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Administração do desenvolvimento: percepções e perspectivas da comunidade científica da ANPAD

The management of development: the anpad’s perceptions and perspectives

Resumo

As discussões acerca da Administração do Desenvolvimento já datam de algumas décadas, se tomarmos como referência o discurso de posse de Harry Truman, presidente dos Estados Unidos da América, em 1949, quando, na ocasião, utilizou a expressão para dizer que se iniciava uma nova era no mundo – a era do desenvolvimento. Passadas algumas décadas após esse discurso, percebe-se, hoje, um esforço, por parte dos pesquisadores da área dos Estudos Críticos em Administração (ECA) e dos Estudos Críticos em Desenvolvimento (ECD), para retomar as questões intrínsecas do desenvolvimento, precisamente no que refere à sua gestão. Diante disso, este artigo tem como objetivo refletir sobre o que pensa, entende e espera a comunidade científica da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (ANPAD) a respeito do campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento. Para cumprir tal finalidade, desenvolvemos uma pesquisa exploratória com os participantes do XXXV Encontro Nacional da ANPAD (EnANPAD), realizado na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2011. Com o auxílio de técnicas de estatística descritiva, concluímos que a Administração do Desenvolvimento constitui-se em um saber disperso e fragmentado que sobrevive em campos de conhecimento, cujo fenômeno do desenvolvimento é objeto de análise. Daí a necessidade de um olhar epistemológico, por parte da comunidade científica da administração, sobre a temática da gestão do desenvolvimento.

Palavras-chave
Administração do Desenvolvimento; Comunidade científica; ANPAD

Abstract

The discussion of the Management of development have been the focus of debate for a number of decades, if one takes into account the inaugural speech of the USA Prime Minister, Harry Truman, in 1949, when he has used this expression for giving notice of a world’s new era – the era of development. After some decades, it is clear, today, that there is an effort, from researchers within the Critical Studies of Administration (CSA) and the Critical Studies in Development (CSD), in shedding the light back to the issues inherent to development, more particularly in what regards the management of the process. Therefore, the aim of this paper is to understand the state-of-the-art of the Brazilian scientific community, taking into consideration the National Association of Post-graduation Programs in Management (ANPAD), in terms of their thoughts of the discipline of Management of Development. In order to meet this aim, an exploratory research was conducted with the participants of the XXXV Meeting of the National Association of Post-graduation Programs in Management (EnANPAD), which took place in Rio de Janeiro, in 2011. Descriptive statistics have supported our conclusions that the Management of Development is a fragmented discipline, which survives based on knowledge where the development phenomenon is subject of analysis. Therefore, it is necessary to provide an epistemological perspective over the issue of development, of the scientific community.

Keywords
Management of Development; Scientific community; ANPAD

Introdução

A Administração do Desenvolvimento é um subcampo de estudo da administração voltado para a análise da gestão das relações sociais de produção, distribuição e consumo da sociedade. Ela se diferencia dos Estudos Organizacionais (EOs) por dois motivos: primeiro por não ter como objeto de estudo a organização, mas a gestão; segundo, porque, ao passo que os Estudos Organizacionais centram-se na investigação de organizações modernas ou mesmo pós-modernas, a Administração do Desenvolvimento prioriza o estudo de sociedades, países, regiões e organizações que, muitas vezes, encontram-se aquém da modernidade (COOKE, 2004COOKE, B. O gerenciamento do (Terceiro) Mundo. Revista de Administração de Empresas – RAE, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, jul./set. 2004.; 2008COOKE, B. Participatory management as colonial administration. In: DAR, S.; COOKE, B. The development management. London; New York: Zed Books, 2008.; SANTOS, 2004SANTOS, R. S. A administração política como campo do conhecimento. São Paulo; Salvador: Mandacaru; Hucitec, 2004.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.). Ela possui origem na ortodoxia do pensamento administrativo, no mundo pós-guerra, precisamente nos planos de recuperação econômica – Plano Marshall, Plano Colombo, Aliança Para o Progresso – e no desejo dos países ricos em auxiliar tecnicamente os países menos desenvolvidos com programas de ajuda mútua. Porém, com o surgimento dos Estudos Organizacionais, o campo da administração foi, aos poucos, distanciando-se do estudo da gestão do desenvolvimento e delegando-o para outras ciências, sobretudo para a economia do desenvolvimento. Entretanto, após passarem-se quatro décadas desse distanciamento epistemológico, percebe-se um esforço, por parte dos pesquisadores na área dos Estudos Críticos em Administração (ECA) e dos Estudos Críticos em Desenvolvimento (ECD), para retomar as questões intrínsecas do desenvolvimento, principalmente no que refere à sua gestão (ESTEVA, 2000ESTEVA, G. Desenvolvimento. In: SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento: guia para conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 59-83.; COOKE, 2004COOKE, B. O gerenciamento do (Terceiro) Mundo. Revista de Administração de Empresas – RAE, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, jul./set. 2004.; DAR; COOKE, 2008DAR, S.; COOKE, B. The new development management. London; New York: Zed Books, 2008.; ESCOBAR, 2008ESCOBAR, A. Afterword. In: DAR, S.; COOKE, B. The development management. London; New York: Zed Books, 2008. p.198-203.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.).

No Brasil, essa retomada epistemológica ocorreu com o lançamento da edição especial comemorativa dos 35 anos da Revista de Administração Pública (RAP), da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/EBAPE), quando, na ocasião, foram publicados em Clássicos da Revista de Administração Pública os dez trabalhos mais citados em periódicos acadêmicos brasileiros. Na relação dos trabalhos, considerados clássicos da RAP, três abordavam, especificamente, a temática da Administração do Desenvolvimento. São eles: “Um novo modelo de planejamento para uma nova estratégia de desenvolvimento”, de Anna Maria Campos; “A nova ignorância e o futuro da administração pública na América Latina”, de Alberto Guerreiro Ramos; e “Administração para o desenvolvimento: a disciplina em busca da relevância”, de Paulo Roberto Motta. O primeiro trabalho faz uma análise da administração pública latino-americana da década de 1970 e recomenda algumas mudanças na técnica de planejamento estratégico do desenvolvimento dos países que compõem a região. O texto de Guerreiro Ramos discute os rumos da administração pública como campo de conhecimento, e defende a tese de que o futuro do campo passa pela Administração do Desenvolvimento, compreendendo-a como um subcampo da administração.

Por sua vez, o texto de Roberto Motta faz uma análise epistemológica da disciplina, evidenciando suas fragilidades e potencialidades, de modo a destacar sua relevância para o desenvolvimento das nações.

A reedição desses trabalhos, sobretudo o de Paulo Roberto Motta, reabre a discussão da necessidade de uma disciplina no campo da administração para tratar de questões vinculadas ao desenvolvimento. Pensando nisso, os Cadernos EBAPE. BR, edição de julho de 2013, lançaram um número especial dedicado à temática “Administração e Desenvolvimento”, sob a coordenação de dois importantes editores, o professor Bill Cooke, da Lancaster University, e Alexandre Faria, da FGV/EBAPE. Hoje, presenciamos, de alguma forma, um elevado interesse por parte da comunidade científica brasileira em temas pertinentes à gestão do desenvolvimento. Isso, de alguma maneira, pode ser observado nos anais de encontros, congressos e simpósios da área de administração, bem como nas linhas editoriais de alguns periódicos. Porém, qual a percepção e/ou perspectiva que essa comunidade científica tem sobre a Administração do Desenvolvimento como subcampo de conhecimento da administração? Para refletir sobre essa temática, apresentamos este trabalho.

Portanto, este estudo tem como objetivo refletir sobre o que pensa, entende e espera a comunidade científica da Associação dos Programas de Pós-graduação em Administração a respeito do campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento. Para isso, realizamos, juntamente com os participantes do XXXV Encontro da ANPAD (EnANPAD), uma pesquisa de natureza exploratória, a fim de examinar o modo como os integrantes dessa comunidade científica apreendem a disciplina. Nesse sentido, o trabalho está estruturado, além desta introdução, em cinco seções: a primeira faz uma análise da elaboração do construto “desenvolvimento” no pensamento moderno, de modo a contextualizar sua polissemia e interdisciplinaridade; a segunda apresenta as bases teóricas e empíricas da Administração do Desenvolvimento, dando ênfase às três principais abordagens teóricas (modernizante, estruturalista e pós-estruturalista) que dominaram o campo nessas últimas sete décadas; a terceira descreve o percurso metodológico da investigação, destacando a natureza da pesquisa, o processo amostral e o perfil da população objeto de análise; a quarta seção apresenta e interpreta os dados da investigação, de modo a evidenciar o que pensa, entende e espera a comunidade científica da ANPAD em relação ao subcampo da Administração do Desenvolvimento. Por fim, concluimos que a Administração do Desenvolvimento apresenta-se como um campo de conhecimento multidimensional, multiparadigmático e interdisciplinar, uma vez que o estudo da gestão necessita de análises das diferentes dimensões da vida social (econômica, política, sociológica, técnico-científica, socioambiental, etc.), dos diferentes paradigmas científicos (modernidade, estruturalismo, pós-modernidade e pós-estruturalismo) e das diferentes visões disciplinares (geográfica, econômica, sociológica e antropológica).

A multidimensionalidade do desenvolvimento

Talvez não haja na história das ciências sociais um conceito tão interdisciplinar como o do desenvolvimento. Na sua polissemia e interdisciplinaridade, desenvolvimento é um construto que historicamente vem se moldando a interesses diversos. Possui uma rede poderosa de significados que abarca desde as potencialidades genéticas dos seres vivos, do crescimento econômico, da promoção do bem-estar social, passando pela sustentabilidade e chegando ao conceito de pós-desenvolvimento. Em virtude disso, ao longo dos dois últimos séculos, muitos adjetivos foram incorporados ao construto desenvolvimento, como: biológico, econômico, social, político e ambiental. Esses adjetivos, por vezes, imprimem no desenvolvimento conteúdos ideológicos, valorativos e de visão de mundo, às vezes complementares, outras vezes divergentes, transformando-o em um conceito multidimensional e com forte viés político (FURTADO, 1988FURTADO, C. Desenvolvimento. In: CAIDEN, G. E.; CARAVANTES, G. R. (Org.). Reconceituação do conceito de desenvolvimento. Caxias do Sul: EDUCS, 1988. p. 45-70.; ESTEVA, 2000ESTEVA, G. Desenvolvimento. In: SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento: guia para conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 59-83.; FREY, 2001FREY, K. A dimensão político-democrática das teorias de desenvolvimento sustentável e suas implicações para a gestão local. Revista Ambiente & Sociedade, ano IV, n. 9, p. 1-34, 2001.; FISCHER, 2002FISCHER, T. Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador: Casa da Qualidade, 2002.; MONTENEGRO GÓMEZ, 2006MONTENEGRO GÓMEZ, J. R. Desenvolvimento em (des)construção: narrativas escalares sobre desenvolvimento territorial rural. 2006. Tese (Doutorado)– Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, São Paulo, 2006.; ESCOBAR, 2007ESCOBAR, A. La invención del Tercer Mundo. Construcción y deconstrucción del desarrollo. Santafé de Bogotá: Norma, 2007.; VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012VIZEU, F.; MENEGHETTI, F. K.; SEIFERT, R. E. Por uma crítica ao conceito de desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE.BR, v. 10, n. 3, p. 569-583, 2012.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.).

A origem da palavra está na biologia, empregada como processo de evolução dos seres vivos para o alcance de suas potencialidades genéticas (ESTEVA, 2000). Com Darwin, desenvolvimento passou a ter significado de movimento, trajetória, evolução na direção da forma mais apropriada, visto que o organismo se desenvolve à medida que progride em direção à sua maturidade biológica. Mas, foi com o darwinismo social1 1 Corrente teórica em que a sociedade é comparada a um ser vivo e dinâmico, que busca sua própria evolução ou, consequentemente, seu desenvolvimento. De acordo com esse pensamento, existiriam características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa fosse superior à outra e que as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as mais aptas. do século XIX que o construto desenvolvimento chegou às ciências sociais, defendendo a tese de que o progresso, a expansão e o crescimento não eram virtualidades intrínsecas, inerentes a todas as sociedades humanas, mas, propriedades específicas de algumas.

Na condição de objeto de estudo, nas ciências sociais, desenvolvimento tem suas raízes no campo da economia. De maneira preliminar, os trabalhos de Adam Smith (1776), Thomas Malthus (1798), David Ricardo (1817), Karl Marx (1867) e Josepf Schumpeter (1911) apresentam o desenvolvimento como um fenômeno importante para a consolidação do sistema capitalista. Porém, foi na década de 1940 que o desenvolvimento ganhou status de objeto científico, com o surgimento da economia do desenvolvimento. Essa disciplina construiu todo um arcabouço teórico e metodológico para explicar e promover o desenvolvimento como algo próximo a uma sociedade industrial, urbana e detentora de riqueza, por meio do acúmulo de renda monetária (FURTADO, 1988FURTADO, C. Desenvolvimento. In: CAIDEN, G. E.; CARAVANTES, G. R. (Org.). Reconceituação do conceito de desenvolvimento. Caxias do Sul: EDUCS, 1988. p. 45-70.). Assim, obteve-se imenso sucesso em termos de produção científica e repercussão social, servindo de base para formulação de políticas públicas de muitos países do mundo pós-guerra. O seu arcabouço teórico foi composto, inicialmente, pelo pensamento anglo-saxão, posteriormente pelo pensamento latino-americano, principalmente pelo pensamento elaborado na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

No campo político, o termo foi empregado pela primeira vez como elemento de um programa de governo por Harry Truman, presidente dos Estados Unidos da América, quando em seu discurso de posse, em 1949, utilizou o termo para dizer que se iniciava uma nova era no mundo – a era do desenvolvimento (ESTEVA, 2000ESTEVA, G. Desenvolvimento. In: SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento: guia para conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 59-83.). Com ele, inaugurou-se o desejo dos países ricos de auxiliar as nações ditas atrasadas em seu desenvolvimento; nesse contexto, a palavra subdesenvolvimento aparece pela primeira vez, evocando a ideia de mudança possível a um estado final. Parece-nos que, até aqui, as relações Norte/Sul tinham interesses opostos: colonizados e colonizadores e a dicotomia até então existente entre desenvolvido e subdesenvolvido propuseram uma nova relação, um mundo em que todos fossem iguais de direito e não de fato. Dessa maneira, há um sentido de continuidade entre os termos subdesenvolvimento e desenvolvimento. O mundo passa a ser pensado não mais na perspectiva de colonizados e colonizadores, mas como uma coleção de nações individuais, porém, com países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Essa visão foi imediatamente contestada pelo pensamento latino-americano da CEPAL na segunda conferência anual (1949), em Cuba, por Raúl Prebisch, no documento “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais” ([1949]; 2000), quando apresentou os conceitos de centro-periferia e deterioração dos termos de trocas; e, posteriormente, pelos pensadores da teoria marxista da dependência (WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Esse debate, em pleno período histórico da Guerra Fria, contribuiu para introduzir no conceito de desenvolvimento a dimensão social, configurada no Estado de Bem-estar Social. Pensar o desenvolvimento, agora, deveria ir além do crescimento econômico e dos seus indicadores quantitativos. Era preciso intensificar as ações de valorização dos seres humanos, por meio de um sistema de proteção ao cidadão, impondo ao Estado a responsabilidade de assumir a oferta de serviços essenciais (alimentação, habitação, educação, saúde e previdência) de assistência humana e social (HICKS; STREETEN, 1988HICKS, N.; STREETEN, P. Indicadores de desenvolvimento: a busca de uma unidade de medida de necessidades básicas. In: CAIDEN, G.; CARAVANTES, G. Reconsideração do conceito de desenvolvimento. Caxias do Sul: Educs, 1998. p. 71-95.; MONTENEGRO GÓMEZ, 2006MONTENEGRO GÓMEZ, J. R. Desenvolvimento em (des)construção: narrativas escalares sobre desenvolvimento territorial rural. 2006. Tese (Doutorado)– Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, São Paulo, 2006.). Assim, as críticas do pensamento latino-americano ao conceito de desenvolvimento, com ênfase apenas na evolução do sistema produtivo e de acumulação de capital, sem um olhar para as melhorias das condições sociais da população, contribuíram para que a dimensão social ganhasse relevância no conceito de desenvolvimento. Diante isso, governos de todo o mundo e organismos internacionais, como ONU, OCEE, OCDE, CEPAL, entre outras, introduziram instrumentos de medidas para quantificar o desenvolvimento social. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) acompanha o desempenho dos países na promoção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento das pessoas, por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), concebido em 1990 pelos economistas Amartya Sen e Mahbubul Haq (SANTAGADA, 1993SANTAGADA, S. Indicadores sociais: contexto social e breve histórico. Revista FEE, Porto Alegre, v. 20, n. 18, p. 245-255, 1993.; MOURA; SAUER, 2009MOURA, F. A.; SAUER, L. Reflexões sobre a metodologia de construção do IDH e suas implicações quantitativas. Desafio: Revista de Economia e Administração (continua como Desafio Online), v. 10, n. 20, p. 114-128, 2009.).

A dimensão ambiental, no conceito de desenvolvimento, ganhou relevância na década de 1970, quando se intensificam as críticas ao modelo de gestão do desenvolvimento por meio do crescimento econômico. A economia não poderia ser vista como um sistema dissociado do mundo da natureza, pois não existem atividades produtivas sem elementos naturais. Era preciso deslocar a ênfase no crescimento contínuo para o compromisso com a natureza. Dessa crítica, destacam-se duas propostas de modelos de gestão do desenvolvimento – a gestão do ecodesenvolvimento e a gestão do desenvolvimento sustentável. A primeira, liderada pelo Clube de Roma, e delineada pelo movimento preservacionista da natureza, defende o congelamento do crescimento da população, do capital industrial e das formas de consumo, com a finalidade de alcançar a estabilidade econômica e ecológica das nações. Essa proposta passou a ser conhecida como a tese do crescimento zero. A segunda tem origem nas ações da Organização das Nações Unidas (ONU), quando, em 1983, foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e dela surgiram alguns relatórios, sinalizando a possibilidade de um crescimento econômico com preservação da natureza. O famoso relatório intitulado “Nosso Futuro Comum” torna-se o referencial desse modelo (VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012VIZEU, F.; MENEGHETTI, F. K.; SEIFERT, R. E. Por uma crítica ao conceito de desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE.BR, v. 10, n. 3, p. 569-583, 2012.).

A gestão do desenvolvimento sustentável parte de uma visão de que a relação homem-natureza pode acontecer de forma equilibrada. Cuidar do meio ambiente não é apenas garantir a sobrevivência da fauna, da flora, do solo, do ar, mas é garantir a convivência de todos os fatores que compõem o meio, quer sejam bióticos, abióticos, humanos ou não humanos. Sendo assim, Ignacy Sachs formulou os princípios básicos dessa nova visão de desenvolvimento. Ele integrou basicamente seis aspectos que deveriam guiar os caminhos do desenvolvimento: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade com as gerações futuras; a participação da população envolvida; a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e a elaboração de um sistema social, garantindo emprego, segurança social e outras culturas e programa de educação (FREY, 2001FREY, K. A dimensão político-democrática das teorias de desenvolvimento sustentável e suas implicações para a gestão local. Revista Ambiente & Sociedade, ano IV, n. 9, p. 1-34, 2001.).

Nessa perspectiva, o conceito de desenvolvimento incorpora, além da preocupação com os aspectos ambientais, a ideia de alongamento do prazo do planejamento e, portanto, do horizonte de cálculo dos efeitos, sem, necessariamente, romper com o crescimento. No modelo de gestão do desenvolvimento sustentável, as inovações tecnológicas ocupam papel de destaque, uma vez que possibilitam o acesso de todos os povos presentes e futuros ao bem-estar, sem comprometimento do esgotamento dos recursos naturais. Do ponto de vista da teoria do desenvolvimento, esse modelo é econometricamente representado pelo modelo de Solow, cuja função de produção tem quatro variáveis: o produto (Y), o capital (K), o trabalho (L) e o conhecimento ou “eficiência do trabalho” (A), de maneira que a economia converge para uma situação em que cada variável do modelo cresce a uma taxa constante. Nesse ponto, a taxa de crescimento do produto por trabalhador é determinada pela taxa de crescimento tecnológico, o que faz alcançar o estacionamento dos fatores de produção. O modelo é fundamentado na racionalidade do pragmatismo utilitarista, ou seja, a sustentabilidade é um discurso necessário e útil na medida em que legitima as práticas das empresas e dos “intelectuais” que servem aos interesses das elites econômicas vinculadas ao sistema de capital (VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012VIZEU, F.; MENEGHETTI, F. K.; SEIFERT, R. E. Por uma crítica ao conceito de desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE.BR, v. 10, n. 3, p. 569-583, 2012.). Por essa lógica, a possível sociedade sustentável é também uma sociedade do crescimento.

Como é possível perceber, desenvolvimento é um fenômeno social capaz de mobilizar pessoas, governos, nações e uma infinidade de recursos monetários e não monetários em prol de uma promessa de bem-estar que nem sempre é, de fato, percebida por todos. O desenvolvimento apresenta-se como uma rede de conceitos, adjetivos e significados advindos da ideia de progresso, igualdade, liberdade e felicidade humanas, elaborados pelo pensamento ocidental, por meio de amplas vertentes epistemológicas e praxiológicas, com a finalidade de concretizar o projeto da modernidade. Sendo o desenvolvimento um construto social interdisciplinar e multiparadigmático, de que forma, então, a ciência da administração lida com esse fenômeno? Que percepção e perspectiva a comunidade científica da Associação dos Programas de Pós-graduação em Administração tem sobre o campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento? Para melhor compreender a problemática que envolve tais questões, destacamos, nas seções seguintes, algumas possibilidades teóricas e empirícas para reflexão.

Administração do Desenvolvimento: percursos e percalços

A origem da Administração do Desenvolvimento encontra-se no contexto histórico do pós-guerra (MOTTA, 2008MOTTA, P. R. Administração para o desenvolvimento: a disciplina em busca da relevância. Revista de Administração Pública (RAP), jul./set. 2008. Edição Especial: Clássicos da Revista de Administração Pública.; COOKE; FARIA, 2013COOKE, B.; FARIA, A. Desenvolvimento, administração e imperialismo do Atlântico Norte: para Eduardo Ibarra Colado. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, jun. 2013. Editorial.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.). O período correspondente a essa narrativa histórica produziu uma série de mudanças que alteraram profundamente a geopolítica do mundo e, consequentemente, as relações sociais de produção. Esse momento foi marcado pelo declínio das antigas potências europeias e pela ascensão de dois outros protagonistas: os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética. É a partir da divisão do mundo entre esses dois impérios que surge a designação de “Terceiro Mundo” para o “resto”, e sobre o qual seria imposto um discurso de desenvolvimento com o objetivo de ajudar os “subdesenvolvidos” (WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Esses dois países foram os grandes vencedores do mundo pós-guerra e, em função disso, passaram a disputar a hegemonia econômica e política em uma amplitude global.

O fato de os EUA não terem sido cenário de guerra, associado à estabilidade econômica que o país conseguiu manter, permitiu-lhes assumir a liderança da nova ordem mundial das economias capitalistas, conquistando, assim, importantes posições na Europa e no Extremo Oriente. Isso ficou explícito na conferência de Bretton Woods, em 1944, quando os EUA e países aliados reuniram-se para discutir sobre mecanismos de governança mundial, fundamentais, segundo esses países, para garantir a paz. Para tanto, foram apresentadas duas teses: a do economista britânico John Maynard Keynes (Plano Keynes) e a do representante dos EUA, Harry Dexter White (Plano White). A tese de Keynes baseava-se na criação de um sistema de governança monetária capaz de assegurar a liquidez internacional, mediante a criação de um banco central internacional, do depósito compulsório e da emissão do bancor, uma espécie de moeda internacional, cuja finalidade era a de converter os depósitos compulsórios em ativos líquidos. Já a tese de White consistiu em: i) auxiliar a reconstrução dos países devastados pela guerra; ii) implantar um sistema monetário internacional com base no padrão ouro-dólar; iii) eliminar os controles cambiais. Para atingir esses objetivos, idealizou-se a criação de dois organismos internacionais de governança: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird, também conhecido como Banco Mundial). O Plano Keynes era, certamente, o mais ambicioso, porém, a enorme capacidade de argumentação e persuasão de Keynes não foi suficiente para modificar os condicionantes reais da conferência, ou seja, a consolidação da hegemonia norte-americana sobre o mundo capitalista, sendo, então, aprovada a tese de White, legitimando, nesse momento, a liderença dos EUA (MAIA, 1999MAIA, J. M. Economia internacional e comércio exterior. São Paulo: Atlas, 1999.).

Foi nesse contexto de disputa geopolítica que a Administração do Desenvolvimento teve origem. A disciplina nasceu dos estudos coordenados pela Sociedade Americana de Administração Pública, precisamente dos trabalhos realizados pelo Grupo de Administração Comparada (GAC) (NEF; DWIVEDI, 1988NEF, P.; DWIVEDI, O. P. Teoria e administração do desenvolvimento: uma cerca em volta de um terreno vazio? In: CAIDEN, G. E.; CARAVANTES, G. R. (Org.). Reconceituação do conceito de desenvolvimento. Caxias do Sul: EDUCS, 1988.). O propósito inicial da disciplina era de instrumentalizar, gerencialmente, a elite burocrata e empresarial dos países subdesenvolvidos, com a finalidade de garantir a execução dos grandes projetos nacionais de modernização/industrialização. Foi inicialmente articulada por Goswamie, e posteriormente popularizada por Fred Riggs na obra Administração nos países em desenvolvimento: a teoria da sociedade prismática (1964). Em suma, trata-se de um projeto neocolonial, elaborado pela Academy of Management dos EUA, fundamentado no mainstream do pensamento liberal, no positivismo empírico, na crença implacável da transferibilidade da racionalidade gerencial e nos pressupostos keynesianos de garantir o bem-estar social, mediante atuação dos organismos internacionais (BM, FMI, ONU) e da participação direta dos estados no planejamento e na execução das políticas econômicas e sociais do Terceiro Mundo (COOKE, 2004COOKE, B. O gerenciamento do (Terceiro) Mundo. Revista de Administração de Empresas – RAE, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, jul./set. 2004.).

Desse modo, a Administração do Desenvolvimento, como disciplina acadêmica, tornou-se um conjunto de diagnósticos e prognósticos administrativos, visto que as pesquisas realizadas nesse campo valorizaram, de forma excessiva, os aspectos técnico-gerenciais, negligenciando, portanto, o desenvolvimento teórico da disciplina (MOTTA; 2008MOTTA, P. R. Administração para o desenvolvimento: a disciplina em busca da relevância. Revista de Administração Pública (RAP), jul./set. 2008. Edição Especial: Clássicos da Revista de Administração Pública.). Essa abordagem, meramente tecnicista, é vista, por alguns estudiosos, como uma das causas para a não consolidação da disciplina no campo da administração (COOKE, 2004COOKE, B. O gerenciamento do (Terceiro) Mundo. Revista de Administração de Empresas – RAE, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, jul./set. 2004.; RAMOS, 2008RAMOS, A. G. A nova ignorância e o futuro da administração pública na América Latina. Revista Administração Pública (RAP), jul./set. 2008. Edição Especial: Clássicos da Revista de Administração Pública.; MOTTA, 2008MOTTA, P. R. Administração para o desenvolvimento: a disciplina em busca da relevância. Revista de Administração Pública (RAP), jul./set. 2008. Edição Especial: Clássicos da Revista de Administração Pública.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.). Nas análises de Motta (2008)MOTTA, P. R. Administração para o desenvolvimento: a disciplina em busca da relevância. Revista de Administração Pública (RAP), jul./set. 2008. Edição Especial: Clássicos da Revista de Administração Pública., a fragilidade se explica por duas causas: i) quase todos os trabalhos escritos sobre o assunto procuraram confrontar formas de administração tradicional com formas de administração moderna; ii) o objetivo consistia na busca da eficiência, referindo-se à redução de custos, e de eficácia, à realização de metas, e não contemplava o conceito de efetividade como propósito maior do desenvolvimento. Em função disso, recomendam-se três possibilidades para uma nova Administração do Desenvolvimento: i) conduzir as organizações para objetivos peculiares de desenvolvimento, mediante a efetividade organizacional (bem-estar social); ii) conceber modelos mais orgânicos de organização (em contraposição à burocracia mecanicista tipicamente weberiana), menos rígidos e permanentes, mais temporais e flexíveis; e iii) buscar o comprometimento valorativo das pessoas que integram as organizações, e não apenas a adesão neutra à regra burocrática como forma de realização de resultados. Martins (2004)MARTINS, H. F. Administração para o desenvolvimento: a relevância em busca da disciplina. Revista Governança & Desenvolvimento, n. 1, abr. 2004., ao analisar o desenvolvimento da disciplina no contexto neoliberal (décadas de 1980 e 1990), constatou que, além de não ter conseguido nenhum avanço teórico, houve ainda uma mudança de finalidade, ou seja, saiu do foco de uma “administração para o desenvolvimento” e adentrou em uma lógica de “administração de ajuste fiscal”, instigado pela crença de que o desenvolvimento requer menos Estado e mais mercado.

Em síntese, o campo da administração dedicou pouca atenção para o desenvolvimento teórico da disciplina. A explicação para isso talvez esteja na façanha de essa ciência não ter definido com precisão o seu objeto científico (gestão e/ou organização), tal como argumenta Santos (2004)SANTOS, R. S. A administração política como campo do conhecimento. São Paulo; Salvador: Mandacaru; Hucitec, 2004.. Embora a administração não tenha dedicado a atenção necessária à disciplina, é preciso considerar que a Administração do Desenvolvimento nunca deixou de existir, uma vez que os problemas relacionados à gestão sempre foram objetos de análise de outros campos de conhecimento que também se dedicam aos estudos do desenvolvimento, como a economia do desenvolvimento, a sociologia do desenvolvimento, a antropologia do desenvolvimento, a geografia do desenvolvimento, entre outros.

De certa maneira, isso é observável na história da epistemologia do desenvolvimento, precisamente nas três abordagens teóricas que dominaram o campo das ciências sociais no que se refere à gestão do desenvolvimento (ESCOBAR, 2005bESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y prática social. In: MATO, D. Políticas de economia, ambiente y sociedad em tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2005b. p. 17-31.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.). A primeira constitui-se na abordagem modernizante das décadas de 1940 e 1950, quando compreendia a gestão do desenvolvimento como um processo decorrente dos efeitos benéficos do progresso econômico, científico e tecnológico, bem como da capacidade gerencial dos agentes administrativos em transformar uma sociedade arcaica em uma sociedade moderna. Essa abordagem teórica representa a ortodoxia do pensamento econômico-administrativo e é abalizada nas teorias concebidas por autores como Joseph Schumpeter, Rosentein-Rodan, Artur Lewis, W. Rostow, François Perroux, Peter Drucker, Michael Porter e Sérgio Boisier. Habitualmente, esses autores recomendam uma estratégia de desenvolvimento por imitação, ou seja, seguir o caminho trilhado pelos países do Primeiro Mundo. O pensamento ortodoxo modernizante serviu para fundamentar a elaboração do Plano Marshall (1947-1951), uma espécie de conjunto de medidas de assistência técnica, econômica e militar que os EUA adotaram para combater a expansão do comunismo na Europa e ao mesmo tempo exercer a função de superpotência do mundo capitalista. A experiência bem-sucedida do Plano Marshall inspirou a elaboração de outros planos para regiões menos desenvolvidas, como África, Ásia e América Latina, inaugurando, dessa maneira, o modelo de exportação de gestão do desenvolvimento made in USA, propagado, mercadologicamente no slogan American one best way (KELLY; MILLS; COOKE, 2006KELLY, E.; MILLS, A.; COOKE, B. Managment as a cold war phenomenon? Human Relations, v. 59, n. 5, p. 603-610, 2006.).

A segunda ocorreu por volta das décadas de 1950 e 1960 e diz respeito à abordagem estruturalista. Essa abordagem concebe a gestão do desenvolvimento como um sistema integrado de elementos distintos e complementares que devem ser compreendidos na perspectiva de uma análise histórica, sociológica e geopolítica. Em virtude disso, propõe que as raízes do subdesenvolvimento estão na conexão entre dependência externa e exploração interna e não na suposta falta de capital, tecnologia ou valores modernos. Em geral, enfatiza as assimetrias existentes nas relações sociais de produção, distribuição e consumo dos países-centro e periféricos. A abordagem estruturalista tem origem no pensamento latino-americano da CEPAL e constitui uma alternativa para a teoria ortodoxa da modernização, quando: i) propõe uma teorização específica para os países subdesenvolvidos; ii) rejeita a teoria das vantagens comparativas do comércio internacional; iii) introduz a unidade de análise sistema-mundo em substituição à unidade de análise estado-nação. São representantes dessa abordagem: Raúl Prebisch, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Thoetônio dos Santos, Vania Bambirra, entre outros. A América Latina em geral, e o Brasil em particular, foram fortemente influenciados por esse pensamento. No Brasil, após a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952, e da Comissão Mista CEPAL-BNDE, a administração de dois governos – Getúlio Vargas (1950-1954) e Juscelino Kubitschek (JK) (1956-1960) – se destacou no comando de um projeto nacional-desenvolvimentista, que, posteriormente, recebeu suporte teórico do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), uma espécie de benchmarking da CEPAL em solo brasileiro, criado em 1955 e extinto em 1964 pela ditadura militar (BRESSER-PEREIRA, 2004BRESSER-PEREIRA, L. C. O conceito de desenvolvimento do ISEB rediscutido. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, n. 1, p. 49-84, 2004.; WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.).

Dessa forma, nas décadas de 1980 e 1990, um número crescente de críticos culturais, em muitas partes do mundo, questionou o conceito de desenvolvimento até então utilizado pelas ciências sociais, de modo que possibilitou o surgimento do pensamento pós-estruturalista na gestão. Essa abordagem compreende a gestão do desenvolvimento como instrumento de dominação das sociedades ocidentais do Primeiro Mundo em relação aos países do Terceiro Mundo. É visto como um regime de representação, uma “invenção” que resulta da história do pós-guerra e, desde seu início, modelou inelutavelmente toda a concepção da realidade e ação social dos países que, a partir de então, ficaram conhecidos como subdesenvolvidos. Em razão disso, os pós-estruturalistas consideram o desenvolvimento como um fenômeno de poder historicamente criado, construído sob circunstâncias bem definidas e comandadas por autores bem determinados, como: BM, FMI, ONU, OMC, agências de fomento, universidades, entre outros (DUSSEL, 1993DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro – a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.; MISOCZKY; BÖHM, 2013MISOCZKY, M. C.; BÖHM, S. Resistindo ao desenvolvimento neocolonial: a luta do povo de Andalgalá contra projetos megamineiros. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 311-339, 2013.; WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Os estudos apresentados por Gilbert Rist, Wolfgang Sachs, Serge Latouche, Gustavo Esteva, Boaventura de Sousa Santos, Guerreiro Ramos, Omar Aktouf, Arturo Escobar, entre outros, ilustraram essa abordagem.

A Administração do Desenvolvimento, que ressurge, aponta para outro modelo de gestão, o da governança. Nele, o poder não é exercido apenas por um agente, mas por um coletivo que pode atuar em grau maior ou menor de assimetria e tem uma carga potencial de conflitos de interesses entre atores (Sociedade, Estado e Mercado) envolvidos e entre escala de poder (global, regional e local). Tal modelo fundamenta-se nos substratos antropológico e ecológico, ou seja, homem/natureza, e considera a gestão e o desenvolvimento como fenômenos da, para e com a sociedade, diferentemente da Administração do Desenvolvimento do pós-guerra, cuja gestão é fundamentada na racionalidade instrumental (diagnóstico-prescrição-solução), no poder do tipo top-down (de cima para baixo) e na visão eurocêntrica e economicista de entender o mundo (MARTINS, 2004MARTINS, H. F. Administração para o desenvolvimento: a relevância em busca da disciplina. Revista Governança & Desenvolvimento, n. 1, abr. 2004.; RAMOS, 2009RAMOS, A. G. A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo de possibilidade. In: HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: Editora UnB, 2009.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.).

Aspectos metodológicos do estudo

No intuito de promover uma reflexão a respeito do que pensa, entende e espera a comunidade científica da Associação dos Programas de Pós-graduação em Administração (ANPAD) sobre o campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento, realizamos, em setembro de 2011, uma pesquisa exploratória com os participantes do XXXV EnANPAD, de modo a examinar como essa disciplina vem se manifestando no campo da administração. Esse tipo de investigação é recomendado para descobrir ideias, percepções, gerar hipóteses mais precisas, com vistas a estudos mais aprofundados (GIL, 1994GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1994.). Nessa edição, o evento contou com 1.141 inscrições de participantes, com a submissão de 3.159 trabalhos e, entre esses, foram selecionados 861 para apresentação nas 11 divisões acadêmicas.

A fim de conceder aos participantes do evento a chance de serem incluídos na amostra, aplicamos a técnica de amostragem probabilística. Para tanto, foi utilizada a fórmula de cálculo de amostragem de população finita, expressa em:

Onde:

n = tamanho da amostra;

s2 = nível de confiança escolhido, expresso em número de desvios-padrão, nesse caso de 1,96;

p = porcentagem com a qual se verifica o fenômeno, nesse caso de 7%;

q = porcentagem complementar (100 – p);

N = número da população finita, nesse caso de 1.141;

e = erro máximo permitido, nesse caso de 5%.

Após a obtenção do número mínimo necessário para validar a amostra, nesse caso 81 participantes, distribuímos, aleatoriamente, no início das sessões de apresentação dos trabalhos das 11 divisões acadêmicas da ANPAD, 300 questionários constituídos de 12 questões de natureza aberta, semiaberta e fechada e solicitamos que, após o preenchimento, fossem entregues à recepção geral do evento. Do total de 300 questionários distribuídos, 110 foram devolvidos à recepção geral do evento, entretanto, apenas 85 estavam preenchidos de forma adequada, e somente 81 foram validados. Dessa maneira, atingimos o número mínimo necessário para extrair as estatísticas descritivas e desenvolver as interpretações dos resultados. Portanto, refere-se a um estudo exploratório de natureza empírica, uma vez que teve por finalidade descobrir ideias, percepções, gerar hipóteses mais precisas sobre o que pensa, entende e espera a comunidade científica da ANPAD em relação ao campo da Administração do Desenvolvimento.

Assim, a amostra foi contemplada por representantes das cinco regiões administrativas do Brasil (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul). Porém, as maiores incidências estão na Região Nordeste, 43%, e na Região Sudeste, 33,8%, conforme o retorno de questionários preenchidos; em seguida vem a Região Sul, 13%, e Centro-Oeste e Norte, com 3,8%. Desse modo, imaginamos que tal distribuição representa o perfil da população, haja vista que o Nordeste é a região com maior número de estados federativos (nove) do país, portanto, concentra um número expressivo de programas de pós-graduação, e o Sudeste é o grande centro de produção científica da área, logo, tem a maior probabilidade de trabalhos aprovados para apresentação e, consequentemente, o maior número de participantes. A Tabela 1 traça o panorama da distribuição dos entrevistados por região federativa.

Tabela 1
Distribuição dos entrevistados por região.

Com o propósito de descrever o perfil da população investigada, mapeamos a formação, a titulação e o tempo de atuação na área. Assim, verificamos que se trata de uma população amostral predominantemente constituída de administradores, uma vez que 77,9% dos selecionados possuem a graduação acadêmica específica na área da administração; 81,3% são portadores de títulos acadêmicos stricto sensu (mestrado, doutorado e pós-doutorado), também na área de administração, em que praticamente todos os selecionados, 100%, atuam como docentes, investigadores e/ ou consultores no campo da administração, especificamente nas áreas de administração geral (40%), administração empresarial (38%), administração pública (14%) e administração social (7%). Esses dados confirmam a hegemonia que a área da administração empresarial exerce dentro do campo, se comparada às áreas pública e social, bem como a predominância do pensamento funcionalista, uma vez que parte dos atuantes na área de administração geral (economistas, engenheiros, psicólogos e sociólogos), de certa forma, também está a serviço da administração empresarial e do pensamento funcionalista quando desenvolve suas pesquisas e consultorias, conforme apontam os estudos de Burrel e Morgan (1979)BURREL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. London and Exeter: Heinemann, 1979..

Além disso, destaca-se, também, que por ser a administração empresarial uma área com mais de cem anos de conhecimento formal, portanto com forte aparato técnico-metodológico, pode-se compreender a sua hegemonia em relação às demais, principalmente quando comparada com a administração social, um campo recentemente surgido, logo, que ainda apresenta pouca inserção na área (FRANÇA FILHO, 2003FRANÇA FILHO, G. C. Gestão social: um conceito em construção. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 9.; COLÓQUIO INTERNACIONAL EL ANÁLISIS DE LAS ORGANIZACIONES Y LA GESTIÓN ESTRATÉGICA: PERSPECTIVAS LATINAS, 2., Salvador: 16 a 18 jun. 2003.). Verificou-se também que o tempo médio de atuação na área da população pesquisada é de 15 anos. Isso significa que, para os padrões brasileiros, um pesquisador com esse tempo de serviço encontra-se em plena produtividade científica, uma vez que o tempo máximo permitido pela legislação para exercer a função de docente-pesquisador é de 35 anos.

Administração do Desenvolvimento na perspectiva dos participantes do XXXV EnANPAD

Uma vez descrito o perfil da população amostral, apresentaremos agora os resultados da investigação de como pensam, entendem e o que esperam os participantes do XXXV EnANPAD sobre o campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento. Para tanto, iniciamos a investigação perguntando à população estudada se existe ou não alguma contribuição da ciência administrativa para as questões relacionadas ao desenvolvimento. E se essa população considera necessária a existência de um campo de conhecimento dentro da ciência administrativa para estudar as questões relacionadas ao desenvolvimento. Para esses questionamentos, disponibilizamos uma escala de Likert com uma série de cinco possibilidades de respostas psicométricas, no intuito de medir o nível de concordância da população pesquisada em relação aos fenômenos apresentados.

No geral, eles entendem que existe, sim, uma contribuição da administração para as questões relacionadas com o desenvolvimento, uma vez que o somatório das alternativas “contribui muito” (27,5%) e “contribui” (53,8%) foi de aproximadamente 81,3%. Eles compreendem também que é necessária a existência de um campo de conhecimento na ciência administrativa que possa observar, descrever e explicar os fenômenos sociais relacionados ao desenvolvimento, considerando que o percentual acumulado das alternativas “totalmente necessário” e “necessário” foi de 71,3%. Porém, ao indagarmos se essa comunidade científica teve acesso, durante o seu processo de formação acadêmica, a algum componente curricular cujo enfoque fosse a gestão do desenvolvimento, verificamos que se trata de um grupo com pouca formação teórica no campo dos estudos sobre desenvolvimento, haja vista que apenas 41% da população investigada teve acesso a algum componente curricular. Dos que tiveram acesso, somente 80% foram capazes de citar qual componente curricular cursou durante a sua formação acadêmica. Entre os mais citados estão: Economia do Desenvolvimento, Desenvolvimento Econômico, Economia Regional, Sociologia do Desenvolvimento e Gestão da Competitividade e Inovação. Diante disso, que interpretação pode ser dada a esses resultados? De alguma forma, os resultados dessa investigação nos revelam que estamos diante de uma comunidade científica que acredita no contributo da ciência da administração para as questões relacionadas ao desenvolvimento da humanidade, mesmo que essa ainda não seja a sua finalidade maior, considerando a pouca atenção dada a esse fenômeno social nos componentes curriculares dos cursos de graduação em Administração.

Assim, na tentativa de conseguir alguma pista epistemológica, metodológica e/ou praxiológica capaz de fundamentar a Administração do Desenvolvimento, avançamos no processo investigativo de modo que fosse possível extrair dos participantes da pesquisa suas expectativas em relação ao desenvolvimento dessa disciplina. Para tanto, perguntamos, de forma espontânea, qual seria o elemento que melhor representaria o objeto de estudo da Administração do Desenvolvimento. Como resposta a esse questionamento, obtivemos um rol de possíveis objetos de estudo da Administração do Desenvolvimento, mas, utilizando-se da técnica de agrupamento de respostas, chegamos a quatro possíveis objetos de estudo: gestão, organização, estrutura e indivíduos. Deve-se ressaltar que, entre os respondentes, alguns citaram mais de um objeto de estudo para o campo da Administração do Desenvolvimento. Em razão disso, a base de cálculo para essa questão foi o número de citação por objeto de estudo e não o número de respondentes. Dessa maneira, obtivemos as seguintes sistematizações:

Gráfico 1
Objeto de estudo da Administração do Desenvolvimento.
Tabela 2
Objeto de estudo da Administração do Desenvolvimento.

Como é possível observar, a população estudada ainda não tem uma definição clara sobre qual é o objeto de estudo da administração, uma vez que, embora a gestão tenha sido a mais citada, com 45%, outros fenômenos sociais também foram referendados, como a organização, com 24%; a estrutura, com 12,5%; e o indivíduo, com 10,6%. Essa indefinição epistemológica, a nosso ver, acaba limitando o desenvolvimento do campo da administração, pois, quando não há clareza quanto ao objeto e à finalidade do campo, o mesmo tende a perder a direção dos seus propósitos. Diante disso, faz-se necessário um aprofundamento epistemológico sobre o que deve e/ou pode ser o objeto científico da administração.

Esse resultado corrobora as teses de Cooke (2004)COOKE, B. O gerenciamento do (Terceiro) Mundo. Revista de Administração de Empresas – RAE, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, jul./set. 2004. e Santos (2004)SANTOS, R. S. A administração política como campo do conhecimento. São Paulo; Salvador: Mandacaru; Hucitec, 2004., quando defendem que o fenômeno da gestão não pode ficar sem amparo de um campo científico para observar, descrever e explicar as contradições sociais e que, em função disso, cabe à administração tê-la como objeto científico. Essa interpretação contraria o pensamento dos estudos organizacionais que defendem a organização como objeto da administração. Além disso, ajuda a esclarecer o nosso argumento de que a Administração do Desenvolvimento seja o campo da ciência administrativa que observa, analisa, explica e orienta as relações sociais de produção, distribuição e consumo, quer sejam em países, regiões, lugares ou organizações, de modo a garantir o bem-estar da sociedade. Contudo, é importante refletir sobre o modelo de gestão ao qual se referem esses integrantes da comunidade científica da ANPAD para compreendermos de que desenvolvimento eles estão falando, uma vez que o conceito de gestão para o pensamento crítico da administração é diferente do conceito de gestão do pensamento ortodoxo da administração. Enquanto o primeiro vislumbra um conceito de gestão transformadora e emancipatória, o segundo pensamento entende a gestão como um mecanismo de controle e poder.

Nesse sentido, a fim de avançarmos nessa discussão, perguntamos à população amostral, na perspectiva de Burrel e MorganBURREL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. London and Exeter: Heinemann, 1979. 2 2 O modelo de classificação de paradigmas sociológicos elaborado por Gibson Burrel e Gareth Morgan (1979), apesar de suas limitações e críticas pertinentes a qualquer modelagem, proporcionou uma visão de como o Campo dos Estudos Organizacionais estava configurado até aquele momento. O modelo permite, em partes, classificar teorias em quatro amplas visões de mundo, representas por diferentes pressuposições metateóricas – funcionalista, interpretativista, humanista radical e estruturalista radical. Para isso, concebe a ciência como subjetiva ou objetiva e a sociedade em sistemas de mudança radical ou regulada. O modelo é representado por um quadrante com quatro possibilidades paradigmáticas ou escolas de pensamento. (1979)BURREL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. London and Exeter: Heinemann, 1979., em qual paradigma sociológico deve ser fundamentado o campo da Administração do Desenvolvimento, se no paradigma funcionalista, no interpretativista, no estruturalista, no humanista ou em outros. Perguntamos, também, qual deveria ser o nível de formulação teórica no campo da Administração do Desenvolvimento, se no nível macro, englobando todas as dimensões da sociedade; se no nível meso, englobando apenas uma dimensão da vida social; ou se no nível micro, englobando apenas alguns elementos da vida social. Para tanto, foram dadas opções de respostas com mais de uma alternativa para cada questão, caso fosse necessário. Como resposta a esses questionamentos, detectamos certa pluralidade de pensamento da comunidade científica da ANPAD no que se refere às abordagens paradigmáticas da sociologia do conhecimento, uma vez que houve uma homogeneização nas repostas, porém, com certa predileção para o paradigma estruturalista. Entretanto, detectamos que o nível mais adequado para formular teorias no campo da Administração do Desenvolvimento perpassa pelo nível macro, talvez porque os problemas relacionados à gestão do desenvolvimento envolvam várias dimensões da vida social (econômica, política, ambiental, cultural, etc.), portanto, não se restringem apenas aos problemas do mundo corporativo (ESCOBAR, 2005bESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y prática social. In: MATO, D. Políticas de economia, ambiente y sociedad em tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2005b. p. 17-31.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.; WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Para uma melhor visualização desses dados, apresentamos nos Gráficos 2 e 3 e nas Tabelas 3 e 4 a sistematização das respostas dadas aos questionamentos dirigidos.

Gráfico 2
Paradigmas científicos da Administração do Desenvolvimento.
Gráfico 3
Nível de formulação teórica da Administração do Desenvolvimento.
Tabela 3
Paradigmas científicos da Administração do Desenvolvimento.
Tabela 4
Nível de formulação teórica da Administração do Desenvolvimento.

Portanto, os resultados anteriores nos revelam que, para esses integrantes da comunidade científica da ANPAD, a Administração do Desenvolvimento deve ser constituída por uma série de posições epistemológicas e ontológicas que transitem entre o universo da ciência moderna e pós-moderna, já que, além dessas abordagens epistemológicas (funcionalismo, interpretativismo, estruturalismo e humanismo), também foram citadas outras possibilidades paradigmáticas, como: teoria crítica, fenomenologia, multiculturalismo, histórico-estrutural, pós-estruturalismo e pós-colonialismo. Isso, de certa forma, demonstra um amadurecimento do campo da administração, uma vez que transcende o domínio dos estudos ortodoxos e extrapola os limites do modelo de Burrel e Morgan (1979)BURREL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. London and Exeter: Heinemann, 1979.. Hoje, essas novas abordagens vêm ganhando espaço nos estudos sobre desenvolvimento, principalmente entre os pensadores do pós-desenvolvimento (RIST, 2001RIST, G. Le developement: une històire de croyance ocidentale. Paris: Presses de Science. 2001.; ESCOBAR, 2005bESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y prática social. In: MATO, D. Políticas de economia, ambiente y sociedad em tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2005b. p. 17-31.; 2008ESCOBAR, A. Afterword. In: DAR, S.; COOKE, B. The development management. London; New York: Zed Books, 2008. p.198-203.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.).

Assim, os resultados revelam, também, que o estudo sobre a gestão do desenvolvimento não pode ser abordado de forma unidimensional, ou seja, apenas na perspectiva econômica de uma microgestão, haja vista que o fenômeno desenvolvimento traz consigo questões geopolíticas, socioculturais, socioambientais, socioestruturais, portanto, de alta complexidade. Por isso, o estudo da gestão do desenvolvimento necessita de um campo de conhecimento que seja capaz de estabelecer relações de grandeza entre os diversos níveis (micro, meso e macro), relações analíticas entre diversas categorias (indivíduo, coletividade, estrutura) e relações sociais entre diversos agentes (Mercado, Estado, Sociedade) (MISOCZKY; BÖHM, 2013MISOCZKY, M. C.; BÖHM, S. Resistindo ao desenvolvimento neocolonial: a luta do povo de Andalgalá contra projetos megamineiros. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 311-339, 2013.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.; WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Isso ficou evidente quando perguntamos ao grupo amostral a quem cabe coordenar o processo do desenvolvimento: cabe ao Estado, ao Mercado, à Sociedade ou a todos esses agentes administrativos? Para os integrantes da pesquisa, a gestão do desenvolvimento requer um envolvimento de todos os agentes administrativos, pois estamos falando de um fenômeno social que diz respeito a todos os cidadãos de uma dada sociedade, portanto, não pode ficar apenas sob a liderança de um agente social.

Gráfico 4
Coordenação da gestão do desenvolvimento.

Esse entendimento, provavelmente, tem a ver com os resultados das experiências de dois modelos antagônicos de desenvolvimento, até pouco tempo vigentes: os modelos de desenvolvimento socialista e neoliberal. O primeiro consagrou o Estado como o único agente de desenvolvimento. O segundo fez do Mercado o senhor absoluto das relações sociais de produção e distribuição. A lição que tiramos dessas visões antagônicas é que não existe sociedade capitalista sem que haja a participação do Estado, tampouco sociedade socialista sem a atuação do Mercado, pois no mundo real nem sempre os tipos ideais funcionam como imaginam funcionar (MISOCZKY; BÖHM, 2013MISOCZKY, M. C.; BÖHM, S. Resistindo ao desenvolvimento neocolonial: a luta do povo de Andalgalá contra projetos megamineiros. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 311-339, 2013.; WANDERLEY, 2015WANDERLEY, S. Estudos Organizacionais, (des)colonialidade e estudo da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, v. 13, n. 2, p. 237255, 2015.). Talvez isso explique o fato de 77,8% dos participantes da pesquisa terem se posicionado a favor de um modelo de gestão do desenvolvimento no qual haja participação efetiva dos três agentes sociais.

Na tentativa de compor um programa de pesquisa para o campo disciplinar da Administração do Desenvolvimento, solicitamos aos participantes a indicação de, no mínimo, cinco temas capazes de constituir uma agenda de investigação. Para tanto, citaram-se 278 temas possíveis de investigação nesse campo. Para efeito de sistematização, agrupamos os temas em sete linhas de pesquisa, conforme afinidade e aproximação entre eles. Assim, obtivemos a seguinte configuração da agenda de pesquisa no campo da Administração do Desenvolvimento:

Tabela 5
Agenda de pesquisa para a Administração do Desenvolvimento.

A proposta da agenda de pesquisa para o campo da Administração do Desenvolvimento, sugerida pela comunidade científica da ANPAD, nos revela que existe um universo temático a ser explorado pela ciência da administração. Entretanto, pelos temas indicados, é necessária uma ciência que seja capaz de observar, descrever e explicar as diversas relações sociais porventura existentes entre Estado, Mercado e Sociedade, bem como entre indivíduos, organizações e sociedade, considerando que os temas transcendem a fronteira do pensamento ortodoxo da administração, que, na maioria das vezes, pouco explica os fenômenos sociais decorrentes do desenvolvimento. Deve-se ressaltar, também, que o pensamento ortodoxo é fundamentado na escola neoclássica da economia, na escola comportamentalista da psicologia e nas técnicas de engenharia de produção; portanto, constitui o funcionalismo do campo da administração. Porém, a agenda sugerida vai além do universo corporativo, pois incorpora temas inerentes ao universo estatal e ao universo social, que, na maioria das vezes, não tem respaldo teórico dentro dos estudos ortodoxos ou até mesmo nos estudos organizacionais.

No horizonte dos estudos ortodoxos e da administração empresarial, os temas mais citados foram: competitividade, organização industrial, empreendedorismo, internacionalização de empresas, regulação e controle de mercado, relações comerciais, inovação tecnológica, planejamento estratégico, entre outros. Ainda na perspectiva dos estudos ortodoxos, em relação à administração pública e social, os temas predominantes foram: políticas macroeconômicas, políticas públicas de desenvolvimento, governança, gestão de cidades, estrutura e funcionamento do Estado, planejamento estatal e governamental, finanças públicas, cooperações internacionais, empreendedorismo social, redes sociais, parcerias público-privadas e responsabilidade governamental. Na perspectiva dos estudos organizacionais, os temas que predominaram foram: cultura e mudança organizacional, desenvolvimento e comportamento humano, dinâmica organizacional, ambiente organizacional, estrutura organizacional, processo decisório, gestão de pessoas e relações de trabalho. Porém, deve-se ressaltar que os temas vinculados aos estudos organizacionais, pelas suas naturezas, são temas que contemplam tanto o universo da administração empresarial quanto o universo da administração pública e social, uma vez que buscam adaptar indivíduos em organizações e estas em ambientes estabelecidos. Já os temas mais citados na perspectiva dos estudos críticos em administração foram: relação de poder, demanda e controle social, desigualdade social, bem-estar social, mobilização, organização e transferência social, participação, democracia e inclusão social, gestão de bens comuns e relações territoriais (global, regional e local). Verifica-se, então, que muitos dos temas vinculados aos estudos críticos não são explicados pelas teorias do pensamento ortodoxo da administração e nem pelos estudos organizacionais. Eles necessitam de um arcabouço teórico que escape das amarras da ciência moderna tradicional e caminhe em direção ao pensamento pós-analítico, ou seja, pós-moderno, pós-estruturalista, pós-desenvolvimento (DAVEL; ALCADIPANI, 2003DAVEL, E.; ALCADIPANI, R. Estudos críticos em administração: a produção científica brasileira nos anos 1990. Revista de Administração de Empresas – RAE, v. 43, n. 4, p. 72-85, out./dez. 2003.; COOKE, 2008COOKE, B.; DAR, S. The new development management. In: DAR, S.; COOKE, B. The development management. London; New York: Zed Books, 2008. p. 1-17.; ESCOBAR, 2005aESCOBAR, A. Economics and the space of modernity: tales of market, production and labour. Cultural Studies, v. 19, n. 2, p. 130-175, mar. 2005a. Disponível em: <http://aescobar.web.unc.edu/files/2013/09/escobar.2005c.CulturalStudies.19-2.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2016.
http://aescobar.web.unc.edu/files/2013/0...
; 2005bESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y prática social. In: MATO, D. Políticas de economia, ambiente y sociedad em tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2005b. p. 17-31.; GULRAJANI, 2010GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.; JUSTEN; MORETTO NETO, 2013JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L. Gestões do desenvolvimento e desenvolvimentos da gestão: da unilateralidade reificada à dialogicidade da simbiose homem/natureza. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 295-310, 2013.).

A sistematização dos temas em linhas de pesquisa nos revelam que o estudo no campo da Administração do Desenvolvimento deve concentrar esforços, em primeiro lugar, nas questões pertinentes ao Estado, Governo e Desenvolvimento (25,5%), por entender que o desenvolvimento de uma dada sociedade depende de uma gestão que conceba, implemente e avalie políticas públicas (macroeconômicas, sociais, urbanas, ambientais) capazes de proporcionar o bem-estar dos seus cidadãos.

Em segundo lugar, deve concentrar esforços para resolver ou minimizar os problemas decorrentes das relações entre Gestão, Sociedade e Desenvolvimento (20,9%), considerando que nessa esfera encontram-se as demandas, as desigualdades, os conflitos sociais, além dos elementos condutores da ação social, como: mobilização, participação, democracia, transparência e redes sociais.

Em terceiro lugar, a comunidade da ANPAD entende que o estudo da Administração do Desenvolvimento deve concentrar esforços em duas frentes de investigação: Indivíduos, Organizações e Desenvolvimento (17,6%), bem como, Território, Inovação e Desenvolvimento (17,3%), considerando que, uma vez concebido o modelo de gestão das relações sociais de produção, distribuição e consumo de uma dada sociedade, torna-se necessário observar, descrever e explicar o papel dos indivíduos e organizações sociais nesse modelo de gestão, bem como a relação desses com seus territórios de identidade (global, regional e local).

A quarta linha de investigação pauta-se nas discussões que surgem das relações entre Empresa, Mercado e Desenvolvimento (7,6%). Nela, encontram-se as questões de ordem mais funcionalista do pensamento ortodoxo. A quinta linha de investigação, sugerida pela comunidade da ANPAD, incorpora as questões relacionadas com a Gestão, Meio Ambiente e Sustentabilidade (6,8%). Por fim, é sugerida a linha de investigação Epistemologia e Metodologia da Administração Política (4,3%), com a finalidade de desenvolver um corpo teórico e metodológico próprio para o campo em estudo. De modo geral, os temas e as linhas de pesquisa sugeridos pela comunidade científica da ANPAD estão em sintonia com outros campos de conhecimento que também têm como objeto de análise o desenvolvimento, especificamente os campos da Economia, da Sociologia e da Antropologia do Desenvolvimento.

Na tentativa de identificar teóricos e obras com potencial de contribuição para a fundamentação da Administração do Desenvolvimento, perguntamos aos participantes da pesquisa se eles seriam capazes de citar três obras e três autores das ciências sociais do século XX que tivessem alguma aproximação com a disciplina, bem como três obras e três autores da literatura específica da administração que pudessem fundamentar os estudos da Administração do Desenvolvimento. No que se refere aos teóricos das ciências sociais, apenas 52% se colocaram como capazes de citar três autores que pudessem atender a essa finalidade. Porém, ao citá-los, muitos se restringiram ao máximo de dois autores; diante disso, foram lembrados, em ordem de citação: Amartya Sen (29,70%), Celso Furtado (16,20%), Milton Santos (13,50%), Reginaldo Santos (13,10%), Joseph Schumpeter (10,80%), Guerreiro Ramos (8,10%), Peter Drucker (5,40%) e Arturo Escobar (3,10%). Quanto às obras das ciências sociais do século XX capazes de fundamentar o campo da Administração do Desenvolvimento, as citadas foram (Tabela 6):

Tabela 6
Obras das ciências sociais com possibilidade de contribuição para a Administração do Desenvolvimento.

Nesse sentido, pelo conjunto das obras citadas, é possível perceber que são, em sua maioria, obras clássicas do campo da economia do desenvolvimento, algumas do campo da geografia econômica (A natureza do espaço e Por uma outra globalização) e da ciência política (Comunidade e democracia). Assim, podemos entender que, na percepção dos participantes, embora sejam obras consagradas em outros campos de conhecimento, seus conteúdos e reflexões estabelecem, de alguma forma, um diálogo com a ciência da administração; portanto, são capazes de fundamentar o campo da Administração do Desenvolvimento. No que concerne à predominância das obras no campo da economia do desenvolvimento, provavelmente tem a ver com a tradição que a ciência econômica já possui nos estudos de desenvolvimento, assim como da relação existente entre estudos econômicos e estudos administrativos, conforme sinaliza a revisão de literatura apresentada neste trabalho.

Já no que se refere aos teóricos e obras específicas da administração, verificamos também que 58,8% se mostraram capazes de citar algum autor e/ou obra, em que conteúdo e reflexão se relacionam com a fundamentação do campo da Administração do Desenvolvimento. Entretanto, assim como ocorreu com os teóricos e as obras das ciências sociais do século XX, os participantes, na maioria, restringiram sua capacidade de citação em apenas dois autores e/ou obras, mesmo assim incluindo nomes de autores vinculados a outros campos de conhecimento, que não são necessariamente exclusivos do campo da administração. Vejamos:

Tabela 7
Teóricos reconhecidos como especialistas em Administração do Desenvolvimento.
Tabela 8
Obras reconhecidas como específicas da Administração do Desenvolvimento.

Enfim, verifica-se que a fundamentação da Administração do Desenvolvimento, na perspectiva da comunidade científica da ANPAD, é perpassada pela contribuição de teóricos pertencentes a tempos e correntes de pensamento diferentes, uma vez que o referencial sugerido inclui pensadores que se aproximam das três abordagens teóricas (modernizante, estruturalista e pós-estruturalista) que dominam o campo das ciências sociais, no que se refere à gestão do desenvolvimento, conforme relataram Escobar (2005b)ESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y prática social. In: MATO, D. Políticas de economia, ambiente y sociedad em tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2005b. p. 17-31. e Gulrajani (2010)GULRAJANI, N. New vistas for development management: examining radical – reformist possibilities and potential. Public Administration and Development, n. 30, p. 136-148, 2010.. Em uma perspectiva mais modernizante e funcionalista, vale destacar os trabalhos de Joseph Schumpeter, François Perroux, Michael Porter, Peter Drucker, Sergio Boisier, Robert Putman e Oliver Willianson. Em proximidade com o estruturalismo, apontamos os trabalhos de Celso Furtado, Albert Hirschman, Fred Riggs, Guerreiro Ramos, Amartya Sen, Carlos Brandão e Reginaldo Santos. Em uma perspectiva do pós-desenvolvimento e do pensamento crítico, apontamos o próprio Arturo Escobar, Omar Aktuof e Bill Cooke. Por essa classificação, é possível perceber uma diversificação das abordagens teóricas, o que nos leva a imaginar que é possível compreender a Administração do Desenvolvimento para além do pensamento tecnicista, originalmente assim concebida. Em nosso entendimento, a Administração do Desenvolvimento nunca deixou de existir como disciplina, visto que sempre foi conduzida por outros campos de conhecimento. Em função disso, trata-se de um saber disperso e fragmentado que sobrevive em campos de conhecimento, cujo objeto de análise é o desenvolvimento. Daí a necessidade de um olhar epistemológico, por parte da comunidade científica da administração, para a temática da gestão do desenvolvimento.

Considerações finais

Neste trabalho, foi constatado que a comunidade científica da ANPAD considera necessária a existência de um campo de conhecimento na ciência administrativa para observar, descrever e explicar os fenômenos sociais relacionados ao desenvolvimento, especificamente os fenômenos pertinentes à gestão do desenvolvimento. Para tanto, compreendemos que a Administração do Desenvolvimento deve constituir-se em um campo de conhecimento multidimensional, multiparadigmático e interdisciplinar, visto que o estudo da gestão do desenvolvimento requer análises das diferentes dimensões da vida social (econômica, política, sociológica, técnico-científica, socioambiental, etc.), dos diferentes paradigmas científicos (funcionalismo, estruturalismo, pós-estruturalismo) e das diferentes visões disciplinares (geográfica, econômica, sociológica, antropológica).

O estudo revelou também que parte do conhecimento produzido dentro da tradição dos estudos sobre desenvolvimento é visto como pertencente ao campo da Administração do Desenvolvimento, principalmente o conhecimento elaborado pela economia do desenvolvimento, uma vez que alguns autores e obras citadas estão vinculados a esse campo. Diante disso, deparamo-nos com dois importantes pressupostos, corroborados pela pesquisa, que requerem maior atenção por parte da ciência da administração, sintetizados em:

  • P1: parte do conhecimento elaborado nas ciências sociais, quando se refere à gestão das relações sociais de produção, distribuição e consumo, pertence ao campo esquecido pela ciência da administração, o campo da Administração do Desenvolvimento;

  • P2: Administração do Desenvolvimento é um subcampo da ciência administrativa que observa, descreve, analisa, explica e prescreve as relações sociais de produção, distribuição e consumo, quer sejam em países, regiões, lugares ou organizações, com vistas a garantir o bem-estar social.

Por isso, torna-se ainda mais necessário analisar o conteúdo dessas obras e verificar quais as contribuições que elas fornecem, efetivamente, ao campo disciplinar. Por essa razão, a ciência da administração tem pela frente um longo caminho a percorrer, considerando que os desafios epistemológicos, metodológicos e praxiológicos, evidenciados pela comunidade científica da ANPAD, são bastante complexos; portanto, não podem ficar sem amparo dessa ciência.

Dessa forma, para que a Administração do Desenvolvimento seja reconhecida como campo disciplinar, é necessário que tenha meios que possibilitem o fornecimento de respostas aos problemas de natureza investigativa. São vastos os problemas sociais que precisam de um olhar sistematizado na esfera da gestão do desenvolvimento; apenas para citar, deparamo-nos com problemas de gerenciamento na educação, saúde, segurança, transporte, alimentação, habitação, infraestrutura, entre outros. Embora esses problemas se apresentem como fenômenos reais de investigação e existam obviamente, os estudos no campo da Administração do Desenvolvimento não podem se limitar ao enfoque positivista da construção do conhecimento. É preciso compreender que esses fenômenos são resultado de um processo social, com base em elementos subjetivos, tais como ideologias, poder, valor, crenças, normas morais e sentimentos; logo, uma construção fundamentada nos seres humanos, atores da produção e reprodução da vida social.

Finalmente, do ponto de vista praxiológico, a Administração do Desenvolvimento deve ocorrer em um sistema de relações sociais que priorize uma negociação entre o que, porque, para quem e como, pois se trata de um fenômeno social que requer a participação direta de todos os agentes administrativos (Estado, Mercado e Sociedade) e não apenas de uma estrutura tecnocrática, que, por vezes, atua como porta-voz de organismos internacionais. A Administração do Desenvolvimento que renasce fundamenta-se em um conceito de desenvolvimento aberto, autônomo e deliberativo, em que a participação social deve ser valorizada em todas as etapas do processo de gestão (concepção, elaboração, implementação e avaliação). Esperamos, diante do exposto, que possamos receber as críticas e as contribuições da comunidade científica a respeito das questões aqui salientadas com a finalidade de consolidar essa “necessária” disciplina.

  • 1
    Corrente teórica em que a sociedade é comparada a um ser vivo e dinâmico, que busca sua própria evolução ou, consequentemente, seu desenvolvimento. De acordo com esse pensamento, existiriam características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa fosse superior à outra e que as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as mais aptas.
  • 2
    O modelo de classificação de paradigmas sociológicos elaborado por Gibson Burrel e Gareth Morgan (1979), apesar de suas limitações e críticas pertinentes a qualquer modelagem, proporcionou uma visão de como o Campo dos Estudos Organizacionais estava configurado até aquele momento. O modelo permite, em partes, classificar teorias em quatro amplas visões de mundo, representas por diferentes pressuposições metateóricas – funcionalista, interpretativista, humanista radical e estruturalista radical. Para isso, concebe a ciência como subjetiva ou objetiva e a sociedade em sistemas de mudança radical ou regulada. O modelo é representado por um quadrante com quatro possibilidades paradigmáticas ou escolas de pensamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2014
  • Aceito
    09 Jun 2015
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