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Fluxos e contraFluxos: a relação global e local mediada pelo mercado na cultura gaúcha

Flows and counter-Flows: market mediated global and local relations in gaúcho culture

Resumo

Este estudo adota uma perspectiva dialética na análise dos fluxos globais e das estratégias de preservação local frente às influências externas. Com o objetivo de analisar os diferentes fluxos (globais e locais) que transitam no mercado local, focou-se na dinâmica resultante dos fluxos globais que reluzem no mercado local e a utilização do mercado para a emissão de fluxos locais. Para isso, adotou-se uma abordagem etnográfica no mercado existente em torno da cultura gaúcha. Os resultados apresentam diferentes fluxos globais e “contrafluxos”, termo criado para definir fluxos locais que emergem como forma alternativa ou em contraposição aos fluxos globais. Observa-se, como resultado da interação global-local, a construção de uma relação híbrida e de conflitos entre os diferentes fluxos. O mercado demonstrou ser um local alternativo para a disseminação de contrafluxos em resposta aos fluxos globais, visando à preservação da cultura local.

Palavras-chave
Relação global-local; Fluxos globais; Fluxos locais; Mercado; Cultura gaúcha

Abstract

his study adopts a dialectic perspective to analyze the global flows and strategies performed by local agents to preserve their culture face the external influences. We look for distinct flows (global and local) those transits in the local market, aiming to understand the dynamic between global flows that glisten in the local market and resistance practices promoted by local agents. For this, we conduct an ethnographic approach in the emergent market based on gaucho culture exploration. Results indicates distinct global flows and “counter-flows”, our term to define local flows that emerges as an alternative or in opposition to the global ones. Describing the global-local interactions in the local market, we observe the construction of a hybrid and conflictual relation between different flows. Market reveals to be an alternative location for counter-flows dissemination, addressing local culture preservation against global influences.

Keywords
Global-local relations; Global flow; Local flow; Market; Gaúcho culture

Introdução

Na história, gaúcho é o termo usado para designar o lendário cowboy sul-americano que, com o seu cavalo, vagava pelo isolado pampa, representando uma imagem de liberdade em relação ao controle colonial e suas incumbências na região do pampa (JACOB; JAKSIC, 2011JACOB, S. V.; JAKSIC, I. Power and politics in the 19th-century River Plate. Notre Dame: University of Notre Dame, 2011.). Contudo, ao longo da história, é possível encontrar evidências de fluxos globais que colocavam aquele gaúcho em contato com um cenário global. A chegada dos imigrantes alemães (a partir de 1824) e italianos (a partir de 1875) e a Guerra do Paraguai (de 1865 a 1870) são exemplos disso. A antiga quadrinha popular demonstra as transformações locais provocadas pelos fluxos globais: “a gaita matou a viola; a fósfre matou o isqueiro; a bombacha, o chiripa; e a moda, o uso campeiro”.

Esse primeiro parágrafo contextualiza a compreensão disseminada pela literatura das ciências sociais acerca da intensificação dos fluxos globais e a eliminação das fronteiras regionais, em que os elementos da cultura local perdem espaço pela emergência de uma cultura global (FIRAT, 1997FIRAT, F. Globalization of fragmentation: a framework for understanding contemporary global markets. Journal of International Marketing, v. 5, n. 2, p. 77-86, 1997.; NASH, 2001NASH, J. C. Mayan visions: the quest for autonomy in an age of globalization. New York: Routledge, 2001.; CANCLINI, 2003CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.; HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.; entre outros). Entretanto, é justamente na contemporaneidade – quando a cultura global parece atingir a local com maior força – que a cultura gaúcha demonstra estar mais viva do que nunca. O interessante aqui é o fato de que pessoas inseridas em uma economia global, com traços cosmopolitas e urbanizados, têm se articulado para preservar aspectos da cultura local nas práticas cotidianas (OLIVEN, 2006OLIVEN, R. G. A parte e o todo: a diversidade no Brasil nação. Petrópolis: Vozes, 2006.).

A criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) instituiu um agente formal responsável pela difusão de aspectos culturais locais, reforçando a cultura gaúcha a partir de bases próprias. A existência de um movimento organizado para o cultivo das tradições locais proporciona um modelo único na manutenção (com destaque para ações de resgate e criação) da cultura local. Com a criação do MTG surge um amplo mercado local que explora signos oriundos principalmente do pampa e de um modo de vida pastoril, que se espalha por todo o território rio-grandense, solidificando uma cultura gaúcha e seus aspectos tradicionais em práticas de mercado (DALMORO, 2013CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ).

Associado à perspectiva de cultura do mercado está o entendimento de que a sociedade contemporânea segue uma tendência inevitável à cultura global (APPADURAI, 1990APPADURAI, A. Disjuncture and difference in the global culture economy. Theory, Culture, and Society, v. 7, n. 2-3, p. 295-310, 1990.; GER; BELK, 1996GER, G.; BELK, R. W. I’d like to buy the world a coke: consumptionscapes of the “Less Affluent World”. Journal of Consumer Policy, v. 19, n. 3, p. 271-304, 1996.; KJELDGAARD; ASKEGAARD, 2006KJELDGAARD, D.; ASKEGAARD, S. The glocalization of youth culture: the global youth segment as structures of common difference. Journal of Consumer Research, v. 22, n. 2, p. 231-247, 2006.). No entanto, ao passo que o mercado contribui para solidificar uma cultura global, entende-se que este também pode ser o local de formulação de perspectivas alternativas, distinções que se tornam visíveis nas diferentes formas de reapropriação, ressignificação e rejeição dos significados globais no âmbito local. Assim, por mais que a temática da globalização já tenha sido alvo recorrente de estudos nas últimas décadas, ela consiste em um pano de fundo elementar para a compreensão dos processos culturais, especialmente aqueles que envolvem ações de afirmação da cultura local.

Este artigo utiliza uma perspectiva dialética de análise do mercado local, envolvendo fluxos globais e as estratégias de preservação local frente às influências externas. O tema está relacionado com o fato de que, ao mesmo tempo em que práticas de mercado são usadas para solidificar uma cultura global, também desempenham um papel importante nos movimentos de resistência para preservar as estruturas locais (KARABABA; GER, 2011KARABABA, E.; GER, G. Early modern ottoman coffeehouse culture and the formation of the consumer subject. Journal of Consumer Research, v. 37, n. 5, p. 737-760, 2011.; BÖHM; BREI, 2008BÖHM, S.; BREI, V. Marketing the hegemony of development: of pulp fictions and green deserts. Marketing Theory, v. 8, n. 4, p. 339-366, 2008. ). Movimentos esses denominados, neste estudo, de contrafluxos, ou seja, fluxos locais que emergem no mercado como forma alternativa ou em contraposição aos fluxos globais.

Aqui, entende-se que a globalização não deve ser compreendida como um fenômeno dado, mas como fluxos que transitam por uma relação dinâmica entre o local e o global. Consequentemente, reflexões sobre a globalização perpassam também a análise das práticas dos agentes locais. Compartilhando da posição de Canclini (2003)CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003., a globalização é mais do que uma ordem social ou um processo único. É resultado de múltiplos movimentos, em parte contraditórios, com resultados abertos, que implicam diversas conexões locais-globais. As práticas de mercado – que emergem a partir da interação entre pessoas (JARZABKOWSKI, 2005JARZABKOWSKI, P. Strategy as practice: an activity-based approach. London: Sage, 2005.) – envolvem tanto agentes globais quanto locais na tentativa de estabelecer suas posições no mercado. Ao mesmo tempo em que media o trânsito de fluxos globais, promulgado por agentes que distribuem por todo o globo uma cultura global de consumo, o mercado pode ser utilizado, como em um contraponto, para mediar contrafluxos.

Para dar conta de analisar empiricamente os temas apresentados nesta introdução, este artigo tem como objetivo analisar os diferentes fluxos (globais e locais) que transitam no mercado local. Especificamente, busca-se compreender a dinâmica resultante dos fluxos globais que reluzem no mercado local e a utilização deste para a emissão de fluxos locais (contrafluxos). Para isso, adotou-se uma abordagem etnográfica no mercado existente em torno da cultura gaúcha, identificando – neste artigo em específico – de modo dialético os fluxos locais e globais que permeiam a cultura gaúcha, os conflitos e o hibridismo resultante dessa relação.

A adoção de uma perspectiva dialética para analisar a cultura gaúcha em relação à cultura global vem ao encontro de uma série de questões dicotômicas recorrentes da história do estado do Rio Grande do Sul em relação ao resto do mundo. Primeiro, mesmo que processos de reafirmação cultural sejam recorrentes em outras regiões, o caso do Rio Grande do Sul é peculiar, pois, ao passo que o estado assume um caráter socioeconômico cada vez mais urbano e industrializado, pessoas que nunca tiveram contato com a vida no campo buscam preservar aspectos simbólicos ligados a ele e desenvolvem um apego pela tradição gaúcha por meio de práticas de mercado (OLIVEN, 2006OLIVEN, R. G. A parte e o todo: a diversidade no Brasil nação. Petrópolis: Vozes, 2006.; DALMORO, 2013DALMORO, M. Campereando mercados: práticas de resistência e cidadania mediados pelo mercado na cultura gaúcha. 2013. 343 f. Tese (Doutorado em Administração)– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 2013.). Esse desejo de afirmar elementos que diferenciam o Rio Grande do Sul do resto do país, buscando preservar um passado pastoril em um ambiente urbano e globalizado, forma um contraponto com demarcações bem definidas entre os fluxos globais e contrafluxos locais. Em segundo lugar, este artigo apresenta uma posição única ao tomar o mercado como lócus de análise da cultura gaúcha. Diferentemente de análises anteriores, que buscaram analisar os processos socioculturais de reafirmação local perante o global (OLIVEN, 2006OLIVEN, R. G. A parte e o todo: a diversidade no Brasil nação. Petrópolis: Vozes, 2006.), este estudo foca na descrição da intersecção do local com o global no âmbito do mercado, permitindo, assim, compreender as ações de afirmação e assimilação cultural dentro de um lócus específico. Os resultados permitem compreender a dinâmica dos fluxos de mercado na formação cultural de uma região.

As partes que seguem esta introdução apresentam inicialmente uma reflexão teórica. Em seguida, aspectos metodológicos descrevem a operacionalização do trabalho de campo, e o capítulo de análise dos dados apresenta o relato etnográfico. Por fim, as considerações finais do estudo são apresentadas.

Referencial teórico

A perspectiva teórica assumida neste estudo reconhece que, na sociedade contemporânea, a globalização se tornou o principal processo histórico a impactar na cultura, ao ponto de consistir atualmente na substância central da cultura contemporânea (WATERS, 2001WATERS, M. Globalization. Londres: Routledge, 2001.). Assim, a análise cultural em um contexto pós-colonial remete à compreensão das influências externas, especialmente aquelas atreladas à globalização e à cultura global do consumo.

Globalização

De modo expresso, a globalização pode ser entendida como o processo que promove trocas além das fronteiras e uma atuação de maneira transterritorial por parte dos seus agentes. Esse fenômeno possui registros antigos, mas tem se intensificado na sociedade contemporânea (HIRST; THOMPSON, 2001HIRST, P.; THOMPSON, G. Globalization in question: the international economy and the possibilities of governance. Cambridge: John Wiley & Sons, 2001.). As alterações na forma como a globalização ocorre têm sido compreendidas de diferentes formas. Uma das perspectivas diz respeito à globalização como um processo de ruptura histórica, reconhecendo descontinuidades (rupturas) nas estruturas e práticas sociais nacionais e locais decorrentes da globalização. Um dos atores-chave nessa perspectiva, associado a uma posição neoliberal, Ohmae (1996)OHMAE, K. O fim do estado nação: a ascensão das economias regionais. Rio de Janeiro: Campus, 1996. entende que a globalização é uma realidade inevitável e incontrolável, eliminando fronteiras nacionais por meio da liberalização de mercados. Ainda dentro de uma perspectiva de ruptura, mas fugindo do determinismo e neoliberalismo de Ohmae (1996)OHMAE, K. O fim do estado nação: a ascensão das economias regionais. Rio de Janeiro: Campus, 1996., estão os autores que reconhecem a emergência de uma nova realidade social e econômica, com relações multilaterais entre os atores e que implicam efeitos sociais diversos (CASTELLS, 1999CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ; GIDDENS, 1991GIDDENS, A. Modernity and self-identity: self and society in the late modern age. Stanford: Stanford University Press, 1991.; BECK, 1999BECK, U. What is globalization? Cambridge: Polity Press, 1999.). Assim, os atores sociais passariam a orientar-se com base em referências globais, fruto das tecnologias de informação e comunicação (CASTELLS, 1999CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ), mudanças na organização social (GIDDENS, 1991GIDDENS, A. Modernity and self-identity: self and society in the late modern age. Stanford: Stanford University Press, 1991.) e das relações de poder político e econômico (BECK, 1999BECK, U. What is globalization? Cambridge: Polity Press, 1999.).

Por outro lado, uma segunda perspectiva trata a globalização dentro de um processo de continuação histórica e não de ruptura. Essa perspectiva reconhece ajustes e adaptações no processo de globalização ao longo do tempo, mas que, de modo geral, representa uma continuidade nas estruturas e práticas sociais nacionais e no discurso de países desenvolvidos e de agentes econômicos internacionais interessados na eliminação das barreiras econômicas nacionais (HIRST; THOMPSON, 2001HIRST, P.; THOMPSON, G. Globalization in question: the international economy and the possibilities of governance. Cambridge: John Wiley & Sons, 2001.). Nesse ponto, as corporações multinacionais seriam o traço principal da dinâmica global dos mercados em detrimento das empresas locais.

Além da divisão dos estudos de globalização em perspectivas de ruptura e continuidade, a revisão do fenômeno de globalização envolve o entendimento da globalização como um processo unilateral e homogeneizador. Essa percepção é expressada por Firat (1997)FIRAT, F. Globalization of fragmentation: a framework for understanding contemporary global markets. Journal of International Marketing, v. 5, n. 2, p. 77-86, 1997. como a presença dos mesmos estilos de vida, produtos, padrões de consumo e experiências culturais em todo o globo, sejam países economicamente influentes ou países economicamente pobres. Dessa forma, a globalização reproduz o mercado e os produtos encontrados nas grandes cidades do mundo, especialmente a cultura e o estilo de vida encontrados no Ocidente ‒ mais especificamente nos Estados Unidos. Nessa mesma linha, Belk (2009)BELK, R. W. Representing global consumers: desire, possession, and identity. In: MACLARAN, p. et al. (Org.). The sage handbook of marketing theory. London: Sage Publications Ltd, 2009. p. 283-299. adiciona o colonialismo e o industrialismo moderno originário da Europa. Para o autor, o consumismo originado na Europa e nos EUA tem se difundido por meio da globalização e tem sido incorporado por outras culturas como uma simples imitação do modelo euro-americano. Alinhados com essa perspectiva, autores como Hannerz (1992)HANNERZ, U. Cultural complexity: studies in the social organization of meaning. New York: Columbia University Press, 1992. e Askegaard e Csaba (2001)ASKEGAARD, S. T.; CSABA, F. F. The good, the bad and the jolly: taste, image, and the symbolic resistance to the coca-colonization of Denmark. In: BROWN, S.; PATTERSON, A. (Ed.). Imaging marketing. London: Routledge, 2001. p. 48-59 analisaram o paradigma da homogeneização global a partir da troca dos produtos locais por produtos de massa internacionalmente comercializados. Esse novo tipo de formato comercial é chamado pelos autores de Coca-Colonização. Essa denominação deriva da observação de que a marca consiste em um metassímbolo da dominação simbólica existente na homogeneização global. Ritzer (1993)RITZER, G. The McDonaldization of society. London: Routledge, 1993. conceituou essa homogeneização global por meio de metassímbolos como McDonaldization.

A compreensão do tema globalização deve considerar ainda o reconhecimento ou não de uma diferença entre centro e periferia, que, por sua vez, vai impactar em uma definição adequada de globalização à realidade brasileira. Para Canclini (2003)CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003. – um autor-chave na compreensão da globalização em uma perspectiva periférica e latino-americana –, a globalização se apresenta como um objeto fugidio e não trabalhável. Por meio de estruturas institucionais e mercados de bens materiais e simbólicos difíceis de identificar, a globalização acentua a dependência econômica e cultural em relação aos centros globalizadores. O resultado desse processo é a crescente “americanização” da cultura na América Latina (CANCLINI, 2003CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.).

A consequência desse processo homogeneizador, em uma perspectiva periférica, é o enfraquecimento e a destruição dos produtores pouco eficientes, e a alternativa de sobrevivência para as culturas periféricas é a possibilidade de se encapsularem em suas tradições locais (CANCLINI, 2003CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.). Assim, a compreensão da globalização passa pela análise de como o global se faz presente no local e como os agentes locais se reestruturam para sobreviver, e talvez tirar algum proveito das trocas que se globalizam. Para isso, é necessário investigar aquilo que a globalização exclui para se construir (CANCLINI, 2003CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.).

Assim, em uma perspectiva dialética, o processo de globalização demonstra duas tendências extremas: uma da abertura da periferia em resposta ao centro, aceitando o seu processo homogeneizador, e outra do fechamento a partir daqueles que rejeitam o contato com o centro para manter a tradição. Já Appadurai (1996)APPADURAI, A. Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. ressalta a existência de uma hibridização das culturas por meio de sobreposições e contatos entre periferias. A proposta de Appadurai (1996)APPADURAI, A. Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. consiste em um dos entendimentos de globalização mais aceitos atualmente, dada sua complexidade na análise do fenômeno, que não se limita ao reconhecimento de uma relação de poder entre agentes globais e locais.

Para Appadurai (1996)APPADURAI, A. Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996., a globalização transita por fluxos globais carregados com distintivos recursos culturais que percorrem trajetos não isomorfos. Especificamente, o autor destaca cinco fluxos: etnoscapes, finanescapes, technoscapes, mediascapes e ideoscapes.

O fluxo global denominado de etnoscapes é resultante do fluxo de pessoas: turistas, imigrantes, refugiados, exilados, operários que se instalam em outros países. Já os technoscapes tratam dos fluxos de maquinaria e de instalações industriais produzidas pelas corporações multinacionais e nacionais e por agências governamentais. Os finanescapes são produzidos pelo fluxo rápido do dinheiro nas agências financeiras e nas bolsas de valores. Já os mediascapes referem-se aos repertórios de imagens e de informações. O fluxo produzido é distribuído pelos jornais, revistas, televisão e pelos filmes. Por fim, os ideoscapes estão vinculados ao fluxo de imagens associadas às ideologias do movimento pró ou contra o estado e que são inseridas nos elementos de mundo-evidência do Iluminismo do Ocidente – democracia, liberdade, bem-estar, entre outros.

Em adição aos fluxos propostos por Appadurai (1996)APPADURAI, A. Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996., Ger e Belk (1996)GER, G.; BELK, R. W. I’d like to buy the world a coke: consumptionscapes of the “Less Affluent World”. Journal of Consumer Policy, v. 19, n. 3, p. 271-304, 1996. desenvolveram o conceito de consumptionscapes. Esse conceito refere-se a padrões de consumo organizados em um sistema de significados compartilhados globalmente. Ao envolver vasto fluxo econômico, tecnológico e cultural, esses fluxos conectam de maneira complexa diferentes culturas de consumo espalhadas pelo mundo. Já Thompson e Arsel (2004)THOMPSON, C. J.; ARSEL, Z. The Starbucks brandscape and consumers’ (anticorporate) experiences of globalization. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 631-641, 2004. cunharam o fluxo brandscapes para analisar a cultura global do consumo, ou seja, as influências culturais de um ícone cultural produzido a partir de uma marca que influencia nas experiências de consumo. Nesse entendimento, destaca-se o papel das grandes marcas globais na formulação de padrões globais hegemônicos, pois elas consistem em uma estrutura oblíqua no consumo global, ou seja, perpassam de maneira transversal os diversos mercados (THOMPSON; ARSEL, 2004THOMPSON, C. J.; ARSEL, Z. The Starbucks brandscape and consumers’ (anticorporate) experiences of globalization. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 631-641, 2004.).

Assim, diante dos diversos fluxos globais, Appadurai (1990)APPADURAI, A. Disjuncture and difference in the global culture economy. Theory, Culture, and Society, v. 7, n. 2-3, p. 295-310, 1990. considera que a globalização é composta por forças de homogeneização e heterogeneização. Forças que coexistem e criam uma tensão entre si. Tensão que, nas palavras de Canclini (1995)CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1995. , consiste em uma interação complexa entre forças hegemônicas e de resistência que, de maneira negociada, agem na configuração das identidades culturais. Por sua vez, a velocidade e o impacto dos fluxos globais no local vão depender do poder das instituições, agências e grupos de interesses em canalizar (fechar ou abrir) as fronteiras culturais para esses fluxos. Já a cultura é um dos principais campos de batalha em que esse conflito ocorre, uma vez que ela funciona como camuflagem ideológica para justificar os interesses dos grupos locais ou globais (BELK, 2009BELK, R. W. Representing global consumers: desire, possession, and identity. In: MACLARAN, p. et al. (Org.). The sage handbook of marketing theory. London: Sage Publications Ltd, 2009. p. 283-299.).

Dessa forma, a globalização tem proporcionado, no âmbito do consumo, uma tendência em direção à homogeneização global, especialmente por meio da criação de metassímbolos que representam padrões e modos de vida globais. Contudo, diante de algumas incompatibilidades de assimilação de alguns desses metassímbolos, fragmentações culturais afloram a partir de estilos de vida e experiências que não se ajustam entre si (FIRAT, 1997FIRAT, F. Globalization of fragmentation: a framework for understanding contemporary global markets. Journal of International Marketing, v. 5, n. 2, p. 77-86, 1997.). No âmbito do consumo, a fragmentação dos processos globalizantes é resultado da existência de movimentos locais que reforçam o discurso de resistência e promulgam a adoção de estratégias para competir com produtos globais (BELK, 1996BELK, R. W. Hyperreality and globalization: culture in the age of Ronald McDonald. Journal of International Consumer Marketing, v. 8, n. 3, p. 23-38, 1996.; HOOPER, 2000HOOPER, B. Globalization and resistance in post-Mao China: the case of foreign consumer products. Asian Studies Review, v. 24, n. 4, p. 339-470, 2000.). Assim, mesmo que a globalização consista em um processo que conduz a uma homogeneização, sua compreensão não está somente na análise das formas como ela atinge o local e os seus efeitos, mas na análise de múltiplos movimentos (fluxos e contrafluxos).

Cultura global do consumo

A cultura, quando elevada a nível global, passa a ser entendida como uma entidade cultural não associada a um país, mas sim a um grande grupo de culturas extranacionais que compartilham significados culturais (CLEVELAND; LAROCHE, 2007CLEVELAND, M.; LAROCHE, M. Acculturation to the global consumer culture: scale development and research paradigm. Journal of Business Research, v. 60, s.n., p. 249-259, 2007.). Nessa perspectiva, a cultura global do consumo é, ao mesmo tempo, uma ideologia e um processo social, algo continuamente feito e refeito por meio de constantes mudanças nas relações, práticas e tecnologias de mediação de mercados (ARNOULD, 2010ARNOULD, E. J. Global consumer culture. In: SHETHH, J.; MALHOTRA, N. (Ed.). Encyclopedia of international marketing. West Sussex: John Wiley, 2010. ).

Assim, a cultura global do consumo passa pela adesão dos consumidores a uma sociedade sem fronteiras geográficas, em que o capital global substitui o estado-nação e as instâncias locais de identificação, reconhecidas como cosmopolitas (BECK, 1999BECK, U. What is globalization? Cambridge: Polity Press, 1999.; HANNERZ, 1990HANNERZ, U. Cosmopolitans and locals in world culture. Theory, Culture & Society, v. 7, n. 2/3, p. 237-251, 1990.). A assimilação da cultura global pode ocorrer de maneira consciente, a partir da adoção proposital dos elementos globais na construção da identidade, mas também pode ser assimilada inconscientemente, se apresentando como algo inerente à cultura local. Essa alternativa foi descrita por Wilk (1995)WILK, R. Learning to be local in Belize: global systems of common difference. In: MILLER, D. (Ed.). Worlds apart: modernity through the prism of the local. London: Routledge, 1995. p. 110-133. como “estruturas globais de diferenças comuns”, e representa a relação entre a reprodução das particularidades locais sob constante influência de elementos externos. Para o autor, a globalização pode ser vista em um paradoxo no qual o global ocorre no local, visto que os agentes locais investem significados únicos nos elementos globais a partir do contexto histórico local. Belk (2009)BELK, R. W. Representing global consumers: desire, possession, and identity. In: MACLARAN, p. et al. (Org.). The sage handbook of marketing theory. London: Sage Publications Ltd, 2009. p. 283-299. complementa que, diante desse fenômeno, consumidores de várias culturas adaptam superficialmente os mesmos produtos globais e ainda os interpretam como ajustados às culturas locais, como se houvesse grandes diferenças em relação ao que consumidores de outras culturas fizeram.

Outro conceito que busca descrever o processo de assimilação da cultura global no âmbito local consiste na chamada “creolização” do consumo (GER; BELK, 1996GER, G.; BELK, R. W. I’d like to buy the world a coke: consumptionscapes of the “Less Affluent World”. Journal of Consumer Policy, v. 19, n. 3, p. 271-304, 1996.; KJELDGAARD; ÖSTBERG, 2007KJELDGAARD, D.; ÖSTBERG, J. Coffee grounds and the global cup: glocal consumer culture in Scandinavia. Consumption, Markets and Culture, v. 10, n. 2, p. 175-187, 2007.). O conceito de creolização aparece ligado ao tema de globalização como sinônimo de algo híbrido, não no sentido de mistura, mas de efeitos adaptativos frente a mudanças no ambiente. Quanto ao consumo, o termo ilustra como atores locais absorvem produtos globais e alteram seu significado original em um processo de domesticação e recontextualização (MILLER, 1995MILLER, D. Acknowledging consumption: a review of new studies. London: Routledge, 1995.).

A visão de que a integração entre o global e o local no âmbito da cultura resulta em uma forma híbrida também é representada pelo termo “glocal”. Esse termo é descrito por Askegaard e Csaba (2001)ASKEGAARD, S. T.; CSABA, F. F. The good, the bad and the jolly: taste, image, and the symbolic resistance to the coca-colonization of Denmark. In: BROWN, S.; PATTERSON, A. (Ed.). Imaging marketing. London: Routledge, 2001. p. 48-59 como a presença de dimensões locais em uma cultura global e, ao mesmo tempo em que consiste em resistências locais ao global, versa em contribuições locais para o processo de globalização. Assim, enquanto a “creolização” consiste em um processo de adaptação do global pelo local, o “glocal” refere-se às contribuições que o local oferece ao global, transformando-o em um fenômeno híbrido.

No entanto, ao passo que a globalização produz novas identificações globais por fluxos que atravessam e reatravessam fronteiras, ela também estimula reações locais em prol da manutenção da cultura local (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.). O regionalismo cultural busca regenerar a comunidade local por meio da criação, preservação ou fortalecimento da identidade cultural de um povo que se sente ameaçado (CASTELLS, 2008CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2008. ). O terreno cultural consiste em um espaço contraditório, em que forças opostas atuam, tanto por meio de ações homogeneizadoras e aculturadoras de agentes globais como por meio de forças de resistência locais. Enquanto a cultura global do consumo caminha em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença, um interesse pelo local. A globalização, ao mesmo tempo em que produz novas identificações globais, produz novas identificações locais (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.). Assim, entender a cultura global do consumo também passa por entender as estratégias adaptativas frente às influências externas (GER; BELK, 1996GER, G.; BELK, R. W. I’d like to buy the world a coke: consumptionscapes of the “Less Affluent World”. Journal of Consumer Policy, v. 19, n. 3, p. 271-304, 1996.; HOOPER, 2000HOOPER, B. Globalization and resistance in post-Mao China: the case of foreign consumer products. Asian Studies Review, v. 24, n. 4, p. 339-470, 2000.), especialmente aqueles fluxos que seguem sentidos contrários à globalização.

Procedimentos metodológicos

Ao abordar aspectos culturais locais, o desenvolvimento empírico do estudo requer uma profunda imersão no campo de pesquisa, tornando o pesquisador apto a compreender os significados culturais a partir das suas dinâmicas internas. Esse entendimento é baseado na concepção de que, dentre as diversas formas de análise da cultura de um determinado grupo, uma compreensão profunda de seus significados só pode ser alcançada pelo uso de material antropológico (BOAS, 2004BOAS, F. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. ). Para isso, um olhar interpretativo e etnográfico é requerido, pois permite a análise dos participantes em uma situação, e explora os significados pelos quais esses constroem suas realidades nos seus próprios termos (GEERTZ, 1989GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.).

O estudo etnográfico foi conduzido no âmbito do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Rio Grande do Sul, Brasil, durante um período de três anos (2009-2012). A abordagem etnográfica adotada neste estudo está alinhada com aquela proposta por Marcus (1995)MARCUS, G. E. Ethnography in/of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, v. 24, s.n., p. 95-117, 1995., denominada multi-sited ethnography (etnografia multilocalizada). No âmbito dos estudos de marketing, abordagens multilocalizadas são estimuladas, pois permitem descrever os fenômenos de mercado de maneira interligada com o mundo social (KJELDGAARD; CSABA; GER, 2006KJELDGAARD, D.; CSABA, F.; GER, G. Grasping the global: multi-sited ethnographic market studies. In: BELK, R. (Ed.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2006. p. 521-533.). A imersão formal no campo de pesquisa ocorreu no dia 12 de agosto de 2009, na sede do Movimento Tradicionalista Gaúcho, em Porto Alegre. Nesse momento, além de uma apresentação dos pesquisadores e dos objetivos do estudo, formalizou-se a intenção de realizar uma etnografia acerca da cultura e do tradicionalismo gaúcho. No início do terceiro ano do trabalho de campo, constatou-se uma saturação em termos de obtenção de novos dados. Dessa forma, após o acompanhamento das atividades da Semana Farroupilha em setembro de 2012 – período em que a cultura gaúcha é mais exaltada simbolicamente – o trabalho de campo foi encerrado.

Destaca-se que a cultura gaúcha foi analisada na sua relação com a cultura tradicionalista gaúcha, visto que o tradicionalismo é responsável pelo reforço da cultura gaúcha no imaginário dos rio-grandenses. Essa relação se faz presente especialmente no contexto urbano, já que é no âmbito da cidade que a figura do gaúcho é vivida em seu caráter simbólico. Isso porque seus elementos de origem, como, por exemplo, a lida com o gado, no contexto urbano não se fazem presentes. Limitou-se, assim, o trabalho de campo à cultura gaúcha associada ao tradicionalismo, no âmbito do estado do Rio Grande do Sul e em um contexto urbano.

A coleta e a produção de dados durante o trabalho de campo visou dar conta das diversas vozes que envolvem a cultura gaúcha, valorizando, assim, um caráter polissêmico. Para isso, diferentes técnicas de coleta de dados foram utilizadas:

  • Observação participante: realizada em dois tipos de locais, aqueles explicitamente associados às atividades tradicionalistas (Centro de Tradições Gaúchas – CTG, Acampamento Farroupilha, Rodeios, entre outros), e outros de caráter genérico (lojas de produtos gaúchos, churrascarias, exposições locais, entre outros). No total, as observações participantes ocorreram em cerca de 40 locais, em dez diferentes cidades. As observações foram registradas em diários de campo, totalizando cerca de 114 páginas em formato eletrônico, acervo fotográfico, perfazendo cerca de 1.500 fotografias e 390 arquivos gravados em vídeos.

  • Entrevistas: conduzidas com 37 pessoas com diferentes níveis de envolvimento com a cultura gaúcha, divididas em quatro grupos diferentes: (i) consumidores – pessoas que se envolvem com a cultura gaúcha por meio da aquisição de produtos ou participação em eventos; (ii) organizadores – pessoas que possuem cargos executivos no Movimento Tradicionalista Gaúcho ou em outras entidades, responsáveis por desenvolver atividades relacionadas com a cultura gaúcha; (iii) produtores – pessoas que desempenham atividade profissional explorando o mercado tradicionalista gaúcho; e (iv) especialistas – pessoas com conhecimento acadêmico sobre a cultura gaúcha e que serviram para balizamento e confirmação dos dados. Para a condução das entrevistas formais, foram elaborados diferentes roteiros, relacionando elementos conceituais com o perfil dos respondentes. Para a seleção dos informantes, foi utilizada a técnica de snowball sampling (amostragem do tipo bola de neve). Todas as entrevistas foram realizadas pessoalmente, inteiramente gravadas e posteriormente transcritas na íntegra para a sua análise, totalizando 275 páginas de transcrições. Além das entrevistas formais, foram realizadas diversas entrevistas informais, ou seja, conversas e trocas de e-mails com pessoas durante o trabalho de campo.

  • Artefatos: consistiu-se em 110 materiais impressos coletados durante o trabalho de campo, textos e notícias publicados em jornais, publicações ligadas ao tradicionalismo – como Jornal do Nativismo, Jornal Eco da Tradição –, fôlderes, panfletos, materiais publicitários, entre outros. Os artefatos foram agrupados de acordo com sua origem e revisitados durante a análise e categorização dos dados.

A coleta e a produção de dados foi se complementando com idas e vindas ao campo, por meio de um trabalho de observação e análise, buscando suporte de entendimento nos conceitos teóricos. O trabalho de campo não levou em consideração, inicialmente, nenhum tipo de classificação, mas foi se moldando a partir da compreensão dos fluxos da vida social dos diferentes agentes e da compreensão simbólica da cultura analisada por meio de fontes de dados diversos e complementares.

O processo de análise dos dados e construção do texto etnográfico seguiu as convenções ligadas às pesquisas interpretativas e as orientações oferecidas por Lofland e Lofland (1995)LOFLAND, J.; LOFLAND, L. Analyzing social settings: a guide to qualitative observation and analysis. Belmont, CA: Wadsworth, 1995.. Iniciou-se com a organização do material por tipo de fonte e, em seguida, dividido quanto ao seu emissor (organizadores, consumidores, produtores ou especialistas). Posteriormente, foi adotado um sistema de classificação formado por códigos, códigos axiais e categorias, com o auxílio do software MaxQDA. No processo de categorização foi possível observar a eminência de cinco fluxos locais, reconhecidos como pertencentes à cultura local; e seis fluxos globais, elementos que, apesar de transitarem no mercado local, não são identificados como gaúchos.

Em seguida, partiu-se para a construção do relato etnográfico. Ressalta-se que, apesar de o relato como um todo ter sido elaborado em primeira pessoa, neste artigo optou-se pela utilização da impessoalidade, pois se trata de um recorte da pesquisa e do relato etnográfico. Contudo, é importante destacar que o trabalho de campo foi conduzido pelo primeiro autor do estudo, habitante do estado do Rio Grande do Sul, mas que não possuía contato prévio com o tradicionalismo gaúcho.

Fluxos e contrafluxos na cultura gaúcha

O tradicionalismo gaúcho é utilizado para definir um movimento cultural existente no Rio Grande do Sul que, por meio de iniciativas individuais e coletivas, visa preservar e cultuar elementos ligados à cultura gaúcha. O tradicionalismo se articula para propor no contexto urbano um contraponto ao modo de vida cosmopolita e sem identificação local, oferecendo os elementos da vida do campo como uma forma de contato com a cultura gaúcha. Essa dicotomia entre viver em um ambiente cosmopolita e valorizar as tradições ligadas a um passado rural é ressaltada pelo entrevistado Cesar:

“Mesmo se a gente pensar na ideia de ser cosmopolita, ou seja, eu vivo na cidade e vou ter hábitos urbanos, uma coisa não invalida a outra, primeiro o sujeito tem uma cultura urbana, mas no final de semana, no mês do acampamento [Acampamento Farroupilha] ele vai largar o que está fazendo e vai para lá. Pode nunca ter montado num cavalo, mas vai tá lá.” (Cesar, especialista).

Entender a cultura gaúcha exige reconhecer que ela migrou do campo para a cidade, onde foi ressignificada e incorporada também pelos citadinos. A criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) foi um marco nesse processo, pois essa entidade atua como um agente institucionalizado na preservação da cultura gaúcha. Com o crescimento do MTG e de adeptos ao tradicionalismo, este passou a permear aspectos políticos, sociais e ideológicos do Rio Grande do Sul, inclusive com o surgimento de vertentes de pensamento paralelas ao MTG, como o Movimento Nativista. Contudo, indiferente à corrente de culto à tradição, as práticas de produção e consumo em torno dos significados reconhecidos como típicos do gaúcho têm fomentado um amplo mercado. A construção desse mercado proveu novas formas de distribuição dessa cultura, atingindo locais em que até então não estava presente, especialmente consumidores urbanos, que além das ofertas globais, passaram a ter contato com elementos simbólicos do passado pastoril do gaúcho por meio de práticas de consumo. Assim, a cultura gaúcha encontrou nos fluxos locais que trouxeram o campo para a cidade um caminho para reeditar a tradição e a vida rural em um estado urbanizado, moderno e industrializado. Essa relação será aprofundada a seguir, com a descrição dos diferentes fluxos globais e locais (contrafluxos) no mercado.

Os fluxos globais no mercado

Dentre os fluxos globais observados no trabalho de campo, destacam-se inicialmente os fluxos culturais. Os aspectos culturais transmitidos por uma cultura global permeiam o mercado local e se naturalizam nesse ambiente. Essa incorporação de um ethos global é observada nos entrevistados quando eles demonstravam dificuldade de distinguir o que pertence à cultura global no seu cotidiano. O entrevistado Cesar destaca o caráter impeditivo que os fluxos culturais globais possuem, impedindo ou reduzindo o espaço das manifestações culturais locais. Para exemplificar, ele cita o caso das culturas locais ligadas ao homem do campo, como o caso da gaúcha, que tem sido ocupada pela cultura americana, e passa a incorporar esse modelo em detrimento do local. Nesse processo, os próprios habitantes locais passam a assumir uma cultura country americana.

Um segundo fluxo global observado consiste na questão étnica. A formação étnica plural existente no estado, ao mesmo tempo em que promove uma riqueza em termos de diversidade cultural, provoca a incorporação de elementos oriundos de outras culturas. Destacam-se aqui, principalmente, as influências étnicas alemã e italiana, que são incorporadas pelos gaúchos como sendo naturais.

O terceiro fluxo global observado consiste em um conjunto de elementos que foi denominado “financeiros e empresariais”. Durante o trabalho de campo, era evidente a lógica impressa pelo sistema financeiro global e pelas multinacionais dentro do mercado local. Durante a participação em eventos, era comum a utilização de cartão de crédito, mesmo se tratando de um ambiente tradicionalista. Também era possível observar caixas eletrônicos de bancos multinacionais.

Em complemento, esse fluxo também destaca a participação de empresas multinacionais no mercado local, inclusive suportando atividades tradicionalistas. Empresas como Nestlé, Oi, TIM e Souza Cruz participam de eventos tradicionalistas com recepcionistas utilizando roupas que remetem à indumentária gaúcha e incorporando aspectos locais para criar uma proximidade com o público local. Ao mesmo tempo, essas estratégias de relacionamento proporcionam o ingresso dessas companhias globais no mercado local por meio de uma naturalização da imagem de marca com os consumidores locais.

O ingresso de empresas multinacionais no mercado gera fluxos de produtos globais, ou seja, o consumo dentro do mercado local de produtos globais. Dentro de qualquer Centro de Tradição Gaúcha (CTG), mesmo que o MTG busque regulamentar o que pode ou não ocorrer dentro dos CTGs, é possível encontrar refrigeradores de marcas globais, como Coca-Cola. Os consumidores locais adotam produtos globais cotidianamente, na sua grande maioria já naturalizados e assim não são percebidos como uma ameaça à cultura local. Os entrevistados destacam que a incorporação de produtos globais nos hábitos de consumo consiste em um processo natural, pois não se consegue viver 100% do tempo como gaúcho e consumindo somente produtos ligados a essa cultura. O modo de vida atual acaba gerando formas de consumo ligadas a produtos globais, estimulando o ingresso desses produtos no seio da cultura gaúcha pelo próprio capitalismo moderno em que o estado está inserido (BELL, 1972BELL, D. The cultural contradictions of capitalism. Journal of Aesthetic Education, v. 6, n. 1/2, p. 11-38, 1972.).

Diretamente ligadas aos produtos globais, marcas internacionais possuem um fluxo intenso dentro do mercado local. Durante os eventos, empresas realizam um intensivo trabalho de divulgação de suas marcas, distribuindo brindes e fôlderes. Interessante é o fato de que essas marcas foram incorporadas no cenário e já não causam estranheza aos consumidores, como, por exemplo, materiais publicitários da Coca-Cola ou da Sky em eventos tradicionalistas. Para essa naturalização, é eminente a utilização de aspectos locais, como as cores da bandeira na logotipia, buscando uma forma de naturalização.

Outro fluxo evidente que contribui para a distribuição de elementos globais no mercado local consiste nos fluxos midiáticos. Esse fluxo é relevante no Rio Grande do Sul, pois a população recebe uma programação televisiva produzida principalmente no Rio de Janeiro e, portanto, carregando significados externos à cultura gaúcha. Em adição, outras formas midiáticas, como o cinema, a música e a própria televisão são predominantemente externos. Um exemplo dos fluxos midiáticos observado foi, durante o Acampamento Farroupilha, grande parte dos galpões possuírem televisão e antena para recepção de canais de televisão via satélite.

O último fluxo global observado consiste nos elementos tecnológicos, como internet e computadores. A entrada de novos recursos tecnológicos no mercado local é o principal tópico de discussão no MTG, pois consiste na antítese da tradição. Os tradicionalistas mais ortodoxos consideram que a adoção de avanços tecnológicos representa abrir mão da tradição. Para eles, os fluxos tecnológicos permitem desenvolver novos hábitos e modos de vida, que diferem, na sua essência, daqueles tradicionais. Da mesma forma que o ingresso de fluxos globais deturpa a cultural local, esse processo apresenta limitações, permitindo a emergência de expressões contrárias denominadas fluxos locais (contrafluxos).

Os fluxos locais no mercado

Ao passo que os fluxos globais avançam sobre o mercado local, os agentes locais promulgam práticas de contrafluxo, ou seja, fluxos locais que carregam no seu bojo reforço de uma posição local. Mesmo que não impeçam a entrada dos fluxos globais, os agentes disseminadores dos contrafluxos contribuem para reforçar os elementos da cultura gaúcha dentro do mercado. Para uma melhor descrição dos fluxos locais, eles foram classificados em cinco diferentes grupos, sendo o primeiro denominado fluxo de proteção. Esse fluxo envolve movimentos que reforçam a tradição e o orgulho de ser gaúcho. Para os entrevistados, enquanto o gaúcho tiver condições de exaltar sua identidade local, a cultura gaúcha estará preservada, pois em algum momento as pessoas vão tirar aquela “roupa da modernidade” e buscar na cultura gaúcha algum aspecto para a sua construção identitária.

Os entrevistados destacam, dentro dessa perspectiva de fluxos de proteção, as normas publicadas pelo MTG. As ações que visam definir o que pertence e o que não pertence à cultura gaúcha fornecem uma linha de proteção para alguns de seus aspectos. Os produtores locais também geram fluxos de proteção, especialmente por meio de ações que estimulem o orgulho gaúcho e reforcem a identidade de produtos ligados ao Rio Grande do Sul. A Figura 1 retrata uma ação realizada por uma rede de televisão que exaltava produtos locais em detrimento de símbolos globais:

Figura 1
Fluxos de proteção e valorização de elementos locais.

Quanto aos consumidores, estes estimulam os fluxos de proteção, primeiramente reconhecendo ou institucionalizando as normas divulgadas pelo MTG e, posteriormente, aderindo às ações dos produtores por meio do suporte aos produtos (e produtores) locais em detrimento dos globais. A capacidade dos agentes em manter essa dinâmica gera um fluxo de proteção em torno da cultura gaúcha frente às ameaças externas.

O segundo fluxo local identificado foi denominado fluxo cultural. A circularidade dos aspectos da cultura gaúcha promove uma distribuição dessa cultura entre os habitantes do estado. Com destaque para as ações do MTG, que proporcionam uma distribuição por todo o estado daquele conjunto de elementos ditos como formadores da cultura gaúcha. As ações são passadas de geração em geração por meio de atividades que visam atrair principalmente jovens e crianças. A entrevistada Melina reforça esse entendimento, destacando a transmissão da cultura de pai para filho:

“É uma coisa que faz parte do ser gaúcho e vai passando de geração em geração, por isso que não se perdeu... claro, se tu não investir nos jovens, mostrar que tem muita coisa divertida aí no meio, eles não vão se interessar, aí vai morrer. Mas como se investe bastante na questão de pai para filho, a gente consegue manter vivo, por mais que avance a globalização.” (Melina, consumidora).

Os fluxos culturais locais contam, ainda, com o auxílio das expressões artísticas para uma ampla distribuição da cultura gaúcha. A incorporação dos aspectos locais em textos culturais, como a música e a literatura, contribui para uma disseminação cultural no âmbito local. Indiferente do nível de envolvimento com o tradicionalismo, de uma forma ou de outra, os gaúchos mantêm contato com algum tipo de obra literária, como é o caso da trilogia O tempo e o vento, de Erico Verissimo, que contribuiu na demarcação do que é o gaúcho.

O terceiro fluxo identificado consiste na transferência cultural promovida pela migração. As últimas décadas foram marcadas por intenso fluxo de gaúchos para outros estados e países, o que ocasionou a distribuição cultural por outras regiões, ao mesmo tempo em que reforçou suas bases. Os gaúchos, mesmo aqueles que não demonstravam alto envolvimento com a cultura local quando habitavam no Rio Grande do Sul, carregaram seus elementos quando migraram, inclusive adotando a cultura gaúcha nas suas construções de identidade. Hábitos como o chimarrão já estão enraizados em outras regiões do país, como Santa Catarina e Paraná. Além disso, existem entidades tradicionalistas em todos os estados da federação, sendo que a maior entidade do Brasil está situada na Bahia, e o Paraná é o estado com maior número de CTGs, promovendo, assim, uma distribuição de produtos ligados à cultura gaúcha para além das fronteiras locais:

“As pessoas que não estão mais vivendo no RS levam consigo algumas coisas daqui... qualquer coisa dessas que represente uma possibilidade do gaúcho se sentir menos afastado do seu solo, pois independente do local onde ele está hoje, ele tenta buscar algo que relembre os momentos vividos aqui no RS.” (Clairton, consumidor).

O quarto item que atua como um contrafluxo diz respeito aos fluxos de consumo local. Mesmo diante da exposição dos consumidores às ofertas globais, os entrevistados comentam que o envolvimento com a cultura gaúcha automaticamente gera um desejo de aderir a formas de consumo associadas à cultura local. O entrevistado Gustavo acredita que, à medida que se envolveu mais com o tradicionalismo, seus hábitos de consumo e o grupo social de convívio acompanharam essa mudança: “Quando tu compra uma bombacha tu automaticamente deixa de comprar uma calça jeans... comprei um colete, coisa que não usaria no dia a dia, boina e chapéu... automaticamente deixei de comprar um boné, uma calça jeans.” (Gustavo, consumidor).

Os fluxos de consumo local também são alimentados pelos desejos dos gaúchos de chegar mais próximo da sua cultura e pelo orgulho de participar do universo gaúcho. Ao optar pelo consumo de produtos locais, os consumidores encontram uma forma de manter contato com a cultura gaúcha. A entrevistada Melina ressalta uma passagem interessante nesse sentido: “Entre dois produtos bons, um é gaúcho o outro não, fico com o gaúcho... esse é meu, vem pra cá, esse é meu... aí fico com o daqui... é aquela coisa: bah, é daqui, vamos valorizar.” (Melina, consumidora).

Assim, os fluxos de consumo local são alimentados por um desejo dos consumidores locais de se aproximarem da cultura gaúcha por meio de ações de consumo e de valorização dos produtos locais. Os entrevistados mencionam ainda que esse fluxo é estimulado pelas ações de produtores que se comunicam exclusivamente com o consumidor local, criando uma conexão entre produtores e consumidores. Diante da emergência de fluxos locais, é estabelecida uma posição própria em relação aos fluxos globais, resultante de uma forma híbrida, destacada a seguir.

Hibridização entre o global e o local

A dinâmica entre os fluxos globais e locais resulta em formas híbridas, que mesclam aspectos da tradição com modernidade a partir da identificação simultânea de elementos culturais distintos (CANCLINI, 1995). Essa forma híbrida de proteção da cultura gaúcha pode ser observada no Acampamento Farroupilha, um reduto da cultura gaúcha, marcado pela simplicidade das suas construções, mas instalado no meio de prédios ligados a uma arquitetura moderna. Um imaginário da vida do campo que tenta ganhar espaço no meio do contexto urbano.

Outro aspecto que remete ao hibridismo da relação global e local diz respeito às adaptações que as empresas globais fazem para interagir com os consumidores locais. Produtores sem vínculo identitário local desenvolvem ações de marketing que incorporam aspectos da cultura gaúcha, como o caso do grupo varejista francês Carrefour (que patrocina a Escola do Chimarrão); da empresa de telefonia Oi (que distribui materiais); ou da Tim (que distribui erva-mate para o chimarrão, para criar uma aproximação identitária).

Em termos de consumo, a relação ambígua entre o global e o local é entendida como um blend entre opções de consumo global e local, ou seja, nunca é completamente centrada em uma ou outra opção. Um exemplo observado durante o trabalho de campo são aqueles consumidores que escutam música pop internacional durante a semana e nos finais de semana optam por escutar música gaúcha. Outros exemplos observados consistem naqueles consumidores que usam bombacha com tênis Nike ou camisa Lacoste durante um rodeio, enquanto conversam em um iPhone; meninas que, utilizando vestido de prenda durante um evento tradicionalista, usavam também óculos de sol de grifes internacionais; ou mesmo a fila de peões e prendas para comprar milk-shake dentro do congresso tradicionalista.

Essas práticas são relatadas com naturalidade pelos entrevistados. Como o entrevistado Marco diz, um jovem pode participar de um rodeio e no final do dia comer um McDonald’s, pois uma coisa não impede a outra. Outros entrevistados também compartilharam esse entendimento:

“A gente não é uma ilha e a gente não pode se afastar de todo o resto... a gente vai ter sempre influência externa. Eu acredito que o diferencial é o conhecimento de saber até onde essa influência pode te afetar. Não tem porque tu te isolar e manter cegamente na cultura gaúcha, até porque daqui a pouco a cultura gaúcha vai ser muito restrita para ser oferecida.” (Joice, consumidora).

“O pessoal quer experimentar coisas novas, a galera é jovem, não é assim: agora nesse momento eu sou gaúcha eu não consumo nada das outras coisas... não é assim... o pessoal consome outras coisas, mas ele gosta da cultura gaúcha, então ele tenta unir as duas coisas.” (Melina, consumidora).

Outro ponto de destaque em termos de hibridização global e local é visível nas incorporações do global pelos agentes para a distribuição da cultura gaúcha. Conforme ressaltado quando descritos os conflitos entre o global e o local, a utilização de ferramentas tecnológicas para a disseminação de aspectos ligados à cultura gaúcha resulta em uma fragmentação dos fluxos globais, que passam a carregar nas suas dinâmicas aspectos ligados à cultura local. Contudo, o hibridismo é um modelo genérico e, mesmo buscando contemplar diferentes fluxos em um modelo cultural, não esconde conflitos em razão da origem distinta dos fluxos que fomentam esse modelo. Esses conflitos são destacados a seguir.

Conflitos entre os diferentes fluxos no mercado

A relação de fluxo e contrafluxo resulta em uma dinâmica de conflito entre o global e o local no mercado. Nesse sentido, destacam-se cinco diferentes conflitos observados no mercado local.

Conflitos tecnológicos. Durante o trabalho de campo, chamava atenção o contraste entre o ambiente rústico dos galpões e das lojas tradicionalistas e ferramentas tecnológicas avançadas, como notebooks e tablets. Ao questionar pessoas ligadas ao MTG sobre esses conflitos tecnológicos, a resposta seguia um entendimento de que quaisquer recursos que auxiliem na divulgação do tradicionalismo são úteis: “o progresso tecnológico nunca para e então devemos usar essas ferramentas para disseminar a cultura gaúcha.” (Oscar, organizador).

O conflito tecnológico gerou um fato curioso durante o trabalho de campo: durante a semana farroupilha, as head tags que faziam alusão à cultura gaúcha – #20desetembro e #gaúchos – apareceram entre os dez trending topics brasileiros comentados no Twitter. Mesmo se tratando de uma ferramenta de distribuição global, os gaúchos se apropriam dessas ferramentas para manifestar sua identidade cultural. Ainda que na sua essência o tradicionalismo negue a incorporação de novas tecnologias, a sua utilização permite uma distribuição e expressão cultural mais ampla.

Conflitos ideológicos. Neste estudo focou-se principalmente nas práticas e na estrutura do tradicionalismo. No entanto, é necessário mencionar os conflitos ideológicos que a assimilação dos fluxos globais e locais gera. O entrevistado Cícero é bem enfático nesse sentido, exemplificando que as pessoas passam a ter contato com elementos externos, como a literatura internacional, em detrimento daquela regional, e acabam se identificando com aqueles personagens e não mais com os personagens locais. Assim, os conflitos ideológicos são inevitáveis, especialmente em termos de distribuição de uma cultura de massa global que acaba repercutindo também no mercado local. O entrevistado Cesar complementa esse entendimento quando menciona que a construção de um projeto identitário brasileiro também gera conflitos com o modelo identitário gaúcho. Para ele, quando se estabelece uma concepção de brasileiro centrada no samba, no futebol, no estilo de vida carioca, ela passa a representar todos os brasileiros, mesmo sendo específica de alguma região. As distinções entre a imagem do brasileiro e do gaúcho formam um conflito ideológico de assimilação e resistência ao “ser brasileiro”.

Em termos de comportamento, esse conflito ideológico exalta um sentimento de defesa regional, acusado, por quem observa de fora, de bairrista ou de excessivo. Assim, enquanto para alguns as práticas de valorização da cultura local representam uma vitória em defesa da cultura gaúcha, para pessoas externas a ela esse fenômeno é compreendido como algo segregativo e que deveria ser superado para que a sociedade possa se desenvolver integrada com o Brasil e com a cultura global.

Conflitos simbólicos. Observando as práticas cotidianas da cultura gaúcha e a sua construção simbólica, emergem conflitos simbólicos compreendidos a partir da relação entre as práticas cotidianas e o significado original dos símbolos locais. Como comentado anteriormente, o fato de a região se apresentar como moderna, industrializada e urbana, mas ao mesmo tempo buscar uma afirmação local a partir da preservação de valores do campo, da tradição e de um passado pastoril, consiste em um desses conflitos simbólicos. Consequentemente, ao falar dos elementos do campo, os entrevistados mesclam símbolos ligados ao pampa, mesmo sem ter vivido naquele ambiente. O resultado é a construção de um “nós gaúcho” que mescla símbolos distintos, oriundos de diferentes referenciais, mas que quando ressignificado na cidade assume um caráter homogêneo.

Esses conflitos também ocorrem nos espaços que buscam reviver a tradição no contexto urbano, como é o caso do acampamento farroupilha. Enquanto os galpões buscam exaltar um estilo rústico, construídos com pau-a-pique, a sua estrutura é reforçada com materiais modernos, como solda e concreto. Os telhados de palha escondem telhas de amianto, que garantem maior conforto aos frequentadores. Ou seja, recursos modernos são buscados para auxiliar na exibição dos símbolos ligados à tradição. Uma busca de reviver o passado, mas com o suporte da modernidade. Mesmo com o objetivo de reviver a tradição nas suas grandes linhas, os símbolos de uma cultura material global permeiam o cotidiano local. Afinal, no bolso da bombacha está o celular e a chave do carro estacionado na porta do galpão.

Conflitos entre produção e consumo. Quando analisada a relação entre produtores, organizadores e consumidores, fica evidente um conflito entre as práticas de produção e consumo em relação ao tradicionalismo. Quanto aos consumidores, estes, por diversos momentos, não demonstram uma clareza dos significados da sua agência, reproduzindo no seu cotidiano práticas promulgadas pelos organizadores e pelos produtores. Um exemplo claro nesse sentido diz respeito à introdução de novos produtos pelos produtores, como no caso dos passadores de lenço (pingentes de metal que substituem o nó do lenço para a sua fixação no pescoço), um produto criado recentemente e que atualmente já faz parte dos objetos de consumo ligados ao tradicionalismo, incidindo assim em uma demonstração da influência dos produtores na demarcação das práticas de consumo.

Por outro lado, a eminência de conflitos entre consumidores e organizadores é promovida quando os primeiros adotam práticas de consumo que diferem daquelas promulgadas pelo MTG. Durante o trabalho de campo, observou-se um conflito desse tipo no que dizia respeito ao uso de bombachas justas ao corpo, oriundas da Argentina e diferentes daquelas consideradas tradicionais pelo MTG (bombachas largas em relação ao tamanho da perna do peão). Inclusive, alguns consumidores passam a usar essas bombachas justas com tênis, fugindo da forma pregada pelo MTG, que deveria ser botas ou alpargatas.

Os conflitos entre produtores e organizadores podem ser observados no estilo musical denominado tchê music, amplamente criticado pelo MTG, inclusive sendo proibida a sua veiculação dentro de entidade tradicionalista. Artistas adotaram esse estilo musical e ganharam um amplo mercado justamente por adotarem uma linguagem mais aberta e popular, não ficando restritos às normas do MTG, ganhando mercado com um público que não se preocupava com as distinções internas do movimento. No caso da tchê music, observa-se uma adequação entre os diversos estilos, resultando em uma volta dos artistas que haviam sido excluídos dos CTGs para dentro dessas entidades. Assim, os conflitos entre produção e consumo tendem a se ajustar dentro das dinâmicas de mercado, seja com os organizadores aceitando as alterações do mercado ou os produtores e consumidores superando modismos.

Conflitos dentro do próprio mercado local (internos). Os fluxos locais não são compreendidos por todos de maneira uniforme, resultando em um processo de mediação que inclui aspectos de resistência aos próprios fluxos produzidos no âmbito interno da cultura gaúcha. A principal representação contrária ao tradicionalismo foi elaborada em 2007 por um grupo de intelectuais liderados pelo historiador Luís Carlos Tau Golin, denominada Manifesto contra o Tradicionalismo. Esse manifesto tece duras críticas ao modo como o tradicionalismo gera uma orientação doutrinária particular e que não representa a complexidade social e cultural do estado. Os autores acusam o MTG de exercer um movimento de coerção cultural, midiática e econômica que dificulta o desenvolvimento de outras perspectivas culturais e estéticas no estado. O manifesto ressalta ainda que o tradicionalismo destruiria os traços culturais e direitos fundamentais do povo rio-grandense, pois construiu uma ideia vitoriosa de “rio-grandense autêntico”, uma representação que tomou o lugar da realidade.

Os críticos aos fluxos que distribuem a cultura gaúcha no mercado local dizem que eles homogeneízam e normatizam o comportamento do rio-grandense. Em adição, essa normatização segue as influências simbólicas do passado pastoril, que, quando analisada no âmbito de sua superestrutura, consiste em uma relação desigual de classes, especialmente na exploração dos patrões sobre os peões. Estrutura essa que é reproduzida e cultivada dentro das entidades tradicionalistas e nos eventos ligados à cultura gaúcha, preservando assim as estruturas de poder e divisão de classe. Destaca-se aqui práticas como a de empresários que contratam laçadores profissionais para participar de rodeios, remunerando-os e obtendo mais-valia com a premiação; ou feiras de exposição de cavalos crioulos, nas quais os peões cuidam dos animais enquanto os patrões bebem espumante em um local refinado e cuidadosamente decorado com palhas para criar um ambiente que remeta à simplicidade do campo.

Ao reconhecer conflitos internos, destaca-se que a perspectiva da cultura gaúcha, especialmente aquela alinhada com o tradicionalismo, não é reconhecida ou assimilada por todos os atores locais de modo uniforme. Assim, ações de ressignificação e rejeição à cultura gaúcha funcionam como barreiras locais ao seu reconhecimento como hegemônica na formação identitária dos rio-grandenses. Da mesma forma que os fluxos globais passam por processo de mediação no âmbito local, os fluxos locais também não estão isentos dessa mediação. Assim, a intensificação dos fluxos locais e globais aumenta a tensão no processo de assimilação, rejeição ou hibridização desses no mercado local.

Discussão dos resultados: tensão entre global e local no mercado

Neste estudo, a compreensão dos fluxos foi obtida em sentidos contrários – um referente aos fluxos globais que atingem o mercado local e, no outro sentido, os fluxos locais –, entendidos como contrafluxos em relação aos fluxos globais. Ambos alimentam o mercado com elementos distintos, resultando em formas híbridas que intercambiam significados oriundos dos diferentes fluxos nas práticas, dado que é no âmbito do mercado que ocorre uma mediação entre os elementos globais e os locais. A Figura 2 descreve essa interação dos fluxos locais e globais no mercado.

Figura 2
Interação dos fluxos locais e globais no mercado.

Em síntese, compreende-se que, no âmbito das práticas desenvolvidas pelos agentes locais no mercado, eles não estão isentos (e não tem essa intenção) dos fluxos globais, suportando e interagindo com elementos por meio dos quais contatam uma cultura global de consumo. Contudo, os agentes usam do mesmo mercado local para alimentar um conjunto de fluxos locais que fomentam a cultura local. A compreensão dessa distinção simbólica entre os diferentes fluxos e contrafluxos no mercado local torna-se relevante para o entendimento da cultura gaúcha e da sua capacidade de preservação, visto que a manutenção da cultura local depende da habilidade dos agentes locais em alimentarem contrafluxos. Com isso, as práticas dos agentes locais preservam elementos culturais no mercado e evitam que os fluxos globais sejam naturalizados como únicos e assumam uma posição hegemônica, criando uma tensão entre os fluxos que resulta em uma posição híbrida.

Entende-se, ainda, que os agentes envolvidos com a cultura gaúcha, no âmbito das suas práticas no mercado, alimentam um conjunto de elementos locais que garantem um fluxo de fomento à cultura local. Por sua vez, os agentes – em especial os consumidores – não estão isentos (e não tem essa intenção) dos fluxos globais, suportando e interagindo com elementos globais por meio dos quais contatam uma cultura global de consumo. Interessante destacar que a transição dos fluxos locais e globais no mercado provoca uma divisão entre os produtores globais e locais. Enquanto alguns produtos assumem uma posição definida, ou seja, são compreendidos claramente pelos consumidores como um produto local ou global, outros possuem um caráter híbrido, seja porque adaptam aspectos locais nas ofertas globais ou porque incorporam aspectos globais nas ofertas locais. De modo geral, os consumidores fazem distinções entre produtos locais e globais. Contudo, são justamente as ofertas que mesclam aspectos globais e locais, causam conflitos simbólicos e hibridismos, pois transitam entre um lado e outro (local e global) sem uma posição cultural definida. A Figura 3 busca caracterizar essa divisão do mercado local.

Figura 3
Divisão do mercado local.

Ao mesmo tempo em que o mercado envolve ofertas locais e globais distintas, bem como ofertas híbridas, a reflexão acerca do mercado como um lócus que conecta diferentes fluxos demonstrou que essas ofertas distintas são importantes para a preservação da cultura gaúcha. Diferentemente de estudos anteriores que analisaram as práticas de preservação da cultura gaúcha a partir das estruturas sociais, o olhar a partir do mercado possibilitou demonstrar que ele também serve como um intermediador das relações globais-locais. Ressaltar o papel do mercado nessa intermediação permite colocar luz em um lócus que geralmente é visto como transmissor da cultura global de consumo e dos fluxos nela envolvidos, e não das culturas locais.

Mesmo que o mercado esteja permeado de ofertas globais, os contrafluxos locais promovem uma distinção simbólica entre o que pertence ou não à cultura gaúcha. Ainda que a globalização seja considerada como um processo inevitável, atingindo os mercados locais por meio de fluxos globais, o próprio mercado pode ser utilizado para disseminar contrafluxos, ou seja, fluxos locais que assumem uma posição contrária aos fluxos globais. Essa percepção torna-se mais relevante em ambientes com constantes alterações nas formas culturais hegemônicas, visto que nesses locais a preservação cultural não ocorre por meio da reativação de antigas tradições (como ocorre na Europa, por exemplo – MARTÍN-BARBERO, 2003MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura e hegemonía. Bogotá: Convenio Andrés Bello, 2003.), mas pela aceitação de significados culturais construídos localmente como tradicionais. Trata-se de um processo produzido e estabilizado por meio do compartilhamento de uma realidade sociocultural de um grupo, reconhecido como local, e que funciona como instância de identificação diacrônica em relação a proposições compreendidas como globais.

A identificação de contrafluxos em relação aos fluxos globais possibilita uma melhor compreensão de como a cultura global do consumo é assimilada e rejeitada nos mercados locais – como Canclini (2003)CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003. descreve: se existe uma cultura global, ela se solidifica nos mercados locais em específico. Apesar de reluzir como um modelo hegemônico, o avanço dos modelos culturais globais não suprime a emergência de alternativas locais. A cultura global do consumo não consiste em uma ordem única, mas em um elemento no conjunto de interações dialéticas que ocorrem no mercado. Assim, cabe aos agentes atuarem em busca de construções históricas que solidifiquem suas bases. Ao contrapor os modelos globais, os agentes locais criam condições de estabelecimento de modelos alternativos que contrapõem os modelos globais hegemônicos. Já a manutenção de modelos locais depende da habilidade dos agentes em autossuportarem os fluxos locais que preservam o modelo cultural gaúcho.

Ao enfocar o mercado, os resultados deste estudo reforçam a compreensão do mercado não só como um mecanismo de disseminação de fluxos hegemônicos, mas também de contrafluxos de resistência. Em especial, aponta-se o papel do mercado como um mecanismo para a preservação de um modelo cultural local. Com isso, o mercado não pode ser tomado unicamente como uma estrutura que a cultura global do consumo utiliza para se localizar. Mas, uma estrutura complexa que envolve tanto fluxos globais quanto locais, associados a modelos culturais distintos que encontram no mercado o lócus de interação. A partir dessas constatações, é possível apontar o mercado como um mediador de forças dialéticas empregadas por agentes locais e globais na afirmação, rejeição e hibridização de alternativas culturais.

Considerações finais

Neste estudo, buscou-se apresentar os diferentes fluxos que transitam no mercado local, especificamente em lugares relacionados ao consumo do tradicionalismo gaúcho. Ao passo que o Rio Grande do Sul – cenário geográfico analisado neste estudo – consiste em um território integrado ao mercado global, observa-se que o tradicionalismo gaúcho, moldado pelos diferentes agentes locais – como exemplo o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), empresas e consumidores –, fomenta fluxos locais que reforçam aspectos da cultura gaúcha no próprio mercado que o Rio Grande do Sul está inserido.

Ao olhar as práticas que se formam em torno da cultura gaúcha, especificamente aquelas que transitam no mercado, entende-se que ele se torna um local alternativo para a disseminação de contrafluxos em resposta aos fluxos globais. O efeito disso no mercado local é o estabelecimento de uma interação entre múltiplas ofertas culturais, nas quais a cultura local assume uma posição cultural própria nas práticas de mercado. Esses resultados ressaltam um papel alternativo para o mercado, que além de consistir no principal lócus pelo qual transitam os fluxos globais, também pode ser o lócus para fluxos alternativos associados a culturas locais.

No entanto, mesmo com a eminência de fluxos locais no mercado e a possibilidade de uso desses de forma dialética na construção de mercados, a apropriação dos elementos que transitam nos diferentes fluxos pelos agentes locais ocorre de forma híbrida. Isso fica evidente quando se observa que os próprios produtores locais usam os fluxos globais para distribuir seus produtos para outros mercados, ou mesmo reingressar no mercado local, especialmente por meio dos fluxos tecnológicos. Assim, ao passo que a dialética local-global gera conflitos simbólicos no mercado local, a assimilação dos diferentes fluxos por parte dos agentes de mercado contribui em formações culturais híbridas.

A compreensão das dinâmicas de fluxos e contrafluxos consiste em um ponto importante para a análise da formação da cultura global do consumo. A esfera cultural passa a ser um terreno em que a globalização transita desenfreadamente, permeando as culturas locais. Simultaneamente, esse terreno cultural resulta em um espaço contraditório, no qual forças opostas atuam, homogeneizando, aflorando formas locais híbridas, formas de neocolonização e formas de resistência. Ao reconhecer o papel do mercado como um mediador de fluxos culturais distintos, compreender a cultura do consumo em seus diferentes níveis exige reconhecer os diferentes fluxos e contrafluxos culturais existentes no mercado e acessados pelos diferentes agentes.

Ao findar este estudo, é necessário destacar que a perspectiva de construir uma relação dialética entre o global e o local acabou centrada principalmente na dinâmica do local em relação ao global, uma vez que não foi possível dar voz aos agentes promulgadores dos fluxos globais. Dessa forma, os discursos emitidos pelos agentes globais não foram tratados no âmbito deste estudo. A incorporação de novas vozes na compreensão da dialética global-local pode ser buscada em novos estudos, visando superar essa limitação. Isso permite constatar a maneira como outros agentes se portam frente às ações dos agentes locais, e até mesmo como reestruturam seus discursos para tirar proveito dos fluxos locais.

Ao desenvolver um estudo sobre globalização, deve-se reconhecer, ainda, que este consiste em um tema amplamente estudado. No entanto, ao adotar um olhar inverso, considerando fluxos contrários à globalização, amplia-se o debate acerca do tema. Novos estudos podem trilhar esse caminho, considerando a globalização um processo inserido em um movimento mais amplo de fluxos e contrafluxos, que envolve construções culturais, sociais e econômicas de diferentes agentes. A partir disso, análises futuras das relações locais-globais podem verificar a efetividade dos fluxos locais (contrafluxos) em alterar a lógica hegemônica promulgada pelos agentes globais nas práticas de mercado. Em específico, torna-se relevante verificar os limites dos fluxos locais em frear os processos homogeneizadores globais e, principalmente, detectar a incorporação desses fluxos por lógicas globais.

O mercado também demonstrou incorporar novas funções, além de mediar a troca de bens e serviços. Novos estudos podem identificar funções complementares aos mercados, especialmente no âmbito do papel dos mercados na solidificação de alternativas culturais distintas que não são abarcadas pela dicotomia global/local, ampliando assim a compreensão do mercado como lócus de estudo alternativo das práticas sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2014
  • Aceito
    23 Jan 2015
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