, em contextos democráticos e justos, visa estabelecer limites no escopo das atividades privadas, bem como atender a demandas de proteção e emancipação expressas pelos movimentos sociais, como ressalta Santos (2008)SANTOS, B.S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.. A importância e a amplitude da regulação como um instrumento da política pública são, portanto, bastante variáveis, dependendo intensamente do contexto político, econômico e social que vive certa sociedade num dado momento histórico (CHRISTENSEN, 2010CHRISTENSEN, J. G. Public interest regulation reconsidered: from capture to credible commitment. Jerusalem Papers in Regulation & Governance, v. 19, p. 1-33, July 2010.).

Da mesma maneira que outros conceitos políticos, é bastante difícil definir com exatidão o conceito de regulação, uma vez que o termo é utilizado para objetivos teóricos, discursivos e analíticos diversos (BLACK, 2002BLACK, J. Critical reflections on regulation. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 27, p 1-35, 2002.). Em linhas gerais, a regulação envolve uma atividade contínua de monitoramento, avaliação e refinamento de normas, sendo o processo regulatório complexo, já que implica a interação de diferentes atores sociais. Torna-se necessário, assim, que o Estado possua capacidade de conciliar diferentes racionalidades e interesses (LEVI-FAUR, 2010LEVI-FAUR, D. Regulation & governance regulatory. Jerusalem Papers in Regulation & Governance, v. 1, p. 1-47, 2010.), o que dependerá do conjunto de forças que atuam e influenciam os processos regulatórios.

Nessa perspectiva, a regulação em saúde atualmente apresenta um desafio ainda maior ao Estado e ao conjunto da sociedade, uma vez que existe uma forte hegemonia para que a lógica e as ferramentas da economia tendam a monopolizar as atividades envolvidas (KURUNMÄCHI; MILLER, 2008KURUNMÄCHI, L.; MILLER, P. Counting the costs: the risks of regulating and accounting for health care provision. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 9-21, 2008.). Essa monopolização é extremamente perigosa, uma vez que pode tornar pouco visível o objetivo principal da regulação em saúde de proteger e melhorar a saúde da população (BENNETT et al., 2009BENNETT, B. et al. Health governance: law, regulation and policy. Public Health, v, 123, n. 3, p. 207-12, Mar. 2009.), entendida no Brasil como um direito constitucional e um dever do Estado, o qual deve proporcionar políticas e ações que garantam o exercício desse direito (CAMPOS, 2007CAMPOS, G.W.S. Reforma política e sanitária: a sustentabilidade do SUS em questão? Ciência & Saúde Coletiva, v.12, n. 2, p. 301-6, 2007).

A regulação, mesmo a partir de um viés estritamente econômico, pode ser justificada pela existência de falhas de mercado (situações em que o mercado não funciona adequadamente), o que requer a intervenção estatal a fim de proporcionar melhorias técnicas e sociais que protejam os cidadãos (FERREIRA, 2004FERREIRA, A. S. De que falamos quando falamos de regulação em saúde? Análise Social, v. 39, n. 171, p. 313-37, 2004.). Em um cenário ideal, de acordo com essa abordagem econômica, um aspecto fundamental para justificar a relevância da atividade regulatória consistiria no fato de que as decisões técnicas seriam realizadas sem interferências políticas (SALVATORI; VENTURA, 2012SALVATORI, R. T.; VENTURA, C. A. A. A Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS: onze anos de regulação dos planos de saúde. Organizações & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 471-87, jul./set. 2012.), o que daria um caráter de maior objetividade e "neutralidade" às tomadas de decisão. Tal perspectiva concede, como veremos mais à frente, particular importância ao papel do conhecimento técnico-científico e de especialistas como base para sua racionalidade.

A perspectiva hegemônica da economia sobre a regulação, contudo, é insuficiente para explicar a sua relevância, uma vez que a regulação em saúde é, em sua essência, complexa e interdisciplinar. Afinal de contas, a saúde envolve valores e decisões fundamentais acerca da vida e da morte das pessoas, da qualidade de vida dos cidadãos, do acesso aos recursos e serviços que atendam às políticas e direitos de proteção à saúde. Assim, necessita das contribuições da economia, mas também da ciência política, da gestão pública, do direito, das ciências biomédicas e ambientais, das engenharias e diversos outros saberes - incluindo o vivencial, popular ou situado - para tentar promover soluções mais adequadas e justas aos problemas apresentados (FERREIRA, 2004FERREIRA, A. S. De que falamos quando falamos de regulação em saúde? Análise Social, v. 39, n. 171, p. 313-37, 2004.). Isso implica que a regulação em saúde incorpore abordagens trans ou interdisciplinares, já que suas ações repercutem em diversas áreas, contextos e culturas (HUTTER, 2008HUTTER, B. Risk regulation and health care. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 1-7, Feb. 2008.). Além disso, como aprofundaremos mais a frente, é justamente a explicitação de interesses e valores em jogo que fornece a legitimidade e intencionalidade da produção do conhecimento e das decisões a serem tomadas, reforçando a necessária integração entre epistemologia e política.

O viés da economia neoclássica e utilitarista, hegemônico para a regulação em saúde, pode ser criticado por suas bases filosóficas e morais, e implicações para a sociedade em termos de construção e reprodução de iniquidades. Ao analisar as consequências do utilitarismo para as sociedades modernas de mercado em seu livro "Justiça: O que é fazer a coisa certa", Sandel (2011) resgata uma discussão de Kant. Com base neste filósofo, o autor expõe a critica à noção de progresso baseada na visão utilitarista, já que esta corrói as bases morais da boa decisão ou boa política. A maximização utilitarista do bem estar geral tem por base o uso de valores e direitos fundamentais como moeda de troca na definição da decisão mais correta. Ao fazer isso, a decisão "ótima" aniquilaria as bases que deveriam configurar uma sociedade justa e virtuosa, já que a "melhor" decisão implica, em alguma medida, no desrespeito aos direitos fundamentais de inúmeros sujeitos individuais e coletivos. Nesse sentido, não existiriam atalhos mágicos para a melhor decisão fora da perspectiva processual em busca da eterna realização da virtude, cujos princípios morais deveriam embasar os processos de produção de conhecimento e de tomada de decisões em sociedades democráticas e justas, ou seja, virtuosas.

Um aspecto importante a ser considerado ao se analisar a complexidade da regulação em saúde consiste na influência exercida pelo mercado, bem como pelos demais agentes sociais no Estado. Tais influências podem modificar substancialmente o que foi planejado anteriormente, implicando eventualmente alterações nas políticas, ações e serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados, que podem repercutir na qualidade dos mesmos. Tais influências podem ser positivas, como a ampliação do acesso do conjunto da população a certas tecnologias que melhoram a saúde e a qualidade de vida; ou então negativas, como elevação dos custos da atividade regulatória e dos procedimentos em saúde, bem como restrições ao acesso (DALEY et al., 2007DALEY, D. M.; HAIDER-MARKEL, D. P.; WHITFORD, A. B. Checks, balances, and the cost of regulation: evidence from the American States. Political Research Quarterly, v. 60, n. 4, p. 696-706, Jan. 2007.). Para compreender a dialética dessas possibilidades, não se pode desconsiderar que a regulação é um processo político além de econômico, estando, desse modo, susceptível a pressões de grupos de interesses diversos (FERREIRA, 2004FERREIRA, A. S. De que falamos quando falamos de regulação em saúde? Análise Social, v. 39, n. 171, p. 313-37, 2004.), sejam eles legítimos ou ilegítimos e que envolvem estratégias de coerção e legitimação características do jogo político.

Conover (2004)CONOVER, C. J. The high cost of health regulation. Cato Policy Report, v. 26, n. 6, p. 19-20, 2004. argumenta que a regulação em saúde pode acarretar altos custos para o Estado por abranger diferentes tipos de regulação: das instituições de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios), dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas e outros), das operadoras de planos de saúde (que envolve restrições, regras de reajuste e portabilidade), dos produtos farmacêuticos, médicos e de equipamentos e do sistema de saúde em geral. Além disso, o Estado também é responsável por inúmeras ações de educação e vigilância em saúde abarcando diversas áreas, como a epidemiológica, a sanitária, de saúde ambiental e dos trabalhadores. Elas são estratégicas para a promoção e prevenção da saúde, objetivos importantes da saúde pública na melhoria da qualidade de vida e na redução da morbi-mortalidade da população, bem como para a redução dos custos associados ao tratamento de doenças.

Importante considerar que os custos da atividade regulatória em saúde não são somente de natureza econômica, mas envolvem sua própria legitimidade política, o que implica atuar de modo efetivo tecnicamente e aceitável politicamente em situações que, na maioria das vezes, envolvem alto grau de incerteza e interesses divergentes. Nessa direção, deve-se lembrar que, como qualquer atividade política em sociedades democráticas, a regulação precisa adotar procedimentos que promovam a transparência do processo decisório e a participação pública (KINNEY, 2002KINNEY, E.D. Administrative law and the public's health. Journal of Law, Medicine & Ethics, v. 30, n. 2, p. 212-23, June 2002.).

Essa necessidade de participação social e transparência da atividade regulatória ultrapassa a justificativa da importância de decisões participativas para a ampliação da democracia, uma vez que a participação da sociedade, se realizada de maneira efetiva, contribui com o aumento da qualidade da regulação. Além da explicitação e defesa de valores e interesses legítimos, a participação proporciona a incorporação de diferentes saberes e pontos de vista que são importantes na estruturação dos problemas complexos, os quais envolvem uma pluralidade de perspectivas. Desse modo, como aponta Aagaard (2009)AAGAARD, T. S. Factual premises of statutory interpretation in agency review cases. George Washington Law Review, v. 77, n. 2, p. 366-430, Feb. 2009., processos participativos contribuem para diminuir possíveis limitações de compreensão e vieses do regulador. Trata-se, portanto, de uma dimensão epistemológica relacionada à qualidade do conhecimento, questão pouco trabalhada nas discussões sobre a atividade da regulação em saúde. Nesse contexto, a abordagem teórico-metodológica da Ciência Pós-Normal pode ser de grande utilidade.

Ciência pós-normal e epistemologia política: possibilidades e desafios

A Ciência Pós-Normal consiste em uma concepção de gestão de problemas complexos relacionados à interface ciência-política. Essa abordagem destaca aspectos que a ciência tradicional ou normal tende a desconsiderar como as incertezas, o peso dos valores nas tomadas de decisão e a pluralidade de perspectivas legítimas. Para a Ciência Pós-Normal, tais elementos são essenciais para a prática científica, em especial quando estruturam problemas complexos e apoiam processos decisórios, sendo consistente para a ampla participação social na tomada de decisões. A modificação proposta pela Ciência Pós-Normal é muito acentuada, já que a abordagem da ciência normal para lidar com problemas complexos significa reduzir sua complexidade através do estudo de um determinado fragmento. Essa é a razão da denominação pós-normal como oposição à noção de ciência normal fragmentada no sentido dado por Kuhn (TURNPENNY et al., 2011TURNPENNY, J.; JONES, M.; LORENZONI, I. Where now for post-normal science?: a critical review of its development, definitions, and uses. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 287-306, Dec. 2011.). Tal nomenclatura, contudo, tem gerado certa confusão, pois pode ser erroneamente associada a visões pós-modernas e relativistas, quando o centro de sua proposta se encontra justamente na defesa da qualidade do conhecimento e de posturas éticas e democráticas na interface ciência-política.

Para a Ciência Pós-Normal, as contribuições da ciência normal não devem ser desconsideradas: ao contrário, são essenciais para o desenvolvimento de diversas ferramentas metodológicas dessa nova concepção. Há, contudo, uma diferença fundamental frente à gestão das incertezas científicas com relação ao que Funtowicz e Ravetz (1994FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Emerging complex systems. Futures, v. 26, n. 6, p. 568-82, 1994. e 2008) denominam de ciência aplicada e consultoria profissional, cujas estratégias podem ser consideradas adequadas de acordo com níveis menores de complexidade, compreendida em duas vertentes, quais sejam, as incertezas e os valores em jogo. A estratégia da ciência aplicada para enfrentar as incertezas consiste no controle das variáveis relevantes do problema (como em laboratório) e no uso das probabilidades estatísticas para o desenho de estudos e análise de seus resultados, admitindo-se que as incertezas e os interesses em jogo são baixos. Já a estratégia da consultoria profissional pressupõe um número maior de incertezas e interesses/valores em jogo, e a forma de reduzir as incertezas envolvidas é realizada por meio da avaliação profissional, caso de inúmeros problemas que são solucionados por indivíduos e equipes de médicos, engenheiros e/ou outros campos profissionais nos quais a experiência assume um papel central no lidar com situações reais, as quais tendem a ser bem diferentes dos laboratórios. Porém, admitindo-se que as incertezas e os interesses/valores em jogo são elevados, o problema da incerteza científica deve ser compreendido não somente por meio da redução das incertezas, algumas vezes irredutíveis e sim pela constante busca de qualidade nas decisões e ações diante de situações mais complexas, sendo essencialmente essa a proposta da Ciência Pós-Normal (MARSHALL; PICOU, 2008MARSHALL, B. K.; PICOU, J. S. Postnormal science, precautionary principle, and the worst cases: the challenge of twenty-first century catastrophes. Sociological Inquiry, v. 78, n. 2, p. 230-47, May 2008.). Neste caso, admite-se que nenhuma dimensão especializada isoladamente será capaz de diagnosticar e propor soluções adequadas, seja pela dimensão epistemológica frente aos problemas complexos, seja pela dimensão ético-política, já que valores e interesses somente podem ser expressos ou defendidos pelos próprios sujeitos ou grupos envolvidos no problema.

Como consequência, um elemento-chave proposto pela Ciência Pós-Normal consiste na comunidade ampliada de pares para a discussão, estruturação e proposição de alternativas frente aos problemas complexos. Os padrões de qualidade da ciência normal especializada, em sua busca aparente por "neutralidade" e "objetividade", são mantidos por comunidades especializadas de pares cerradas em torno de paradigmas hegemônicos, os quais tendem a explicitar fatos duros e ocultar tanto os valores quanto as incertezas em jogo. Tais limites tornam-se ainda mais relevantes em situações complexas com alto grau de incertezas e decisões envolvendo valores importantes. Dessa forma, tanto a estruturação dos problemas como as análises possíveis/soluções apontadas requerem abordagens criativas e abrangentes envolvendo uma ampla gama de especialistas e não especialistas afetados por essas situações, uma vez que todos esses sujeitos possuem saberes e podem proporcionar visões relevantes para a compreensão dos problemas que proporcionarão, em tese, soluções de maior qualidade.

Nessas comunidades, deveriam participar diferentes pessoas vinculadas aos diversos grupos legítimos de interesse que aportem ao processo regulatório conhecimentos, valores, vivências e necessidades presentes na sociedade e envolvidas no problema. Uma comunidade ampliada de pares consiste, portanto, de um fórum de produção de conhecimentos e construção de compromissos, e para ser efetiva demandaria um grau de liberdade e disposição ao diálogo. Ou seja, membros com diferentes habilidades de comunicação e tradução com a finalidade de avaliar as evidências científicas existentes, aportar novos conhecimentos, redimensionar o problema em si e, com tudo isso, subsidiar tomadas de decisão mais adequadas a partir de critérios e valores explicitados e assumidos. Nessas comunidades podem existir cientistas independentes, integrantes com perfil político, membros da sociedade civil organizada, especialistas científicos contratados pelas partes interessadas (empresas ou grupos da sociedade) e um avaliador sênior (HULME, 2010HULME, M. Claiming and adjudicating on Mt Kilimanjaro's shrinking glaciers: guy callendar, Al Gore and extended peer communities. Science as Culture, v. 19, n. 3, p. 303-26, 2010.). O reconhecimento de saberes situados relacionados ao contexto e às vivências cotidianas frente a certa situação também inclui como de vital importância a incorporação, dentre outros, de trabalhadores, moradores, portadores de doenças específicas e usuários dos sistemas de saúde. Não existiria, portanto, um modelo único ou uma direção metodológica clara de como constituir uma comunidade ampliada de pares, mas a premissa básica seria criar as condições para uma maior qualidade ética e epistemológica através da diversidade de experiências, saberes e valores considerados relevantes para propor prioridades e alternativas de solução frente à temática em questão.

As propostas da CPN, entretanto, não estão isentas de críticas. Aliás, como acontece com todos os referenciais teóricos e metodológicos, existem na literatura diversos estudos apontando suas fragilidades e limites. Goeminne (2011)GOEMINNE, G. Has science ever been normal? On the need and impossibility of a sustainability science. Futures, v. 43, n. 6, p. 627-36, Aug. 2011. chega a ponto de questionar se algum dia a prática científica foi normal por considerar, como destacam diversos trabalhos da sociologia do conhecimento, que estudos científicos sempre implicam escolhas de métodos e que essas escolhas são influenciadas por contextos políticos e sociais.

Uma forte crítica à Ciência Pós-Normal está relacionada à sua carência de compreensão sociológica sobre a governança dos problemas políticos e acerca dos aspectos conflitivos ou contraditórios da democracia participativa e deliberativa. Para a CPN, segundo essa crítica, o raciocínio metodológico prevaleceria sobre a deliberação política, as disputas por poder e as interações em contextos mais ou menos democráticos e, desse modo, a mudança do tipo de avaliação da evidência científica poderia alterar os resultados de uma determinada política (WESSELINK; HOPPE, 2011WESSELINK, A; HOPPE, R. If post-normal science is the solution, what is the problem?: the politics of activist environmental science. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 389-412, May 2011.). Collins e Evans (2002)COLLINS, H. M.; EVANS, R. The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, v. 32, n. 2, p. 235-96, Apr. 2002., nesse sentido, ressaltam este importante limite desse referencial: a dificuldade na compreensão de que os processos políticos, econômicos, culturais e técnicos possuem fronteiras tênues, sendo praticamente impossível intervir no último sem influência dos anteriores. Ou, dito de outra forma, que a busca por uma nova racionalidade com qualidade ética e epistemológica não se realiza somente a partir da boa disposição ao diálogo com alteridade como condição para a mudança dos próprios pontos de vista e a construção de novas prioridades e soluções comuns.

Seguindo linha semelhante, Porto (2011)PORTO, M. F. S. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 93, p. 31-58, 2011., baseado nos conflitos socioambientais decorrentes do atual capitalismo globalizado, também aponta certa ingenuidade na ausência de reflexões em como lidar com situações de conflito que estão presentes em sociedades plurais com valores e interesses divergentes, mas são estruturais em sociedades desiguais e com fortes assimetrias no acesso a recursos, incluindo informações, mecanismos de participação e influência sobre processos decisórios. Esta "ingenuidade" está relacionada principalmente à ênfase metodológica da Ciência Pós-Normal, em detrimento de reflexões mais aprofundadas sobre as questões sociológicas inerentes aos conflitos que emergem em instâncias de ampla participação como a comunidade ampliada de pares.

De fato, vários estudos que utilizam o referencial da Ciência Pós-Normal não problematizam sociologicamente uma questão fundamental: como realizar a articulação do conhecimento científico proveniente dos especialistas com o conhecimento da prática, o senso comum dos demais agentes sociais e, mais que isso, como lidar com conflitos que podem, da mesma forma que certas incertezas, ser de alguma forma estruturais e irredutíveis. Bourdieu (2009)BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. ressalta que esses dois tipos de conhecimento – o científico e o da prática - possuem natureza diversa no campo das ciências sociais e humanas, sendo o primeiro relacional e o segundo substancial, ou seja, a ciência busca descobrir as relações que produzem os processos sociais, enquanto o senso comum pensa o mundo social de modo realista e contextualizado a partir do vivenciado, considerando a realidade em si mesma, sem necessariamente realizar abstrações.

Collins e Evans (2002)COLLINS, H. M.; EVANS, R. The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, v. 32, n. 2, p. 235-96, Apr. 2002. ainda destacam que um grande problema da abordagem da Ciência Pós-Normal seria justamente considerar que estes dois tipos de conhecimento são facilmente conciliáveis, e que a compreensão do problema em novas bases geraria uma nova racionalidade para as práticas sociais como processos decisórios. Estes aspectos já foram amplamente problematizados por estudos da sociologia da ciência que enfatizaram a dificuldade de harmonização destes dois tipos de saberes. Da forma como estão estabelecidas, essas duas maneiras de pensar o mundo social muitas vezes são antagônicas e colocam-se em conflito, em particular quando assumem interesses divergentes.

Dessa forma, para que a proposta da comunidade ampliada de pares da CPN seja viável, existe a necessidade de que cada participante esteja de acordo com a possibilidade de rever suas posição através de uma abertura cognitiva e política que aceite a legitimidade de argumentações contrárias ou diferentes da sua posição inicial através do diálogo. É difícil imaginar que isso seja possível sem condições especiais. Uma delas seria a formação de alianças em que certos sujeitos, grupos e instituições estabelecem acordos em torno de objetivos e valores comuns que viabilizem sua condição de pares para o exercício de processos dialógicos genuínos pelo exercício de uma alteridade generosa, e não "díspares" em disputas por controle e hegemonia de acordo com posições, interesses e valores prévios que permanecem cristalizados ao longo dos vários processos de interações e tomadas de decisão.

Ainda que sejam formadas alianças que configurem uma comunidade ampliada de pares, o diálogo, para ser viabilizado em tal instância, necessita traduções e mediações para a superação de barreiras cognitivas e conflitos. Contudo, as críticas apresentadas, em nossa opinião, não reduzem a importância da questão da qualidade do conhecimento para a tomada de decisões em sociedades democráticas. Pelo contrário, vão na direção do que os próprios Funtowicz e Ravetz (1993)FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Science for the post-normal age. Futures, v. 25, n. 7, p. 739-55, Sept. 1993 denominam de "epistemologia política: ciência com as pessoas", compreendida enquanto estratégia que traz para o centro do debate sobre qualidade do conhecimento questões como os riscos, as incertezas e ignorâncias no lidar com análises, soluções e decisões em torno de importantes problemas modernos. Tais questões são sistematicamente ocultadas pela formulação teórica e prática dos especialistas da ciência normal, ou ainda pelas argumentações daqueles que defendem interesses específicos em detrimento de outros. Nesse sentido, caberia ao Estado, à ciência e suas instituições encontrarem as bases políticas, morais, teórico-metodológicas e práticas propícias ao surgimento de novas formas de estruturar e propor alternativas em torno de problemas de maior complexidade no campo da saúde. Mais que isso, a estratégia de aproximar ciência e pessoas é central para a compreensão da proposta cidadã da CPN, pois, o redirecionamento das instituições só será possível na medida em que há uma ruptura na concepção que afasta os espaços ditos técnico-científicos, onde ocorrem discussões substanciais e que possuem participação restrita, muitas vezes com importantes deliberações; dos outros espaços de deliberação política e participação cidadã.

Partindo das propostas da CPN, Porto (2011)PORTO, M. F. S. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 93, p. 31-58, 2011. propõe uma epistemologia política para lidar com os conflitos ambientais a partir de duas perspectivas: (i) a epistemológica pela via da complexidade, ou seja, a compreensão dos limites das várias áreas de conhecimento em torno dos problemas e conflitos que, por serem complexos, possuem inúmeras e irredutíveis dimensões. Esta perspectiva também assume a explicitação das incertezas e valores em jogo, os quais conformam processos decisórios e políticas públicas; (ii) a sócio-política, através dos referenciais da economia política e da ecologia política, envolvendo a explicitação dos conflitos ambientais em contextos de vulnerabilidade nos quais há disputas por recursos, valores, modelos de desenvolvimento e cosmovisões. Reconhecer a complexidade do problema permite aceitar a pluralidade de perspectivas e metodologias como legítimas.

A integração entre as duas perspectivas não é trivial, pois, certo pensamento sistêmico funcionalista formulado pela interação de sistemas fisicalistas, biológicos/biomédicos e humanos tende a ocultar, diluir ou produzir reducionismos frente às questões éticas e culturais, ou ainda às dimensões históricas e sociais de natureza dialética, incluindo conflitos e valores em disputa. Daí a importância de unirmos epistemologia e política, inclusive para compreendermos como as formas de ocultamento dos valores, componentes da realidade e incertezas podem estar relacionadas aos interesses e disputas em jogo. Tal junção, como aponta Porto et al. (2014)PORTO, M. F. S. et al. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 10, p. 4071-80, out. 2014., implicaria em fóruns de debate com destaque para a tradução e o papel dos tradutores. Estes podem ser compreendidos como pessoas que estabelecem pontes não só entre paradigmas científicos, mas entre culturas, valores, linguagens, saberes e experiências na busca de compreensão e ressignificação dos problemas diante das necessidades de mudanças, insatisfações, sonhos e busca de alternativas. Eles circulam por e dominam, em algum grau, diferentes paradigmas e linguagens, sendo casos exemplares certas lideranças comunitárias ou de movimentos sociais; investigadores engajados que dialogam com comunidades e movimentos sociais na busca de compromissos e convergências construídos por meio de práticas ativistas e métodos de pesquisa-ação; ou ainda casos de fusão dos dois grupos anteriores, de cientistas provenientes de classes sociais, grupos raciais ou étnicos, ou ainda comunidades específicas (como portadores de certas doenças) que elegem como objetos de pesquisa questões provenientes de suas comunidades de origem e experiências de vida.

Importante ainda lembrar que nenhuma teoria pode proporcionar explicações para todas as lacunas do conhecimento, principalmente em situações complexas. Portanto, como aponta Becker (2007)BECKER, H.S. Segredos e truques de pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007., lacunas sempre estarão presentes, sendo um "mal necessário" para o entendimento da realidade, que de alguma forma permanecerá incompleto e parcial para o conhecimento científico. Embora a Ciência Pós-Normal apresente limitações como qualquer referencial, acreditamos que essa perspectiva pode contribuir bastante para a melhoria dos processos decisórios por buscar articular epistemologia e política, propondo o desenvolvimento de abordagens epistêmicas que possibilitam soluções mais consistentes para os problemas complexos (KASTENHOFER, 2011KASTENHOFER, K. Risk assessment of emerging technologies and post-normal science. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 307-33, Nov. 2011.).

Muitos problemas de saúde certamente fazem parte desse grupo e a CPN nos ajuda a lidar com essas situações através da compreensão dos limites dos modelos científicos tradicionais e sua superação pela forma como discute temas tão cruciais, como as incertezas em jogo na estruturação dos problemas e possíveis soluções (TURNPENNY et al., 2011TURNPENNY, J.; JONES, M.; LORENZONI, I. Where now for post-normal science?: a critical review of its development, definitions, and uses. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 287-306, Dec. 2011.). Para isso, principalmente no contexto europeu vêm sendo desenvolvidas ferramentas metodológicas multidimensionais e reflexivas para avaliar e comunicar as incertezas científicas, como o checklist de Avaliação da Qualidade do Conhecimento, que já foi adotado por uma agência reguladora da área ambiental na Holanda (VAN DER SLUIJS, 2006VAN DER SLUIJS, J. Uncertainty, assumptions and value commitments in the knowledge base of complex environmental problemas. In: PEREIRA, A. G.; VAZ, S. G.; TOGNETTI, S. Interfaces between science and society. Sheffield: Greenleaf, 2006. p. 64-81.). Desse modo, além de contribuir epistemologicamente, a CPN pode ser útil de maneira prática para a regulação em saúde por meio da incorporação e adaptação de suas metodologias, como será discutido na próxima seção.

Regulação em saúde e ciência pós-normal: perspectivas

De acordo com De Marchi e Funtowicz (2004)DE MARCHI, B.; FUNTOCOWICZ, S. La gobernabilidad del riesgo en la Unión Europea. In: LUJÁN, J. L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2004. p. 153-65., os pressupostos da Ciência Pós-Normal contribuem para uma regulação mais efetiva e adequada de problemas complexos por incorporar os seguintes princípios:

  • Compartilhar o conhecimento: refere-se à necessidade de reconhecer e valorizar os diferentes tipos de conhecimento que os distintos atores e sujeitos podem aportar ao debate. Os cidadãos não podem ser considerados "tábulas rasas", ao contrário, possuem conhecimento relevante derivado de sua experiência cotidiana de enfrentamento de problemas concretos do mundo real. Este conhecimento situado e contextualizado também está ligado aos costumes e às práticas sociais, proporcionando, desse modo, valiosas observações para uma regulação efetiva. Há necessidade, portanto, de um amplo diálogo entre saberes e experiências além daquelas especializadas de origem puramente técnico-científica.

  • Congruência: trata-se da coerência tanto interna como recíproca entre ideias e ações, e sua correspondência com a realidade da experiência anterior e de iniciativas futuras. Por exemplo, as medidas de prevenção para diferentes riscos podem ser mutuamente contraditórias, ou ainda os planos de reparação dos danos já ocorridos podem não ser aplicáveis em determinados contextos sociais. Como exemplo de insumos incongruentes pode ser citado o caso de um conselho ou orientação que seja justificado tecnicamente, mas, que não seja aplicável na prática, produzindo, desse modo, resultados incongruentes, não efetivos e possivelmente perigosos.

  • Recursos: referem-se não apenas aos amplamente reconhecidos, como os econômicos, mas ao conjunto de todos os talentos, conhecimentos e conexões das diferentes partes implicadas, que incluem também as habilidades sociais e comunicativas e seu acesso a redes mais amplas. O diálogo político pode favorecer o aparecimento destes recursos que, uma vez descobertos, podem ser aperfeiçoados e utilizados em um processo de aprendizagem e inovação social que amplia os recursos sociais existentes, através de um efeito bola de neve e de efeitos sinérgicos com outras atividades em curso. É importante também a utilização de redes e organizações comunitárias, sociais e profissionais envolvidas no problema, assim como instituições e autoridades regionais e locais cuja participação seja estratégica. Contudo, nem sempre isso é possível diante de culturas institucionais e práticas políticas que inviabilizem o diálogo necessário.

  • Confiança: A "confiança" compreende e permeia os outros três princípios, pois é a principal condição para que qualquer cooperação ou processo dialógico entre os diferentes atores seja efetivo. A confiança do público leigo nos especialistas e nos reguladores vem sofrendo uma forte erosão nos últimos tempos. Frequentemente este fenômeno origina-se na percepção do público de que houve omissão de informações, tentativa de confundir a sociedade, subordinação de instituições e cientistas a interesses econômicos ou até mesmo mentiras. Isso simultaneamente tanto dificulta quanto demanda novos esforços para sua superação, através de processos que busquem integrar a qualidade das argumentações com legitimidade moral e política.

Um importante aspecto para a legitimidade desses processos, principalmente nos tempos atuais, é a defesa dos interesses públicos, dos direitos fundamentais e da democracia como objetivos maiores de qualquer atividade regulatória estatal (CHRISTENSEN, 2010CHRISTENSEN, J. G. Public interest regulation reconsidered: from capture to credible commitment. Jerusalem Papers in Regulation & Governance, v. 19, p. 1-33, July 2010.). De acordo com Valentinov (2011)VALENTINOV, V. Accountability and the public interest in the nonprofit sector: a conceptual framework. Financial Accountability & Management, v. 27, n. 1, p. 32-42, Feb. 2011., os interesses públicos podem ser compreendidos a partir de três diferentes perspectivas: a substantivo-funcional, que se relaciona à busca do "bem maior" da sociedade; a substantivo-agregativa, para a qual o interesse público seria um cálculo utilitário do que a maioria das pessoas deseja em um determinado período; e a processual, que considera as pessoas como participantes no diálogo sobre o que o interesse público implica, e nesse debate os indivíduos interagem, aprendem e podem muitas vezes transformar suas preferências, ou ainda impedir que certos interesses ditos públicos ou da maioria aniquilem interesses legítimos e direitos considerados fundamentais de aparentes minorias. Para autores como Johnson e Petersen (2008)JOHNSON, M. H.; PETERSEN, K. Public interest or public meddling? Towards an objective framework for the regulation of assisted reproduction technologies. Human Reproduction, v. 23, n. 3, p. 716-28, Mar. 2008., essas perspectivas não precisariam ser sempre excludentes e poderiam ser mesmo complementares, muitas vezes funcionando como um continuum (JOHNSON; PETERSEN, 2008JOHNSON, M. H.; PETERSEN, K. Public interest or public meddling? Towards an objective framework for the regulation of assisted reproduction technologies. Human Reproduction, v. 23, n. 3, p. 716-28, Mar. 2008.). Tal visão, contudo, colide com visões das ciências sociais (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.) ou da ecologia política (PORTO, 2011PORTO, M. F. S. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 93, p. 31-58, 2011.) que reconhecem a existência de forças políticas, econômicas e simbólicas como fundamentais para entender os limites da racionalidade ideológica e instrumental das duas primeiras abordagens, e que se agravam em sociedades desiguais e autoritárias que tornam proeminentes perspectivas utilitaristas.

Nesse sentido, consideramos que a proposta da CPN reforça uma posição processual e democrática de gestão de conhecimentos, como indicado por Funtowicz e Strand (2007)FUNTOWICZ, S.; STRAND, R. Models of science and policy. In: TRAAVIK, T.; LIM, L. C. Biosafety first: holistic approaches to risk and uncertainty in genetic engineering and genetically modified organisms. Trondheim: Tapir, 2007. p. 263-78. ao afirmarem que o objetivo principal da Ciência Pós-Normal de garantir a qualidade das decisões em situações com alto nível de incerteza e complexidade deve ser considerado a partir da lógica da defesa do interesse público e, acrescentamos, dos direitos fundamentais. Até mesmo a concepção hegemônica da economia sobre a regulação, com forte ênfase nas já citadas falhas de mercado, reconhece que em situações de saúde o contexto é sempre caracterizado pela presença de profundas incertezas. Tal reconhecimento implica que tanto a atividade regulatória em saúde seja de difícil desenvolvimento, quanto a garantia da qualidade das ações regulatórias seja de complexa realização (FERREIRA, 2004FERREIRA, A. S. De que falamos quando falamos de regulação em saúde? Análise Social, v. 39, n. 171, p. 313-37, 2004.).

Assim, para o alcance dessa defesa é estratégico modificar a tradicional revisão por pares da ciência normal, que geralmente incidem nas atividades regulatórias por meio da avaliação por técnicos/especialistas em conselhos/câmaras técnicas com base em análises científicas e ferramentas econômicas, tais como análises custo-benefício. De modo geral, as incertezas, quando consideradas, são tratadas de maneira puramente quantitativa e sem explicitar os valores e interesses subjacentes envolvidos. Para que isso seja superado, a CPN propõe que a revisão seja realizada por uma "comunidade ampliada de pares" (FUNTOWICZ; STRAND, 2007FUNTOWICZ, S.; STRAND, R. Models of science and policy. In: TRAAVIK, T.; LIM, L. C. Biosafety first: holistic approaches to risk and uncertainty in genetic engineering and genetically modified organisms. Trondheim: Tapir, 2007. p. 263-78.) que discuta as incertezas e as consequências das decisões, assim como garanta a proeminência do interesse público e dos direitos dos envolvidos a partir da explicitação dos vários interesses coletivos que se encontram em jogo diante de certo problema ou tomada de decisão.

Existem outros avanços metodológicos provenientes da CPN que podem contribuir para a regulação em saúde, como os diferentes métodos que foram desenvolvidos por essa abordagem, como o já mencionado checklist de Avaliação da Qualidade do Conhecimento. Essas ferramentas metodológicas permitem, segundo Van der Sluijs et al. (2008)VAN DER SLUIJS, J. P. et al. Exploring the quality of evidence for complex and contested policy decisions. Environmental Research Letters, v. 3, n. 9, 2008., analisar as incertezas de modo a ultrapassar a concepção de que elas são um problema meramente técnico, ou ainda que a busca de consenso científico é o melhor caminho quando há evidência inconclusiva. Em adição, as metodologias de avaliação propostas buscam explicitar as profundas incertezas subjacentes à estruturação dos problemas, aos julgamentos de especialistas e às escolhas metodológicas, dentre outros aspectos. Tais propostas podem contribuir para minimizar controvérsias e manipulações políticas de evidências e incertezas que funcionem como barreiras para as decisões mais justas e democráticas.

De certa forma, a regulação em saúde pode ser pensada, como qualquer outro tipo de política, como uma política da dúvida, uma vez que, como argumentam Freudenburg et al. (2008)FREUDENBURG, W.R.; GRAMLING, R.; DAVIDSON, D.J. Scientific Certainty Argumentation Methods (SCAMs): science and the politics of doubt. Sociology Inquiry, v. 78, n.1, p. 2-38, Feb. 2008., têm por base evidências científicas que, em sua grande maioria, são inerentemente probabilísticas e ambíguas, isto é, repletas de incertezas e valores frequentemente ocultos no discurso científico e no uso abusivo do conceito de evidência. Como muitas vezes as decisões regulatórias precisam ser tomadas de maneira urgente para defender o interesse público, justifica-se plenamente o uso das ferramentas metodológicas que analisem as incertezas e os valores em jogo para que a ação regulatória possua maior qualidade e legitimidade, inclusive reconhecendo-se as próprias incertezas acerca das decisões a serem tomadas.

Para dar maior concretude à proposta do checklist de Avaliação da Qualidade do Conhecimento (VAN DER SLUIJS et al., 2008VAN DER SLUIJS, J. P. et al. Exploring the quality of evidence for complex and contested policy decisions. Environmental Research Letters, v. 3, n. 9, 2008.), abaixo sistematizamos em tópicos os principais componentes deste método:

  • Estruturação do Problema: outras visões do problema, valores envolvidos, relação com outros problemas, papel dos resultados no processo político.

  • Envolvimento dos diferentes atores: identificação dos atores, suas visões e papéis, controvérsias, modo de envolvimento.

  • Seleção dos indicadores: base adequada para seleção, indicadores alternativos, suporte para seleção com métodos científicos, relação sociedade/política.

  • Avaliação da base do conhecimento: qualidade requerida, lacunas no conhecimento e nos métodos, impacto dessas lacunas nos resultados.

  • Mapeamento e avaliação das incertezas relevantes: identificação e priorização das incertezas-chave, escolha do método para avaliá-las, avaliação da robustez das conclusões.

  • Comunicação das incertezas: contexto da comunicação, implicações políticas das incertezas, representação equilibrada e consistente das incertezas.

Uma das razões para o potencial uso de ferramentas relevantes para a regulação em saúde desenvolvidas a partir da Ciência Pós-Normal decorre do crescente empenho por parte de diferentes atores e interesses para se destacar as incertezas das evidências científicas com o objetivo de desqualificar tais evidências como subsídio para a decisão regulatória em saúde. Em diversos países existem consultorias especializadas em fornecer suporte técnico para questionamento da qualidade das evidências utilizadas na atividade regulatória em saúde, como destaca Michaels (2006)MICHAELS, D. Manufactured uncertainty protecting public health in the age of the protection of the public's health and environment. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1076, p. 149-62, Sept. 2006., embora os motivos para tal nem sempre possam ser considerados moralmente legítimos.

Além disso, segundo Ashford (2007)ASHFORD, N. A. The legacy of the precautionary principle in US law: the rise of cost benefit analysis and risk assessment as undermining factors in health, safety and environmental protection. In: SADELEER, N. Implementation the precautionary principle: approaches from the nordic countries, the EU and the United States. Londres: Earthscan, 2007., os reguladores, especialmente na área da saúde, precisam estar atentos para os possíveis erros produzidos por uma avaliação inadequada das incertezas. Segundo esse autor, há três tipos de erros que podem ser gerados por uma avaliação incorreta das incertezas:

  • Erro do tipo I: ocorre se há a proibição de um determinado procedimento, tecnologia ou produto em razão de seus efeitos prejudiciais, quando na realidade o procedimento é seguro (falso positivo)

  • Erro do tipo II: ocorre a liberação de um determinado procedimento, tecnologia ou produto acreditando-se que ele é seguro, quando na realidade é prejudicial (falso negativo).

  • Erro do tipo III: acontece quando há a formulação de uma resposta para um problema mal estruturado ("racionalidade restrita"), com efeitos imprevisíveis ou negativos.

Funtowicz e Ravetz (2003)FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Post-normal science. International Society for Ecological Economics, Internet Encyclopaedia of Ecological Economics, 2003. Disponível em: <http://www.ecoeco.org/pdf/pstnormsc.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2012.
http://www.ecoeco.org/pdf/pstnormsc.pdf>...
chamam a atenção de que os erros do tipo III são uma armadilha característica da utilização da ciência normal em situações de maior complexidade, pois, quando existem lacunas entre os dados disponíveis e a modelagem proposta de um lado, e a situação política real de outro, as abordagens fragmentadas da ciência normal são insuficientes e muitas vezes até perigosas.

Em relação aos dois primeiros tipos de erros, Freudenburg et al. (2008)FREUDENBURG, W.R.; GRAMLING, R.; DAVIDSON, D.J. Scientific Certainty Argumentation Methods (SCAMs): science and the politics of doubt. Sociology Inquiry, v. 78, n.1, p. 2-38, Feb. 2008. ressaltam que a ciência normal costuma evitar o erro do tipo I com uma margem de até 95% de confiança, mas só consegue evitar os erros do tipo II com uma margem bem menor, de até 80% de confiança. Os autores ressaltam que os erros do tipo II, isto é, quando o órgão regulador autoriza um procedimento, tecnologia ou produto considerando que o mesmo é seguro e na realidade não o é, são especialmente graves, já que possuem implicações sérias sobre a saúde da população. A ciência normal, entretanto, tende a considerar que os erros do tipo I são mais graves que os de tipo II porque se falso-positivos ocorrem há atraso no avanço do conhecimento científico (VECCHIONE, 2011VECCHIONE, E. Science for the environment: examining the allocation of the burden of uncertainty. European Journal of Risk Regulation, v. 2, p. 227-39, 2011.). Além disso, um dos principais valores da atividade científica consiste na busca contínua de maior precisão, o que também justifica esta maior ênfase nos erros do tipo I (LUJÁN; CEREZO, 2004LUJÁN, J. L.; CEREZO, A. L. De la promoción a la regulación. El conocimiento científico en las políticas públicas de ciencia y tecnología. In LUJÁN, J.L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva/Organización de Estados Iberoamericanos, 2004. p. 75-98.) e a dificuldade em lidar com o tema das incertezas. Strand (2001)STRAND, R. The role of risk assessments in the governance of genetically modified organisms in agriculture". Journal of Hazardous Materials, v. 86, n. 1-3, p. 187-204, Sept. 2001. também aponta a ideologia do otimismo tecnológico e a busca de retornos financeiros no menor prazo possível como causas dessa valorização. Para Pierce (2008PIERCE, N. Corporate influences on epidemiology. International Journal of Epidemiology, v. 37, n. 1, p. 46-53, Feb. 2008.; 2011PIERCE, N. Epidemiology in a changing world: variation, causation and ubiquitous risk factors. International Jounal of Epidemiology, v. 40, n. 2, p. 503-12, Apr. 2011.), existe uma tendência dos epidemiologistas preferirem falsos negativos a falsos positivos, ou seja, preferem reivindicar nenhuma associação entre variáveis quando existe uma do que reivindicar uma eventual falsa associação. Para o autor, esse problema facilita a influência de interesses econômicos de grandes corporações nos estudos desenvolvidos pelo campo da saúde pública.

Erros regulatórios podem produzir consequências graves para a saúde pública, e a literatura científica possui inúmeros casos de efeitos danosos verificados após a autorização e liberação dos produtos por instituições reguladoras. Um exemplo famoso refere-se à autorização do uso do medicamento talidomida para tratamento das náuseas da gravidez, já que a utilização de tal medicamento resultou em milhares de casos graves de teratogenia em diversos países (BARRETO; GUIMARÃES, 2011BARRETO, M. L.; GUIMARÃES, R. Epidemiologia e ações regulatórias nas áreas da saúde e do ambiente. In: BARRETO, M. L.; ALMEIDA-FILHO, N. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 678-86.). Além disso, é reconhecida a manipulação de incertezas e evidências científicas pela indústria do tabaco como estratégia para evitar políticas regulatórias restritivas (MICHAELS, 2006MICHAELS, D. Manufactured uncertainty protecting public health in the age of the protection of the public's health and environment. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1076, p. 149-62, Sept. 2006.). Portanto, a incorporação dos pressupostos teóricos e metodológicos desenvolvidos pela Ciência Pós-Normal na regulação em saúde é consistente com os princípios da defesa da saúde pública, uma vez que, conforme Graham (2010)GRAHAM, H. Where is the future in public health? The Milbank Quarterly, v. 88, n. 2, p. 149-68, June 2010., essa abordagem destaca uma adequada gestão das incertezas, evitando ocultá-las e sim considerá-las enquanto motivos e justificativas para agir e, assim, evitar consequências danosas à saúde pública.

Outro aspecto relevante diz respeito a como lidar com o uso retórico das incertezas (CECCARELLI, 2011CECCARELLI, L. Manufactured scientific controversy: science, rhetoric, and public debate. Rhetoric & Public Affairs, v. 14, n. 2, p. 195-228, 2011.) visando adiar ou promover determinada intervenção regulatória com a finalidade de contemplar interesses alheios ao interesse público. Infelizmente, isso tem se tornado fato cada vez mais comum nos processos regulatórios em todo o mundo através da utilização estratégica das incertezas por algumas empresas. Como afirma Gertner (2010)GERTNER, A. Science of uncertainty: making cases for drug incorporation in Brazil. Anthropological Quaterly, v. 83, n. 1, p. 97-122, 2010., tal utilização implica ocultar escolhas e seleções realizadas no processo científico de produção de evidências, e pode ser extremamente perigosa para atividade regulatória uma vez que possibilita a substituição dos valores ligados à saúde pública por interesses predominantemente comerciais. Além disso, propõe superar o que é íntegro em termos de qualidade e robustez científica pelo que é metodologicamente possível com o propósito de favorecer a uma determinada demanda que geralmente está relacionada a interesses econômicos privados.

A incorporação de elementos da epistemologia política à atividade regulatória em saúde pode também representar uma oportunidade de aprendizagem mútua entre instituições reguladoras, regulados e sociedade em geral, uma vez que pode proporcionar uma compreensão das necessidades legítimas de cada um dos atores envolvidos, inclusive o entendimento sobre questões relacionadas à dificuldade de implementação de determinado tipo de ação política, qualificando desse modo, como destaca Moodie (2009)MOODIE, R. Where different worlds collide: expanding the influence of research and researchers on policy. Journal of Public Health Policy, v. 30, Supl. 1, p. S33-7, 2009., os participantes desse processo na arte da diplomacia e no desenvolvimento de estratégias de influência em um ambiente propício para a explicitação de aspectos éticos relevantes.

As propostas da CPN também podem proporcionar maior legitimidade às ações regulatórias em saúde por contribuírem na diminuição do descrédito das evidências científicas que subsidiam a regulação, na minimização da noção de ciência como domínio inacessível ao público e na melhoria da comunicação das incertezas subjacentes às evidências científicas. Tais questões, segundo Schwartzman et al. (2011)SCHWARTZMAN, R.; ROSS, D.G.; BERUBE, D. M. Rhetoric and risk. Poroi, v. 7, n. 1, article 9, 2011. Disponível em: <http://ir.uiowa.edu/poroi/vol7/iss1/9/>. Acesso em: 26 set. 2011.
http://ir.uiowa.edu/poroi/vol7/iss1/9/>...
, constituem-se em importantes entraves para a atividade regulatória.

Finalmente, deve-se ressaltar que o objetivo principal da Ciência Pós-Normal não é eliminar as incertezas, mesmo porque existem algumas irredutíveis, também denominadas de ignorância ou incerteza epistemológica. O que se busca continuamente são estratégias mais reflexivas de se lidar com estes elementos inerentes a qualquer pesquisa científica em realidades complexas, permitindo o florescer de novos processos regulatórios e de aprendizagem social mais adequados aos tempos atuais (BECHMANN, 2004BECHMANN, G. Riesgo y sociedad post-moderna. In: LUJÁN, J. L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva/Organización de Estados Iberoamericanos, 2004. p. 17-34.). Nessa direção, o cenário ideal regulatório de técnicas supostamente "livres" de interferências políticas (SALVATORI; VENTURA, 2012SALVATORI, R. T.; VENTURA, C. A. A. A Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS: onze anos de regulação dos planos de saúde. Organizações & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 471-87, jul./set. 2012.) certamente não será alcançado. Porém, poderá ser melhor enfrentada a ameaça constante à atividade regulatória relacionada à manipulação política das incertezas científicas, inclusive seu ocultamento, em função de interesses privados que impedem a defesa do interesse público.

Considerações finais

A articulação entre epistemologia e política, ou entre os diferentes tipos e empregos de conhecimento científico e a qualidade dos processos decisórios, pode ser considerada estratégica para a regulação em saúde. Na proposta da Ciência Pós-Normal, isso pode ser alcançado através do reconhecimento da complexidade inerente às situações de saúde, bem como pelo destaque dado às incertezas do conhecimento científico e à existência da pluralidade de perspectivas legítimas. Também contribui metodologicamente ao propor a incorporação de uma comunidade ampliada de pares e de metodologias participativas como o checklist de Avaliação da Qualidade do Conhecimento, com o objetivo de tornar as políticas regulatórias e as tomadas de decisão mais qualificadas e democráticas.

Na prática, diversos processos e fóruns existentes no Brasil podem servir como ponto de partida para a implementação de propostas que caminhem nessa direção. Por exemplo, há uma longa tradição participativa na Saúde Pública brasileira e existem diversas consultas e audiências públicas usadas pelo Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) frente a propostas de políticas, novos procedimentos, normas ou mesmo resultados de avaliação. Nestas e outras instituições encontram-se presentes experiências de fóruns participativos que reúnem representantes de diversos setores, como grupos de trabalho e câmaras, com caráter deliberativo ou consultivo. Seriam, portanto, espaços privilegiados de inovação e experimentação para incorporar as propostas da CPN e, de forma mais ampla, da epistemologia política como um todo. É interessante lembrar que a instalação do SUS no país possui como um dos seus pilares o controle social, sendo os conselhos de saúde em âmbito federal, estadual e municipal mecanismos pioneiros de gestão participativa. Apesar de várias decisões nesses fóruns envolverem embates argumentativos em torno do conhecimento científico e suas incertezas, tais questões tendem a se concentrar nos discursos e espaços restritos de especialistas, sem que as controvérsias sejam aprofundadas nos fóruns mais amplos, reforçando o paradigma da ciência normal e da forma clássica de regulação. A carência de estratégias e propostas operacionais de como lidar com este tema frente a problemas complexos desperdiça o potencial de inteligência coletiva dos espaços e processos existentes, frutos de conquistas cidadãs e da democratização do país nas últimas três décadas.

Avanços nessa direção não são simples e livres de críticas, e certamente a abordagem teórico-metodológica da Ciência Pós-Normal, como qualquer referencial, apresenta limites, alguns dos quais expostos anteriormente a partir de trabalhos referenciados na ciência política e na sociologia da ciência. Contudo, é importante destacar que os objetivos centrais de qualquer atividade regulatória, quais sejam, a defesa do interesse público, dos direitos fundamentais e da democracia, também podem ser fortalecidos pela incorporação de abordagens que ampliem a qualidade do processo regulatório por meio do questionamento das "verdades científicas", pela introdução de novos tipos de fatos e de novas lógicas de formulação de políticas, além de proporcionar um espaço de crítica a normas burocráticas que sejam consideradas inadequadas ou ultrapassadas (PARTHASARATHY, 2010PARTHASARATHY, S. Breaking the expertise barrier: understanding activist strategies in science and technology policy domains. Science and Public Policy, v. 37, n. 5, p. 355-67, June 2010.) pelos participantes de uma comunidade ampliada de pares.

Como afirma Camargo Júnior (2009)CAMARGO JÚNIOR, K. R. Public health and the knowledge industry. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 6, p. 1078-83, Dec. 2009., cada vez mais a produção e a circulação de conhecimento na área da saúde são fortemente influenciadas por interesses privados, como os econômicos relacionados aos lucros de empresas e corporações, os quais não correspondem necessariamente ao interesse público. Por isso, Miguelote e Camargo Júnior (2010)MIGUELOTE, V. R. S.; CAMARGO JÚNIOR, K. R. Indústria do conhecimento: uma poderosa engrenagem. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 1, p. 190-6, Feb. 2010. argumentam que, para evitar que os interesses comerciais e de mercado sobreponham-se ao interesse público, não se deve descuidar de uma regulação rigorosa, em especial no contexto de uma área tão delicada para a sociedade e a vida das pessoas como a saúde.

De certa forma, diversos argumentos expostos ao longo do artigo podem nos ajudar a melhor compreende dimensões políticas e filosóficas em torno dos debates atuais sobre políticas públicas e desenvolvimento, não só no Brasil como em boa parte do mundo globalizado: a "boa" política pública, na visão hegemônica, encontrar-se-ia sob a égide do crescimento econômico defendido como "bem maior" a partir de argumentações utilitaristas. Tal perspectiva pode afetar inúmeros direitos fundamentais e vem influenciando diversos campos institucionais e de conhecimento, inclusive o ambiental e o da saúde pública, na medida em que a "saúde econômica" passa a ser introduzida como critério orientador de políticas e ações de Estado.

Consideramos relevante tal linha de raciocínio para compreendermos a importância dos princípios, conceitos e ferramentas propostos anteriormente pela CPN: compartilhar conhecimentos, incorporar e democratizar recursos, ser congruente com princípios, ideias e práticas são fundamentais para a confiança e a construção de processos participativos, tal como na proposição de uma comunidade ampliada de pares. Nesse sentido, busca-se resgatar o papel virtuoso da ciência na medida em que o "certo" se encontra justo no encontro entre fatos e valores que, ao serem explicitados, legitimam-se por suas bases morais e pelo reconhecimento de incertezas. Isso não é fácil e implica inúmeros desafios, já que estamos lidando com realidades e problemas complexos e conflituais que tornam tênues as linhas entre o preciso e o impreciso, o certo e o incerto. O contexto latino-americano, em especial o brasileiro com as fortes desigualdades sociais e espaciais, exacerbam a dimensão dos conflitos e assimetrias em relação ao contexto europeu no qual emergiram as propostas da CPN e suas práticas, como o checklist de Avaliação da Qualidade do Conhecimento. Portanto, em nosso contexto acreditamos ser necessário atrelar possíveis aplicações conceituais e metodológicas da CPN ao firme compromisso de serem enfrentadas as desigualdades sociais, os riscos e doenças evitáveis e moralmente inaceitáveis e que afetam a dignidade humana e o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Diante disso as possibilidades de comunidades ampliadas de pares muitas vezes serão concretizadas em fóruns e espaços distantes de instituições e processos marcados por culturas técnicas autoritárias e assimetrias que inviabilizam diálogos criativos e abertos à alteridade.

O papel da universidade, neste contexto, é estratégico pela existência e abertura de diversos grupos de pesquisa independentes em busca da qualidade ética e epistemológica propugnada pela CPN. Vemos com bons olhos a cooperação entre universidades e instituições como suporte à construção e implementação de políticas públicas através da criação de fóruns e processos de discussão com características similares aos propostos pela CPN, incluindo princípios como o compartilhar de conhecimentos, a congruência, os recursos e a confiança. Para isso, é necessário que tais fóruns incorporem e não desperdicem o histórico de processos e experiências sociais, institucionais e acadêmicos que contribuam ao debate e, na atualidade, se articulem com as reivindicações vivas e legítimas. É também importante que seja assumida, no mundo acadêmico, uma postura de maior humildade epistemológica que permita reconhecer e explicitar os limites das evidências científicas, o que pode suscitar resistências para muitos pesquisadores em torno de paradigmas especializados, como a própria literatura já aponta. A concepção apresentada de epistemologia política e as estratégias da CPN, além ajudarem na sistematização de conceitos e métodos para enfrentar desafios importantes e atuais, podem contribuir para que a ciência, suas instituições e sujeitos assumam com maior plenitude sua condição humana, inclusive no enfrentamento da arrogância que ignora ou oculta os limites do conhecimento e os valores em jogo. Fóruns e processos que caminhem nessa direção poderão contribuir para que noções centrais para a modernidade, como meio ambiente, saúde, economia, trabalho e desenvolvimento sejam revistas e ampliadas por novos sentidos que dialoguem com as ciências sociais e a filosofia, incluindo questões como liberdade, dignidade e sustentabilidade. Isso já vem ocorrendo com inúmeros movimentos sociais em torno de conflitos ambientais e embates argumentativos que buscam desconstruir visões funcionalistas e utilitaristas. Estas restringem conceitos vitais como o de saúde e natureza, que se ampliam no encontro com culturas e saberes tradicionais como as indígenas e camponesas, que propõem noções como a de bem viver e alternativas como a agroecologia (PORTO, 2012PORTO, M. F. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.). Esses são movimentos fundamentais para um diálogo de saberes mais transversal, horizontal e democrático, bem como para a produção de decisões e ações que reaproximem Estado e sociedade num momento histórico em que se intensificam problemas socioambientais e sanitários relacionados ao modelo hegemônico de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico.

Finalmente, cabe ressaltar que as posições expressas neste artigo são exclusivamente dos autores e não refletem, necessariamente, a visão das instituições a que estão vinculados.

Agradecimentos

Os autores agradecem os comentários realizados por P.S. Porto que contribuíram para a consistência filosófica dos argumentos desenvolvidos.

Referências

  • AAGAARD, T. S. Factual premises of statutory interpretation in agency review cases. George Washington Law Review, v. 77, n. 2, p. 366-430, Feb. 2009.
  • ASHFORD, N. A. The legacy of the precautionary principle in US law: the rise of cost benefit analysis and risk assessment as undermining factors in health, safety and environmental protection. In: SADELEER, N. Implementation the precautionary principle: approaches from the nordic countries, the EU and the United States. Londres: Earthscan, 2007.
  • BARRETO, M. L.; GUIMARÃES, R. Epidemiologia e ações regulatórias nas áreas da saúde e do ambiente. In: BARRETO, M. L.; ALMEIDA-FILHO, N. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 678-86.
  • BECHMANN, G. Riesgo y sociedad post-moderna. In: LUJÁN, J. L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva/Organización de Estados Iberoamericanos, 2004. p. 17-34.
  • BECKER, H.S. Segredos e truques de pesquisa Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
  • BENNETT, B. et al. Health governance: law, regulation and policy. Public Health, v, 123, n. 3, p. 207-12, Mar. 2009.
  • BLACK, J. Critical reflections on regulation. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 27, p 1-35, 2002.
  • BOURDIEU, P. O poder simbólico Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
  • BUSS, P. M. Saúde pública hoje. In: HORTALE, V. A. et al. Pesquisa em saúde coletiva: fronteiras, objetos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. p.33-55.
  • CAMARGO JÚNIOR, K. R. Public health and the knowledge industry. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 6, p. 1078-83, Dec. 2009.
  • CAMPOS, G.W.S. Reforma política e sanitária: a sustentabilidade do SUS em questão? Ciência & Saúde Coletiva, v.12, n. 2, p. 301-6, 2007
  • CECCARELLI, L. Manufactured scientific controversy: science, rhetoric, and public debate. Rhetoric & Public Affairs, v. 14, n. 2, p. 195-228, 2011.
  • CHRISTENSEN, J. G. Public interest regulation reconsidered: from capture to credible commitment. Jerusalem Papers in Regulation & Governance, v. 19, p. 1-33, July 2010.
  • COLLINS, H. M.; EVANS, R. The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, v. 32, n. 2, p. 235-96, Apr. 2002.
  • CONOVER, C. J. The high cost of health regulation. Cato Policy Report, v. 26, n. 6, p. 19-20, 2004.
  • DALEY, D. M.; HAIDER-MARKEL, D. P.; WHITFORD, A. B. Checks, balances, and the cost of regulation: evidence from the American States. Political Research Quarterly, v. 60, n. 4, p. 696-706, Jan. 2007.
  • DAVIES, G. J. et al. Regulators as "agents": power and personality in risk regulation and a role for agent-based simulation. Journal of Risk Research, v. 13, n. 8, p. 961-82, 2010.
  • DE MARCHI, B.; FUNTOCOWICZ, S. La gobernabilidad del riesgo en la Unión Europea. In: LUJÁN, J. L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2004. p. 153-65.
  • FERREIRA, A. S. De que falamos quando falamos de regulação em saúde? Análise Social, v. 39, n. 171, p. 313-37, 2004.
  • FREUDENBURG, W.R.; GRAMLING, R.; DAVIDSON, D.J. Scientific Certainty Argumentation Methods (SCAMs): science and the politics of doubt. Sociology Inquiry, v. 78, n.1, p. 2-38, Feb. 2008.
  • FUNTOWICZ, S. Why knowledge assessment? In: PEREIRA, A. G.; VAZ, S. G.; TOGNETTI, S. Interfaces between Science and Society Sheffield: Greenleaf Publishing, 2006. p. 138-45.
  • FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Science for the post-normal age. Futures, v. 25, n. 7, p. 739-55, Sept. 1993
  • FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Emerging complex systems. Futures, v. 26, n. 6, p. 568-82, 1994.
  • FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Post-normal science International Society for Ecological Economics, Internet Encyclopaedia of Ecological Economics, 2003. Disponível em: <http://www.ecoeco.org/pdf/pstnormsc.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2012.
    » http://www.ecoeco.org/pdf/pstnormsc.pdf>
  • FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Post-normal science. In: COSTANZA, R. Encyclopedia of earth Washington, DC: National Council for Science and the Environment, 2008. Disponível em: <http://www.eoearth.org/article/Post-Normal_Science>. Acesso em: 26 set. 2011.
    » http://www.eoearth.org/article/Post-Normal_Science>
  • FUNTOWICZ, S.; STRAND, R. Models of science and policy. In: TRAAVIK, T.; LIM, L. C. Biosafety first: holistic approaches to risk and uncertainty in genetic engineering and genetically modified organisms. Trondheim: Tapir, 2007. p. 263-78.
  • GERTNER, A. Science of uncertainty: making cases for drug incorporation in Brazil. Anthropological Quaterly, v. 83, n. 1, p. 97-122, 2010.
  • GOEMINNE, G. Has science ever been normal? On the need and impossibility of a sustainability science. Futures, v. 43, n. 6, p. 627-36, Aug. 2011.
  • GRAHAM, H. Where is the future in public health? The Milbank Quarterly, v. 88, n. 2, p. 149-68, June 2010.
  • HULME, M. Claiming and adjudicating on Mt Kilimanjaro's shrinking glaciers: guy callendar, Al Gore and extended peer communities. Science as Culture, v. 19, n. 3, p. 303-26, 2010.
  • HUTTER, B. Risk regulation and health care. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 1-7, Feb. 2008.
  • JOHNSON, M. H.; PETERSEN, K. Public interest or public meddling? Towards an objective framework for the regulation of assisted reproduction technologies. Human Reproduction, v. 23, n. 3, p. 716-28, Mar. 2008.
  • KASTENHOFER, K. Risk assessment of emerging technologies and post-normal science. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 307-33, Nov. 2011.
  • KINNEY, E.D. Administrative law and the public's health. Journal of Law, Medicine & Ethics, v. 30, n. 2, p. 212-23, June 2002.
  • KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1988.
  • KURUNMÄCHI, L.; MILLER, P. Counting the costs: the risks of regulating and accounting for health care provision. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 9-21, 2008.
  • LEVI-FAUR, D. Regulation & governance regulatory. Jerusalem Papers in Regulation & Governance, v. 1, p. 1-47, 2010.
  • LLOYD-BOSTOCK, S. M.; HUTTER, B. M. Reforming regulation of the medical profession: the risks of risk-based approaches. Health, Risk & Society, v. 10, n. 1, p. 69-83, 2008.
  • LUJÁN, J. L.; CEREZO, A. L. De la promoción a la regulación. El conocimiento científico en las políticas públicas de ciencia y tecnología. In LUJÁN, J.L.; ECHEVERRÍA, J. Gobernar los riesgos: ciencia y valores en la sociedad del riesgo. Madrid: Biblioteca Nueva/Organización de Estados Iberoamericanos, 2004. p. 75-98.
  • MARSHALL, B. K.; PICOU, J. S. Postnormal science, precautionary principle, and the worst cases: the challenge of twenty-first century catastrophes. Sociological Inquiry, v. 78, n. 2, p. 230-47, May 2008.
  • MICHAELS, D. Manufactured uncertainty protecting public health in the age of the protection of the public's health and environment. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1076, p. 149-62, Sept. 2006.
  • MIGUELOTE, V. R. S.; CAMARGO JÚNIOR, K. R. Indústria do conhecimento: uma poderosa engrenagem. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 1, p. 190-6, Feb. 2010.
  • MOODIE, R. Where different worlds collide: expanding the influence of research and researchers on policy. Journal of Public Health Policy, v. 30, Supl. 1, p. S33-7, 2009.
  • PARTHASARATHY, S. Breaking the expertise barrier: understanding activist strategies in science and technology policy domains. Science and Public Policy, v. 37, n. 5, p. 355-67, June 2010.
  • PIERCE, N. Corporate influences on epidemiology. International Journal of Epidemiology, v. 37, n. 1, p. 46-53, Feb. 2008.
  • PIERCE, N. Epidemiology in a changing world: variation, causation and ubiquitous risk factors. International Jounal of Epidemiology, v. 40, n. 2, p. 503-12, Apr. 2011.
  • PORTO, M. F. S. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 93, p. 31-58, 2011.
  • PORTO, M. F. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
  • PORTO, M. F. S. et al. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 10, p. 4071-80, out. 2014.
  • SALVATORI, R. T.; VENTURA, C. A. A. A Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS: onze anos de regulação dos planos de saúde. Organizações & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 471-87, jul./set. 2012.
  • SANDEL, M. Justiça: o que é fazer a coisa certa? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
  • SANTOS, B.S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
  • SCHWARTZMAN, R.; ROSS, D.G.; BERUBE, D. M. Rhetoric and risk. Poroi, v. 7, n. 1, article 9, 2011. Disponível em: <http://ir.uiowa.edu/poroi/vol7/iss1/9/>. Acesso em: 26 set. 2011.
    » http://ir.uiowa.edu/poroi/vol7/iss1/9/>
  • STRAND, R. The role of risk assessments in the governance of genetically modified organisms in agriculture". Journal of Hazardous Materials, v. 86, n. 1-3, p. 187-204, Sept. 2001.
  • TURNPENNY, J.; JONES, M.; LORENZONI, I. Where now for post-normal science?: a critical review of its development, definitions, and uses. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 287-306, Dec. 2011.
  • VALENTINOV, V. Accountability and the public interest in the nonprofit sector: a conceptual framework. Financial Accountability & Management, v. 27, n. 1, p. 32-42, Feb. 2011.
  • VAN DER SLUIJS, J. Uncertainty, assumptions and value commitments in the knowledge base of complex environmental problemas. In: PEREIRA, A. G.; VAZ, S. G.; TOGNETTI, S. Interfaces between science and society Sheffield: Greenleaf, 2006. p. 64-81.
  • VAN DER SLUIJS, J. P. et al. Exploring the quality of evidence for complex and contested policy decisions. Environmental Research Letters, v. 3, n. 9, 2008.
  • VECCHIONE, E. Science for the environment: examining the allocation of the burden of uncertainty. European Journal of Risk Regulation, v. 2, p. 227-39, 2011.
  • WESSELINK, A; HOPPE, R. If post-normal science is the solution, what is the problem?: the politics of activist environmental science. Science, Technology & Human Values, v. 36, n. 3, p. 389-412, May 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2013
  • Aceito
    10 Dez 2014
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br