Acessibilidade / Reportar erro

Pulando a Cerca Ponto Com: a Opinião Pública Sobre a Mercantilização do Adultério

Jumping the Fence Dot Com: Public Opinion on Commodification of Adultery

Resumos

Recentemente organizações aportaram no Brasil convertendo o adultério em produto. Suas ações têm sido promovidas por polêmicas atividades de marketing e ampla cobertura da mídia. Isto tem repercutido entre a opinião pública, evidenciando diferentes posições em torno do fato. Partindo do pressuposto de que a verdade se faz sobre condições contingentes e históricas e que práticas reproduzem verdades aceitas a partir de um discurso estabelecido, questionamos como o discurso do adultério mercantilizado se alicerça em meio a práticas discursivas da opinião pública. Para nos debruçarmos sobre essa questão, adotamos uma abordagem crítica de Macromarketing, unida à teoria social de Michel Foucault. Em consonância com esta escolha, o procedimento analítico adotado é método arqueológico foucaultiano. A análise do discurso do adultério mercantilizado evidenciou uma estilística do adultério que a posiciona moralmente. Ao final, elucubrações acerca de implicações sociais são discutidas.

Adultério; Arqueologia; Foucault; Macromarketing; Marketing crítico


Recently, organizations arrived in Brazil to convert adultery into a product. Their actions have been promoted through controversial marketing activities and extensive media coverage. It has had resonance among public opinion, revealing different positions around the issue. Assuming that the truth is established over contingent and historical conditions and that practices reproduce accepted truths from an established discourse, we question how the commoditization of adultery discourse is based on amid public opinion discursive practices. To look at this issue, we adopt a macro-marketing critical approach, attached to Michel Foucault's social theory. In line with this choice, the analytical procedure adopted is the Foucauldian archeological method. The commoditized adultery discourse analysis evidenced stylistics of adultery that posits morally. At the end, musings about social implications are discussed.

Adultery; Archaeology; Foucault; Macromarketing; Critical Marketing


Introdução

A partir do segundo semestre de 2011, diferentes veículos de comunicação passam a narrar o início das atividades de organizações internacionais, constituídas em ambiente on-line, dedicando-se a ofertar um serviço de agenciamento de encontros para pessoas casadas. Tais organizações recorreram a ousadas ações de marketing como forma de chamar atenção para seus serviços. O fato tomou proporções mais amplas a partir de uma atenção dada pela mídia, ora descrevendo o ocorrido, ora ampliando a articulação sobre o tema, incorporando diferentes outros discursos, opiniões, relatos de usuários, tanto questionando a vertente mercantil do adultério quanto seu eminente aspecto ordinário. Em meio à atenção despendida pela imprensa, uma emergente participação, sobretudo de indivíduos consumidores de informação mediada pela internet evidencia como o tema evoca a formação de uma opinião pública.

A questão do adultério há muito tem sido mediada por diferentes meios e gêneros (e.g., a literatura, a música, o cinema, as novelas e mesmo os meios noticiosos), expondo-o enquanto comportamento social existente em diferentes culturas (MARTIN-BARBERO, 2009MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.). Mais recentemente, a academia também demonstra ter incorporado o adultério a agendas de pesquisa em diferentes áreas, como: na Saúde (HIRSCH et al., 2002HIRSCH, J.S. et al. The social constructions of sexuality: marital infidelity and sexually transmitted disease–HIV risk in a mexican migrant community. American Journal of Public Health, v. 92, n. 8, p. 1227-37, Aug. 2002.; SILVA, 2002SILVA, C. G. M. O significado de fidelidade e as estratégias para prevenção da AIDS entre homens casados. Revista Saúde Pública, v. 36, n. 4, p. 40-9, 2002.; MADUREIRA; TRENTINI, 2008MADUREIRA, V. S. F., TRENTINI, M. Relações de poder na vida conjugal e prevenção da AIDS. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 61, n. 5, p. 637-42, set./out. 2008.; RIOS et al., 2008RIOS, L.F. et al. Católicos, fidelidade conjugal e AIDS: entre a cruz da doutrina moral e as espadas do cotidiano sexual dos adeptos. Debates do NER. v. 9, n. 14, p. 135-56, 2008.); nas Ciências Biológicas (CHERKAS et al., 2004CHERKAS, L. F. et al. Genetic influences on female infidelity and number of sexual partners in humans: a linkage and association study of the role of the Vasopressin Receptor Gene (AVPR1A). Twin Research, v. 7, n. 6, p. 649-58, Dec. 2004.); no campo Jurídico (CUNHA, 2002CUNHA, E. L. Adultério: a família diante do estrangeiro. Veritati, v. 2, n. 2, p. 39-54, 2002.; BORELLI, 2004BORELLI, A. Adultério e a mulher: considerações sobre a condição feminina no direito de família. Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, p. 07-19, 2004.; FRANCHINI, 2004FRANCHINI, J. G. Da ocorrência de danos morais entre cônjuges ou conviventes e da sua reparabilidade no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar, v. 4, n. 1, p. 199-227, 2004.; ALMEIDA JUNIOR, 2010ALMEIDA JUNIOR, J. E. Os danos morais pelo descumprimento dos deveres pessoais no casamento. Intertem@s, v. 19, n. 19, p. 9-33, jan./jun. 2010.; CAMPOS, 2011CAMPOS, A. A. Análise do discurso jurídico acerca da infidelidade conjugal feminina em interface com a literatura. Jus Navigandi, fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18502>. Acesso em: 9 fev. 2012.
http://jus.com.br/revista/texto/18502>...
; FERREIRA; SANTOS, 2012FERREIRA, E. V.; SANTOS, P. P. L. V. A responsabilidade civil nas relações familiares: análise do rompimento de noivado e da infidelidade no casamento. Revista do Curso de Direito da Unifacs, n. 139, 2012.); na Psicologia (ALMEIDA, 2007ALMEIDA, T. Infidelidade heterossexual e relacionamentos amorosos contemporâneos. Pensando Famílias, v. 11, n. 2, p. 49-56, dez. 2007.; BAKER, 2008BAKER, A. J. Down the rabbit hole: the role of place in the initiation and development of online relationships. In: BARAK, A. (Ed.). Psychological aspects of cyberspace: theory, research, applications. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 163-84.; CARNEIRO et al., 2009CARNEIRO, C. A. et al. Infidelidade feminina na visão de homens e mulheres: um estudo à luz da teoria das representações sociais e de gênero. Psicologia IESB, v.1, n. 1, p.34-41, 2009.; SOUZA et al., 2009SOUZA, D. L.; SANTOS, R.B.; ALMEIDA, T. Infidelidade conjugal feminina. Pensando Famílias, v. 13, n. 2, p. 197-214, 2009.; ZACHARIAS et al., 2011ZACHARIAS, D. G. et al. Um olhar sistêmico sobre a infidelidade e suas implicações. In: JORNADA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA, 4., 2011, Santa Cruz do Sul. Anais... Santa Cruz do Sul: UNISC, 2011. p. 120-33.); bem como nas Ciências Sociais (VON DER WEID, 2004VON DER WEID, O. Perdoa-me por te trair: um estudo antropológico sobre a infidelidade feminina. Revista Habitus, v. 2, n. 1, p. 49-59, 2004., 2006VON DER WEID, O. Gênero, corpo e sexualidade: um estudo antropológico sobre a troca de casais. Revista Ártemis, n. 5, 2006.; ALVES, 2009ALVES, A. M. Fronteiras da relação: gênero, geração e a construção de relações afetivas e sexuais. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 3, p.10-32, 2009.; RÜDIGER, 2010RÜDIGER, F. Cyberlove: paixão e poder na era da cibercultura. In: TRIVINHO, E. et al. (Orgs.). A cibercultura em transformação [recurso eletrônico]: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo e mutação de direitos. São Paulo: ABCiber, 2010. Disponível em: http://www.abciber.org/publicacoes/livro2 Acesso em: 28 nov 2011.
http://www.abciber.org/publicacoes/livro...
; WYSOCKI; CHILDERS, 2011WYSOCKI, D. K.; CHILDERS, C. D. Let my fingers do the talking: sexting and infidelity in cyberspace. Sexuality & Culture, v. 15 n. 3, p. 217-39, 2011.). Tamanho interesse e articulação em torno do adultério aponta-nos uma redução da prática à discurso.

Por discurso, consideramos ser bem mais que aquilo que se diz ou faz. Compartilhamos, pois, que discurso consiste em uma unidade que carrega um conhecimento, significados, ideologias, e que se multiplica de modo que em sua validade, institucionaliza e normatiza uma verdade (PIMENTEL et al., 2005PIMENTEL, T. D.; CARRIERI, A. P.; CABRAL, A. C. A. O discurso e sua análise no enfoque foucaultiano da formação discursiva: um método de pesquisa nos estudos organizacionais. Gestão.Org, v. 3, n. 2, p. 106-21, 2005.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.). Consequentemente, entendemos que a verdade não é, e sim, se faz na história sobre condições internas e externas que a condicionam (REVEL, 2005REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.; OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, A. M. A constituição da verdade em Hans G. Gadamer e Michel Foucault. Revista Aulas, v. 3, 2007.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2011FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collegè de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 21. ed. São Paulo:Loyola, 2011.). A partir disso, ocorre-nos que, a partir desse deslocamento do adultério, de uma prática cultural a produto de massa, não evidenciamos apenas um fenômeno que acompanha a história, mas que nos revela, na história, os fatores que o tornaram possíveis de existir. Esta perspectiva nos permite quebrar as estruturas do acaso, conferindo um outro olhar, crítico e questionador, sobre o fato, proporcionando o estímulo ao confronto de conhecimentos e expondo outras formas de entender as verdades que conduzem às nossas experiências. Neste sentido, analisar o discurso do adultério mercantil consente acessarmos, de certo modo, um recorte na realidade, entender as possibilidades de sua existência, formação, deslocamento e significações, proporcionando, assim, enveredarmos a outras perspectivas sobre a cultura vigente, provocando uma reflexão e exposição das fragilidades, propondo possibilidades de manter, melhorar ou mudar as nossas trajetórias sobre os diferentes níveis da estrutura que regem as relações sociais. De modo mais específico, centramo-nos em torno da questão de influência dos discursos de marketing sobre o comportamento social. Assim, nos alinhamos às pesquisas que se debruçam a entender como as práticas de marketing influenciam e regulam os significados dos produtos e serviços, os naturalizando dentro de um conjunto de representação mercadológico (HALL, 1997HALL, S. The work of representation In: HALL, S. (Org.) Representation: cultural representation and cultural signifying practices. London: Sage, 1997.; ARNOULD, 2007ARNOULD, E. J. Can consumers escape the market? In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007.; BARTHES, 2010BARTHES, R. Mitologias. 5. ed. Rio de janeiro: Difel, 2010.).

Contudo, considerando nosso caminho inicial, a regulação desse discurso mercadológico perpassa a necessidade de incidir sobre os demais, diante de uma articulaçao discursiva, ou seja, sobre dadas condições históricas, tornar o consumo de uma prática velada, um serviço mercantilizado, parece-nos possível apenas sob condições específcas. Assim sendo, nos guiamos à seguinte questão de pesquisa: como o discurso da mercantilização do adultério encontra na opinião pública uma possibilidade de verdade?

Tanto quanto um problema social, este se apresenta como um problema de marketing, em sua perspectiva macro, uma vez que o fenômeno centra-se na inter-relação do marketing sobre a vida e estruturas econômica e sociocultural, modificando-as e por elas, sendo modificadas (SANTOS, 2004SANTOS, L. C. Macromarketing: fundamentos, natureza, escopo e tendências. Caderno de Pesquisa em Administração, v. 12, n. 2, p. 13-27, abr./jun. 2004.; LAYTON, 2006LAYTON, R. A. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 193-213, Dec. 2006.; SHAPIRO, 2006SHAPIRO, S. J. Macromarketing: origins, development, current status and possible future direction. European Business Review, v. 18 n. 4, p. 307-21, 2006.; AJZENTAL, 2010AJZENTAL, A. História do pensamento em marketing. São Paulo: Saraiva, 2010.). Tal fato localiza este estudo, portanto à Escola de Macromarketing, uma escola emergente e de campo profícuo a pesquisas, dada a produção de nossa academia (MAZZON; HERNANDEZ, 2013MAZZON, J. A.; HERNANDEZ, J. M. C. Produção científica brasileira em marketing no período 2000-2009. Revista de Administração de Empresas, v. 53, n. 1, p. 67-80, jan./fev. 2013.).

Por outro lado, adotamos uma perspectiva crítica aos estudos em marketing cuja postura se revela analítica e provocativa, de modo a corroborarmos quanto à possibilidade de propor novos insights e implicações às práticas sociais (BURTON, 2001BURTON, D. Critical marketing theory: the blueprint? European Journal of Marketing, v. 35, n. 5/6, p. 722-43, 2001.; TADAJEWSKI; MACLARAN, 2009TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies: introduction and overview. In: TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies. London: Sage, 2009.; FIRAT; TADAJEWSKI, 2010FIRAT, A. F.; TADAJEWSKI, M. Critical marketing: marketing in critical condition. In: MACLARAN, P.; SAREN, M.; STERN, B.; TADAJEWSKI, M. (Orgs.). The SAGE handbook of marketing theory. London: Sage, 2010. p. 127-50.), perspectiva essa defendida como emergente às questões referentes à interação entre organizações e sociedade sob uma realidade brasileira (MISOCZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005MISOCZKY, M. C.; AMANTINO-DE-ANDRADE, J. Uma crítica à crítica domesticada nos estudos organizacionais. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, n. 1, p. 193-210, jan./mar.2005.; FARIA, 2006FARIA, A. Crítica e cultura em marketing: repensando a disciplina. Cadernos EBAPE, v. 4, n. 3, p. 1-16, out. 2006.; MELLO, 2006MELLO, S. C. B. O que é o conhecimento em marketing no Brasil, afinal? Revista de Administração Contemporânea, v. 10, n. 2, p. 203-12, abr./jun. 2006.). Neste sentido, adotamos a teoria social e o método arqueológico proposta por Michel Foucault como como ponto de partida e lente para interpretação de nossos achados, buscando ao final contribuir com implicações tanto sociais quanto acadêmicas.

A mercantilização do adultério

Até a modernidade, o matrimônio alinhava-se a questões político-econômicas, o que fazia do adultério, ora um significante de significado vazio, ora de significado bem diferente do qual o definimos (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.; CAMPOS, 2011CAMPOS, A. A. Análise do discurso jurídico acerca da infidelidade conjugal feminina em interface com a literatura. Jus Navigandi, fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18502>. Acesso em: 9 fev. 2012.
http://jus.com.br/revista/texto/18502>...
). A partir da modernidade, em meio a mudanças atreladas ao novo modelo de vida social centrado na produção, como o estabelecimento da propriedade privada, do necessário acúmulo de capital, bem como das identidades sólidas e da família como unidade básica social (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de janeiro: Graal, 1988.; BAUMAN, 1998BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.), os significados atribuídos aos relacionamentos, bem como ao adultério deslocam-se novamente (CAMPOS, 2011CAMPOS, A. A. Análise do discurso jurídico acerca da infidelidade conjugal feminina em interface com a literatura. Jus Navigandi, fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18502>. Acesso em: 9 fev. 2012.
http://jus.com.br/revista/texto/18502>...
). Os relacionamentos agora parecem estabelecer-se diante de uma lógica romântica, uma busca a uma felicidade que está por vir. Assim, para tanto, ambos, homem e mulher, uniam-se em busca de uma felicidade que se projetava no enriquecimento dessa união: filhos, bens, imóveis, educação, acumulação do capital e um projeto. Uma vida sólida, centrada e segura (BAUMAN, 2004BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004., 2008BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.). Desta forma, cabe ao marido prover o capital da família, por meio do trabalho, pelo recebimento do salário, proporcionando-lhe qualidade de vida, alcançada por meio da aquisição de bens, cuja funcionalidade proporciona comodidade, agilidade, simplicidade e disponibilidade de tampo. À mulher, cabia a responsabilidade pela casa, pelo cuidado com o lar, com os filhos, com o consumo da família.

O adultério representa, agora, uma mácula a esse modelo, hostilizado e utilizado como controle por diferentes aparelhos sociais e seus discursos para a manutenção das unidades sociais e da lógica estabelecida. Neste sentido, ainda que velado, sob o cumprimento de seus deveres, ao homem era possibilitado e perdoável, a prática velada do adultério (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de janeiro: Graal, 1988.; VON DER WEID, 2004VON DER WEID, O. Perdoa-me por te trair: um estudo antropológico sobre a infidelidade feminina. Revista Habitus, v. 2, n. 1, p. 49-59, 2004.).

Em meio às novas mudanças de ordem econômica e sociocultural que demarcam o estabelecimento da pós-modernidade, deslocamo-nos a um novo modelo social, guiados agora pela necessidade de aumento e aceleração da circulação de capital, o que acarretou em uma reversão da lógica da produção para o consumo. Como consequência, acompanhamos a abertura dos mercados e a diminuição do controle social pelo Estado, assim como, uma fragmentação das identidades, do fim das grandes narrativas e da valorização do "eu", da busca por uma felicidade imediata e constante, ainda que efêmera e superficial (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; BAUMAN, 1998BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.; FIRAT; DHOLAKIA, 2005FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 2005.; ROCHA, 2004ROCHA, S. P. V. O homem sem qualidades: modernidade, consumo e identidade cultural. Contemporânea, n. 3, p. 136-44, 2004.; HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.). Não obstante, deslocam-se também os significados atribuídos ao matrimônio e, consequentemente, ao adultério.

Entre homem e mulher, a relação de poder parece equiparar-se, ambos compartilham as mesmas responsabilidades e deveres, fortalecem-se um ao outro diante dos desafios e percalços, constituem juntos uma identidade social que os beneficia entre si e para com os outros, entretanto, acompanhando a liberdade e possibilidade de ascensão identitária, estabelecem-se mediante compromissos superficiais, efêmeros, fluídos. Desfazerem-se um do outro a qualquer adversidade, ou melhor, oportunidade (BAUMAN, 2004BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.). Do mesmo modo, esse jogo tem consentido a inserção de novas possibilidades de relacionamento, em que a prática sexual, bem como outros elos do casal, passa a desvincular-se do projeto matrimonial, dando origem a novas modalidades de relação em que o adultério extingue-se, passa a ser possível a ambas as partes ou demarca um critério de rompimento à relação (BAUMAN, 2004BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.; VON DER WEID, 2006VON DER WEID, O. Gênero, corpo e sexualidade: um estudo antropológico sobre a troca de casais. Revista Ártemis, n. 5, 2006.).

É em meio a este processo de deslocamento possível que emerge o discurso do adultério mercantil. Sua proposição parece não se distanciar da lógica pós-moderna, do discurso da liberdade, do consumo, da transformação da cultura em mercadoria (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; YÚDICE, 2006YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos e abusos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2006.). Entre essas possibilidades os esforços de comunicação de marketing e a mediação operada pelos diversos veículos de comunicação parecem esforçar-se na regulação de novos significados a um conjunto de representação cultural, promovendo em meio aos seus discursos, a possibilidade de manutenção dos relacionamento sem privar o indivíduo de usufruir de momentos hedônicos fora do matrimonio nem mesmo desconfigurando suas identidades sociais.

O olhar dos Estudos Críticos em Marketing

Para determinados pensadores, o marketing se estabelece a partir da sociedade moderna, como importante instrumento regulador, capaz de costurar as necessidades da dimensão econômica à sociocultural, fundindo necessidades de mercado e demandas sociais (FIRAT; DHOLAKIA, 2005FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 2005.; LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.), ao passo em que sua prática discursiva contribui para a instituição de significados mercantis a produtos, serviços e experiências, os posicionando com naturalidade aos padrões comuns da vida social e das práticas de consumo (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; COVA, 1997COVA, B. Community and consumption: towards a definition of the "linking value" of product or services. European Journal of Marketing, v. 31 n. 3/4, p. 297-316, 1997.; FIRAT; SHULTZ II, 1997FIRAT, A. F.; SHULTZ II, C. J. From segmentation to fragmentation: markets and marketing strategy in the postmodern era. European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, p. 283-307, 1997.; FIRAT; DHOLAKIA, 2005FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 2005.; ARNOULD, 2007ARNOULD, E. J. Can consumers escape the market? In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007.; CARRASCOZA et al., 2007CARRASCOZA, J. A.; CASAQUI, V.; HOFF, T. A publicidade da Coca-Cola "Happiness Factory" e o imaginário do sistema produtivo na sociedade de consumo. Comunicação, mídia e consumo, v. 4, n. 11, p. 65-77, nov. 2007.; BAUMAN, 2008BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.; BARBOSA, 2010BARBOSA, L. Sociedade de consumo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.).

Esta influência do marketing sobre o pensamento social se estabelece dentro do escopo da Escola de Macromarketing (SANTOS, 2004SANTOS, L. C. Macromarketing: fundamentos, natureza, escopo e tendências. Caderno de Pesquisa em Administração, v. 12, n. 2, p. 13-27, abr./jun. 2004.; LAYTON, 2006LAYTON, R. A. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 193-213, Dec. 2006.; SHAPIRO, 2006SHAPIRO, S. J. Macromarketing: origins, development, current status and possible future direction. European Business Review, v. 18 n. 4, p. 307-21, 2006.; AJZENTAL, 2010AJZENTAL, A. História do pensamento em marketing. São Paulo: Saraiva, 2010.). Essa escola de pensamento em marketing se debruça sobre as interações entre as dimensões de macroambiente, o modo como as forças sociais e ambientais articulam-se em torno das práticas de marketing, ou seu contrário, como estas influenciam as esferas sociais; ou ainda, a interpretação sobre as práticas de marketing a partir de uma perspectiva social (SANTOS, 2004SANTOS, L. C. Macromarketing: fundamentos, natureza, escopo e tendências. Caderno de Pesquisa em Administração, v. 12, n. 2, p. 13-27, abr./jun. 2004.; LAYTON, 2006LAYTON, R. A. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 193-213, Dec. 2006.; SHAPIRO, 2006SHAPIRO, S. J. Macromarketing: origins, development, current status and possible future direction. European Business Review, v. 18 n. 4, p. 307-21, 2006.; AJZENTAL, 2010AJZENTAL, A. História do pensamento em marketing. São Paulo: Saraiva, 2010.).

Entre os diferentes temas que se inserem a essa Escola, evidencia-se aqui a influência do marketing sob a regulação do pensamento social. Sobre isso, diferentes trabalhos evidenciam como as atividades de marketing se posicionam como instrumentos de regulação, na medida em que seus discursos, sobretudo por meio do sistema de propaganda, insere não apenas novos produtos, mas também ideias e comportamentos, a um conjunto de representação cultural, de modo naturalizado (HALL, 1997HALL, S. The work of representation In: HALL, S. (Org.) Representation: cultural representation and cultural signifying practices. London: Sage, 1997.; ARNOULD, 2007ARNOULD, E. J. Can consumers escape the market? In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007.; CARRASCOZA et al., 2007CARRASCOZA, J. A.; CASAQUI, V.; HOFF, T. A publicidade da Coca-Cola "Happiness Factory" e o imaginário do sistema produtivo na sociedade de consumo. Comunicação, mídia e consumo, v. 4, n. 11, p. 65-77, nov. 2007.; BARTHES, 2010BARTHES, R. Mitologias. 5. ed. Rio de janeiro: Difel, 2010.), alinhando as necessidades econômicas ao comportamento sociocultural (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; FIRAT; DHOLAKIA, 2005FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 2005.).

Tal conhecimento parece apresentar, neste processo, o receptor/consumidor/indivíduo, um ser pacífico, objetivado pela influência do marketing, diante de tantos casos de insucesso em marketing escondidos sob os casos de sucesso que colocam a área em um pedestal (BROWN, 1995BROWN, S. Life begins at 40? Further thoughts on marketing's "mid-life crisis". Marketing Intelligence & Planning, v. 13 n. 1, p. 4- 17, 1995.). Ao reconhecermos as possibilidades de resistência e reprodução de significados por parte dos sujeitos (HALL, 1997HALL, S. The work of representation In: HALL, S. (Org.) Representation: cultural representation and cultural signifying practices. London: Sage, 1997.), adotamos como caminho para este estudo, uma das abordagens críticas em marketing. Tais enfoques comungam um caráter normativo (BURTON, 2001BURTON, D. Critical marketing theory: the blueprint? European Journal of Marketing, v. 35, n. 5/6, p. 722-43, 2001.), que versa sobre valores e condutas que "deveriam ser", ao invés de fixarem-se sobre a interpretação do "aqui e agora". Isso consiste em percorrer caminhos iluminados por alguma proposta teórica contemporânea, evocar novas expectativas; tecer considerações críticas às condições históricas e culturais sobre as quais sucedem os fatos mercadológicos; reavaliar categorias e quadros teóricos conhecidos; e confrontar trabalhos de explicação social buscando, em meio a este comparativo, pontos positivos e negativos, outras articulações e, por fim, apontar diferentes olhares sobre um objeto (BURTON, 2001BURTON, D. Critical marketing theory: the blueprint? European Journal of Marketing, v. 35, n. 5/6, p. 722-43, 2001.; FARIA, 2006FARIA, A. Crítica e cultura em marketing: repensando a disciplina. Cadernos EBAPE, v. 4, n. 3, p. 1-16, out. 2006.; BRADSHAW; FIRAT, 2007BRADSHAW, A.; FIRAT, A. F. Rethinking critical marketing. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 30-43.; ROWNLIE; HEWER, 2007ROWNLIE, D.; HEWER, P. Concerning marketing critterati: beyond nuance, estrangement and elitism. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 44-64.; SCHROEDER, 2007SCHROEDER, J. E. Critical marketing: insights for informed research and teaching. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 18-29.; TADAJEWSKI; MACLARAN, 2009TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies: introduction and overview. In: TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies. London: Sage, 2009.). Desta forma, encontramos em Michel Foucault uma direção teórico e metodológica profícua para enveredar sobre o objetivo estimado a este trabalho.

Michel Foucault e a subjetividade

Em seu último ciclo de pesquisa, Foucault centra-se na questão da possibilidade de subjetivação em meio à objetividade que a relação saber-poder emprega na formação de posições de sujeito (FONSECA, 2012FONSECA, J. P. A. Considerações sobre a constituição do sujeito do cuidado de si no pensamento de Michel Foucault. Veritas, v. 57, n. 1, p. 143-52, jan./abr. 2012.). Neste sentido, a ideia de liberdade consiste em uma possibilidade de resistência do indivíduo à objetivação que lhe é imposta, uma possibilidade de exercer seu poder sobre si mesmo, evidenciando sua subjetividade dentro das possibilidades que se fazem existir (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de janeiro: Graal, 1988.). Essa analítica se faz possível na medida em que se pode debruçar-se sobre os contextos que estabelecem as condições, que estabelecem um saber existente, e possível, e as práticas possíveis sobre esse decurso (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.; FONSECA, 2012FONSECA, J. P. A. Considerações sobre a constituição do sujeito do cuidado de si no pensamento de Michel Foucault. Veritas, v. 57, n. 1, p. 143-52, jan./abr. 2012.).

Para desenvolver sua teorização, Foucault recorre à revisão da história da sexualidade como objeto. Para o autor, a prática sexual não evoca apenas uma relação com a necessidade do sujeito, mas também, uma relação deste com os outros. Assim, na medida em que o sujeito reconhece as necessidade dos outros, tanto quanto as suas, procura em meio a sua interação, uma agir que corrobore na alteridade, com a sua instituição de sujeito social. O sujeito, portanto, busca, em suas práticas, uma posição de soberania, por vezes submetendo seu desejo a uma regulação ao comportamento adequado para alcance de sua imagem objetivada (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.). Desta forma, a subjetividade está condicionada à liberdade de inferir no espaço que se faz existir entre os princípios éticos vigentes em uma dada sociedade e a regras sociais que estabelecem um valor moral. À guisa de concluir sua primeira etapa sobre este ciclo de estudos, Foucault evidenciara as dimensões estéticas que problematizam esta moral, as quais denominou por: Dietética, Econômica e Erótica.

A Dietética alude à instituição de uma conduta devida ao sujeito, tal que este procure respeitar e cuidar de si. Confere-se assim, uma relação médica, um cuidado com a saúde e, a partir disso, consolidar uma imagem de valor moral a partir de uma alteridade, que assim signifique tal imagem saudável.

A Econômica define uma estética adequada à conduta do matrimônio, de modo a conferir uma produtividade positiva em meio a relação do casal. Neste sentido, se reconhece, na relação de parceria entre marido e mulher, a valoração do casal entre si e para a sociedade.

A Erótica, por fim, confere um conjunto de regras que estabelece na relação entre os atores, uma negociação que atenda às necessidades de ambos, beneficiando um e outro, na medida em que atende às demandas naturais e culturais de ambos (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.).

Em diferentes contextos históricos e culturais, ética e moral apresentam um certo caráter que os aproximam, como Bauman (1998)BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. assim o relata quanto à modernidade, bem como os afastam, como se evidencia à pós-modernidade. Em nosso contemporâneo, esta lacuna entre ética e moral possibilita ao indivíduo exercer-se sujeito, gozar da sua liberdade de decidir sua própria história, implicar em meio ao seu saber, o exercício do poder sobre si e conferir, assim, a instituição de uma ética própria (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.).

Neste hiato entre o bom e o bem, entre o que pode e o que deve ser, o discurso do adultério mercantil parece articular-se no exercício de diferentes discursos, emitidos por distintos agentes discursivos, entre eles, os estabelecidos em um consciente social, uma opinião pública evidenciada aqui, de certo modo, a partir das manifestações de indivíduos consumidores de informação mediada pela internet.

Procedimentos metodológicos

Tendo por objetivo evidenciar as condições que alicerçam o discurso do adultério mercantil promovido pelos sites ofertantes do serviço do adultério, a arqueologia proposta por Michel Foucault apresenta-se como estratégia adequada ao desenvolvimento do nosso estudo.

O método arqueológico segue a tradição da pesquisa qualitativa, a qual adota a realidade como uma construção social evidenciada através da observação de qualidades, significados e valores conferidos a objetos e fenômenos, por indivíduos ou grupos sociais em seu contexto histórico e sociocultural (DENZIN; LINCOLN, 2006DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 15-41.; FLICK, 2009FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.; CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.) e, portanto, desenvolvido a partir de uma perspectiva indutiva, na qual teoria social serve como norte para o direcionamento da pesquisa e interpretação de categorias empíricas estabelecidas a partir da observação do objeto (CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.; LEÃO et al., 2010LEÃO, A. L. M. S.; MELLO, S. C. B. VIEIRA, R. S. G. O papel da teoria no método de pesquisa em administração. Organizações em Contexto, v. 5, n. 10, p. 1-16, jul./dez. 2010.; GRAY, 2012GRAY, D. E. Pesquisa no mundo real. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.). Por convicção dos pesquisadores, esta pesquisa adere-se ainda ao paradigma crítico de pesquisa, que consiste em consentir, no processo de investigação, certa adoção a uma orientação ideológica, questionando à construção da realidade, a qual se estabelece por relações de poder, e por isso, visa expor rupturas que permitam reivindicações e implicações sociais positivas e libertadoras (KINCHELOE; MCLAREN, 2006KINCHELOE, J. L.; MCLAREN, P. Repensando a teoria crítica e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.; LINCOLN; GUBA, 2006LINCOLN, Y. S.; GUBA, E. G. Controvérsias paradigmáticas, contradições e confluências emergentes. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.; GRAY, 2012GRAY, D. E. Pesquisa no mundo real. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.).

A arqueologia consiste em uma análise de discurso, que não busca apenas interpretar, os significados e sentidos existentes no conjunto de representações de uma dada cultura, mas sim, buscar no interior dos discursos, uma rede de relações que estabeleça certa regularidade, limites, validades e possibilidades de deslocamento de um saber que estabeleça uma verdade (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; PIMENTEL et al., 2005PIMENTEL, T. D.; CARRIERI, A. P.; CABRAL, A. C. A. O discurso e sua análise no enfoque foucaultiano da formação discursiva: um método de pesquisa nos estudos organizacionais. Gestão.Org, v. 3, n. 2, p. 106-21, 2005.; SOUZA et al., 2008SOUZA, E.; MACHADO, L. A.; BIANCO, M. F. O homem e o pós-estruturalismo foucaultiano: implicações nos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 47, p. 71-86, dez. 2008.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; THIRY-CHERQUES, 2010THIRY-CHERQUES, H. R. À moda de Foucault: um exame das estratégias arqueológica e genealógica de investigação. Lua Nova, n. 81, p. 215-48, 2010.). Trata-se, resumidamente, de uma pesquisa documental, os discursos podem ser acessados tanto por artefatos literários quanto os não literários (THIRY-CHERQUES, 2010THIRY-CHERQUES, H. R. À moda de Foucault: um exame das estratégias arqueológica e genealógica de investigação. Lua Nova, n. 81, p. 215-48, 2010.), escondidos em meio às práticas discursivas, no interior tanto do dito como do não dito (THIRY-CHERQUES, 2010THIRY-CHERQUES, H. R. À moda de Foucault: um exame das estratégias arqueológica e genealógica de investigação. Lua Nova, n. 81, p. 215-48, 2010.; OKSALA, 2011OKSALA, J. Como ler Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.). Este saber que condiciona a verdade pode ser desvelado em meio à identificação das formações discursivas, conjuntos de signos que inter-relacionam e formam uma regularidade de maneira a definir a possibilidade de existência do seu significado (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; GIACOMONI; VARGAS, 2010GIACOMONI, M. P.; VARGAS, A. Z. Foucault, a arqueologia do saber e a formação discursiva. Veredas, v. 14, n. 2, p. 119-29, 2010.), por sua vez, estas formações compõe-se de unidades de saber, os enunciados, que assumem uma função em seu uso sob uma determinada regra de condição (COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011., 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.).

Para o desenvolvimento do estudo, recorremos à coleta de dados secundários como fonte a construção do corpus (FLICK, 2009FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.; CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Recorremos, desta forma ao mecanismo de pesquisa do Google para encontrar em meio a conteúdos diversos publicados, a participação, os comentários, as opiniões, enfim, a voz da opinião pública. Ao fim, armazenamos como dados, milhares de comentários publicados em matérias jornalísticas de diferentes vertentes temáticas (e.g., cadernos de economia, variedades, comportamento, esportes), cuja pauta apresentasse assunto relativo ao objeto estudado, opiniões publicadas em blogs e fóruns de discussão. A técnica não invasiva eliminou riscos aos pesquisadores e evitou limites éticos de pesquisa (CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.; GRAY, 2012GRAY, D. E. Pesquisa no mundo real. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.).

A organização do processo analítico arqueológico seguiu inspirada no trabalho realizado por Costa e Leão (2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011., 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.), desenvolvendo-se em três níveis processuais. No primeiro, nos debruçamos sobre os discursos, Atendo-nos a algumas rodadas de leitura e reflexão sobre o conteúdo disposto, de maneira a nos familiarizarmos a ponto de podermos nos distanciar ideologicamente e imergir em seu interior na busca do limiar discursivo.

Desta forma, buscamos no limiar do discurso certa regularidade de significação, repetição, inter-relação com outros significados, formas, mas também por aquilo que evoca ruptura, descontinuidade, demarcando diferenças (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011., 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.) de modo a identificar conjuntos de signos que permitam a formação de um significado, sobre o qual Foucault denomina por enunciados (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.). Estes são bem mais que frases, proposições ou atos de fala, são aquilo que dão a possibilidade de entendimento de um saber, uma função que atravessa a linguagem (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; GIACOMONI; VARGAS, 2010GIACOMONI, M. P.; VARGAS, A. Z. Foucault, a arqueologia do saber e a formação discursiva. Veredas, v. 14, n. 2, p. 119-29, 2010.), caracterizando-se por evidenciar de um referente (ou seja, uma significação particular), um sujeito (uma posição a ser ocupada), um campo associado (sua possibilidade de coexistir em diferentes discursos) e uma materialidade específica (ou seja, a sua possibilidade de repetição) (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.).

Numa segunda rodada analítica, que nos exigiu maior reflexividade, buscamos evidenciar o sentido pelo qual o enunciado é manipulado, ou seja, a função que tais enunciados desempenham em meio às práticas discursivas e que só são possíveis de tal apreensão, por se encontrarem dentro de um campo do conhecimento. Campo este, que estabelece suas regras de formação (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011., 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.). Procuramos categorizar tanto funções em sua intenção de uso, quanto as regras que as condicionam dentro das possibilidades estabelecidas dentro da perspectiva do marketing crítico.

No segundo nível, buscamos a partir do limiar discursivo, desvelar as formações discursivas existentes. Um sistema de formação de diferentes estratégias que nela se desenrolam e sobre a qual se revelam parte de um mesmo jogo de relações que condicionam o saber (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; ARAÚJO, 2007ARAÚJO, I. L. Formação discursiva como conceito chave para a arqueogenealogia de Foucault. Revista Aulas, n. 3, p. 1-24, dez. 2006/mar. 2007.; GIACOMONI; VARGAS, 2010GIACOMONI, M. P.; VARGAS, A. Z. Foucault, a arqueologia do saber e a formação discursiva. Veredas, v. 14, n. 2, p. 119-29, 2010.; COSTA; LEÃO, 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.). Por fim, verificamos, em meio às relações, traços de aproximação que nos evidenciasse as regras que condicionam a possibilidade de existência destas formações discursivas, e portanto, do estabelecimento de uma verdade (CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.).

A revisão constante dos dados foi consequência da reflexividade dos pesquisadores, ou seja, do reconhecimento das transformações dos pesquisadores ao longo e sobre o processo de pesquisa, exigindo reavaliações sistemáticas dos resultados encontrados, atendendo com isso a um critério de confiabilidade dos resultados na pesquisa (PAIVA JUNIOR et al., 2011PAIVA JR., F. G.; LEÃO, A. L. M. S.; MELLO, S. C. B. Validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa em administração. Revista de Ciências da Administração, v. 13, n. 31, p. 190-209, set./dez. 2011.), tanto quanto a utilização de mais de um pesquisador na validação dos dados (CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.; PAIVA JUNIOR et al., 2011PAIVA JR., F. G.; LEÃO, A. L. M. S.; MELLO, S. C. B. Validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa em administração. Revista de Ciências da Administração, v. 13, n. 31, p. 190-209, set./dez. 2011.). Neste sentido, à medida que o primeiro pesquisador evolui em seu processo analítico, sessões de validação junto ao segundo pesquisador servia ao estabelecimento de uma validação dos resultados mediante um consenso entre ambos quanto à interpretação e inferência dos resultados.

No desenvolvimento da pesquisa, recorremos ao auxílio do software NVivo, na sua versão 8, para organização e manuseio do corpus. O programa permitiu uma sistematização eficiente no acesso aos dados, conferindo-nos agilidade e segurança na análise, não recorrendo a este na análise propriamente dita, como se espera de programas do tipo CAQDAS (Computer-Aided Qualitative Data Analysis Software) (KELLE, 2010KELLE, U. Análise com auxílio de computador: codificação e indexação. In: BAUER, M.; GASKEL, G. (Eds.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.).

Apresentação dos resultados

Nesta sessão, incidimos aos resultados obtidos na pesquisa. Estes estão dispostos em três etapas. Na primeira, apresentamos e descrevemos os elementos que compõem o limiar discursivo. Em seguida, situamos acerca das relações existentes entre enunciados, funções e regras de modo a permitir algumas elucubrações acerca dos objetivos desta pesquisa além de avançar às formações discursivas e as regras que as regem.

O limiar discursivo

Ao nos debruçarmos sobre as práticas discursivas da opinião pública, identificamos e classificamos em seu limiar discursivo, os enunciados, suas funções e regras.

Os enunciados constituem um conjunto de signos em sua função de existência (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011.) e se caracterizam por revelarem em sua composição um sujeito, um objeto, uma relação com outros enunciados e uma capacidade de reprodução (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.; CASTRO, 2009CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.).

Dada tal atribuição, os enunciados são apresentados aqui como frases completas, buscando revelar em si, suas características e uma ideia clara de significação em seu contexto. O Quadro 1 apresenta os enunciados, acompanhados de uma breve descrição de seu significado de modo a ampliar o seu entendimento. Assim, a descrições se apresentam de uma parte inicialmente conceitual e uma segunda, uma descrição de como estes foram evidenciados. Por fim, apresentamos um exemplo extraído das práticas discursivas, exemplificando a lógica analítica empregada.

Quadro 1
– Descrições enunciativas

Para Foucault (2009)FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009., o enunciado não constitui uma unidade, mas sim, uma função, uma ação em exercício, variável ao modo como o enunciado é manipulado (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011.). O estabelecimento das funções enunciativas partiu, assim como os enunciado, de um achado empírico. Desta forma, denominamos as unidades categóricas por frases curtas, com ênfase no verbo.

No Quadro 2, apresentamos as funções identificadas, acompanhadas de uma descrição breve, evidenciando sua definição conceitual e explicitando sua origem empírica.

Quadro 2
– Funções Enunciativas

Os significados atribuídos aos enunciados são concebidos a partir de regras que delimitam e definem uma condição para suas existências e partem de certa área de conhecimento (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.; COSTA; LEÃO, 2011COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011.). As regras, neste trabalho, partem de uma perspectiva interdisciplinar e crítica do marketing e seguem a mesma lógica que as categorias anteriores. Apresentamos a partir do Quadro 3 as regras evidenciadas, descritas na forma de substantivos, por conferirem conceitos que regem às práticas e conceituadas conforme a lógica estabelecida anteriormente.

Quadro 3
– Regras enunciativas

Para demonstrar a lógica utilizada na análise e desvelamento de enunciados, funções e regras, recorremos, ainda que limitados pelas regras de tamanho permitido, um recorte extraído do corpus. A passagem refere-se a um comentário publicado em uma matéria sobre o início das atividades dos sites ofertantes do serviço do adultério no Brasil.

[#4.1]

Aker Mattos 16/05/2011 - 20h 12m

Não é questão de ‘não estar dando certo', de ‘tecnologia ajudando o adultério' ou outras frases clichês prontas. Todo ser humano gosta de ter alguém do seu lado, para amar, curtir, viver. Só que de vez em quando pinta uma vontade de dar uma pulada de cerca. Isso a biologia é quem fala. Mas digo que quem trai deve fazê-lo de modo a não expor o cônjuge ao ridículo. É como diz um certo ditado: "felicidade também é saber cair em tentação".

O trecho "Todo ser humano gosta de ter alguém do seu lado, (...). Só que de vez em quando pinta uma vontade de dar uma pulada de cerca. Isso a biologia é quem fala", remete à ideia de que o adultério é uma prática natural; assim como o trecho "Mas digo que quem trai deve fazê-lo de modo a não expor o cônjuge ao ridículo", expõe o enunciado o adultério requer descrição; ou como na passagem "É como diz um certo ditado: "felicidade também é saber cair em tentação" evidenciamos o enunciado o prazer sexual deve ser aproveitado na curta vida. Seguindo essa mesma lógica, evidencia-se como o primeiro e o último trecho aqui evidenciado do exemplo cumprem a função de justificar o adultério, enquanto o segundo parece intencionado a normatizar o adultério. Por fim, demonstra-se por meio dessas passagens como os enunciados, com as funções de justificar o adultério, defendem um direito do sujeito a recorrer, se desejado, ao prazer advindo desta prática, do mesmo modo que o enunciado utilizado sob a função de normatização compõe uma estética do adultério a ser conduzida.

Relações entre as categorias

Passamos agora às relações existentes entre enunciados, funções e regras. Estas foram dispostas em uma ordem contrária, partindo das regras, apresentando sumariamente uma visão geral sobre essas relações e tecendo algumas inferências iniciais direcionadas ao objetivo de nossa pesquisa.

Sob a regra Ética

A regra converge para um conjunto de normas de comportamento moral que estabelecem o adultério como uma prática adequada ao indivíduo. Ela estabelece-se quanto a sua condição de existência em meio às funções: Legitimar, Justificar, Regular e Censurar.

As funções Legitimar e Justificar demonstram uma condição de abono ao adultério em meio ao uso dos enunciados que reconhecem sua existência ou a justificam como válida em um conjunto de representação social. A função Regular relaciona-se apenas à ética, fomentando um princípio de valor moral ao adultério. Assim como Censurar evidencia caráter oposto. Ela desabona o princípio ético proposto, com isto, exerce tanto uma posição condicional de resistência ao adultério como prática moral, como também o legitima ao reconhece-lo como prática existente e de caráter ordinário.

Sobre a regra Ética, as relações existentes entre enunciados e funções parecem articular o posicionamento de valoração ao adultério, estabelecendo bases imperiosas que determinam o discurso a sua condição de verdade.

Sob a regra Estética

A regra define os princípios que determinam a condução adequada ao adultério. Ela se constitui em meio as funções Normatizar e Legitimar. Enquanto Normatizar cabe a descrição para uma conduta adequada, Legitimar, confere validade a essa significação.

Em analogia à estética de Foucault (1984)FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984., a regra tece os princípios necessários a condução adequada ao adultério, não apenas defendendo a prática, mas sim, a prática em sua mais apropriada forma, uma condição política a valoração moral do adultério.

Sob a regra Economia

A regra nos aproxima da lógica do consumo, estabelecendo uma condição de troca ao adultério e consequentemente, deslocando-o a condição de mercadoria. Sua formação de existência se constitui em meio às funções: Legitimar, Justificar e Normatizar.

Legitimar aparece como principal ponto de convergência de enunciados (vide Ilustração 1), demonstrando e corroborando essa aproximação entre o adultério e uma lógica de consumo. Justificar, por sua vez, forja o elo que transforma o adultério em mercadoria, enquanto Normatizar confere a conduta adequada ao consumo do adultério mercantil.

Ilustração 1
– Mapa de relações do limiar discursivo

Sob a regra, a conversão do adultério à produto mercantil, posiciona-o como ordinário e acessível aos que invistam o capital necessário. Tal conjectura remete-nos ao processo de convergência da cultura em mercadoria, reduzindo-o a elemento de representação cultural, padronizado e mercantilizado de modo uniforme (YÚDICE, 2006YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos e abusos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2006.).

Sob a regra Direito

A regra estabelece princípios que conduzem o adultério ao patamar de objeto permissível ao indivíduo desejante. A regra encontra sua condição de existência em meio às funções: Incentivar, Justificar e Legitimar.

Incentivar apresenta argumentos que defendem o direito de consumo do adultério, como uma possibilidade a qualquer sujeito como ocorre numa relação convencional de oferta e demanda de um produto ou serviço. Por outro lado, Justificar e Legitimar coexistem sob a regra de modo a reconhecer e defender o uso da prática do adultério. Justificar defende o adultério como uma prática benéfica ao sujeito, logo necessária, enquanto Legitimar reconhece essa relação.

Sob a regra Obrigação

Aqui a regra posiciona o adultério como um dever social. Algo comprável com práticas institucionalizadas como a formação escolar, o trabalho ou mesmo o casamento. A regra encontra sua condição de existência em meio às relações entre as funções Incentivar, Justificar e Legitimar, igualmente como ocorre à regra Direito.

Salvas as diferenças entre possibilidade e obrigação, ambas evocam uma condução destinada ao cuidado do sujeito consigo mesmo. Um critério atém mesmo antes mencionado como característico da pós-modernidade, uma excessiva individualidade em busca de um prazer efêmero e superficial (COVA, 1997COVA, B. Community and consumption: towards a definition of the "linking value" of product or services. European Journal of Marketing, v. 31 n. 3/4, p. 297-316, 1997.; FIRAT, & SHULTZ, II, 1997FIRAT, A. F.; SHULTZ II, C. J. From segmentation to fragmentation: markets and marketing strategy in the postmodern era. European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, p. 283-307, 1997.; BAUMAN, 2008BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.; BARBOSA, 2010)BARBOSA, L. Sociedade de consumo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010..

As formações discursivas

Na interação do limiar discursivo, enunciados, conceitos e escolhas temáticas apresentam regularidade entre si, assim como um afastamento de tantos outros, formando, assim, um sistema de dispersão organizado em uma área de conhecimento (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.), denominado formação discursiva. Por meio das formações discursivas, ativarmos temas incompatíveis ou introduzimos um mesmo tema em campos diferentes do saber (COSTA; LEÃO, 2012COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.), evidenciado o que se faz possível constituir uma verdade.

Conforme se evidencia na Ilustração 1, chegamos a três formações discursivas, denominadas tal como se segue por sua aproximação as categorias propostas por Foucault em seu estudo ulterior (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.).

A formação denominada por Erótica se evidencia por sua constituição advinda apenas da convergência de relações estabelecidas sob a regra Ética, e particularizada pela função Regular. Semelhantemente, a incidência de relações advindas da função Normatizar apenas para as regras Economia e Estética evidenciam aqui uma outra formação, ora definida por nós como Econômica. Por fim, por compartilharem relações mesmas, advindas das funções Justificar e Legitimar, Direito e Obrigação desvelam a formação discursiva Dietética. Seus significados são a seguir apresentados.

Dietética

O conjunto de relações aqui estabelecidas nos aproxima de um saber que abona o adultério, ao estabelecê-lo como uma possibilidade ou obrigação do sujeito, como meio para estabelecer um cuidado de si. Beneficiar-se do adultério, neste sentido, remete ao cuidado com a saúde mental e física, com o bem estar e alinha-se à problematização apresentada por Foucault acerca da subjetividade do sujeito (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.).

Para Foucault, o cuidado do próprio sujeito segue uma orientação médica, um cuidado com o corpo e com a mente, mas sobretudo, a partir de uma perspectiva política, como esse cuidado o valora moralmente a partir de uma alteridade (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.).

Em nossos achados, o cuidado de si evoca o benefício médico e moral obtido pelo consumo do prazer advindo do adultério. Sobre o primeiro aspecto, entendemos que se a felicidade, o prazer, a identidade está atrelada no contemporâneo, ao consumo, o sujeito que se encontra capacitado a acessar o prazer advindo do adultério apresentar-se-ia diagnosticado socialmente como saudável, o que acarreta diretamente ao segundo ponto, uma vez que o sujeito não é percebido pelo que é, mas pelo que tem, àquele percebido socialmente como consumidor é percebido como um sujeito de valor moral.

Econômica

A formação estabelece princípios adequados ao sujeito na sua relação de consumidor do adultério de modo apropriado ao cuidado com seus cônjuges. Para Foucault, a conduta dos indivíduos, em meio aos seus relacionamentos, confere uma segunda problematização na construção de uma moral do sujeito. O cuidado com o cônjuge perante a sociedade fortalece a imagem de valor. Esta constituição, neste caso, não consiste apenas em conduzir-se para a sociedade, é necessário conduzir-se adequadamente na sua relação com o outro, valorando-o e sendo, da mesma forma valorado. A construção de valor a partir de outros, constitui-se na no olhar destes para um indivíduo, mas para os dois membros que compõem o casal.

Neste sentido, o que encontramos em nossas análises representam um conjunto de significados que procuram instituir uma conduta discreta, de forma que evite-se a exposição do casal perante os outros, evitando adversidades, mas sobretudo, valorando a relação em uma alteridade. Tal reflexão aproxima-se do construto sobre relacionamentos estabelecidos por conveniente benefício social, desprovido de compromisso e sustentados convenientemente enquanto benéfico a ambos, em meio aos seus objetivos individuais (BAUMAN, 2004BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.).

Erótica

Estabelece um conjunto de princípios que promove o adultério à condição de prática social aceitável, de modo valorar o sujeito em sua relação com o outro. A problematização aqui, conforme Foucault (1984)FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984., se estabelece no modo como o sujeito, na condução de sua satisfação e benefício, demonstra cuidado e preocupação com o outro com o qual interage, beneficiando-o de algum modo. Desta forma, a construção de valor moral está na demonstração de cuidado com o outro, estabelecendo no jogo de relações entre si, uma negociação tal que ambos sintam-se beneficiados, valorando-se um ao outro, e fortalecendo assim, a imagem de valor moral almejada.

Em nossos achados, diante de uma sociedade vigiada, de relacionamentos fluídos e portanto frágeis, de uma certa economia de tempo e de uma assimetria entre os papéis do homem e da mulher, buscar no outro o compartilhamento de interesses semelhantes permite uma diminuição do esforço a ser despendido no jogo de conquista, no necessário desprendimento a ser proposto na articulação entre ambos e proporcionando uma diminuição dos riscos, assim, ambos os sujeitos, em busca do prazer advindo do adultério, beneficiam-se, saciam suas necessidades individuais, sem muito necessitar retribuir ao outro.

De certo modo, esta percepção se alinha à característica da individualidade que demarca a pós-modernidade (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; BAUMAN, 1998BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998., 2008BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.; BARBOSA, 2010BARBOSA, L. Sociedade de consumo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.). Na procura individual à experiência hedônica, quanto menor for a necessidade de se preocupar com o outro, maior o benefício e o tempo disponível para voltar a consumir outros prazeres Podemos, portanto considerar que esse outro a quem se deve cuidar é não mais que o próprio sujeito. Assim, ao não necessitar proporcionar ao outro mais que aquilo que almeja, o sujeito agora valora-se moralmente por cumprir o esperado, e beneficia-se de uma certa facilitação para a condução do cuidado de si e do seu cônjuge.

A estilística do adultério

As formações discursivas pertencem a um mesmo campo de conhecimento. Desta forma, buscamos a regra geral que dá condição de existência às formações discursivas. Esta, por sua vez, se evidencia por uma aproximação entre as formações discursivas, como apresentado na Ilustração 1, considerando que as formações discursivas encontradas comungam princípios que regram uma conduta adequada, ou seja, condicionam uma estilística do adultério.

A ordem do discurso revela por meio de suas formações discursivas, um certo número de princípios que orientam a um cuidado do indivíduo, com vista ao seu bem estar, saciando seu desejo e necessidade; um cuidado com o cônjuge, o parceiro ao qual uma identidade social se constitui para benefício mútuo; assim como um cuidado com o outro, parceiro na relação do adultério, a quem, de certa forma, constitui uma alteridade capaz de reconhecer sua imagem, mas que também procura usufruir do adultério para atender suas próprias necessidades. Este conjunto de princípios, conforme defende Foucault, fornece as regras até certo ponto instituídas na medida exata de evidenciar as problematizações sociais que configuram a subjetividade do sujeito moral.

Se na modernidade, encontramos um contexto rígido, controlado e centralizado, de modo que ética e moral compunham quase o mesmo significado (BAUMAN, 1998BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.), na pós-modernidade ética e moral parecem distanciar-se. Enquanto uma ética do consumo parece cada vez mais ocupar uma posição de hegemonia social, fomentando o consumo acelerado e a individualidade exacerbada, a ordem do discurso evidencia a existência de uma preocupação da constituição da sua identidade a partir de uma alteridade.

Assim, de um lado, uma ética cada vez mais difundida e aceita consente e naturaliza uma aceleração do consumo cada vez maior. Alguns autores apontam que essa aceleração do consumo tem deslocado a significação da prática a um vazio, a um simulacro que se fecha ao seu próprio exercício, destituindo o sujeito de uma identificação (LEE, 1993LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.; DEBORD, 1997DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.;), por outro lado, a ordem do discurso evidencia uma possibilidade para o indivíduo se fazer sujeito de si, encontrar um espaço entre sua natureza individual, o cuidado com os outros e consigo, valorando-se moralmente, uma valorização da moral, uma moral adequada à pós-modernidade (BAUMAN, 1998BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.).

Apontamentos conclusivos

Ao enveredarmos sobre a analítica do discurso do adultério mercantil, tomamos por objetivo entender como o discurso da mercantilização do adultério encontra nas práticas discursivas da opinião pública sua condição de verdade. Desta forma, em meio à ordem do discurso, evidencia-se nas práticas discursivas que aqui representaram a voz da opinião pública, uma estética adequada à condução moral para o adultério. Entre um conjunto de regras que define o cuidado com o outro, com quem se busca o prazer; no cuidado com o cônjuge, com quem se constitui uma identidade social e consigo mesmo; e o necessário atendimento ao bem-estar, encontramos uma condição moral que se alinha à ética de consumo vigente no contemporâneo. Desta forma, ainda que distante do que se pode fazer, o como se deve fazer consente, em meio a um consciente coletivo, a possibilidade de se instituir, em meio a esta articulação discursiva, um caráter de verdade ao discurso do adultério mercantil.

Por outro lado, em meio a essa evidente lacuna estabelecida entre ética e moral, confere a possibilidade aos diferentes agentes discursivos, entre eles, os de produtores encontrarem pontos de equivalência na articulação discursiva, entre os seus discursos e os aqui apresentados, bem como outros agentes discursivos. Diante dessa possível articulação, diferentes verdades podem emergir e resultar em mudanças de verdades que regem nossa cultura. Se é possível pensarmos de modo funcional, na medida em que as organizações podem encontrar diante desta ordem do discurso pontos que permitam o estabelecimento de equivalências, e portanto, do estabelecimento de uma verdade, também podemos pensar de modo crítico, ao compreendermos a realidade como uma construção social e histórica passível de ser modificada. Deste modo, uma aproximação da academia ao cotidiano, nos permite questionarmos a vida social, oferecendo outros pontos de vista e ampliando as possibilidades na tomada de decisão quanto a estrutura social.

Não obstante, duas evidências apontam as limitações desse estudo. A primeira, em virtude de nossas decisões quanto aos objetivos e formação do corpus, atribui certo limite à ordem do discurso. Neste caso, novas pesquisas em meio a outras fontes de dados podem ampliar o tecido discursivo referente a opinião pública, o que pode trazer novas configurações para a estrutura do discurso. A segunda, refere-se aos resultados possíveis, em meio à articulação discursiva. Neste caso, e da mesma forma, novas pesquisas que investiguem os discursos praticados por outras posições de sujeito, como, por exemplo, agentes mediadores, opinião pública, instituições de controle ou mesmo pelas ciências podem cooperar com a ampliação do tema, bem como pesquisas que avancem da arqueologia para a genealogia (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collegè de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 21. ed. São Paulo:Loyola, 2011.) podem contribuir a reflexão acerca de como as verdades têm modificado a cultura e a sociedade.

Por fim, acreditamos contribuir com a academia ao enveredarmos por uma outra perspectiva paradigmática de pesquisa, emergente e emancipadora, enveredando por caminhos teóricos e metodológicos ainda pouco difundidos na área de marketing. Caminhos como este podem ampliar as possibilidades de entender os fenômenos, os questionamentos e promover outros insights na construção do conhecimento e no apoio ao desenvolvimento social.

Referências

  • AJZENTAL, A. História do pensamento em marketing São Paulo: Saraiva, 2010.
  • ALMEIDA JUNIOR, J. E. Os danos morais pelo descumprimento dos deveres pessoais no casamento. Intertem@s, v. 19, n. 19, p. 9-33, jan./jun. 2010.
  • ALMEIDA, T. Infidelidade heterossexual e relacionamentos amorosos contemporâneos. Pensando Famílias, v. 11, n. 2, p. 49-56, dez. 2007.
  • ALVES, A. M. Fronteiras da relação: gênero, geração e a construção de relações afetivas e sexuais. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 3, p.10-32, 2009.
  • ARAÚJO, I. L. Formação discursiva como conceito chave para a arqueogenealogia de Foucault. Revista Aulas, n. 3, p. 1-24, dez. 2006/mar. 2007.
  • ARNOULD, E. J. Can consumers escape the market? In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007.
  • BAKER, A. J. Down the rabbit hole: the role of place in the initiation and development of online relationships. In: BARAK, A. (Ed.). Psychological aspects of cyberspace: theory, research, applications. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 163-84.
  • BARBOSA, L. Sociedade de consumo 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
  • BARTHES, R. Mitologias 5. ed. Rio de janeiro: Difel, 2010.
  • BAUMAN, Z. Amor líquido Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
  • BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
  • BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
  • BORELLI, A. Adultério e a mulher: considerações sobre a condição feminina no direito de família. Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, p. 07-19, 2004.
  • BRADSHAW, A.; FIRAT, A. F. Rethinking critical marketing. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 30-43.
  • BROWN, S. Life begins at 40? Further thoughts on marketing's "mid-life crisis". Marketing Intelligence & Planning, v. 13 n. 1, p. 4- 17, 1995.
  • BURTON, D. Critical marketing theory: the blueprint? European Journal of Marketing, v. 35, n. 5/6, p. 722-43, 2001.
  • CAMPOS, A. A. Análise do discurso jurídico acerca da infidelidade conjugal feminina em interface com a literatura. Jus Navigandi, fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18502>. Acesso em: 9 fev. 2012.
    » http://jus.com.br/revista/texto/18502>
  • CARNEIRO, C. A. et al. Infidelidade feminina na visão de homens e mulheres: um estudo à luz da teoria das representações sociais e de gênero. Psicologia IESB, v.1, n. 1, p.34-41, 2009.
  • CARRASCOZA, J. A.; CASAQUI, V.; HOFF, T. A publicidade da Coca-Cola "Happiness Factory" e o imaginário do sistema produtivo na sociedade de consumo. Comunicação, mídia e consumo, v. 4, n. 11, p. 65-77, nov. 2007.
  • CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
  • CHERKAS, L. F. et al. Genetic influences on female infidelity and number of sexual partners in humans: a linkage and association study of the role of the Vasopressin Receptor Gene (AVPR1A). Twin Research, v. 7, n. 6, p. 649-58, Dec. 2004.
  • COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Desvelamento do limiar discursivo de uma marca global em uma cultura local. Cadernos EBAPE, v. 9, n. 2, p. 299-332, jun. 2011.
  • COSTA, F. Z. N.; LEÃO, A. L. M. S. Formações discursivas de uma marca global num contexto local: um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organização & Sociedade, v. 19, n. 62, p. 453-69, jul./set. 2012.
  • COVA, B. Community and consumption: towards a definition of the "linking value" of product or services. European Journal of Marketing, v. 31 n. 3/4, p. 297-316, 1997.
  • CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
  • CUNHA, E. L. Adultério: a família diante do estrangeiro. Veritati, v. 2, n. 2, p. 39-54, 2002.
  • DEBORD, G. A sociedade do espetáculo Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
  • DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 15-41.
  • FARIA, A. Crítica e cultura em marketing: repensando a disciplina. Cadernos EBAPE, v. 4, n. 3, p. 1-16, out. 2006.
  • FERREIRA, E. V.; SANTOS, P. P. L. V. A responsabilidade civil nas relações familiares: análise do rompimento de noivado e da infidelidade no casamento. Revista do Curso de Direito da Unifacs, n. 139, 2012.
  • FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 2005.
  • FIRAT, A. F.; SHULTZ II, C. J. From segmentation to fragmentation: markets and marketing strategy in the postmodern era. European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, p. 283-307, 1997.
  • FIRAT, A. F.; TADAJEWSKI, M. Critical marketing: marketing in critical condition. In: MACLARAN, P.; SAREN, M.; STERN, B.; TADAJEWSKI, M. (Orgs.). The SAGE handbook of marketing theory London: Sage, 2010. p. 127-50.
  • FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise de discurso em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.
  • FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
  • FONSECA, J. P. A. Considerações sobre a constituição do sujeito do cuidado de si no pensamento de Michel Foucault. Veritas, v. 57, n. 1, p. 143-52, jan./abr. 2012.
  • FOUCAULT, M. A arqueologia do saber Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
  • FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática de liberdade. In: MOTTA, M. B. (Org). Ditos e escritos, V: ética, sexualidade, política. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010a.
  • FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collegè de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 21. ed. São Paulo:Loyola, 2011.
  • FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de janeiro: Graal, 1988.
  • FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de janeiro: Graal. 1984.
  • FRANCHINI, J. G. Da ocorrência de danos morais entre cônjuges ou conviventes e da sua reparabilidade no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar, v. 4, n. 1, p. 199-227, 2004.
  • GIACOMONI, M. P.; VARGAS, A. Z. Foucault, a arqueologia do saber e a formação discursiva. Veredas, v. 14, n. 2, p. 119-29, 2010.
  • GRAY, D. E. Pesquisa no mundo real 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.
  • HALL, S. The work of representation In: HALL, S. (Org.) Representation: cultural representation and cultural signifying practices. London: Sage, 1997.
  • HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
  • HIRSCH, J.S. et al. The social constructions of sexuality: marital infidelity and sexually transmitted disease–HIV risk in a mexican migrant community. American Journal of Public Health, v. 92, n. 8, p. 1227-37, Aug. 2002.
  • KELLE, U. Análise com auxílio de computador: codificação e indexação. In: BAUER, M.; GASKEL, G. (Eds.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
  • KINCHELOE, J. L.; MCLAREN, P. Repensando a teoria crítica e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
  • LAYTON, R. A. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 193-213, Dec. 2006.
  • LEÃO, A. L. M. S.; MELLO, S. C. B. VIEIRA, R. S. G. O papel da teoria no método de pesquisa em administração. Organizações em Contexto, v. 5, n. 10, p. 1-16, jul./dez. 2010.
  • LEE, M. J. Consumer culture reborn: the cultural politics of consumption. London: Routledge, 1993.
  • LINCOLN, Y. S.; GUBA, E. G. Controvérsias paradigmáticas, contradições e confluências emergentes. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
  • MADUREIRA, V. S. F., TRENTINI, M. Relações de poder na vida conjugal e prevenção da AIDS. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 61, n. 5, p. 637-42, set./out. 2008.
  • MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
  • MAZZON, J. A.; HERNANDEZ, J. M. C. Produção científica brasileira em marketing no período 2000-2009. Revista de Administração de Empresas, v. 53, n. 1, p. 67-80, jan./fev. 2013.
  • MELLO, S. C. B. O que é o conhecimento em marketing no Brasil, afinal? Revista de Administração Contemporânea, v. 10, n. 2, p. 203-12, abr./jun. 2006.
  • MISOCZKY, M. C.; AMANTINO-DE-ANDRADE, J. Uma crítica à crítica domesticada nos estudos organizacionais. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, n. 1, p. 193-210, jan./mar.2005.
  • OKSALA, J. Como ler Foucault Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
  • OLIVEIRA, A. M. A constituição da verdade em Hans G. Gadamer e Michel Foucault. Revista Aulas, v. 3, 2007.
  • PAIVA JR., F. G.; LEÃO, A. L. M. S.; MELLO, S. C. B. Validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa em administração. Revista de Ciências da Administração, v. 13, n. 31, p. 190-209, set./dez. 2011.
  • PIMENTEL, T. D.; CARRIERI, A. P.; CABRAL, A. C. A. O discurso e sua análise no enfoque foucaultiano da formação discursiva: um método de pesquisa nos estudos organizacionais. Gestão.Org, v. 3, n. 2, p. 106-21, 2005.
  • REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
  • RIOS, L.F. et al. Católicos, fidelidade conjugal e AIDS: entre a cruz da doutrina moral e as espadas do cotidiano sexual dos adeptos. Debates do NER v. 9, n. 14, p. 135-56, 2008.
  • ROCHA, S. P. V. O homem sem qualidades: modernidade, consumo e identidade cultural. Contemporânea, n. 3, p. 136-44, 2004.
  • ROWNLIE, D.; HEWER, P. Concerning marketing critterati: beyond nuance, estrangement and elitism. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 44-64.
  • RÜDIGER, F. Cyberlove: paixão e poder na era da cibercultura. In: TRIVINHO, E. et al. (Orgs.). A cibercultura em transformação [recurso eletrônico]: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo e mutação de direitos. São Paulo: ABCiber, 2010. Disponível em: http://www.abciber.org/publicacoes/livro2 Acesso em: 28 nov 2011.
    » http://www.abciber.org/publicacoes/livro2
  • SANTOS, L. C. Macromarketing: fundamentos, natureza, escopo e tendências. Caderno de Pesquisa em Administração, v. 12, n. 2, p. 13-27, abr./jun. 2004.
  • SCHROEDER, J. E. Critical marketing: insights for informed research and teaching. In: SAREN, M. et al. (Orgs). Critical marketing: defining the field. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2007. p. 18-29.
  • SHAPIRO, S. J. Macromarketing: origins, development, current status and possible future direction. European Business Review, v. 18 n. 4, p. 307-21, 2006.
  • SILVA, C. G. M. O significado de fidelidade e as estratégias para prevenção da AIDS entre homens casados. Revista Saúde Pública, v. 36, n. 4, p. 40-9, 2002.
  • SOUZA, E.; MACHADO, L. A.; BIANCO, M. F. O homem e o pós-estruturalismo foucaultiano: implicações nos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 47, p. 71-86, dez. 2008.
  • SOUZA, D. L.; SANTOS, R.B.; ALMEIDA, T. Infidelidade conjugal feminina. Pensando Famílias, v. 13, n. 2, p. 197-214, 2009.
  • TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies: introduction and overview. In: TADAJEWSKI, M.; MACLARAN, P. Critical marketing studies London: Sage, 2009.
  • THIRY-CHERQUES, H. R. À moda de Foucault: um exame das estratégias arqueológica e genealógica de investigação. Lua Nova, n. 81, p. 215-48, 2010.
  • VON DER WEID, O. Gênero, corpo e sexualidade: um estudo antropológico sobre a troca de casais. Revista Ártemis, n. 5, 2006.
  • VON DER WEID, O. Perdoa-me por te trair: um estudo antropológico sobre a infidelidade feminina. Revista Habitus, v. 2, n. 1, p. 49-59, 2004.
  • WYSOCKI, D. K.; CHILDERS, C. D. Let my fingers do the talking: sexting and infidelity in cyberspace. Sexuality & Culture, v. 15 n. 3, p. 217-39, 2011.
  • YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos e abusos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
  • ZACHARIAS, D. G. et al. Um olhar sistêmico sobre a infidelidade e suas implicações. In: JORNADA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA, 4., 2011, Santa Cruz do Sul. Anais.. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2011. p. 120-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2013
  • Aceito
    10 Dez 2014
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br