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Fatores Condicionantes do Empreendedorismo: Redes Sociais ou Classes Sociais?

Conditioning Factors of Entrepreneurship: Social Network or Social Class?

Resumos

Considerado um dos pilares da moderna sociologia econômica, o conceito de imersão, como concebido por Granovetter, vem sendo objeto de críticas. Barber questiona a primazia dada pelo autor à economia de mercado e a importância, por ele imputada, às estruturas sociais, baseadas em relações interpessoais. Segundo Barber, coexistiriam, atualmente, além do mercado, mais dois outros tipos de interações econômicas (reciprocidade, redistribuição), já mencionados por Polanyi. Todos encontram-se imersos em diferentes tipos de estruturas – a exemplo dos sistemas de estratificação social. Este trabalho avalia a capacidade explicativa dessas duas concepções, na análise da maneira como empreendedores constroem seus empreendimentos e mercados. Utiliza, para isso, uma pesquisa amostral, realizada com 100 empreendedores. Conclui-se que existe associação entre as variáveis relações interpessoais e as demais. Observa-se, no entanto, que não se podem subestimar as contribuições de Barber. Os resultados gerais permitem vislumbrar facetas, até então inexploradas, do complexo processo de construção dos mercados.

Imersão; Redes Sociais; Classe Social; Mercado; Redistribuição; Reciprocidade


Underpinning modern economic sociology theory, the concept ofimersão, as conceived by Granovetter, has been holding against a barrage of criticism. Barber, for example, questions the primacy conferred by Granovetter on the market economy as well as his assigned importance to social structures based on interpersonal relations. According to Barber, two relevant types of economic interactions (besides the market, as previously described by Polanyi) coexist: reciprocity and redistribution. All such interactions are embedded in different types of social structures, in analogy with systems of social stratification. Therefore, this study evaluates the explanatory power of these two alternative conceptions, insofar as they focus on the way entrepreneurs pursue their businesses. For such an endeavor, it relies upon data obtained from a survey of 100 entrepreneurs. The findings indicate an important association between interpersonal relations and the remaining variables. However, Barber’s contributions are not to be dismissed altogether. Moreover, the overall results shed light on aspects hereunto unexplored vis-à-vis the complex processes of market construction.

Embeddedness; Social Network; Social Class; Market; Redistribution; Reciprocity


Introdução

O conceito de embeddedness – imersão (GRANOVETTER, 2007GRANOVETTER, M. Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão. RAE, v. 6, n. 1, art. 9, 2007. Disponível em: < http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S1676-56482007000100010.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2013.
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), enraizamento (VALE, 2006VALE, G. M. V. Laços como ativos territoriais: análise das aglomerações produtivas na perspectiva do capital social. Lavras: UFLA. 2006. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/premiocapesdetese/edicoes-anteriores/2320>. Acesso em: out. 2013.
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), encrustamento (MACHADO, 2010MACHADO, N. M. C. Karl Polanyi e a nova sociologia econômica: notas sobre o conceito de dis (embeddedness). Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 90, p. 71-94, 2010.) – primeiramente utilizado por Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.), é um dos pilares da moderna sociologia econômica. Surgiu como um contraponto às ciências econômicas, capturadas pelo princípio do ‘imperativo do mercado’ (BARBER, 1977BARBER, B. Absolutization of market: some notes on how we got from there to here. DWORKIN, G.; BERMANT, G.; BROWN, P. (Ed.). Markets and morals. Washington, D.C.: Hemisphere, 1977. p. 15-32.; 1990BARBER, B. Social studies of science. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1990.; 1993BARBER, B. Constructing the social system. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1993.; 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.). A partir dos trabalhos de Granovetter (1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.), veio a adquirir a centralidade nos estudos contemporâneos, com repercussões, inclusive, na área do empreendedorismo (BURT, 1992BURT, S. R. Structural holes: the social structure of competition. Cambridge: Harvard University, 1992.; UZZI, 1997UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997.; PORTES; SENSENBRENNER, 1993PORTES, A.; SENSENBRENNER, J. Embeddedness and immigration: notes on the social determinants of economic action. The American Journal of Sociology, v. 98, n. 6, p. 1320-1350, 1993.; MARTES, 2009MARTES, A. C. B. (Org.). Redes e sociologia econômica. São Carlos: Edufscar, 2009.). No campo das ciências sociais, a economia e a sociologia divergem na maneira de vislumbrar o empreendedor. Nas ciências econômicas, o empreendedor é visto, geralmente, como um ator racional e atomizado, que produz e transaciona bens e serviços em um mercado competitivo e impessoal, constituído por atores anônimos (KIRZNER, 1982KIRZNER, I. M. The theory of entrepreneurship in economic growth. In: KENT, C. A.; SEXTON, D. L.; VESPER, K. H. Encyclopedia of entrepreneurship. Engelwood Cliffs, NJ: Printice Hall, 1982. p. 272-276.; KNIGHT, 1964KNIGHT, F. Risk, uncertainty and profit. Boston: Houghton Mifflin, 1964.; BAUMOL, 2010BAUMOL, W. J. The microtheory of innovative entrepreneurship. Princeton: Princeton Universty Press, 2010., CASSON, 2003CASSON, M. C. The entrepreneur: an economic theory. Cheltenhan: Edward Elgar Publishing, 2003.).

Na sociologia, o empreendedor é vislumbrado como um ator inserido em um dado contexto social, o que influencia suas iniciativas. Weber (1958)WEBER, M. The protestant ethic and the spirit of capitalism. New York: Charles Scribner’s Son, 1958., por exemplo, destaca o componente cultural – no caso, a ética protestante – na formação do espírito empreendedor. Simmel (1971)SIMMEL, G. On individuality and social forms. Chicago: University of Chicago Press, 1971. menciona a importância das vinculações sociais na sua concepção do estrangeiro como o mercador. Thornton (1999THORNTON, P. H. The sociology of entrepreneurship. Annual Review of Sociology, v. 25, n. 1, p. 19-46, 1999., p. 21) observa que “indivíduos e organizações afetam e são afetados pelo contexto social é seminal na sociologia contemporânea e tem sido utilizada para análise do fenômeno empreendedor”. No esteio dessas reflexões, mas com uma visão muito particular, situa-se a moderna sociologia econômica. Para Granovetter (1973GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973.; 1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.; 2005aGRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197.; 2005bGRANOVETTER, M. The impact of social structure on economic.Journal of Economic Perspectives, v. 19, n. 1, p. 33-50, 2005b.; 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008.) e seus seguidores, as estruturas sociais – no formato de redes interpessoais – influenciam as iniciativas individuais e os resultados econômicos daí derivados. No contexto dessas reflexões, o empreendedor pode ser vislumbrado como um ator imerso em uma estrutura de relações sociais que, por sua vez, condiciona a maneira como constrói o seu empreendimento e o seu mercado.

Embora central para a moderna sociologia econômica, o conceito de imersão, como concebido por Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a., vem sendo, ao longo do tempo, alvo de críticas e revisões (BECKERT, 2009BECKERT, J. The great transformation of embeddedness: Karl Polanyi and the new economic sociology. In: HANN, C.; HART, K. Market and society: the great transformation today. Cambrigde: Cambridge University Press, 2009. p. 38-55.; MACHADO, 2010MACHADO, N. M. C. Karl Polanyi e a nova sociologia econômica: notas sobre o conceito de dis (embeddedness). Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 90, p. 71-94, 2010.;KRIPPNER, 2004KRIPPNER, G. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press, 2004.; DALE, 2011DALE, G. Lineages of embeddedness: on the antecedents and successors of a Polanyian concept. American Journal of Economic and Sociology, v. 70, n. 2, p. 306-339, 2011.; BARBER, 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.). Alguns autores questionam, inclusive, a maneira como Granovetter teria se apropriado do conceito de Polanyi. Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.;, 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.) estava interessado nas diferenças entre os sistemas econômicos existentes no passado – reciprocidade, redistribuição e transação – e o sistema, então emergente, designado de economia de mercado. Observa o autor que o que se convencionou chamar, no mundo contemporâneo, de mercado – ou seja, um “lócus de transações/trocas” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 47) – seria, na verdade, apenas uma das trêsformas possíveis de integração econômica ou de se institucionalizar a economia. Diferentemente das formas encontradas no passado, o mercado, que passou a dominar o mundo moderno, encontra-se desembbeded.

Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a., ao retomar o conceito de Polanyi, direciona seu foco para o estudo da instituição do mercado, com seus atores e contextos. E faz isso em clara contraposição às abordagens econômicas neoclássicas vigentes. Para o autor (1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.), as instituições e as transações econômicas encontram-se imersas em relações sociais. Não existiria, no caso, o mercado anônimo e impessoal, preconizado pela análise economia. Um dos primeiros autores a contestar alguns pontos da visão de Granovetter foi Barber (1990BARBER, B. Social studies of science. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1990.; 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.). Suas críticas incluem tanto a maneira com Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a. teria se apropriado do conceito de Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.) como, também, certas dimensões da proposição teórica do autor.

Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995. também possui uma visão própria sobre imersão, estruturas sociais e mercado, o que o distingue tanto de Polanyi (1992a)POLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52. – que considera que o mercado encontrava-se desembedded – quanto de Granovetter (1985a)POLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., que vê o mercado embeddedem redes sociais. Para Barber, a economia moderna seria resultante de um processo de diferenciação econômica, dotado de complexas interdependências, que gera a convivência dos três diferentes tipos de trocas econômicas (reciprocidade, redistribuição e mercado). Barber, assim como Granovetter (1985aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 2005aGRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197.; 2005bGRANOVETTER, M. The impact of social structure on economic.Journal of Economic Perspectives, v. 19, n. 1, p. 33-50, 2005b.; 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008.), considera que as estruturas sociais influenciam as ações humanas. Mas, diferentemente de Granovetter – que entroniza as redes sociais – Barber destaca a importância de outros tipos de estruturas sociais – a exemplo dos sistemas de estratificação social – sobre a ação dos indivíduos.

Essas reflexões repercutem no campo do empreendedorismo. Se o mercado é socialmente construído, então os empreendedores seriam alguns de seus artífices. Se as estruturas sociais influenciam as iniciativas dos empreendedores e a maneira de construírem seus empreendimentos e mercados, então seria importante entender melhor algumas das dimensões desse processo. Mas restaria, aí, uma indagação sobre qual tipo de estrutura social – se as redes sociais ou se os sistemas de estratificação social – seria mais adequado para análise desse fenômeno. Nesse contexto, situa-se o presente trabalho, que procura não apenas desvendar algumas facetas do papel do empreendedor no processo de construção do mercado como, também, avaliar e comparar a capacidade explicativa das duas proposições teóricas alternativas (GRANOVETTER, 1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.,bGRANOVETTER, M. Getting a job: a study of contacts and careers. Chicago: The University of Chicago Press, 1985b.; BARBER, 1977BARBER, B. Absolutization of market: some notes on how we got from there to here. DWORKIN, G.; BERMANT, G.; BROWN, P. (Ed.). Markets and morals. Washington, D.C.: Hemisphere, 1977. p. 15-32., 1993BARBER, B. Constructing the social system. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1993., 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.).

O artigo encontra-se dividido em quatro partes. A primeira apresenta o modelo teórico. A segunda, os aspectos metodológicos de uma pesquisa amostral, de natureza quantitativa, realizada com empreendedores do setor industrial. Nesse contexto buscou-se, também, identificar, através de testes estatísticos, se haveria associação entre a variável estrutura social – seja no formato de redes interpessoais ou de estratos sociais – e demais variáveis de interesse da pesquisa, estas, sugestivas da maneira como o empreendedor constrói o empreendimento e o mercado. Na terceira parte são apresentados os resultados da pesquisa. Conclui-se que existe associação entre a variável estrutura – definida por Granovetter (1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.; 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008.) como redes de relacionamentos sociais – e outras variáveis de interesse. Observa-se, finalmente, que os resultados gerais extrapolam a temática das estruturas sociais, trazendo contribuições mais amplas.

Referencial teórico

Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.) foi quem introduziu o conceito de imersão associando-o ao tema do mercado. Seu raciocínio deriva de uma distinção prévia entre o que chamou de economia substantiva e economia formal. Enquanto a primeira refere-se às interconexões entre o homem e seu ambiente natural e social, a segunda deriva do caráter lógico das relações meios-fins, com concebido pela análise econômica. A “última deriva da lógica e a primeira dos fatos” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 29). O conceito substantivo da economia permite vislumbrá-la como “um processo institucionalizado” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 33). O termo sugere movimento, seja em termos de alocação de um bem material, de apropriação ou de ambos. Isso que dizer que os elementos materiais podem mudar de posição (diferentes locais e/ou mãos). Enquanto movimentos de locação ocorrem no contexto da produção e do transporte para diferentes espaços, a apropriação diz respeito a movimentos de apropriação (resultantes de transação entre diferentes mãos) ou de disposição (gerado por decisões de natureza normativa ou administrativa). Às atividades sociais que participam desse processo, dá-se o nome de econômicas; à concentração de tais atividades, dá-se o nome de instituição. A institucionalização do processo econômico é capaz de dotá-lo de unidade e estabilidade. Nesse contexto, a “economia humana encontra-se imersa em instituições econômicas e não econômicas” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 34).

Para o autor, o “estudo do mutável espaço ocupado pela economia na sociedade seria o estudo da maneira como o processo econômico é institucionalizado, em diferentes lugares e épocas” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 34). E três são as formas possíveis de integração: reciprocidade, redistribuição, transação. Esta última foi a menos proeminente no passado. Reciprocidade significa movimentos entre pontos correlatos, em agrupamentos dotados de certa simetria. Se existe mutualidade entre indivíduos, então pode existir uma integração baseada em reciprocidade. Redistribuição sugere movimentos de apropriação, a partir de um ponto central ou de um centro de alocação na comunidade. Se existe o compartilhamento dentro de um grupo ou sociedade, pode existir a redistribuição. Observa que seria possível encontrar essa forma de integração no contexto de grupos menores, a exemplo de uma família, independentemente do tipo de integração dominante na sociedade. Transações indicam movimentos entre diferentes mãos, em um sistema de mercado. Se existe, por exemplo, escambo, barganha, comércio, existe a transação. Observa-se, no entanto, que os efeitos integrativos de cada uma dessas formas encontra-se condicionado à presença de certos arranjos institucionais definidos. É assim que a reciprocidade encontra-se associada à presença de organizações simétricas: a redistribuição a pontos centrais e a transação a um sistema de mercado. Embora o autor demonstre, ao longo da história humana, ocasiões em que foi possível a convivência entre mais de uma forma, ele não sugere que tal fato continuaria a ocorrer no mundo moderno, dominado pelo sistema da economia de mercado.

Segundo ele, as trocas somente funcionam como uma forma adequada de integração, se estiverem ancoradas em um sistema de preços baseados no mercado (instituição da economia de mercado). No mundo atual, o “mercado aparece como um lócus de transações/trocas; o comércio como a troca, e; a moeda como o meio de troca”. Observa que, como o “comércio é dirigido por preço e preço é função do mercado, então toda troca/comércio é uma troca no mercado” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 40). Consequentemente, pondera o autor, o mercado transforma-se, no mundo moderno, na instituição geradora, enquanto que a troca/comércio e o dinheiro tornam-se suas funções. Nesse caso, o próprio mercado identifica-se com o movimento de bens, este regido por mecanismos de preços ditados pela relação oferta-demanda. “Os atos de trocas, baseados em um sistema de preços definidos pelo mercado [...], envolvem os participantes em escolhas induzidas pela noção de recursos escassos, o que os leva a agir de acordo com métodos baseados em significados formais de economia” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 30). Nesse contexto, passa a ocorrer uma identidade entre o método utilizado pela análise econômica, o fato empírico e o sistema formal de mercado. As transações “passam (então) a ser descritas como relações econômicas e o mercado como a instituição econômica” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 47). Diferentemente do passado, o sistema baseado no mercado adquiriu, no mundo de hoje, uma proeminência absoluta. O mercado é o lócus das transações. E o mercado pressupõe a presença de atores econômicos racionais, utilitaristas e atomizados, que desenvolvem atos impessoais e aleatórios de transações/trocas/comércio.

Tal conotação, central no contexto da economia formal, difere da encontrada na economia substantiva, onde mercado e transação possuem características empíricas diferentes. Pondera o autor que a transação, de maneira substantiva, seria “o movimento de apropriação mútua de bens entre diferentes mãos” (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., p. 47), passível de ocorrer em diferentes formas de integração. No contexto da economia formal, a transação identifica-se com o próprio sentido de mercado. Na visão de Polanyi, enquanto o mercado encontra-sedesembedded, os outros dois tipos de interação econômica – proeminentes no passado – estariam mais embedded em estruturas sociais e culturais. Sua proposição acerca de um mercadodesembedded vem sendo objeto de controvérsia e merecendo vários estudos (BARBER, 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.; GEMICI, 2008GEMICI, K. Karl Polanyi and the antinomies of embeddedness.Socio-Economic Review, v. 6, n. 1, p. 5-33, 2008.; KRIPPNER, 2004KRIPPNER, G. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press, 2004.; DALE, 2011DALE, G. Lineages of embeddedness: on the antecedents and successors of a Polanyian concept. American Journal of Economic and Sociology, v. 70, n. 2, p. 306-339, 2011.; BECKERT, 2009BECKERT, J. The great transformation of embeddedness: Karl Polanyi and the new economic sociology. In: HANN, C.; HART, K. Market and society: the great transformation today. Cambrigde: Cambridge University Press, 2009. p. 38-55.; MACHADO, 2010MACHADO, N. M. C. Karl Polanyi e a nova sociologia econômica: notas sobre o conceito de dis (embeddedness). Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 90, p. 71-94, 2010.; KURTULUS, 2008KURTULUS, G. Karl Polanyi and the antinomies of embeddedness.Socio-Economic Review, v. 6, p. 5-33, 2008.;KNOWLES; OWEN, 2008KNOWLES, R.; OWEN, J. R. Karl Polanyi for historians: an alternative economic narrative. The European Legacy, v. 13, n. 2, p. 175-191, 2008.). Ao introduzir o conceito de imersão, Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a. deu origem à moderna sociologia econômica. O tema dos laços sociais e das relações interpessoais permeia todo o trabalho do autor, desde suas reflexões iniciais sobre o ‘poder dos laços fracos’ (GRANOVETTER, 1973GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973., 1983GRANOVETTER, M. The strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological Theory, v. 1, p. 201-233, 1983., 1985bGRANOVETTER, M. Getting a job: a study of contacts and careers. Chicago: The University of Chicago Press, 1985b.), passando por imersão (1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.), até sua proposta mais recente de agenda para a sociologia econômica, esta baseada no conceito de acoplamento-desacoplamento (2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008.). Sua proposição de imersão, no entanto, vem sendo objeto de críticas (BARBER, 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.;KRIPPNER; ALVAREZ, 2007KRIPPNER, G R.; ALVAREZ, A. S. Embeddedness and the intellectual projects of economic sociology. Annual Review of Sociology, v. 33, p. 219-240, 2007. doi:10.1146/annurev.soc.33.040406.131647; BECKER, 2009;DALE, 2011DALE, G. Lineages of embeddedness: on the antecedents and successors of a Polanyian concept. American Journal of Economic and Sociology, v. 70, n. 2, p. 306-339, 2011.).

Analisando o poder dos laços fracos, Granovetter (1973)GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973. concebe dois tipos de laços, capazes de unir os indivíduos: i.) fortes – mais frequentes e/ou próximos –, encontrados em grupos sociais mais integrados, coesos e unidos, capazes de gerar solidariedade e promover a confiança; e ii.) fracos – eventuais e distantes –, encontrados em estruturas sociais mais fragmentadas e porosas. Observa que (GRANOVETTER, 1973GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973., p. 1368) “indivíduos com poucos laços fracos estariam privados da informação de partes distantes do sistema social e, como tal, confinados a novidades e visões provincianas de seus amigos próximos”. Caberia ao empreendedor, entre outras habilidades, a de desenvolver uma capacidade de mobilizar recursos valiosos e dispersos em diferentes redes/grupos. Suas análises são retomadas e enriquecidas com o seu conceito de imersão (GRANOVETTER, 1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.; 2005bGRANOVETTER, M. Getting a job: a study of contacts and careers. Chicago: The University of Chicago Press, 1985b.), Ou seja, a noção que as relações econômicas e sociais se interpenetram e se reforçam, mutuamente. Assim, é comum, no mundo dos negócios um amigo se tornar um parceiro comercial. Da mesma maneira, relações comerciais repetitivas podem ensejar o nascimento de amizade, da confiança e da reciprocidade. Mostra o autor como as transações entre indivíduos ou empresas surgem a partir de interações sociais, previamente existentes. Essa lógica da imersão, a nível micro, repercute na criação das grandes instituições econômicas, incluindo o próprio mercado.

Com o passar do tempo, o autor vai, ao mesmo tempo, apurando e reforçando a essência de sua concepção e termina por introduzir o conceito de acoplamento-desacoplamento. Esse, por sua vez, remete à ideia de vínculos intercruzados. Enquanto acoplamento indicaria uma capacidade de aproximação e conexão, o desacoplamento, por outro lado, sinalizaria para uma possibilidade de afastamento e desconexão. O vínculo intercruzado representaria, nesse contexto, um “certo nível de acoplamento entre redes” (GRANOVETTER, 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008., p. 252) capaz de garantir os canais que um “ator estratégico pode utilizar para estabelecer vínculos fracos entre segmentos diversos e que lhe permita reunir recursos no seio de entidades sociais mais amplas” (GRANOVETTER, 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008., p. 253). Um nível excessivo de acoplamento pode ser prejudicial a certos empreendimentos humanos, assim como a escassez. Elabora, a partir daí, uma tipologia de estruturas sociais – baseadas em redes sociais –, composta por três categorias: i.) redes ou estruturas dotadas de forte desacoplagem (com fraca possibilidade de cooperação generalizada); ii.) redes dotadas de forte acoplagem (forte possibilidade de cooperação); iii.) redes dotadas de fraca acoplagem (possibilidade média de cooperação). Tal tema vem, mais recentemente, merecendo a atenção de pesquisadores, embora ainda não pareça ter chegado ao Brasil (CASTILLA; HWANG; GRANOVETTER, 2010CASTILLA, E. J. et al. Social networks in Silicon Valley. 2010. Disponível em: <http://www.stanford.edu/group/esrg/siliconvalley/docs/siliconvalleyedge.pdf>. Acesso em: 25 set. 2013.
http://www.stanford.edu/group/esrg/silic...
; LUO, 2011LUO, Jar-Der. Guanxi revisited: an exploratory study of familiar ties in a Chinese workplace. Management and Organization Review, v. 7, n. 2, p. 329-351, 2011.; LI et al., 2012LI, P. P. et al. Indigenous research on chinese management: what and how. Management and Organization Review, v. 8, n. 1, p. 7-24, 2012.; STRYJAN; HÖGSKOLA, 2006STRYJAN, Y.; HÖGSKOLA, S. The practice of social entrepreneurship: theory and the Swedish experience. Journal of Rural Cooperation, v. 34, n. 2, p. 195-224, 2006.).

Ao analisar a criação de pequenas empresas por populações imigrantes, em vários países, Granovetter (2005a) enfatiza a importância da presença, concomitante, de um lado, de certo grau de acoplamento e, de outro, de certo grau de desacoplamento. Enquanto o acoplamento pressupõe a presença de laços sociais capazes de gerar algum grau de solidariedade e a presença de relações de confiança dentro de um grup,; o desacoplamento pressupõe distanciamento. Esse relativo distanciamento seria importante, em certas situações. Muitas vezes, é a maneira que o empreendedor possui de evitar abusos de natureza familiar, capazes de incidir sobre seu empreendimento. A imposição de interesses familiares sobre os negociais/empresariais pode subverter a lógica produtiva do empreendimento, inibindo sua racionalização e comprometendo sua busca por eficiência. Livre dos entraves gerados por um excesso de acoplamento, o indivíduo possui maior independência e autonomia de ação, inclusive para tocar, da melhor maneira possível, seu empreendimento. Observa Granovetter (2005aGRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197., p. 195) que “uma estratégia baseada na confiança e na limitação das obrigações parece ser muito conveniente na criação de pequenas empresas prósperas”. Tanto um excesso de acoplamento, quanto de desacoplamento, apresentaria inconvenientes ao desenvolvimento dos empreendedores e seus empreendimentos.

Uzzi (1997)UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997. aborda tema semelhante, de maneira um pouco distinta. Ao analisar as relações de troca entre compradores e vendedores no mercado de confecções de luxo, em Nova Iorque, distingue dois diferentes tipos de transações. As relações de mercado e as relações especiais ou próximas – estas caracterizadas por laços enraizados (embeddeded). Enquanto que as primeiras estariam mais próximas de conceitos tradicionalmente presentes no modelo econômico neoclássico – ou seja, são regidas pelo princípio do ganho econômico e desprovidas de reciprocidade e de interação social –, as relações especiais seriam frequentes ou recorrentes, formadas por laços pessoais, imbuídas do princípio de reciprocidade e confiança. O autor constatou a existência de certos momentos, na vida da empresa, em que as relações imersas podem representar um entrave a seu desenvolvimento. O ideal seria, então, um equilíbrio entre os dois tipos de relações. A influência de Uzzi pode ser observada em várias pesquisas correntes (THYE; LAWLER; YOON, 2011THYE, S. R.; LAWLER, E. J.; YOON, J. The emergence of embedded relations and group formation in networks of competition. Social Psychology Quarterly, v. 74, n. 6, p. 387-413, 2011.; MOLMA; WHITHAMA; MELAMEDA, 2012MOLMA, L. D.; WHITHAMA, M. M.; MELAMEDA, D. Forms of exchange and integrative bonds: effects of history and embeddedness. American Sociological Review, v. 77, n. 1, p. 141-165, 2012.; FIGUEIREDO, 2010FIGUEIREDO, P. N. The role of dual embeddedness in the innovative performance of MNE subsidiaries: evidence from Brazil. Journal of Management Studies, v. 48, n. 2, p. 417-440, 2010.; VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2012VASCONCELOS, J. M. R.; OLIVEIRA, J. R. Imersão social e institucional e capacidades: o setor calçadista de Nova Serrana. Revista de Administração de Empresa, v. 52, n. 5, p. 531-545, 2012.).

Nota-se que um ponto em comum entre todos os pesquisadores influenciados por Granovetter – que entronizam a noção de laços sociais –: é o pressuposto que seria possível prescindir deoutras categorias analíticas, algumas delas tradicionais nas ciências sociais – como raça, etnia, classe, etc. No limite, tais atributos poderiam ser vistos como correlacionados às estruturas de relações. Os críticos, por seu lado, argumentam que tal fato subverteria as análises, gerando uma espécie de primazia do método sobre a substância. Segundo eles, seria importante investigar, não exatamente a estrutura formada pelos laços mas, sobretudo, o conteúdo desses laços (KRIPPNER, 2004KRIPPNER, G. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press, 2004.). O próprio Granovetter (2004)GRANOVETTER, M. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press, 2004. reconhece que existem falhas na maneira como alguns pesquisadores utilizam o conceito deembeddeness.

Entre os primeiros críticos de Granovetter, situa-se Barber (1990BARBER, B. Social studies of science. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1990., 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.). Muitas das críticas posteriores (BECKERT, 2009BECKERT, J. The great transformation of embeddedness: Karl Polanyi and the new economic sociology. In: HANN, C.; HART, K. Market and society: the great transformation today. Cambrigde: Cambridge University Press, 2009. p. 38-55.; MACHADO, 2010MACHADO, N. M. C. Karl Polanyi e a nova sociologia econômica: notas sobre o conceito de dis (embeddedness). Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 90, p. 71-94, 2010.; KRIPPNER, 2004KRIPPNER, G. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press, 2004.; DALE, 2011DALE, G. Lineages of embeddedness: on the antecedents and successors of a Polanyian concept. American Journal of Economic and Sociology, v. 70, n. 2, p. 306-339, 2011.) encontram eco nas proposições desse autor. Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995. retoma, de maneira particular, o conceito de imersão, como utilizado por Polanyi (1992a)POLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.. Barber procura, assim como Polanyi e Granovetter, “corrigir a tendência à absolutização do mercado”. (BARBER, 1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., p. 387). Para Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., a grande virtude de Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a. foi a de insistir que toda ação econômica é uma relação social, não econômica, reconhecendo que o comportamento econômico estaria imerso em estruturas sociais. Ao mesmo tempo, o autor compartilha da proposição de Polanyi, sobre os três tipos de interações econômicas. Mas, diferentemente de Polanyi, Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., considera que prevaleceria, no mundo moderno, uma coexistência e interdependência entre as três formas (reciprocidade, redistribuição e mercado). Nota-se que, segundoBlock et al. (2004Block, F. et al. Polanyi symposium: a conversation on embeddedness.Socio-Economic Review, v. 2, n. 1, p. 109-135, 2004. doi:10.1093/soceco/2.1.109, p. 52), o “termo mercado deveria ser reservado exclusivamente para situações nas quais atores relativamente independentes realizam transações econômicas de duração limitada”. Pondera Barber (1995BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., p. 390) que a visão do mercado como uma “entidade separada e independente de outras estruturas de sistemas sociais oblitera o caráter complexo e interdependente do fenômeno corrente das transações econômicas”. Observa que, se existem diferentes tipos de economia, todas elas encontram-se imersas (embedded). Nesse contexto, distingue-se também de Polanyi (1992a)POLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52., que considera o mercado desenraizado (desembedded).

Observa Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995. que muitas das iniciativas econômicas estariam imersas, não, exatamente, em uma rede de relações interpessoais – como proposto por Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a. –, mas, prioritariamente, em um contexto de valores, lealdades e relações que fazem de tais ações mais do que um simples processo de decisão racional. Pondera que toda interação social seria, sempre, interdependente de uma ampla variedade de estruturas sociais, parcialmente independentes. Entre tais estruturas situam-se as instituições baseadas em vínculos de sangue, as instituições de estratificação social, as instituições religiosas, etc. Para Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a. teria cometido um erro, quando enfatiza o papel central das estruturas sociais baseadas, exclusivamente, nas relações interpessoais. Assim procedendo, Granovetter obliteraria todo um conjunto de diferentes tipos de estruturas sociais e culturais, que compõem o sistema social maior.

Entre as diferentes estruturas citadas por Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., uma, em particular, é de interesse do presente trabalho. Trata-se do sistema de estratificação social, tema este caro aos pesquisadores nas ciências sociais. Vários estudos procuram identificar se o estrato/classe social e a origem familiar (situação dos pais) exerceria influência no sucesso dos filhos no mercado de trabalho. Corak (2006)CORAK, M. Do poor children become poor adults? Lessons from a cross-country comparison of generational earnings mobility. Research on Economic Inequality, v. 13, n. 1, p. 143-188, 2006. observa que, nos Estados Unidos, metade das crianças nascidas em lares pobres tornam-se adultos pobres. Ao mesmo tempo, crianças ricas tendem a se tornar adultos ricos. Sorokin (2001)SOROKIN, P. Social and cultural mobility. In: GRUSKY, D. (Org.).Social stratification: class, race and gender in sociological perspective. Bolder: Westview Press, 2001. p. 303-308. observa que, no caso do Brasil, continua a existir uma transmissão hereditária. Ou seja, a ocupação dos pais continuaria influenciando a realização de status dos filhos. Helal (2008)HELAL, D. H. A dinâmica da estratificação social no setor público brasileiro: meritocracia ou reprodução social? 2008. 174 f. Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008., ao analisar o padrão de estratificação social encontrado em certos segmentos ocupacionais no Brasil, observa a capacidade da elite de se reproduzir, através de um sistema educacional, casado com influências familiares. Dessa maneira, ela seria capaz de garantir, aos descendentes, certos privilégios, inclusive em posições chaves no setor público. Ribeiro (2007)RIBEIRO, C. A. C. Estrutura de classe e mobilidade social no Brasil. Bauru: Eduse, 2007. constatou que as pessoas provenientes de posições de maior prestígio social continuavam a ter melhores chances de ocupar novas posições, igualmente dotadas de prestígio. Observa-se, nesses estudos, a preocupação com a influência de fatores associados à estratificação social na trajetória dos indivíduos.

O Quadro resgata e sintetiza, nas dimensões de interesse, as proposições básicas dos dois principais autores de interesse. Observa-se que, embora distintas, demonstram a influência da origem comum (POLANYI, 1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.). Ambos, reconhecem que as ações econômicas encontram-se imersas em estruturas sociais. Ou seja, que as estruturas sociais influenciam as iniciativas individuais e seus encadeamentos. Mas cada um deles concebe um diferente aparato teórico, passível de ser utilizado na análise de determinados fenômenos sociais.

Quadro
Síntese dos modelos teóricos de Granovetter e Barber

Se determinados tipos de estruturas sociais são capazes de influenciar iniciativas e resultados econômicos, tal fato poderia, também, ser vislumbrado no contexto de estudos sobre o empreendedor, em particular, na maneira como eles constroem seus empreendimentos e mercados. Para efeito desse trabalho, utiliza-se o conceito de empreendedor, como proposto por Gatner (1989)GATNER, W. B. “Who is the entrepreneur?” is the wrong question.Entrepreneurship Theory and Practice, summer edition, p. 47- 68, 1989., ou seja, aquele que cria uma empresa. Nesse contexto, dois temas, em especial, são de interesse do presente trabalho. O primeiro diz respeito aos motivos ou fatores que levam o indivíduo à iniciativa de criar um empreendimento (ou seja, se tornar um empreendedor). O segundo, diz respeito à capacidade que este ator possui de arrebanhar amigos e conhecidos para transformá-los em clientes e consumidores, na construção de seu mercado. Tais temas são abordados a seguir.

Empreendedores são considerados pessoas atentas às oportunidades (KIRZNER, 1982KIRZNER, I. M. The theory of entrepreneurship in economic growth. In: KENT, C. A.; SEXTON, D. L.; VESPER, K. H. Encyclopedia of entrepreneurship. Engelwood Cliffs, NJ: Printice Hall, 1982. p. 272-276.). Para Aldrich (2009ALDRICH, H. E. Entrepreneurial strategies in new organizational population. In: SWEDBERG, R. (Ed.). Entrepreneurship: the social science view. New York: Oxford University Press, 2009. p. 211-228., p. 572), estudiosos do empreendedorismo finalmente concordam que “um aspecto fundamental do empreendedorismo envolve a identificação de oportunidades, frequentemente exploradas através da criação de novos empreendimentos”. Mas a identificação de uma oportunidade não se constitui, muitas vezes, o fator ou motivo preponderante capaz de levar um indivíduo a se tornar um empreendedor/criar uma empresa. Motivos associado a limitações no mercado de trabalho também podem ser relevantes (REMEIKIENE; STARTIENE, 2009REMEIKIENE, R.; STARTIENE, G. Does the interaction between entrepreneurship and unemployment exist? Economics and Management, v. 14, p. 903-911, 2009.). Alguns trabalhos contrapõem o motivo oportunidade com o motivo necessidade, a exemplo do Global Entrepreneurship Monitor (AMORÓS; BOSMA, 2014AMORÓS, J. E.; BOSMA, N. Global Entrepreneurship Monitor: 2013 Global Report. 2014. Disponível em: <http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uploads/2013/01/gem-2014-estudo.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2013.
http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uplo...
) e Smallbone e Welter (2001)SMALLBONE, D.; WELTER, F. Entrepreneurship in transition economies: necessity or opportunity driven? Small Business Economic, v. 16, n. 4, p. 249-262, 2001.. Outros (WILLIAN; ROUND, 2009WILLIAMS, C. C.; ROUND, J. Evaluating informal entrepreneurs’ motives: evidence from Moscow. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, v. 15, n. 1, p. 94-107, 2009.; VARELLI; VALE, 1997VALARELLI, M. M.; VALE, G. M. V. Informalidade e cidadania: empreendimento informais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ibase, 1997.) observam a coexistência e interação de diferentes motivos. Para Friedman (1986)FRIEDMAN, R. E. Entrepreneurial renewal in the industrial city.Annals of the American Academic Political Science, v. 488, n. 1, p. 35-46, 1986., o empreendedorismo é função de estímulo ambiental, oportunidade e necessidade. Pode-se afirmar que a decisão de se tornar empreendedor/abrir uma empresa seria resultante da interação de vários fatores e motivos.

Alguns autores buscaram identificar os diferentes mecanismos, utilizados pelas empresas, para chegar aos clientes, no processo de construção de seus mercados. Alguns desses estudos foram influenciados por Granovetter (1985b), que analisou os tipos de relações existentes no mercado de trabalho. Distingue, aí, duas grandes categorias: contatos pessoais/familiares e contatos de trabalho. Uzzi (1997)UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997. distingue duas grandes categorias de relações empresariais: relações de mercado e relações especiais ou próximas (embeddeded). Seguindo uma linha diferente de raciocínio, situam-se Grossetti, Barthe e Beslay (2006) e Mallard (2011)MALLARD, A. Petit dans le marché: une sociologie de la très petite entreprise. Paris: Presses des Mines, 2011., que procuram identificar os diferentes mecanismos de mediação, utilizados pelos empreendedores, para acessar recursos/clientes. Mallard (2011)MALLARD, A. Petit dans le marché: une sociologie de la très petite entreprise. Paris: Presses des Mines, 2011., por exemplo, distingue cinco formas de acesso ao mercado, incluindo a propaganda boca a boca. De maneira distinta, Vale (2006)VALE, G. M. V. Laços como ativos territoriais: análise das aglomerações produtivas na perspectiva do capital social. Lavras: UFLA. 2006. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/premiocapesdetese/edicoes-anteriores/2320>. Acesso em: out. 2013.
http://www.capes.gov.br/premiocapesdetes...
mostra como um empreendedor consegue, muitas vezes, transformar um amigo ou conhecido em um consumidor/cliente. A capacidade de poder contar com um mercado parcialmente constituído por pessoas amigas ou conhecidas – e, consequentemente, mais tolerante e flexível – pode se constituir um importante ativo para empreendedores, sobretudo nos estágios iniciais de vida e aprendizado de um empreendimento, estes, considerados de maior risco (SEBRAE, 2007SEBRAE. Fatores condicionantes e taxa de mortalidade de empresas no Brasil: relatório de pesquisa. Brasília, DF, 2007.). Para abordar tais temas, foi definida uma metodologia particular.

Aspectos metodológicos

A pesquisa de campo foi realizada com uma amostra composta por 100 empreendedores do setor da indústria de transformação, localizados no município de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A amostra, de natureza aleatória simples, sem reposição, foi extraída de um universo composto por 4.100 unidades, integrantes do cadastro de empresas da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). A pesquisa apresenta um nível de confiança de 95,5% e um erro amostral de dez pontos percentuais (Tagliacard, 1978TAGLIACARD, G. Pesquisa de mercado: técnica e prática. São Paulo: Atlas, 1978.). O parque produtivo do município é composto, em sua maioria, por empresas de setores tradicionais, como confecções, alimentação, metalurgia, etc. A maior parte dos empreendedores pesquisados (99% do total) era detentor de micro e pequenas empresas. Observa-se que o segmento é constituído, em geral, por pequenas unidades de produção, com produtos dotados de baixa diferenciação e pequena barreira à entrada. Tais características gerais permitiriam alguma identificação com o modelo de concorrência perfeita, caro às ciências econômicas. Os dados da pesquisa foram coletados através de questionários estruturados. Os dados, após coletados, foram processados em dois momentos distintos. Em um primeiro momento, procurou-se identificar quais as estruturas sociais – tanto as redes sociais quanto os estratos sociais – de origem dos empreendedores.

Para a identificação das estruturas de relacionamentos que os empreendedores possuíam, previamente à criação de seus respectivos empreendimentos, trabalhou-se com informações, por eles fornecidas, sobre a natureza de suas vinculações. Buscou-se verificar se eles gozavam, previamente, de algum tipo de laço ou vínculo com o setor produtivo de interesse. Assim, se um empreendedor vai criar uma empresa no setor de confecções, por exemplo, procurou-se verificar se ele possuiria algum vínculo prévio com esse setor industrial. Para isso foram definidas, previamente, quatro alternativas fechadas de respostas. São elas: i.) empreendedores que possuíam laços familiares prévios (remanescentes de famílias de empreendedores); ii.) empreendedores que trabalharam, anteriormente, em atividades ligadas ao setor, como empregados, fornecedores, etc. (remanescentes de empregos/profissões); iii.) empreendedores que possuíam amigos e/ou conhecidos que atuavam no setor (amigos /conhecidos); iv.) empreendedores desprovidos de vínculos diretos prévios com o setor de interesse (sem vinculação anterior). Deixou-se uma alternativa em aberto (alternativa v.), visando captar manifestações espontâneas, que extrapolassem os casos anteriores. Foram considerados contatos familiares apenas aqueles derivados de sua base familiar ampla, mas não vinculados, diretamente, à operação da empresa. Foram considerados contatos profissionais todos os contatos construídos pelo respondente durante seu período de trabalho, em outra empresa ou atividade. Foram considerados contatos pessoais aqueles fora do círculo familiar ou profissional, a exemplo de colegas de escola, clube, vizinhança, etc. As opções iii e v foram, posteriormente, abandonadas, devido ao reduzido número de citações (11% do total). Restaram, ao final, três categorias principais de análises: i.) estruturas/redes baseadas em laços familiares; ii.) em laços profissionais; e iii.) desprovidas de laços com o segmento de interesse. Considerou-se que tais redes eram de natureza mais difusa. As três estruturas passaram, então, a ser designadas, de maneira genérica, como familiares, profissionais e difusas. Do total de empreendedores pesquisados, 36% eram derivados de estruturas difusas, 36% de estruturas profissionais e 28% de familiares.

Embora um fenômeno universal, a estratificação social apresenta grandes variações locais. Os critérios de definição de estratificação social são dinâmicos e devem ser elaborados a partir de dados empíricos, associados à situação concreta de uma dada sociedade (JANNUZZI, 2003JANNUZZI, P. M. Estratificação sócio-ocupacional para estudos de mercado e pesquisas sociais no Brasil. São Paulo em Perspectiva, v. 17, n. 3, p. 82-90, 2003.). A literatura vem demonstrando que existem controvérsias sobre quais seriam os fatores a serem considerados, em uma dada sociedade, para aferição dos estratos sociais (ERIKSON; GOLDTHORPE, 1993ERIKSON, R. J.; GOLDTHORPE, G. The constant flux: a study of class mobility in industrial societies. Oxford: Clarendon Press, 1993.; CROMPTON, 1994CROMPTON, R. Clase y estratificación: una introducción a los debates actuales. Madrid: Tecnos, 1994.). Jannuzzi propõe, como alternativa para o caso brasileiro, a utilização de uma escala sócio-ocupacional, que teria condições de captar diferenciações relevantes no que diz respeito a rendimentos, escolaridade, qualidade e segurança no trabalho. Tal estratificação ou segmentação socioeconômica equivaleria a uma “subdivisão da população segundo grupos ocupacionais de status socioeconômico diferenciado” (JANNUZZI, 2003JANNUZZI, P. M. Estratificação sócio-ocupacional para estudos de mercado e pesquisas sociais no Brasil. São Paulo em Perspectiva, v. 17, n. 3, p. 82-90, 2003., p. 252). Essa escala, com algumas pequenas adaptações, foi utilizada na presente pesquisa, para a identificação do estrato socioeconômico de origem dos empreendedores (famílias de origem/pais).

Trabalhou-se, no caso, com dados, fornecidos diretamente pelos empreendedores, sobre seus pais, incluindo formação escolar, ocupação prévia de pai e mãe e condição financeira familiar. Para a especificação da formação escolar, foi utilizada, no questionário, uma grade, contendo diferentes níveis: i.) sem formação; ii.) primário incompleto; iii.) primário completo e, assim, sucessivamente. Para a identificação da ocupação dos pais, foi utilizado um conjunto de alternativas: i.) empregado de empresa (no caso, solicitava-se que fosse especificada a natureza do trabalho, além do tipo/porte da empresa); ii.) funcionário público (com especificação de função/tipo de entidade pública); iii.) empreendedor (com especificação de ramo/número de empregados); iv.) profissional liberal (especificação do serviço/área); iv.) professor (especificação de nível); v.) fazendeiro; vi.) sitiante; vii.) trabalhador manual (especificação), etc. Foi inserida, ao final, a opção outras ocupações, com o propósito de captar ocupações não mencionadas, previamente. Para se identificar a condição financeira dos pais, trabalhou-se com um conjunto de diferentes opções: i.) situação financeira muito difícil; ii.) razoavelmente difícil; iii.) confortável/boa; iv.) muito boa; v.) excelente. A pesquisa encontrou quatro estratos ou categorias de origem dos empreendedores (situação dos pais/famílias), incluindo: médio-alto, médio, médio-baixo, baixo. Foi identificado apenas um caso no estrato médio-alto, posteriormente abandonado. O estrato alto não foi encontrado na presente pesquisa. Do total de empreendedores pesquisados, 45% foram originários do estrato médio; 41% do estrato médio-baixo e 14% do estrato baixo.

Para a identificação dos motivos que levaram o empreendedor à criação de seu empreendimento, trabalhou-se com um conjunto formado por várias alternativas, incluindo: i.) identificação de uma oportunidade de negócio; ii.) necessidade de ampliar renda pessoal; iii.) usar relacionamentos acumulados na área; iv.) usar influência/experiência familiar; v.) desejo de tornar-se independente; vi.) necessidade de dar ocupação a membros da família (quem?); vii.) insatisfação com o emprego; viii.) desemprego; ix) convite para participar como sócio; x.) outras (em aberto). A questão permitia múltiplas respostas e o entrevistado foi solicitado a indicar os motivos mais importantes. Para a identificação dos mecanismos de acesso aos clientes/mercado, utilizou-se uma relação formada por 11 diferentes formas de acesso, incluindo as formais e as informais, além de uma categoria em aberto, visando captar manifestações espontâneas.

A segunda etapa da análise de dados consistiu em verificar se existia associação entre cada tipo de estrutura (primeiramente, as três categorias associadas a redes sociais; em seguida, as três categorias associadas a estratos sociais) tratado, cada um deles, como variável independente, e as demais variáveisde interesse da pesquisa, sugestivas do processo de construção do empreendimento/mercado (consideradas variáveis dependentes), incluindo: i.) os fatores/motivos para empreender; ii.) a participação de amigos e conhecidos como clientes, no início da vida das empresas; iii) as formas de acesso a clientes/mercado.

Trabalhou-se com dois conjuntos distintos de hipóteses. O primeiro, H0: estrutura social – no formato de redes sociais – e formas de construção do empreendimento/mercado como variáveis independentes e H1: existe associação entre a variável estrutura (redes) e formas de construção. O segundo, H0: estrutura social – no formato de sistema de estratificação social – e formas de construção do empreendimento/mercado são variáveis independentes e H1: existe associação entre a variável estrutura (estratos sociais) e formas de construção. Para verificar a presença (ou ausência) de associações, foi utilizado o teste do Qui Quadrado (ROSEMBERG, 1976ROSENBERG, M. A lógica da análises do levantamento de dados. São Paulo: Cultrix, 1976.; BABBIE, 2002BABBIE, E. Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte: editora UFMG, 2002.; BARBETTA, 2004BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis: UFSC, 2004.). Esse teste é útil em pesquisas onde predominam variáveis qualitativas, como é o caso, permitindo testar a significância da associação entre variáveis. Foram considerados níveis de significância menor ou igual a 0,050 (não significante acima deste valor). Os principais resultados encontram-se a seguir.

Resultados obtidos

Analisando-se os motivos que levaram os empreendedores à criação de seus empreendimentos, observa-se que os fatores identificação de uma oportunidade (KIRZNER, 1982KIRZNER, I. M. The theory of entrepreneurship in economic growth. In: KENT, C. A.; SEXTON, D. L.; VESPER, K. H. Encyclopedia of entrepreneurship. Engelwood Cliffs, NJ: Printice Hall, 1982. p. 272-276., ALDRICH; CLIFF, 2008Aldrich, H. E., Cliff, J. E. The pervasive effects of family on entrepreneurship: toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venture, v. 18, n. 5, p. 573-596, 2008. doi:10.1016/S0883-9026(03)00011-9), necessidade de ampliar renda pessoal (SMALLBONE; WELTER, 2001SMALLBONE, D.; WELTER, F. Entrepreneurship in transition economies: necessity or opportunity driven? Small Business Economic, v. 16, n. 4, p. 249-262, 2001.; WILLIAM; ROUND, 2009WILLIAMS, C. C.; ROUND, J. Evaluating informal entrepreneurs’ motives: evidence from Moscow. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, v. 15, n. 1, p. 94-107, 2009.) e desejo de tornar-se independente (McClelland, 1972MCCLELLAND, D. C. A sociedade competitiva. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1971.), são igualmente importantes em todas as categorias analisadas, seja na estrutura de redes ou de estratos sociais. No que diz respeito a outros motivos, observa-se que existem algumas diferenciações entre as três categorias estruturas de relacionamentos – profissionais, familiares e difusas (Tabela 1).

Tabela 1
Motivos intervenientes na decisão de criação de uma empresa por tipo de estrutura/redes sociais (%)

No caso dos empreendedores originários de redes associadas às profissões, existiu uma maior valorização do fator insatisfação com o emprego – 30% deles, contra, respectivamente, 21% e 7% nas demais categorias (sig de 0,030). Já, no caso dos empreendedores originários de redes familiares, dois fatores, em especial, distingue-se dos demais: capacidade de usar influência/experiência familiar – citado por 50% deles contra, respectivamente, 20% e 17% nas demais – (sig. de 0,000) e necessidade de dar ocupação a familiares – citado por 29% do total, contra 13% e 6% (sig de 0,006).

Essa última – necessidade de dar ocupação a membros da família – chama a atenção para duas proposições alternativas. Em primeiro lugar, para Granovetter (2005a)GRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197., comentando sobre os inconvenientes de um excesso de acoplamento. No caso, isso ficou mais visível sobretudo no contexto da estrutura familiar. Um indivíduo, aí inserido, sentir-se-ia mais compelido ou pressionado a atender demandas familiares, em detrimento da busca por maior eficiência de seu empreendimento. Tal fato poderia sugerir que, embora a vinculação familiar seja interessante (permite usar influência ou experiência familiar na construção do empreendimento), ela poderia, por outro lado, apresentar algumas dimensões perversas (necessidade de dar emprego/ocupação a outros membros da família), podendo frear o processo de racionalização do empreendimento (GRANOVETTER, 2005aGRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197.).

Em segundo lugar, para Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995., que defende a coexistência, em uma economia moderna, de diferentes formas de organização da atividade econômica. Nesse caso, trata-se da presença da redistribuição. Algumas vezes, o indivíduo foi compelido a abrir um empreendimento, motivado, por exemplo, por uma preocupação com um filho, então desempregado. Como já observado por Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.), a redistribuição de bens, entre diferentes mãos, seria passível de ocorrer quando existe um ponto central ou um centro de alocação ou redistribuição dentro de um determinado grupo. O pai exerce, algumas vezes, tal papel, sobretudo no contexto da estrutura familiar, mesmo após o filho ter atingido a maioridade.

No caso das estruturas baseadas em estratificação social (Tabela 2) não se observou associação significativa entre as três categorias analisadas (média, média baixa e baixa). No entanto, observaram-se algumas associações entre duas delas (média baixa e baixa). É o caso do motivo identificação de uma oportunidade de negócios (73% dos indivíduos inseridos, originariamente, nos estratos médio ou médio baixo, elencaram tal motivo entre os mais importantes para a criação de seus empreendimentos, contra 43% no estrato baixo – sig. 0.030) ou, então, do motivo estava desempregado (7% no médio baixo e 29% no baixo – sig. de 0,039) ou, ainda, da necessidade de dar emprego/ocupação a membros da família (10% no médio baixo contra 36% no baixo – sig. de 0,023).

Tabela 2
Motivos intervenientes na decisão de criação de uma empresa por estrato social (%)

Analisando-se os mecanismos de construção dos mercados, observa-se que a maioria dos empreendedores (59% do total), nos dois tipos de estruturas, usufruiu do benefício de poder transformar parentes, amigos e conhecidos em consumidores/clientes (Tabelas 3 e 4). No caso das três estruturas baseadas em estratificação social, não existem diferenciações significativas entre as categorias analisadas. No caso das estruturas baseadas em redes sociais, existem associações significativas para as três categorias analisadas (sig. 0,03). A presença de amigos e conhecidos, entre os clientes, encontra-se presente, em primeiro lugar, na categoria família (72%); em segundo lugar, na categoria emprego/profissão (63%). No caso das estruturas difusas, ela é de apenas 46. Tal evidência permite duas interpretações alternativas.

Tabela 3
Empresas que possuíam amigos e conhecidos como clientes no primeiro ano de atividades, por estrutura baseada em redes sociais (%)
Tabela 4
Empresas que possuíam amigos e conhecidos como clientes no primeiro ano de atividades, por estrutura baseada em estrato social (%)

A primeira, sobre a natureza da imersão, como proposto por Granovetter (1985a)GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a.. Como se observou, não existem transações econômicas complemente desprovidas de interações sociais. Quando um indivíduo cria um empreendimento, ele, com frequência, recorre a seus amigos e conhecidos, inclusive para transformando-os em consumidores. A segunda, sobre um diferente tipo de interação econômica, abordado por Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.; 1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.) e retomado porBarber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.. Trata-se da interação baseada em reciprocidade. Reciprocidade sugere movimento de mão dupla, em condições onde existe mutualidade entre indivíduos. Uzzi (1997)UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997. retoma esse tema, de outra maneira, ao se referir a presença de trocas frequentes ou recorrentes, formadas por laços pessoais, imbuídos do princípio de reciprocidade. Este tipo de troca contrapõe-se, na visão do autor, às trocas tradicionalmente presentes no modelo econômico neoclássico, estas regidas pelo princípio do ganho econômico e desprovidas de reciprocidade e confiança. Observa-se, aí, que o autor também está reconhecendo a presença de dois dos tipos de transação, anteriormente abordados por Polanyi (1992aPOLANYI, K. The economy as instituted process. In: GRANOVETTER, M.; SWEDBERG, R. (Ed.). The sociology of economic life. Oxford: Westview Press, 1992a. p. 29-52.;1992bPOLANYI, K. The great transformation. Boston: Beacon Press Boston, 1992b.) e Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.: reciprocidade e mercado.

Os resultados da pesquisa sugerem que os canais utilizados, em geral, pelas empresas, para chegar aos clientes são, sobretudo, de natureza informal, com algumas diferenciações no caso das categorias associadas às estruturas baseadas em redes sociais (Tabela 5). Destacam-se, aí, as relações do próprio empreendedor e as indicações dos clientes (propaganda boca a boca). Observa-se que, no caso dos indivíduos originários de famílias de empreendedores, existe uma ênfase relativamente maior nos relacionamentos pessoais do empreendedor (sig de 0,040) e nos relacionamentos pessoais dos funcionários (sig de 0,036). Tal fato sugere que, existiria, aí, uma maior preocupação com as relações comerciais face a face. Ou seja, mais personalizadas.

Tabela 5
Canais de acesso correntemente utilizados pelas empresas para chegar a novos clientes no início da vida das empresas, por tipo de estrutura de relacionamentos (%)

No caso das estruturas baseadas em estratificação social (Tabela 6) não se registrou associação significativa entre as três categorias analisadas. Observa-se, no entanto, que existe uma associação entre duas das categorias. No caso, o estrato médio baixo (56%) em relação ao estrato baixo (79%). Tal constatação, sem uma explicação aparente, merece ser melhor investigada em futuras pesquisas.

Tabela 6
Canais de acesso correntemente utilizados pelas empresas para chegar a novos clientes no início da vida das empresas, por estrato social (%)

Conclusões

Os resultados, embora restritos a um dado universo de interesse, permitem tecer distintas considerações sobre os temas abordados. Acata-se a hipótese H1do primeiro conjunto de hipóteses. Ou seja, existe associação entre a variável estrutura (no formato de redes) e formas de construção. Como constatado pela pesquisa, algumas das variáveis analisadas são significativamente diferentes entre as três categorias de estruturas sociais baseadas em redes (familiares, profissionais e difusas). Especificamente, alguns dos motivos (KIRZNER, 1982KIRZNER, I. M. The theory of entrepreneurship in economic growth. In: KENT, C. A.; SEXTON, D. L.; VESPER, K. H. Encyclopedia of entrepreneurship. Engelwood Cliffs, NJ: Printice Hall, 1982. p. 272-276.; ALDRICH, 2009ALDRICH, H. E. Entrepreneurial strategies in new organizational population. In: SWEDBERG, R. (Ed.). Entrepreneurship: the social science view. New York: Oxford University Press, 2009. p. 211-228.; REMEIKIENE; STARTIENE, 2009REMEIKIENE, R.; STARTIENE, G. Does the interaction between entrepreneurship and unemployment exist? Economics and Management, v. 14, p. 903-911, 2009.;AMORÓS; BOSMA, 2014AMORÓS, J. E.; BOSMA, N. Global Entrepreneurship Monitor: 2013 Global Report. 2014. Disponível em: <http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uploads/2013/01/gem-2014-estudo.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2013.
http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uplo...
; SMALLBONE; WELTER, 2001SMALLBONE, D.; WELTER, F. Entrepreneurship in transition economies: necessity or opportunity driven? Small Business Economic, v. 16, n. 4, p. 249-262, 2001.; WILLIAN; ROUND, 2009WILLIAMS, C. C.; ROUND, J. Evaluating informal entrepreneurs’ motives: evidence from Moscow. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, v. 15, n. 1, p. 94-107, 2009.; VARELLI; VALE, 1997VALARELLI, M. M.; VALE, G. M. V. Informalidade e cidadania: empreendimento informais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ibase, 1997.) associados à criação do empreendimento (insatisfação com emprego; necessidade de dar ocupação a membros da família; possibilidade de usar relacionamentos pessoais); à capacidade de usar laços pessoais para chegar aos clientes (relações pessoais; relações de funcionários); à capacidade de recorrer a amigos e conhecidos (UZZI, 1997UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997.; GROSSETTI; BARTHE; BESLAY, 2006GROSSETTI, M.; BARTHE, J. F.; BESLAY, C. La mobilisation de relations sociales dans le processus de création d’entreprises: apercu à partir d’une enquete em cours. Sociologies Pratiques, v. 2, n. 13, p. 47-59, 2006.; MALLARD, 2011MALLARD, A. Petit dans le marché: une sociologie de la très petite entreprise. Paris: Presses des Mines, 2011.), transformando-os em consumidores/clientes (parcela de amigos e conhecidos como clientes). Observa-se, nesses casos, a presença de associação significativa entre a variável estrutura (no formato de redes interpessoais) e essas variáveis sugestivas da formas de construção do empreendimento/mercado. Tal constatação possui implicações de natureza analítica.

Constatou-se, também, que empreendedores originários de famílias de empreendedores (relativamente mais acoplados) parecem apresentar algumas vantagens, em relação aos demais (exemplo: capacidade de transformar amigos em clientes, no primeiro ano de vida das empresas). No entanto, apresentam, também, alguns inconvenientes. Um exemplo seria a obrigação de empregar ou gerar ocupação para membros da própria família, como fator motivador na abertura da empresa. Isso acontece, sobretudo, no segmento familiar. Como salientado por Granovetter (2005a)GRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197., parece que um excesso de acoplamento poderia frear o desenvolvimento de uma empresa. No caso dos empreendedores originários das profissões (dotados de acoplagem relativamente mais fraca), esses gozariam de alguma proximidade (não muita) com o setor de interesse. Parecem ser, igualmente, capazes de acionar alguns recursos importantes, presentes em suas redes sociais (presença relativamente grande de amigos e conhecidos entre seus primeiros clientes). Ao mesmo tempo, são relativamente menos pressionados por motivações familiares de natureza não econômica (como dar emprego/ocupação para membros da família). Tais resultados reforçam, consequentemente, tanto proposições de Granovetter (2005a)GRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197., quanto as de Uzzi (1997)UZZI, B. Social Structure and competition in inter-firm network: the paradox of embeddedness. Administrative Science Quarterly, v. 42, n. 1, p. 35-67, 1997., sobre as vantagens de algum grau de distanciamento. No caso dos empreendedores provenientes de estruturas difusas (forte desacoplagem), observa-se uma menor presença de conhecidos e amigos entre seus clientes, além de uma maior presença de processos mais formais e impessoais de acesso ao mercado. Tal situação pode tornar mais difícil o início de vida de seus empreendimentos. Conclui-se, à luz das evidências, que uma maior proximidade com o setor (vínculo familiar) ou alguma proximidade relativa (vínculo profissional prévio), parece garantir a presença de certos recursos importantes no processo de criação dos empreendimentos/mercado.

Embora não tenham sido identificadas associações entre as três categorias de estruturas de estratificação social (média, média baixa e baixa) e demais variáveis de interesse, não se pode desconsiderar a utilidade de proposições de Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995.. Observa-se, antes de mais nada, que existem algumas diferenciações (sig. inferior a 0,05) para duas das categorias (média baixa e baixa), no item específico dos motivos que levam ao empreendedorismo (em particular, identificação de uma oportunidade, desemprego e necessidade de dar ocupação a membros da família). Tais dados sugerem que indivíduos originários de estratos inferiores enfrentam maiores desafios para se tornar empreendedores (maior pressão do desemprego). Ao mesmo tempo, parecem mais sujeitos a demandas de natureza familiar (36%) e contam, relativamente mais (79%), com indicações de clientes, para se posicionarem no mercado. Tais constatações merecem ser melhor investigadas, enfocando-se, em particular, o último estrato social mencionado.

Nesse contexto, algumas das contribuições de Barber (1995)BARBER, B. All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, v. 62, n. 2, p. 387-413, 1995. podem ser de grande utilidade. Constatou-se que existem, no segmento pesquisado, ações e transações econômicas movidas por valores associados à lealdade mútua (reciprocidade) e à solidariedade (redistribuição). Muitas das iniciativas econômicas poderiam, então, estar imersas, não apenas em uma rede de relações sociais (como proposto por GRANOVETTER, 1973GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973., 1985aGRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985a., 2005aGRANOVETTER, M. The economic sociology of firms and entrepreneurs. SWEDBERG, R. (Ed.). New developments in economic sociology. Cheltenham: Elgar, 2005a. p. 160-197., 2008GRANOVETTER, M. Sociologie économique. Paris: Seuil, 2008.) mas, também, em um contexto de valores de lealdades mútuas (reciprocidade) e redistribuição (solidariedade), que fazem de tais ações mais do que um simples processo de decisão racional. Assim, a maior contribuição de Barber, para o presente trabalho advém, não da defesa de outras estruturas sociais (como classes sociais) para a compreensão do comportamento humano, mas sim, da ênfase do autor de que seria possível, no mundo contemporâneo, a coexistência dos três tipos de interações econômicas (transferência de um bem entre mãos) – reciprocidade, redistribuição e mercado. Observa-se que todas elas foram identificadas no segmento pesquisado. A reciprocidade, por exemplo, encontra-se presente quando um empreendedor recorre a um amigo para transformá-lo em consumidor/cliente. A redistribuição ocorre, por exemplo, quando um pai transfere recursos materiais para um membro de sua família. A transação (mercado) pode ser observada no contexto de transações de natureza mais impessoal, via canais formais de acesso ao cliente (internet, feiras, catálogos, etc.). Esses temas, aqui apenas esboçados, merecem ser explorados em futuras pesquisas.

Independentemente das reflexões sobre a natureza das estruturas sociais, as novas evidências, aqui apresentadas, permitem vislumbrar algumas das facetas do complexo processo de construção social do mercado e do papel do empreendedor nesse contexto. Essa nova janela de observação é importante, sobretudo considerando-se que o segmento produtivo pesquisado, dado suas características, aproximar-se-ia do modelo idealizado de concorrência perfeita, caro às ciências econômicas.

Novas pesquisas, no entanto, devem se realizadas, visando superar eventuais limitações do presente trabalho e explorar novos espaços correlatos de conhecimentos. Sugerem-se, além de pesquisas qualitativas, sobretudo junto ao segmento de empreendedores provenientes de estratos sociais inferiores; pesquisas quantitativas, contemplando amostras maiores. Essas últimas poderiam, eventualmente, tentar explorar o poder explicativo concomitante dos dois tipos de estruturas (redes e estratos), lançando mão de uma análise de controle com uma terceira variável, nos moldes do modelo tree way (BABBIE, 2002BABBIE, E. Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte: editora UFMG, 2002., ROSENBERG, 1976ROSENBERG, M. A lógica da análises do levantamento de dados. São Paulo: Cultrix, 1976.).

Agradecimentos

A autora agradece o apoio da CAPES ao projeto, bem como as contribuições do Prof. Philippe Steiner, Université de Paris IV Paris-Sorbonne, às reflexões que levaram ao artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2013
  • Aceito
    10 Dez 2014
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