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Administração de clubes de futebol profissional: proposta de um modelo específico de governança para o setor

Management of professional football (soccer) clubs: proposal of a specific governance model for the sector

Resumo

Os clubes de futebol nacionais, de modo geral, enfrentam problemas de gestão e financeiros. As boas práticas de governança podem ser uma resposta para esses problemas, ao colaborar com sua reconstrução administrativa e financeira. Entretanto, adaptações se fazem necessárias nesse processo, em virtude das especificidades do setor. O presente trabalho propôs um modelo específico de boas práticas de governança, adequado às características organizacionais e ao contexto ambiental dos clubes de futebol profissional. Foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo, exploratório, aplicado e interdisciplinar. O levantamento bibliográfico serviu de base para a construção do modelo de governança proposto, por meio do método comparativo. Após, ocorreu a submissão do modelo a especialistas. Os dados coletados nesse processo foram objeto de uma análise de conteúdo, quando foram realizados ajustes. O modelo elaborado sugere que, por meio da adaptação de práticas tradicionais de governança, um modelo específico para o setor é viável, tendendo a possuir algumas dimensões e práticas comuns às dos principais códigos de governança. Os resultados sugerem a adequabilidade e a aplicabilidade do modelo, de forma que esse possa servir como subsídio para um eventual marco normativo regulatório que compreenda aspectos relacionados à governança dos clubes de futebol profissional.

Palavras-chave
Governança; Clubes de futebol; Gestão esportiva

Abstract

In general, Brazilian soccer clubs face financial and management problems. Good governance practices can be an answer to these problems since they aid in their administrative and financial restructuring. On the other hand, some adaptations may be necessary in this process, due to the specificities of this business. The present study elaborated a specific model of good governance practices which is adequate to the organizational characteristics and to the environmental context of the professional soccer clubs. A qualitative, exploratory, applied and interdisciplinary research was carried out. A bibliographic research was carried out and the data collected in this research were used as basis for the construction of the proposed governance model, using the comparative method. Then, the proposed model was sent to experts, based on a semi-structured interview script. The data collected in this process were analyzed according to the content analysis method and adjustments were made to the model. The model created suggests that, through adaptations made in traditional governance practices, a specific model for this particular business is feasible, tending to have some dimensions and practices common to the main governance codes. The results suggest the adequacy and applicability of the model, so it can be useful as subsidy for a possible regulatory normative milestone which comprises aspects related to the governance of professional soccer clubs.

Keywords
Governance; Football (soccer clubs); Sport management

Introdução

O futebol é o esporte mais praticado no mundo e a Federação Internacional das Associações de Futebol (FIFA) é a instituição máxima que o coordena. Em termos econômicos, esse esporte seria a 17ª economia mundial (MELO FILHO, 2011MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.). O futebol caracteriza-se mundialmente como um fenômeno que transcende a esfera esportiva, possuindo presença constante na vida de milhões de seres humanos pelo mundo, ainda que não estejam envolvidos diretamente na sua indústria.

Entretanto, são comuns as notícias sobre problemas administrativos vivenciados pelos clubes. As dificuldades vão desde a insolvência provocada pelo endividamento excessivo, até o envolvimento em questões judiciais por causa de práticas ilegais. Apesar de um fenômeno relativamente comum no Brasil, essa não é uma exclusividade do país.

Tradicionalmente, as práticas de governança corporativa contribuem para facilitar alianças e parcerias, melhorar o alinhamento entre partes internas e externas, harmonizar interesses dos grupos decisores com os demais grupos de interesse, estabelecer melhores condições para incremento dos processos decisórios e melhorar a imagem institucional. Entretanto, os princípios mais tradicionais e difundidos de governança estão mais voltados para empresas de capital aberto, com ações negociadas em bolsa. Isso é um fato justificável, uma vez que as práticas de boa governança surgiram motivadas pelo conflito de agência proporcionado pela separação entre propriedade e gestão, uma realidade inerente a esse tipo de organização (ANDRADE; ROSSETTI, 2007ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2007.).

De qualquer forma, a aplicação dessas práticas e princípios em outros setores é viável, ainda que sejam necessários um esforço de adaptação e uma transposição conceitual (MARQUES; COSTA, 2009MARQUES, D. S. P.; COSTA, A. L. Governança em clubes de futebol: um estudo comparativo de três agremiações no estado de São Paulo. Revista de Administração da Universidade de São Paulo (RAUSP), São Paulo, v. 44, n. 2, p. 118-130, abr./jun. 2009.). Os princípios de boa governança podem, então, em caso de adoção, colaborar com o processo de reestruturação financeira e administrativa dos clubes. Espera-se que sua prática provoque uma reorganização da estrutura interna clubística, de forma a gerar maior credibilidade (pela transparência e prestação de contas) e valor (por meio da melhor gestão de recursos captados com parceiros e investidores). Adicionalmente, a quebra de paradigmas e a reconstrução da imagem dos clubes podem ser incentivadas com a adoção dessas práticas.

Marques e Costa (2009)MARQUES, D. S. P.; COSTA, A. L. Governança em clubes de futebol: um estudo comparativo de três agremiações no estado de São Paulo. Revista de Administração da Universidade de São Paulo (RAUSP), São Paulo, v. 44, n. 2, p. 118-130, abr./jun. 2009. abordaram a questão da aplicação das práticas de boa governança corporativas à gestão de clubes de futebol. Entre as conclusões do trabalho, pode-se observar a possibilidade de aplicação dessas práticas no setor, apesar de serem necessários ajustes. Pesquisas realizadas no ano de 2012 em bases de dados nacionais e internacionais (SciELO, Scopus, Jstor e Web of Knowledge), utilizando os termos “futebol”, “agência” e “governança” (bem como seus correspondentes “football”, “soccer”, “agency” e “governance”), não retornaram resultados relativos a trabalhos que propusessem um modelo semelhante. O trabalho mais próximo dessa proposta foi o de Michie e Oughton (2005)MICHIE, J.; OUGHTON, C. The corporate governance of professional football clubs in England. Corporate Governance, Oxford, v. 13, n. 40, p. 517-531, jul. 2005., que justifica a necessidade de elaboração de um modelo próprio de governança para os clubes em função de suas especificidades e dos benefícios que seriam colhidos por essas organizações. Outro dado que corrobora tal necessidade foi obtido em pesquisa com clubes ingleses, na qual 76% responderam que se beneficiariam de um modelo relativo a práticas de boa governança (HAMIL et al., 2007HAMIL, S. et al. The corporate governance of professional football clubs. Corporate Governance, Oxford, v. 4, n. 2, p. 44-51, 2007.).

Os clubes-empresa, além de serem um fenômeno menos representativo no Brasil (em quantidade e representatividade), podem, havendo interesse, utilizar-se de modelos já existentes de governança. Mas, por outro lado, não há nenhuma proposta nesse sentido voltada para a realidade da maior parte dos clubes brasileiros, configurados sob a forma de associações. Assim, é essa lacuna que esta pesquisa se propôs a preencher, com a proposição de um modelo próprio de governança para o setor.

Nesse sentido, o presente trabalho se propôs a realizar um estudo que resultou na elaboração de um modelo de governança próprio ao contexto institucional dos clubes (a maior parte dos clubes nacionais, por exemplo, possui o formato jurídico de associação), abrangendo considerações e esferas determinadas por diferentes órgãos de apoio à governança corporativa. Espera-se que o modelo elaborado possa servir de subsídio para uma proposta inicial de política pública de governança no futebol (marco normativo regulatório).

Governança

As práticas de boa governança lidam com questões relativas à direção e ao controle de organizações, compreendendo tópicos como o exercício do poder e a conciliação entre diferentes interesses. Sua utilização pode abranger aspectos legais, financeiros, estratégicos e de gestão. Existem definições com diferentes enfoques. Entretanto, há pontos básicos comuns, conforme pode ser observado na definição proposta por Andrade e Rossetti (2007, p. 141)ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2007.: “Governança corporativa é um conjunto de princípios, propósitos, processos e práticas que rege o sistema de poder e os mecanismos de gestão das empresas”.

O debate de aspectos relacionados à governança teve sua origem motivada pelo processo de separação entre gestão organizacional e propriedade e de difusão do controle, imposto pelo agigantamento das organizações como decorrência das mudanças econômicas geradas pela evolução do capitalismo internacional. Assim, os responsáveis pelas decisões sobre o destino das organizações passaram a ser figuras de caráter transitório, contratadas para esse fim, exercendo o poder em nome dos proprietários. Uma consequência de tal fato foi o surgimento de novos objetivos para a gestão, além da maximização do lucro, como aversão a risco ou aumento dos próprios ganhos (ANDRADE; ROSSETTI, 2007ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2007.).

Essa situação possui um potencial de gerar conflitos entre acionistas (em um papel passivo) e gestores, em virtude da não simetria de interesses. São os conflitos de agência (JENSEN; MECKLING, 1976JENSEN, M. C.; MECKLING, W. H. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, Chicago, v. 3, n. 4, p. 305-360, jul. 1976.), os quais ocorrem como consequência da inexistência de um agente perfeito, uma vez que a real cooperação raramente existe em uma situação com interesses que possam ser divergentes. A tendência é que o gestor, nesse caso, tenha uma propensão maior a tomar as decisões que maximizem seu ganho em detrimento de outras partes (JENSEN; MECKLING, 1994JENSEN, M. C.; MECKLING, W. H. The nature of man. Journal of Applied Corporate Finance, v. 7, n. 2, p. 4-19, summer 1994.).

Nesse contexto, observa-se a necessidade de se adotarem sistemas de incentivo e de monitoramento e controle que forcem o alinhamento entre as ações dos executivos e o real interesse dos acionistas. Uma das consequências do processo de agigantamento das corporações, que gerou a diluição da propriedade, o emprego de gestores e a utilização de sistemas de controle sobre esses últimos, foi o aumento dos custos organizacionais (ANDRADE; ROSSETTI, 2007ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2007.; KLEIN, 1983KLEIN, B. Contracting costs and residual profits: the separation of ownership and control. Journal of Law & Economics, Chicago, v. 26, n. 2, p. 367-374, jun. 1983.).

A assimetria de informação e o problema do agente-principal aparecem como elementos relevantes na teoria econômica e no conceito de governança corporativa. A gestão das organizações se distanciou da propriedade pela complexidade organizacional trazida pela revolução industrial, divisão do trabalho e habilidades dos sujeitos ao novo ambiente econômico. Essas relações criam uma dificuldade de se capturar as informações entre os proprietários, ou associados no caso das organizações de futebol brasileiras, criando uma lacuna entre o gestor responsável (agente) e o contratante (proprietário ou principal). A diminuição da lacuna de informação gerada por essa relação por instrumentos econômicos de incentivo e de controle tornou-se elemento estruturante para o estudo de governança (LAFFONT; MARTIMORT, 2002LAFFONT, J. J.; MARTIMORT, D. The theory of incentives. The principal-agent problem. Princeton: Princeton University Press, 2002.).

Como forma de buscar uma aproximação de interesses entre propriedade e gestão, bem como reduzir os custos desse processo de controle, surgiram os mecanismos de governança (WILLIAMSON, 1996WILLIAMSON, O. E. The mechanisms of governance. New York-Oxford: Oxford University Press, 1996.), os quais incluem práticas internas (como constituição de conselhos de administração e monitoramento compartilhado) e externas (atendimento de padrões contábeis e instrumentos regulatórios; formas de tratamento de pressões exercidas por grupos de interesse).

Apesar de a governança ter surgido como forma de buscar a conciliação dos interesses de gestores e proprietários, essas partes não são as duas únicas que possuem interesses relativos às organizações. A literatura relacionada à administração demonstra que há diversos e numerosos grupos de interesses (stakeholders) legítimos que influenciam ou podem ser influenciados pelas consequências decorrentes da atuação de gestores e proprietários. Há desde proprietários, investidores e membros internos (empregados, diretores, conselheiros e auditores) até partes externas (fornecedores, clientes, consumidores, credores, comunidades locais, poder público e a sociedade civil) (ANDRADE; ROSSETTI, 2007ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2007.).

Essa forma mais ampla de considerar os diferentes grupos de interesses influencia, inclusive, o modo como são definidos e legitimados os objetivos organizacionais, extrapolando a função tradicional de maximização do retorno do acionista ao compreender múltiplos aspectos. Isso pode ser observado, inclusive, no fato de a maior parte dos clubes nacionais não possuir fins lucrativos (em virtude de suas configurações jurídico-institucionais como “associações”) e se relacionar com uma gama de grupos que possuem interesse em sua continuidade e seu crescimento sustentável (seja no aspecto financeiro, administrativo ou esportivo).

Diferentes pesquisadores e organizações, de acordo com suas visões, propõem diversas práticas de governança em seus respectivos modelos e códigos. Entretanto, pode-se observar a existência de quatro princípios básicos que norteiam as discussões e a elaboração dos diversos códigos e modelos de governança. Uma análise das propostas desses pesquisadores e organizações (ANDRADE; ROSSETI, 2007; IBGC, 2009IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 4. ed. IBGC, 2009. 73 p. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles/Codigo_julho_2010_a4.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2016.
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; DELLOITE, 2003DELLOITE. Lei Sarbanes-Oxley: guia para melhorar a governança corporativa através de eficazes controles internos. São Paulo: Deloitte, 2003.; OCDE, 2004OCDE. Os princípios da OCDE sobre o governo das sociedades. 2004. 70 p. Disponível em: <www.oecd.org/dataoecd/1/42/33931148.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2016.
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) revela o conteúdo de cada um dos valores básicos de governança:

  • Equidade (fairness): senso de justiça no tratamento de acionistas, inclusive minoritários, no que diz respeito à participação nos resultados das operações e no exercício de direitos. Alguns órgãos dão uma interpretação mais ampla ao princípio, buscando garantir um tratamento semelhante a todos os grupos de interesse e considerando inaceitáveis quaisquer ações ou políticas discriminatórias.

  • Transparência (disclosure): abertura em relação a informações, principalmente em relação às de alta relevância, que podem causar impactos nos resultados do negócio. Esse princípio não deve ser considerado apenas como uma obrigação, ao disponibilizar informações exigidas por leis ou regulamentos, e sim um desejo de informar sobre questões que sejam de interesse dos stakeholders. Informações essas que não são restritas àquelas sobre o desempenho econômico-financeiro, compreendendo os diferentes fatores que norteiem a ação gerencial em sua busca por criação de valor. Tal postura tende a criar um clima de confiança, interna e externamente.

  • Prestação de contas (accountability): a ser feita de forma responsável, baseada nas melhores práticas de auditoria e contabilidade. Os agentes de governança devem prestar contas e assumir integralmente a responsabilidade pelas consequências de seus atos e omissões.

  • Conformidade no cumprimento de normas (compliance): respeito à legislação, regulamentações setoriais, regimentos internos e estatutos sociais. Compõe esse princípio o exercício da responsabilidade social, pelo qual os agentes de governança, no exercício de suas atividades, devem considerar aspectos sociais e ambientais, além dos econômicos, buscando zelar pela sustentabilidade e longevidade da organização. Também compreende o enforcement, que é a maior rigidez na aplicação de normas legais.

A gestão de clubes de futebol profissional

O futebol é um fenômeno cuja complexidade ambiental pode ser exemplificada por meio da análise das relações de um clube. Elas compreendem empresas de publicidade e licenciamento, redes de rádio e televisão (direitos de transmissão), agentes (empresários) de jogadores, torcedores, associados, consumidores, fundos de investimentos, jogadores, federações, patrocinadores, outros clubes, fornecedores, parceiros em diferentes empreendimentos, funcionários, poder público, entre outros. Para gestores do esporte, o conhecimento do ambiente organizacional é crucial (WALTERS; TACON, 2010WALTERS, G.; TACON, R. Corporate social responsibility in sport: stakeholder management in the UK football industry. Journal of Management & Organization, Queensland, v. 16, n. 4, p. 566-586, sep. 2010.).

O mercado do futebol profissional possui características bastante peculiares, que diferenciam seus clubes dos amadores. A começar pela presença de entidades que regulam esse mercado, estabelecendo regras para filiações e participações em torneios: as federações e confederações. O desempenho colhido em torneios é uma preocupação constante e que influencia diretamente o resultado econômico da organização. Uma diferença em relação a mercados em geral é a necessidade de colaboração entre os clubes para que a competição aconteça, pois não existe disputa que seja feita de forma isolada. A força de outros clubes, por sua vez, também ajuda a atrair uma atenção maior aos campeonatos, aumentando os ganhos conjuntos dos clubes (HAMIL et al., 2007HAMIL, S. et al. The corporate governance of professional football clubs. Corporate Governance, Oxford, v. 4, n. 2, p. 44-51, 2007.).

A tarefa de se alinhar aos interesses difusos e diversos dos diferentes grupos de interesse é complexa. A aproximação dos torcedores (que pode ser tido como o principal grupo de interesse) para com as atividades do clube é um processo essencial, uma vez que eles constituem o seu principal patrimônio, em razão de seu potencial gerador de receitas. Fazer os torcedores se associarem ao clube é uma das provas de sucesso das ações de marketing. Mas também há outras fontes de captação de recursos envolvendo a exploração da marca, diversificação de fontes de receita e interação com outros agentes (CARRAVETTA, 2006CARRAVETTA, E. S. Modernização da gestão no futebol brasileiro: perspectivas para a qualificação do rendimento competitivo. Porto Alegre: AGE, 2006.; SORIANO, 2010SORIANO, F. A bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.).

De modo geral, as fontes de renda são divididas em três principais grupos: estádios (bilheteria, estacionamento, boutique, camarotes, museu); direitos audiovisuais (principalmente os direitos de transmissão para redes de TV); marketing em geral (patrocínio, licenciamento, franquias). Já as maiores despesas ocorrem com salários (entre 50% e 65% do faturamento em um clube bem gerido); amortização de contratações e empréstimos; custos de operações e manutenção de instalações (SORIANO, 2010SORIANO, F. A bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.; MELO FILHO, 2011MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.).

Outro exemplo das especificidades e desafios do setor está na gestão dos recursos financeiros, uma vez que o fluxo de caixa é irregular e possui fortes sazonalidades. Ainda que isso ocorra em outros setores da economia, o futebol possui um fator que o diferencia: não basta maximizar a utilização desses recursos, é necessário vencer (AIDAR; LEONCINI, 2002AIDAR, A. C. K.; LEONCINI, M. P. A necessidade de profissionalização na gestão dos esportes. In: AIDAR, A. C. K.; LEONCINI, M. P.; OLIVEIRA, J. J. de (Org.). A nova gestão do futebol. 2. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: FGV, 2002. cap. 6, p. 101-113.; SENAUX, 2008SENAUX, B. A stakeholder approach to football club governance. International Journal of Sport Management and Marketing, Genéve, v. 4, n. 1, p. 4-17, 2008.). Percebe-se, então, uma situação de difícil equilíbrio, uma vez que, para maximizar suas receitas, o clube precisa gastar para vencer (não apenas partidas, mas campeonatos, tornando-se um bom produto), não havendo uma garantia de resultados. Sem mencionar que, clubes que não forem competitivos administrativamente correm o risco de serem relegados a um segundo plano, ou até desaparecer (PRONI; ZAIA, 2007PRONI, M. W.; ZAIA, F. H. Gestão empresarial do futebol num mundo globalizado. In: RIBEIRO, R. (Org.). Futebol e globalização. Jundiaí: Fontoura, 2007. cap. 1, p. 19-48.).

Maiores investimentos em um plantel de jogadores tendem a gerar um melhor desempenho esportivo e, consequentemente, maior faturamento. Entretanto, isso não é uma certeza. Por mais criteriosa que seja a análise de um investimento, não há garantias nesse sentido, pois há inúmeros fatores envolvidos, muitos imponderáveis. Tal busca por retorno financeiro e esportivo leva a uma situação na qual gestores gastam recursos de forma desmedida e irresponsável. Essa “aposta” eleva o nível de risco assumido no negócio e pode ter consequências desastrosas (BURAIMO; SIMMONS; SZYMANSKI, 2006BURAIMO, B.; SIMMONS, R.; SZYMANSKI, S. English football. Journal of Sports Economics, Thousand Oaks, v. 7, n. 1, p. 29-46, feb. 2006.; HAMIL et al., 2007HAMIL, S. et al. The corporate governance of professional football clubs. Corporate Governance, Oxford, v. 4, n. 2, p. 44-51, 2007.; DIETL; FRANCK, 2007DIETL, H. M.; FRANCK, E. Governance failure and financial crisis in German football. Journal of Sports Economics, Thousand Oaks, v. 8, n. 6, p. 662-669, dec. 2007.).

Uma eventual lacuna entre alguns poucos grandes clubes, muito fortes financeiramente, e um numeroso contingente de equipes coadjuvantes, incapazes de competir, pode comprometer a atratividade de um campeonato, que tem na incerteza dos resultados parte de sua base, de acordo com Melo Filho (2011)MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.. Porém, há iniciativas buscando promover mudanças nesse sentido. O autor cita o caso da União das Federações Europeias de Futebol (UEFA), que editou uma cartilha (UEFA, 2012UEFA. UEFA club licensing and financial fair play regulations: edition 2012. Disponível em: <http://www.uefa.com/MultimediaFiles/Download/Tech/uefaorg/General/01/80/54/10/1805410_DOWNLOAD.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2016.
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) com princípios de fair play financeiro (baseados na racionalidade e na disciplina financeira). Entre os objetivos do documento, destacam-se a busca de um adequado nível de gestão e organização, a viabilização de práticas de benchmarking entre os clubes, a melhoria da situação financeira dos clubes, o aumento da transparência e da credibilidade, a proteção de credores e demais partes interessadas, a racionalização e tomada de decisão prudente quanto às finanças dos clubes e, por fim, a proteção da viabilidade e da sustentabilidade dos clubes de futebol a longo prazo.

Essa é uma tendência que abrange, inclusive, o licenciamento anual de clubes, ou seja, o direito de participar de competições. A FIFA determinou que as confederações regionais de futebol editassem um regulamento de licença de clubes. As diretrizes deverão ser especificadas pelas federações filiadas e compreenderão aspectos jurídicos, financeiros, administrativos, esportivos e relativos à infraestrutura. Busca-se, assim, garantir maior transparência, prudência, profissionalização e responsabilidade, por meio do estabelecimento de parâmetros salariais, equilíbrio financeiro entre participantes de uma mesma competição e melhores condições de formação de novos valores (MELO FILHO, 2011MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.).

De uma maneira geral, percebe-se que a gestão de clubes de futebol não é compatível com a influência e a importância que possuem na sociedade brasileira. São observados aspectos como falta de planejamento, descontinuidade de ações, falta de capacitação, estrutura organizacional problemática e ausência de dados confiáveis e organizados (KASZNAR; GRAÇA FILHO, 2002KASZNAR, I. K.; GRAÇA FILHO, A. S. O esporte como indústria: solução para criação de riqueza e emprego. Rio de Janeiro: Confederação Brasileira de Voleibol, 2002.). Ainda que tenham consciência da importância e da necessidade de monitoramento de eventos econômicos (como a gestão de contratos, por exemplo), os gestores de clubes não estabeleceram ferramentas de análise que otimizem a tomada de decisões (REZENDE; DALMÁCIO; PEREIRA, 2010REZENDE, A. J.; DALMÁCIO, F. Z.; PEREIRA, C. A. A gestão de contratos de jogadores de futebol na perspectiva da teoria da agência: o caso do Clube Atlético Paranaense. Revista de Contabilidade e Controladoria, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 3, p. 95-123, set./dez. 2010.). As melhores práticas de gestão não são adotadas. É gerada então, nos clubes, uma lacuna entre a força de sua marca e a credibilidade de suas atividades (MATTAR, 2012MATTAR, M. F. Gestão de clubes de futebol. In: MAZZEI, L. C.; BASTOS, F. da C. (Org.). Gestão do esporte no Brasil: desafios e perspectivas. São Paulo: Ícone, 2012. cap. 5, p. 119-138.).

A adoção do modelo de clube-empresa, como resposta para esse contexto, deve ser vista com ressalvas. Pode ser maléfico para o futuro dos clubes que seus grupos de interesse sejam alijados de suas vidas e de seus processos decisórios, ao concentrar o poder de controle sobre seus destinos na mão de um indivíduo ou grupo. Melo Filho (2011)MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. argumenta que uma gestão baseada em um liberalismo desenfreado pode até ameaçar a saúde financeira de um clube. Os problemas estariam na capacidade e nas intenções dos gestores, que iriam de um amadorismo incompetente a um profissionalismo inconsequente. O fato de os clubes se transformarem em sociedades anônimas, ou atuarem em um mercado autorregulamentado, não seria a solução, pois não contribui para uma maior transparência, bem como modernização administrativa ou melhoria na formação de atletas. Como exemplo, cita clubes nacionais que ficaram inferiorizados quanto ao poder de negociação em relação a agentes de jogadores e clubes europeus que, após um período de apropriação individual e exclusiva, passaram a produzir défices e a ter dívidas (quando, anteriormente, não se encontravam em tal situação).

Mattar (2012)MATTAR, M. F. Gestão de clubes de futebol. In: MAZZEI, L. C.; BASTOS, F. da C. (Org.). Gestão do esporte no Brasil: desafios e perspectivas. São Paulo: Ícone, 2012. cap. 5, p. 119-138. afirma que a mera adoção de um regime empresarial não implica uma melhoria de gestão, pois, na maior parte dos clubes, a profissionalização existente ocorre nos níveis tático e operacional, não sendo praticada no nível estratégico de tomada de decisão.

No caso do Brasil, a obrigatoriedade da adoção do regime empresarial também iria contra um modelo cultural e historicamente difundido (ainda que nem sempre bem-sucedido). Uma das saídas para tais problemas gerados pela incompetência ou pela irresponsabilidade dos gestores seria a limitação de gastos que comprometam receitas futuras, ultrapassando o mandato do atual gestor (MELO FILHO, 2011MELO FILHO, A. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.). Complementarmente, pode-se citar a maior dificuldade no alinhamento de interesses entre os dirigentes e gestores de um clube-empresa (o retorno financeiro) e do torcedor ou associado (títulos).

Proni e Zaia (2007)PRONI, M. W.; ZAIA, F. H. Gestão empresarial do futebol num mundo globalizado. In: RIBEIRO, R. (Org.). Futebol e globalização. Jundiaí: Fontoura, 2007. cap. 1, p. 19-48. apresentam raciocínio semelhante e definem a sua proposta como “futebol-empresa”. Por meio dela, o clube pode ser uma associação, mas deve ser gerido profissionalmente, inclusive considerando o torcedor como cliente de produtos e serviços. Os próprios autores afirmam que não há um modelo único e ideal de gestão, uma vez que cada um possui vantagens e desvantagens, devendo ser determinados de acordo com o contexto de cada clube. Essas são propostas e visões que são endossadas no presente trabalho.

Governança e futebol

Observa-se, no futebol, uma vasta gama de grupos de interesse. São múltiplos agentes envolvidos com expectativas de múltiplos principais, sem vínculo direto com a organização: os torcedores não associados, que possuem suas próprias expectativas e seu próprio nível de aceitação de risco (comumente ligado ao desempenho esportivo). Essa diversidade torna complexo o processo de identificação e alinhamento dos interesses em um contrato implícito.

Muitas vezes, esses grupos podem possuir objetivos que nem sempre são expostos de forma clara. Por exemplo, a busca de resultados financeiros positivos raramente é expressa, ao contrário da expectativa por um bom desempenho no campo esportivo (SENAUX, 2008SENAUX, B. A stakeholder approach to football club governance. International Journal of Sport Management and Marketing, Genéve, v. 4, n. 1, p. 4-17, 2008.). Um conhecimento sobre esses grupos, seus interesses, a natureza de seus relacionamentos com o clube e entre eles, as obrigações da organização para com eles, os modos de comunicação e acesso a informações, as estratégias que usam para influenciar a tomada de decisão e as formas de se conciliar esses interesses são pontos cuja compreensão é crucial para gestores do esporte (WALTERS; TACON, 2010WALTERS, G.; TACON, R. Corporate social responsibility in sport: stakeholder management in the UK football industry. Journal of Management & Organization, Queensland, v. 16, n. 4, p. 566-586, sep. 2010.).

A criação de torcidas organizadas pode ser considerada uma reação ao processo de afastamento de interessados do controle e da participação no processo decisório dos clubes. Mesmo sendo um fenômeno complexo, com diferentes motivações, uma de suas razões de existir está no fato de os clubes, ao se estruturarem burocraticamente, gerarem uma elite de dirigentes que alije o restante da coletividade, em uma disfunção burocrática do futebol. Essa organização dos torcedores teria, então, o objetivo de tentar promover uma participação mais democrática dos interessados, respaldando suas reivindicações (COSTA, 1997COSTA, A. L. Cultura brasileira e organização cordial: ensaio sobre a Torcida Gaviões da Fiel. In: MOTTA, F. C. P.; CALDAS, M. P. (Org.). Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997. p. 221-253.).

Tal situação de alijamento de stakeholders ocorre em diferentes países do mundo e em clubes com variadas formatações jurídicas. Em associações, por exemplo, pode ocorrer que facções tenham o controle sobre um contingente numeroso de sócios ou conselheiros que lhes permita sua manutenção no poder por um grande período de tempo, independentemente do desempenho obtido e dos resultados colhidos. A representatividade de um volumoso contingente de stakeholders passa a ser nula ou a possuir apenas um papel figurativo, pois o volume de consumidores e torcedores de um clube é múltiplas vezes superior ao seu conjunto de administradores, conselheiros ou sócios.

A falta de transparência também tende a prejudicar uma avaliação mais consistente do desempenho da gestão, cujos impactos são sentidos nos resultados econômicos e financeiros do clube e há desdobramentos no desempenho esportivo. Entra-se, então, em um ciclo que prejudica todos os interessados (entre eles, em última instância, o torcedor). Os resultados obtidos por Custódio e Rezende (2009)CUSTÓDIO, R. dos S.; REZENDE; A. A evidenciação dos direitos federativos nas demonstrações contábeis dos clubes de futebol brasileiros. REPeC, Brasília, v. 6, n. 3, art. 1, p. 229-245, jul./set. 2012. ajudam a exemplificar essa questão. Os autores analisaram o tratamento dado aos direitos federativos dos atletas nas demonstrações contábeis de clubes brasileiros e verificaram a adoção de critérios contábeis consideravelmente distintos entre os clubes. Segundo os autores, tal divergência prejudica a comparabilidade entre os dados, de forma a dificultar a transparência na divulgação das informações, que gera consequências negativas sobre o acompanhamento de partes interessadas e sobre a tomada de decisões de eventuais investidores.

Atualmente, um incremento nas receitas não vem significando lucratividade por parte dos clubes e sua associação com a governança corporativa também difere de outras indústrias. O futebol é um mercado, conforme já mencionado, com características peculiares. Independentemente do nível do campeonato em que compitam, os clubes não se veem como parte de um negócio de entretenimento ou buscam o lucro (no caso de associações). Eles possuem como objetivo primordial o sucesso em campo. Enquanto os montantes envolvidos no futebol historicamente eram relativamente modestos e mais equânimes, essa orientação foi benigna, uma vez que promovia um relativo equilíbrio nos campeonatos e não estimulava gestores a assumirem riscos financeiros desnecessários (HASSAN; HAMIL, 2010HASSAN, D.; HAMIL, S. Models of football governance and management in international sport. Soccer & Society, v. 11, n. 4, p. 343-353, jul. 2010.).

São três as razões principais. Primeiramente, futebol é mais que um negócio, pois envolve objetivos esportivos e coletivos/comunitários, possuindo inúmeros grupos de interesse com objetivos variados. Em segundo lugar, o relacionamento com o consumidor padrão (torcedor) é essencialmente diferente do padrão mercadológico, pois o grupo de stakeholders colabora não apenas com sua lealdade, mas também como um contribuinte financeiro e um apoiador ativo durante a realização de partidas. Por fim, há a já tratada relação entre competição e cooperação existente entre rivais, processo esse que pode gerar uma redistribuição de receitas que favoreça concorrentes mais fracos, de forma a manter o equilíbrio entre concorrentes e o interesse do público no campeonato. O princípio por trás desse raciocínio é que a junção dos clubes gere uma sinergia e faça com que o valor da liga como um todo seja superior ao dos clubes somados isoladamente (HAMIL et al., 2007HAMIL, S. et al. The corporate governance of professional football clubs. Corporate Governance, Oxford, v. 4, n. 2, p. 44-51, 2007.). Por outro lado, o acesso a campeonatos mais rentáveis para aqueles que obtêm bons desempenhos esportivos (entre os 10% ou 20% mais bem colocados dos torneios nacionais) tende a estimular um gasto desmedido de recursos financeiros na formação de plantéis, sem que haja garantias de bons resultados, ameaçando o frágil equilíbrio que assegura a existência de diversos clubes (BURAIMO; SIMMONS; SZYMANSKI, 2006BURAIMO, B.; SIMMONS, R.; SZYMANSKI, S. English football. Journal of Sports Economics, Thousand Oaks, v. 7, n. 1, p. 29-46, feb. 2006.; DIETL; FRANCK, 2007DIETL, H. M.; FRANCK, E. Governance failure and financial crisis in German football. Journal of Sports Economics, Thousand Oaks, v. 8, n. 6, p. 662-669, dec. 2007.; MICHIE; OUGHTON, 2005MICHIE, J.; OUGHTON, C. The corporate governance of professional football clubs in England. Corporate Governance, Oxford, v. 13, n. 40, p. 517-531, jul. 2005.).

Essa combinação única faz com que a governança dos clubes, apesar de igualmente necessária para sua viabilidade, precise ser muito diferente daquelas praticadas em outros negócios e não deva ser subestimada. A própria relação entre os objetivos de sucesso financeiro e bons resultados administrativos, com suas consequentes implicações, já demonstra essa necessidade e é intensificada pela disposição em correr riscos (investimentos maiores), na tentativa de se obter incrementos no faturamento proporcionados por melhores resultados (DIETL; FRANCK, 2007DIETL, H. M.; FRANCK, E. Governance failure and financial crisis in German football. Journal of Sports Economics, Thousand Oaks, v. 8, n. 6, p. 662-669, dec. 2007.). De acordo com Hamil et al. (2007)HAMIL, S. et al. The corporate governance of professional football clubs. Corporate Governance, Oxford, v. 4, n. 2, p. 44-51, 2007., evidências sugerem que as práticas usuais de governança pecam em termos de mecanismos robustos de controles internos e externos adequados a esse contexto.

Uma eventual desordem econômica do setor tende a possibilitar ações de desvio de conduta legal. Aspectos como deficiência em fiscalização e detecção de atos ilegais, falta de regulamentação e falha informacional fazem com que o mercado futebolístico seja passível de práticas ilegais, como lavagem de dinheiro (SALVO, 2012SALVO, M. Lavagem de dinheiro nas transferências internacionais de jogadores de futebol dos clubes gaúchos: as características do mercado e suas vulnerabilidades. In: ENCONTRO DE ECONOMIA GAÚCHA, 6., 2012, Porto Alegre. Anais eletrônicos... Porto Alegre: PUCRS, 2012. Disponível em: <http://www.fee.tche.br/sitefee/download/eeg/6/mesa9/Lavagem_de_Dinheiro_nas_Transferencias_Internacionais_de_Jogadores_de_Futebol_dos_Clubes_Gauchos-As_caracteristicas_do_mercado__suas_vulnerabilidades.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2016.
http://www.fee.tche.br/sitefee/download/...
). Mas, ainda que estejam dentro da ética e da legalidade, procedimentos irresponsáveis na obtenção e no comprometimento de recursos devem ser dificultados por sistemas de controle.

Os trabalhos que analisam as práticas de boa governança em clubes de futebol brasileiro apresentam conclusões que podem ser consideradas complementares entre si. Em um estudo de casos múltiplos realizado com três clubes do estado de São Paulo, Marques (2005)MARQUES, D. S. P. Administração de clubes de futebol profissional e governança corporativa: um estudo de casos múltiplos com clubes do estado de São Paulo. 2005. 189 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Departamento de Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. verificou a possibilidade de adoção das práticas de boa governança, ainda que fossem necessárias adaptações em virtude do contexto próprio dos clubes. Segundo o autor, já existiam práticas sendo adotadas, embora não com esse rótulo, e elas foram motivadas, principalmente, por obrigações legais. Outra das constatações do trabalho foi a de que os clubes tendem a alcançar maior legitimidade perante seus stakeholders e a exercer sua administração de maneira profissionalizada, por meio da adoção das práticas de boa governança.

O melhor desempenho esportivo (títulos regionais, nacionais e internacionais) e financeiro (retorno sobre o ativo e faturamento) tem relação com a melhor governança dos clubes, de acordo com resultados obtidos por Oliveira (2011)OLIVEIRA, M. M. de. Clubes de futebol com boa governança possuem melhor desempenho? Evidências do mercado brasileiro. 2011. 36 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.. Com conclusão semelhante sobre o desempenho esportivo e administrativo dos clubes, Silva e Carvalho (2009)SILVA, J. A. F. da; CARVALHO, F. A. A. Evidenciação e desempenho em organizações desportivas: um estudo empírico sobre clubes de futebol. Revista de Contabilidade e Organizações – FEARP/USP, Ribeirão Preto, v. 3, n. 6, p. 96-116, maio/ago. 2009. também afirmam que a evidenciação contábil se compatibiliza com a abertura da governança em direção aos grupos de interesse e com a modernização da gestão no futebol.

Perante essas considerações, pode-se verificar que a adoção de um modelo de governança próprio para a realidade institucional dos clubes poderia ser uma forma de se buscar uma gestão mais efetiva e responsável, respeitando o histórico dos clubes, seu ambiente jurídico, sua função social e os interesses de sua coletividade. O mercado futebolístico mundial atravessa um período de questionamentos sobre as formas adotadas de propriedade, controle e participação, bem como sobre os impactos de suas ações (utilização de recursos, endividamento, responsabilidade social, cooperação e competições com clubes concorrentes, entre outros). A influência de redes de transmissão, do poder público, de patrocinadores e de parceiros comerciais, bem como as implicações financeiras e legais do mercado, transformou as relações entre os atores envolvidos na produção e no consumo do esporte (WALTERS; TACON, 2010WALTERS, G.; TACON, R. Corporate social responsibility in sport: stakeholder management in the UK football industry. Journal of Management & Organization, Queensland, v. 16, n. 4, p. 566-586, sep. 2010.).

Conforme já foi comentado, há uma determinação da FIFA para que a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) edite um Regulamento de Licença de Clubes, o qual deverá ser a base para que as federações afiliadas, entre elas a brasileira (CBF), também editem seus respectivos regulamentos. A principal diretriz é a busca de maior responsabilidade na gestão dos clubes, principalmente em seus aspectos financeiros. Mas também existem critérios relacionados a aspectos esportivos, de infraestrutura, jurídicos e administrativos. Entre os tipos de requisitos a serem abrangidos, estão aqueles relacionados ao cumprimento da legislação nacional, atendimento às normas da FIFA, condições para o fornecimento de licença para participação em competições, processo e formas de sanções em caso de não atendimento às condições requeridas.

Nesse sentido, é possível verificar a necessidade de propostas jurídicas, administrativas e esportivas como formas de se buscar melhorias para esse contexto. Elas devem ser válidas tanto legalmente quanto na regulamentação externa (federações) e interna (disposições estatutárias) dos clubes. Esses são os principais “contratos explícitos” que regem a relação de um clube com seus grupos de interesse. O presente trabalho enfoca os aspectos internos dessa regulamentação (ainda que considerando a influência exercida pelas outras formas de regulamentação), por meio dos estatutos e regimentos dos clubes, e possui seu objetivo final no impacto que os ajustes podem provocar no seu desempenho administrativo.

De acordo com Michie e Oughton (2005)MICHIE, J.; OUGHTON, C. The corporate governance of professional football clubs in England. Corporate Governance, Oxford, v. 13, n. 40, p. 517-531, jul. 2005., o estabelecimento de um código de melhores práticas especificamente elaborado para a indústria do futebol seria um processo relativamente simples e barato, que ajudaria a incrementar seus processos e suas estruturas de governança ao estabelecer parâmetros claros, viáveis e benéficos para os clubes. Os próprios clubes é que seriam os maiores beneficiários da adoção dessas práticas (apesar dos benefícios colaterais gerados a torcedores e outros grupos de interesse). O próprio contexto característico demanda iniciativas que orientem os clubes no desafio de balancear uma boa gestão com a busca de sucesso esportivo. Seria, inclusive, uma forma de colaborar com a solvência dos clubes, agora que existe uma tendência em se começar a punir o desempenho esportivo (perda de pontos) de clubes nessa situação.

A proposta de um modelo específico que incremente a adoção das práticas de boa governança nos clubes certamente traria benefícios aos envolvidos e ao resultado desse processo (MICHIE; OUGHTON, 2005MICHIE, J.; OUGHTON, C. The corporate governance of professional football clubs in England. Corporate Governance, Oxford, v. 13, n. 40, p. 517-531, jul. 2005.), e faria frente à inércia de não se adaptar seus mecanismos de governança de forma a lidar com os novos desafios impostos por mudanças em seu ambiente (SENAUX, 2008SENAUX, B. A stakeholder approach to football club governance. International Journal of Sport Management and Marketing, Genéve, v. 4, n. 1, p. 4-17, 2008.), pois, mesmo com o estabelecimento de regulamentações externas, esse é um processo em construção que necessita da cooperação dos clubes para que seus objetivos sejam alcançados (MÜLLER; LAMMERT; HOVERMANN, 2012MÜLLER, J. C.; LAMMERT, J.; HOVERMANN, G. The financial fair play regulations of UEFA: an adequate concept to ensure long-term viability and sustainability of European club football? International Journal of Sport Finance, Morgantown, v. 7, n. 2, p. 117-140, may 2012.).

A própria adoção dessas práticas de governança em clubes de futebol profissional pode constituir um importante diferencial competitivo na busca por recursos, uma vez que ainda não são adotadas de forma ampla e institucionalizada por esse tipo de organização. A busca por patrocinadores ou investidores é outro fator que reforça a necessidade de uma administração mais transparente e competente, uma vez que esse grupo se interessará por uma melhor gestão dos recursos por ele investidos, somando sua demanda àquela exercida por sócios, torcedores, conselheiros e demais grupos de interesse. Em um sentido mais amplo, a governança deixa de ser um sistema de controle da gestão para se tornar um modelo efetivo de administração que congregue os interesses legítimos de diferentes grupos. A gestão da organização torna-se mais democrática e se legitima perante seus interessados (MARQUES, 2005MARQUES, D. S. P. Administração de clubes de futebol profissional e governança corporativa: um estudo de casos múltiplos com clubes do estado de São Paulo. 2005. 189 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Departamento de Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.).

Um modelo cuja proposta esteja adequada ao contexto específico dos clubes passa a ser, nesse sentido, mais do que uma lista de práticas a serem seguidas. Espera-se que esse seja um instrumento que otimize as relações do setor com a sociedade em geral, maximizando o recebimento de recursos e os resultados de sua aplicação, de forma que a função social, esportiva e econômica dos clubes seja efetivamente cumprida.

Aspectos metodológicos

Foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo, exploratório, aplicado e interdisciplinar. Em uma primeira fase, foi utilizado um levantamento bibliográfico dos princípios e práticas de governança propostos pelas diferentes organizações que lidam com o tema no Brasil e internacionalmente, na pesquisa em fontes conceituais da literatura acadêmica, na verificação de como algumas dessas práticas são adotadas por clubes em sua estrutura de poder e na revisão do estudo de casos múltiplos (MARQUES, 2005MARQUES, D. S. P. Administração de clubes de futebol profissional e governança corporativa: um estudo de casos múltiplos com clubes do estado de São Paulo. 2005. 189 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Departamento de Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.) realizado sobre o tema.

As pesquisas bibliográfica e documental serviram, então, para levantar as informações que basearam o modelo de governança e as dimensões sugeridas (versão inicial). Na busca de conclusões pela análise dos diferentes modelos de governança, foi utilizado o método comparativo. A partir das conclusões geradas nesse processo de comparação é que se realizou a elaboração de um modelo de dimensões (segunda etapa), cujas características fossem adequadas ao contexto dos clubes de futebol profissional brasileiros. A sua construção iniciou-se com uma seleção e um agrupamento das dimensões de governança e sustentabilidade financeira relevantes ao contexto dos clubes, para que, então, fossem analisadas suas inconsistências e congruências, de forma a definir as respectivas práticas relativas a cada uma dessas dimensões que fazem parte da proposta preliminar, de acordo com sua adequabilidade e sua aplicabilidade. Após a produção desse modelo preliminar, deu-se o encaminhamento aos especialistas para avaliação (terceira fase). As críticas desses especialistas foram incorporadas novamente ao modelo.

Na terceira fase ocorreu a submissão do modelo proposto a especialistas em gestão de clubes e governança, buscando uma avaliação para análise do construto e posterior aprimoramento do modelo. Tal escolha decorre de os entrevistados possuírem uma reserva especializada e “complexa de conhecimento sobre o tópico em estudo” (FLICK, 2004FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004., p. 95). Corrobora com essa opção o fato de os participantes constituírem uma amostra heterogênea selecionada por seu conhecimento, experiência, capacidade e possibilidade de participação (SKULMOSKI; HARTMAN; KRAHN, 2007SKULMOSKI, G.; HARTMAN, F.; KRAHN, J. The Delphi method for graduate research. Journal of Information Technology Education, v. 6, n. 1, p. 1-21, jan. 2007.). Os questionamentos realizados foram baseados nas seguintes impressões (com suas respectivas justificativas) para cada prática, requisito ou dimensão analisada: presença (relevância) de cada um dos aspectos/dimensões da proposta; concordância com a prática ou o requisito proposto no modelo; eventual sugestão de melhoria para a prática ou requisito constante no modelo; diferente abordagem sugerida para a prática/requisito (em caso de discordância); sugestões sobre pontos não abordados na proposta; viabilidade de aplicação do modelo; e visão geral sobre o modelo proposto.

O estudo foi realizado com uma amostra pequena, sendo relativamente intensivo e sem o uso de técnicas probabilísticas de amostragem. Os entrevistados fazem parte de grupos de interesse e são conhecedores das especificidades relativas ao assunto e ao setor, sendo suas opiniões analisadas de forma a se buscar uma proposta mais consistente com diferentes visões e motivações. A seleção dos entrevistados foi direcionada de acordo com informações pré-disponíveis e feita por tipicidade. Buscou-se o enriquecimento da análise por meio da comparação de diferentes visões e experiências sobre o tema. Apesar dos cuidados metodológicos e de seleção, ressalta-se que a amostra não é probabilística, possibilitando viés de escolha e necessitando de cuidados na interpretação.

As entrevistas de avaliação serviram como análise do construto, visando submetê-lo a um teste de adequabilidade e possibilidade de aplicação para o modelo proposto, uma vez que não foi possível implantá-lo em clubes ainda durante a elaboração do trabalho. Após a recuperação do conteúdo das entrevistas, foi feita uma análise de conteúdo (descrição analítica) das respostas baseada em sua correspondência com o modelo proposto (aderência e comparação de diferentes propostas). Seu propósito foi a compreensão do conteúdo e do sentido de uma mensagem. Nela, os dados foram organizados e foram estabelecidas categorias para seu enquadramento (MORAES, 1999MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.). Posteriormente, foram feitos destaques e condensações dos dados, de forma a possibilitar uma análise reflexiva e crítica que levasse a inferências e interpretações sobre seu conteúdo e seu sentido (MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2011MOZZATO, A. R.; GRZYBOVSKI, D. Análise de conteúdo como técnica de análise de dados qualitativos no campo da administração: potencial e desafios. Revista de Administração Contemporânea (RAC), Curitiba, v. 15, n. 4, p. 731-747, jul./ago. 2011.). A análise do significado abrangeu aspectos nucleares, incidentes (não diretamente relacionados ao questionamento) e implícitos no contexto (MATTOS, 2005MATTOS, P. L. C. L. de. A entrevista não estruturada como forma de conversação: razões e sugestões para sua análise. Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 823-847, jul./ago. 2005.).

Por meio da interpretação inferencial, as informações foram analisadas de forma mais profunda, interpretativa e contextualizada, possibilitando maiores reflexões e inferências sobre as relações entre elas (análise em conjunto) e também sobre eventuais motivações latentes nos discursos dos respondentes (MATTOS, 2005MATTOS, P. L. C. L. de. A entrevista não estruturada como forma de conversação: razões e sugestões para sua análise. Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 823-847, jul./ago. 2005.).

As informações obtidas nas entrevistas foram agrupadas (após montagem de um relatório avaliativo individual) de acordo com as dimensões e práticas de boa governança a que se relacionam. Com a montagem da consolidação das falas, construiu-se a explanação por meio da uma análise dos dados (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.) realizada dentro de cada unidade de contexto (no caso, as dimensões do modelo). Então, foram confrontadas com a teoria pesquisada e a proposta desenvolvida, visando identificar possíveis pontos concordantes e discordantes que direcionaram a construção da versão final do modelo proposto.

A análise não teve como objetivo a mera quantificação de respostas (concordantes ou discordantes) sobre cada uma das ações propostas. Mais do que isso, seu objetivo principal foi a contextualização e a compreensão das implicações de cada resposta (MORAES, 1999MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.). Buscou-se passar da fala isolada de cada entrevistado para uma organização de informações que possibilitasse uma inferência, um significado interpretativo do conjunto de depoimentos frente a teorias pertinentes ao caso. Essa análise do diálogo deve resultar em uma interpretação defensável e compreensível perante os pares do pesquisador (MATTOS, 2005MATTOS, P. L. C. L. de. A entrevista não estruturada como forma de conversação: razões e sugestões para sua análise. Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 823-847, jul./ago. 2005.).

A análise das entrevistas também permitiu um filtro de eventuais vieses dos grupos de interesse de forma a contextualizar a visão (receptividade) possuída sobre o modelo, partindo-se do princípio de que as impressões sobre a proposta poderiam ser permeadas pelas motivações (políticas e institucionais) dos respondentes, as quais, por exemplo, poderiam influenciar diferentes percepções do modelo, caso o respondente possuísse interesses na implantação de mudanças no setor ou caso ele fosse favorável à manutenção do status quo.

Submissão do modelo proposto a especialistas

O primeiro especialista entrevistado (anônimo número 1) possui especialização em Administração Esportiva. Ele teve carreira no setor financeiro, foi professor universitário e é palestrante de Gestão Esportiva em cursos de pós-graduação. É diretor-presidente de uma empresa de consultoria para organizações esportivas, também atuou como diretor-executivo de um clube de futebol, como membro da Comissão Permanente de Futebol e Marketing Esportivo do Ministério do Esporte e como secretário executivo do Clube dos Treze. Outro de seus trabalhos foi a atuação conjunta com o Conselho Federal de Contabilidade e o Instituto Brasileiro de Auditores Independentes na criação da Norma Brasileira de Contabilidade, que trata da padronização de demonstrativos e práticas contábeis dos clubes de futebol nacionais.

O entrevistado anônimo número 2 foi deputado federal, secretário estadual de esportes, membro do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 e Diretor de Futebol do Ministério do Esporte.

O entrevistado anônimo número 3 é administrador e advogado. Entre as funções já exercidas podem ser destacadas as de vice-presidente financeiro de uma federação estadual de futebol, conselheiro e diretor financeiro de clube de futebol e membro do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014.

O entrevistado anônimo número 4 é auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. É ex-presidente do Conselho Fiscal, ex-vice-presidente de finanças e patrimônio e ex-diretor de marketing e comunicação de um clube de futebol profissional do estado de São Paulo.

Também foram contatados, mas não possuíram disponibilidade para colaborar com o estudo, outros quatro especialistas, sendo eles um advogado militante na área de direito desportivo, um ex-ministro do esporte, um deputado federal, membro de comissões relativas ao esporte, e um jornalista esportivo, especialista em gestão e negócios do esporte.

O Quadro 1 é resultado da análise de conteúdo realizada e sistematiza as informações coletadas nas entrevistas, bem como as contribuições dos entrevistados para o modelo proposto e os principais aspectos que parecem nortear cada um dos respectivos discursos.

Quadro 1
Sistematização dos dados obtidos nas entrevistas.

Uma sistematização das contribuições realizadas pelos especialistas que foram entrevistados revela pontos em comum e particularidades. Em relação ao primeiro entrevistado, pode-se verificar uma preocupação com as estruturas de controle do futebol brasileiro nos níveis micro e macro. Ficou evidente, em sua argumentação, a relevância que as ações de governança possuem em relação à questão, exercendo ele próprio uma militância nesse sentido, chegando a sugerir um índice de governança próprio para o setor.

Nas opiniões externadas pelo primeiro especialista, pode ser verificado seu enfoque abrangente. Quanto aos aspectos mais diretamente relacionados à gestão, são observadas considerações sobre a sustentabilidade financeira, o papel do conselho administrativo, a divisão de responsabilidades e a necessidade de profissionalização da gestão, com membros capacitados e experientes, remunerados por se dedicarem integralmente a essa função, e constante avaliação de desempenho por meio de indicadores. Suas considerações também abrangem questões relacionadas à sustentabilidade, ética, responsabilidade social e obediência legal.

Em relação às contribuições do segundo especialista, percebe-se que as iniciativas citadas por ele são relevantes e ambiciosas, mas devem ser vistas com ressalvas. Além de necessitarem, como base, de uma proposta complexa e bem construída, o alcance de seus objetivos fica atrelado ao real cumprimento das exigências constantes nessa proposta, inclusive com a aplicação de medidas coercitivas (entre elas sanções de caráter esportivo, que devem estar previstas nos regulamentos dos campeonatos) sobre os clubes que não as cumprirem. O excesso de controle da atividade por meio de órgãos governamentais deve ser monitorado com cuidado, buscando-se evitar ingerências de caráter político. Um equilíbrio entre representações provenientes de diversos setores da sociedade faz-se necessário dentro da instituição que regulará esse mercado.

O terceiro especialista se ateve mais a aspectos administrativos, como a necessidade de um processo decisório ágil e as características dos gestores que compreendam diversidade de formação, dedicação integral e preparo adequado em virtude da função exercida. Ressaltou a necessidade de se evitar sobreposição de funções entre os órgãos que compõem o sistema de governança. Para ele, mudanças que levem a melhorias na gestão dos clubes só ocorrem quando são motivadas por fatores externos à organização, principalmente legais; por isso acredita que um eventual processo nesse sentido deve ser amparado por órgãos governamentais de poder. Apesar de reconhecer a importância das federações no processo, não fez menções sobre eventuais formas de controle externo nessas organizações.

Sobre as particularidades observadas no depoimento do quarto entrevistado, percebem-se visões semelhantes às relatadas por outros entrevistados, como a adoção de travas para a tomada de determinados tipos de decisões, a vocação estratégica da atuação do conselho administrativo, bem como a necessidade de profissionalização da gestão. Entre os pontos próprios elencados por esse especialista, podem ser citados o preparo e a formação dos membros de todas as instâncias de poder e controle dos clubes, e não apenas daqueles que compõem a diretoria executiva. Ao apoiar a adoção de práticas de boa governança, o especialista número 4 ressaltou que a prestação de contas também é uma forma de legitimação da gestão, pois seus membros são eleitos para conduzir uma organização cujo destino é relevante para um amplo número de interessados.

De maneira geral, todos os entrevistados consideraram o modelo relevante para o setor. Pode-se ressaltar que foi unânime entre eles a concordância com os aspectos/dimensões em que o modelo foi dividido, bem como com as propostas de se limitar o direito de voto dos associados em assembleias a apenas um, independentemente do número de títulos possuídos, exercido após um tempo mínimo de permanência no quadro social.

As colaborações dos especialistas serviram para a retirada de apenas um item do modelo original, sendo ele o que atribuía a uma autorização prévia do conselho administrativo a possibilidade de se comprar, vender ou emprestar direitos federativos de atletas profissionais. Tal fato deveu-se à constatação de que essa limitação poderia prejudicar uma tomada de decisão mais efetiva, pois a deixaria mais lenta e poderia provocar a perda de oportunidades.

Entretanto, complementações foram feitas ao modelo original com base nas colaborações dos especialistas entrevistados. Questões relacionadas à sustentabilidade foram inseridas no item relativo à responsabilidade social. Uma clara definição dos papéis de cada setor dentro da estrutura de governança da organização passou a fazer parte dos pontos que compõem a esfera de gestão e cultura organizacional, assim como a proibição de cláusulas de confidencialidade em contratos e a necessidade de adequação da infraestrutura dos clubes. Dentro da dimensão de sustentabilidade financeira, foram adicionadas recomendações sobre a adoção de travas decisórias e da divulgação de indicadores quanto ao volume e aos valores de ações judiciais. Nas práticas relativas ao conselho administrativo, adicionaram-se itens recomendando o registro nominal do voto de seus membros e a vedação ao fato de o presidente da diretoria ocupar também a presidência desse órgão. Por fim, entre os papéis do conselho deliberativo, foi inserido um item recomendando a adoção de um programa de formação e capacitação dos seus membros e de outras instâncias decisórias do clube, visando a um ganho qualitativo em suas discussões e nos impactos das votações.

Tomadas em conjunto, as opiniões não possuíram visões contrárias ou pontos conflitantes. Diferenças no enfoque principal foram observadas, talvez demonstrando uma coerência relativa à atuação exercida por cada um dos especialistas no setor. O quarto entrevistado, por exemplo, possui experiência na gestão de clubes e ressaltou questões relacionadas a esferas administrativas e de poder internas aos clubes. Já o segundo entrevistado concentrou suas reflexões nas mudanças que podem ser geradas por meio da atuação governamental na alteração do marco legal setorial, inclusive com influência sobre federações. Enquanto isso, o terceiro especialista consultado também ressaltou a necessidade de influências externas para motivar mudanças no setor, mas não incluiu as federações como sujeitos passivos dessa eventual transformação. Por fim, o primeiro especialista apresentou considerações relativas ao funcionamento interno dos clubes, bem como de uma eventual regulação proveniente de fontes externas. Os diferentes enfoques tendem a ser explicados por sua atuação com a gestão de clubes, bem como com órgãos setoriais e governamentais.

Modelo proposto

O modelo proposto, em sua primeira versão, foi inspirado nos princípios e práticas propostos por órgãos como IBGC, OCDE e ICGN. A legislação setorial nacional, as práticas utilizadas por clubes e os requisitos de licenciamento e sustentabilidade de clubes da UEFA também foram utilizados. Baseada nessas fontes, a divisão de suas práticas ocorre em cinco dimensões, sendo elas: cultura organizacional e práticas de gestão, sustentabilidade financeira, direitos dos associados, conselhos e auditoria. A versão final (apresentada a seguir) é resultado dos ajustes decorrentes da submissão da primeira proposta aos especialistas consultados.

A proposta compreende tanto relações de governança horizontal (por meio de mecanismos de controle do funcionamento dessas organizações, em relação ao monitoramento de ações e também do desempenho institucional) quanto de governança vertical (relações entre controladores, minoritários e demais grupos de interesse, visando coibir abusos).

Motivados por sugestões fornecidas pelos especialistas, foram realizados ajustes em algumas das práticas propostas. Uma delas foi a retirada de recomendações sobre “supervisão constante e aprovação prévia do conselho administrativo para a realização de transações por parte da diretoria executiva” (visando não reduzir a rapidez necessária para o aproveitamento de oportunidades). Já em relação a inclusões no modelo, tem-se itens como a adequação estrutural das instalações dos clubes, a proibição de cláusulas de confidencialidade em contratos, o estímulo à gestão profissionalizada (e remunerada), a divulgação de indicadores sobre ações judiciais, o registro nominal das votações no conselho administrativo e a adoção de um programa de capacitação para conselheiros e gestores.

Assim, passa-se à apresentação do modelo, com cada uma de suas dimensões.

Cultura organizacional e práticas de gestão

Essa dimensão do modelo proposto abrange aspectos que devem permear as diferentes práticas adotadas pela organização. São princípios (com suas respectivas práticas) do sistema de governança e gestão (seja administrativa, financeira ou desportiva), inspirados nos valores básicos que devem nortear as práticas de governança. A dimensão compreende a administração de relacionamentos com diferentes stakeholders, como atletas, funcionários, técnicos, diretoria, torcedores, consumidores, comunidade, fornecedores, entre outros.

  • Código de ética e conduta: o clube deve possuir códigos de ética e conduta para seus membros, que estabeleçam mecanismos de consulta, incentivo e controle (nesse caso, incluindo canais de denúncia), de forma a incentivar seu cumprimento. Sua divulgação deve contribuir para a criação de uma cultura nesse sentido e abranger o relacionamento entre os diferentes grupos de interesse de um clube. Entre os assuntos a serem cobertos, podem ser citados: pagamento de tributos e direitos, operações com partes relacionadas, conflito de interesses, nepotismo, uso de ativos da organização, tratamento de denúncias, recebimento de vantagens em virtude do cargo, discriminação, assédio, segurança e relações com a comunidade, entre outros.

  • Obediência à legislação: envolve também o cumprimento de regulamentos e legislações setoriais (como a Lei Pelé e o Estatuto do Torcedor) e dos estatutos/regimentos do clube. Aspectos sociais e ambientais estão compreendidos nesse ponto, que deve ser ressaltado nos códigos de ética e conduta do clube. Em termos legais, desvios de conduta não devem ser tolerados. Em relação a isso, o ideal é que seja criada uma política de prevenção e combate a atos ilícitos.

  • Transparência: essa prática deve ser encarada como um valor ou princípio. Documentos não sigilosos que possam ser de interesse da coletividade do clube (stakeholders) precisam ser divulgados (ainda que tal procedimento não seja obrigatório ou não esteja relacionado a aspectos financeiros), preferencialmente pelo sítio da organização na internet, tão logo estejam disponíveis. As informações contidas devem pautar pela integralidade e qualidade. Relatórios sobre os diferentes conselhos e comitês, bem como sobre as ações de governança adotadas, fazem parte das informações a serem divulgadas e não precisam se limitar à periodicidade mínima exigida. Os sócios devem ter facilitado o seu acesso a informações sobre os demais componentes do quadro de sócios. A mesma facilitação deve ocorrer por parte da diretoria executiva em relação ao acesso dos membros do conselho fiscal e do conselho de administração a documentos e instalações.

  • Relacionamento justo e transparente com partes interessadas: recomenda-se a implantação de uma diretoria (que conte com uma estrutura administrativa que lhe dê suporte) de relacionamento com torcedores (organizados ou não), que promova reuniões periódicas abertas ao público interessado em geral. A presidência deve garantir essa prática e a manutenção de um canal aberto com os interessados.

  • Integridade (impedimento de nomeação e eleição de membros com integridade suspeita): os nomes inscritos em chapas para eleição ou nomeados pelo presidente (devendo esses ser submetidos à aprovação do conselho deliberativo) precisam, antecipadamente (em relação às votações de eleição ou aprovação), passar pela análise do conselho administrativo quanto a aspectos relativos à sua reputação, devendo o resultado da análise (parecer) ser publicamente divulgado na assembleia ou reunião em que a eleição/aprovação for votada.

  • Responsabilidade social: deve ser uma preocupação em virtude da representatividade que os clubes possuem na sociedade e em virtude de lidarem com a formação pessoal (humana), educacional e profissional (esportiva) de seres humanos em suas categorias de base. Em termos de sustentabilidade, relaciona-se com outras partes desse modelo ao compreender aspectos econômicos, sociais e ambientais.

  • Definição estatutária, consciência e pleno exercício, por parte dos grupos de interesse, de seus papéis na estrutura de governança: visando garantir a sua plena exequibilidade e alcance dos objetivos. Também busca evitar conflitos de competência, poder e domínio de informações.

  • Comunicação estruturada (assessoria de imprensa): em virtude da cultura de jornalismo esportivo existente, não é possível a comunicação com o público em geral apenas por meio de um porta-voz. Entretanto, a adoção de serviços de uma assessoria de imprensa profissional (como ponto de referência e de organização da comunicação do clube, de uma maneira geral) é extremamente recomendável.

  • Cooperação com federações e outros clubes: visando intercâmbio de iniciativas de sucesso com outros clubes e federações, promovendo o crescimento do esporte e de suas organizações.

  • Utilização de padrões de contabilidade internacionais: sempre que as práticas estejam em consonância com a legislação local.

  • Avaliação semestral do presidente e da diretoria: realizada pelos conselhos de administração e fiscal e submetida ao conselho deliberativo. Em caso de reprovação, os ocupantes dos cargos ficam sujeitos às penalidades previstas nos estatutos/regimentos.

  • Conduta responsável em caso de conflito de interesses: ficando comprometida a isenção, envolvidos devem ser afastados das discussões sobre o assunto, embora tenham o direito à voz.

  • Operações com partes relacionadas: precisam ser monitoradas, fiscalizadas e sujeitas à aprovação do conselho de administração, nunca podendo ocorrer de maneira menos favorável ao clube em relação aos padrões observados no mercado.

  • Proibição de cláusulas de confidencialidade em contratos: esse tipo de prática deve ser proibido, buscando-se maior transparência na gestão e maior respeito a leis (ao dificultar a prática e a ocultação de atos ilegais, bem como a não divulgação de partes envolvidas).

  • Adequação estrutural: por serem os locais onde ocorrem as principais interações dos clubes com seus grupos de interesse, devem possuir instalações seguras, limpas, equipadas, sinalizadas e confortáveis, de modo a oferecer condições adequadas para atletas, torcedores, imprensa e demais interessados nos eventos realizados, sejam eles treinos ou jogos.

  • Gestão profissionalizada: a administração executiva (não composta por membros da diretoria executiva eleita) do clube deve ser, preferencialmente, conduzida por profissionais remunerados e qualificados para esse fim, que exerçam suas atividades de forma integral e exclusiva, sendo avaliados por seus resultados.

Sustentabilidade financeira

A sustentabilidade financeira deve ser um objetivo essencial de qualquer clube. Envolve a geração e a aplicação de um volume adequado de recursos financeiros (curto e longo prazos), visando à manutenção, à perpetuação e à viabilização da existência da organização. É inspirada, principalmente, em valores como a transparência e a prestação de contas. O financiamento de suas atividades precisa buscar um equilíbrio entre custos e despesas, de forma a limitar riscos (uma vez que há incertezas quanto aos resultados esportivos) e perenizar recursos. As práticas e princípios relativos à sustentabilidade financeira devem ser considerados na tomada administrativa de decisões e nas interações entre os diferentes componentes da estrutura de governança do clube, tanto na prestação de contas quanto na definição de diretrizes.

Nessa dimensão, o presente modelo propõe a adoção das seguintes práticas:

  • Criação sustentável de valor (a longo prazo): sua busca deve ser constante nas atividades de gestão do clube (como forma de não se inviabilizar economicamente a existência da organização), sendo justificada nos relatórios de gestão.

  • Elaboração do planejamento estratégico do clube: com objetivos de longo prazo que devem nortear as ações dos diferentes departamentos.

  • Gestão de risco: a ser realizada pela diretoria executiva e pelo conselho de administração, a gestão de risco é uma identificação e análise prévia do nível de risco (inclusive em termos de exposição financeira e seus possíveis impactos) que o clube aceitará correr na busca de seus objetivos. Também envolve uma análise do nível de variabilidade aceitável nos resultados obtidos na realização de suas atividades.

  • Divulgação de demonstrativos contábeis: compreendendo todos os aspectos exigidos pela legislação nacional, pelos padrões internacionais e pelos princípios de boa governança.

  • Divulgação de relatório com indicadores de ações judiciais: para que, ao longo do tempo, possam ser verificados a quantidade e os valores potenciais de ações judiciais (trabalhistas, fiscais e civis), penhores e demais contenciosos.

  • Preparo de orçamento anual: com submissão ao conselho deliberativo, o orçamento deve prever as despesas e as fontes de recursos para a participação em competições e manutenção das atividades do clube ao longo do exercício. Em caso de clubes endividados, deve possuir um planejamento sustentável de pagamento dos débitos, de forma a honrar acordos firmados, evitar o surgimento de novas dívidas e viabilizar a continuidade de suas atividades. Despesas já assumidas (com pagamento de dívidas fiscais, trabalhistas ou civis, por exemplo) devem estar contempladas.

  • Cálculo do ponto de equilíbrio: o cálculo desse indicador deve estar presente na análise de investimentos que comprometam recursos financeiros (principalmente nos casos em que o retorno é incerto), juntamente com outros indicadores financeiros, econômicos e contábeis. Compreende, basicamente, a diferença prevista entre as fontes de entradas de recursos e de despesas. Um desvio máximo tolerável deve ser estabelecido.

  • Restrições a remunerações desproporcionais: compromissos com remunerações, caso não sejam bem analisados pela direção, podem comprometer a viabilidade econômico-financeira do clube. Assim, o conselho administrativo deve estabelecer um teto (individual e conjunto) para remunerações e acompanhar os compromissos que são assumidos nesse sentido. É tolerável um comprometimento de até dois terços da receita anual com despesas de pessoal.

  • Adoção de travas decisórias e de aprovação do conselho deliberativo sobre comprometimento de patrimônio ou receitas futuras: decisões que envolvam valores a partir de um determinado patamar precisam ser aprovadas pelo conselho deliberativo após passar por avaliação do conselho de administração, visando evitar a dilapidação do patrimônio do clube por parte de ações da diretoria executiva.

  • Prévio estabelecimento da forma de cálculo da remuneração variável e dos prêmios por desempenho e objetivos alcançados: itens esses que comporão os orçamentos.

  • Demonstração da origem dos recursos financeiros: em caso de recursos provenientes de parceiros, investidores, empresários, fundos, entre outras fontes externas àquelas decorrentes da atividade principal.

Direitos dos associados

Todo associado titular, em dia com suas obrigações, deve ter assegurado seu direito de votar. Isso é uma forma de assegurar a participação e o envolvimento do maior número possível de interessados na condução dos destinos do clube. O exercício de voto do associado ocorre na assembleia geral, que é o órgão máximo dos associados. Entretanto, algumas das atribuições que ela possui nos principais modelos de governança corporativa são compartilhadas, no caso dos clubes, com o conselho deliberativo, em virtude de este possuir um número menor de componentes, com maior envolvimento e maior possibilidade de acompanhamento mais próximo dos destinos de um clube. Buscando garantir a equidade e a conformidade com as normas na relação com esse grupo de interesse, as ações propostas para essa dimensão do modelo são as seguintes:

  • Um voto por associado: essa prática vai contra o proposto pelos principais códigos de governança (“uma ação = um voto”). A origem desse princípio é a proteção ao exercício de direitos e atendimento dos objetivos dos acionistas na mesma proporção em que participam do capital da empresa. Entretanto, em um clube no regime associativo, não há a possibilidade de distribuição de lucros para associados. Adicionalmente, pode-se mencionar a importância que o clube possui para um grande número de interessados (torcedores), muitas vezes alijados de participação efetiva em seu destino. Nesse sentido, não há razão para que um associado obtenha individualmente um montante de votos que lhe permita conduzir isoladamente os destinos do clube. Aliás, a busca de tal controle poderia justamente levar a uma tomada de decisões que trouxesse algum tipo de benefício a esse controlador, em detrimento dos melhores interesses do clube e de sua coletividade.

  • Restrição ao exercício do voto: essa é outra prática recomendada no presente modelo que vai contra os princípios tradicionalmente difundidos de governança. Devem constar no estatuto apenas restrições que objetivem evitar manobras políticas. Por exemplo, é recomendável que associados tenham direito a voto desde que estejam nessa condição há, pelo menos, um ano, estando em dia com suas obrigações (como mensalidades, por exemplo), sendo vedadas anistias nesse período.

  • Veto a poderes especiais em assembleia: que possam viabilizar a algum associado ou conjunto de associados poderes de veto sobre o exercício de direitos de outros associados, por exemplo.

  • Ausência de classes de sócios sem direito a voto: muitos clubes possuem sócios que detêm algum tipo de cota patrimonial (título de poliesportivo, cadeira cativa ou camarote) e outros que não possuem (os chamados “sócios-torcedores”, por exemplo). A situação ideal envolve o direito a voto por parte dos “sócios-torcedores” (ainda que passem a existir maiores exigências para essa classe de torcedores). Simples programas de vantagens, descontos ou fornecimento de ingressos não devem utilizar o termo “sócio”.

  • Eleição (e cassação) da presidência (diretoria executiva): sendo feita pela assembleia geral (com o limite de um voto por associado, conforme já discutido), há menor chance de a eleição ser manipulada por determinados grupos de poder dentro dos clubes do que no caso de eleição via conselho deliberativo.

  • Reforma do estatuto social: a proposta pode ser encaminhada por outros órgãos, mas a votação para alteração precisa ser feita via assembleia geral.

  • Facilitação da presença de associados: assembleias devem ser marcadas em dias e horários que facilitem a presença e a participação do maior número possível de associados.

  • Prazo de convocação: deve ser, ao menos, quinzenal, de forma a disponibilizar as informações necessárias (pauta e documentação pertinente, com o maior detalhamento possível) para que os sócios se preparem adequadamente e possam se posicionar sobre a deliberação.

  • Ausência de item “outros assuntos” na pauta: objetivando que assuntos relevantes não sejam revelados e levados à votação sem a necessária antecedência.

  • Acesso a informações por parte de sócios: sempre que solicitado, por escrito, à diretoria ou aos diferentes conselhos e comitês do clube.

  • Acesso dos sócios aos estatutos e regimentos: visando fornecer a todos as informações necessárias para o pleno exercício de seus direitos.

  • Perpetuação do poder: não são recomendadas nos estatutos cláusulas que representem formas de perpetuar indefinidamente administradores em seus cargos.

  • Responsabilidades dos sócios: devem ser elencadas nos estatutos, regimentos ou códigos dos clubes. Entre os deveres dos associados podem ser citados a colaboração, a participação ativa, o comprometimento com princípios e valores, o conhecimento de normas e do funcionamento do clube, o alinhamento com os melhores interesses do clube, entre outros deveres.

Conselhos

Assim como os membros da diretoria, os membros dos conselhos precisam ser pontos de referência e confiança que agem com o devido cuidado no melhor dos interesses da organização e de seus stakeholders. Eles são responsáveis por exigir mais transparência e uma prestação de contas mais bem feita, de forma a verificar a conformidade no cumprimento de normas. O cumprimento da lei, dos estatutos, do código de ética e conduta e das práticas de governança deve ser uma preocupação constante dos membros desses conselhos. Na presente proposta, as responsabilidades se dividem entre três principais conselhos: o administrativo (ou de administração), o deliberativo e o fiscal. A figura a seguir ilustra as relações hierárquicas existentes entre os conselhos e os demais órgãos internos de governança, de acordo com o modelo proposto.

Figura 1
Relações hierárquicas entre os conselhos e demais órgãos internos do sistema de governança.

Na Figura 1 está representado o poder de determinação (por meio de voto ou autorização) da composição dos órgãos. A assembleia geral é responsável por eleger a diretoria da organização (gestão) e o conselho deliberativo. Esse, por sua vez, determina a composição do conselho fiscal (por eleição) e do conselho administrativo (por eleição ou referendo dos nomes apresentados pela diretoria executiva). A auditoria independente é externa à organização e, por isso (assim como outros stakeholders), não está representada na figura. Ela atua informando o conselho fiscal, a assembleia geral e demais grupos de interesse (externos) sobre os resultados de seu trabalho. A prestação de contas da gestão sobre sua atuação ocorre em diferentes formatos para os três conselhos, para a auditoria externa e para a assembleia geral. Já a prestação de contas do conselho fiscal tem como público o conselho deliberativo. Por fim, o sistema de governança é permeado por práticas relacionadas à gestão, à cultura organizacional e à sustentabilidade financeira.

Após a exposição dessa representação das relações hierárquicas entre os conselhos e os demais órgãos que compõem a estrutura interna de governança do clube, passa-se à apresentação desses conselhos, juntamente com as respectivas considerações sobre seus papéis na estrutura de governança do modelo proposto.

Conselho administrativo

O conselho administrativo (também chamado de conselho de administração, gestor ou de gestão) deve realizar um acompanhamento mais próximo das atividades da diretoria executiva (com foco voltado para o longo prazo), sendo responsável pela orientação, aprovação e fiscalização de determinadas ações. Entre os seus papéis, podem ser citados:

  • Elaboração, ajustes e monitoramento da execução do plano estratégico organizacional.

  • Elo entre assembleia geral, conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria executiva.

  • Orientação, apoio e supervisão (consultoria) da diretoria executiva.

  • Proteção e valorização da organização, buscando equilíbrio entre as expectativas dos grupos de interesse e a sustentabilidade organizacional a longo prazo.

  • Monitoramento do nível de risco assumido pelas ações da diretoria executiva.

  • Zelo pela cultura da organização e seus valores, bem como pela observância do código de conduta organizacional e das práticas de boa governança.

  • Administração de situações de conflito interno de interesses.

  • Aconselhamento em relação a aquisições.

  • Acompanhamento do funcionamento dos sistemas de controle internos.

  • Estímulo e encaminhamento de denúncias sobre ações antiéticas, ilegais ou contra os interesses do clube.

  • Elaboração de relatório de avaliação da presidência e da diretoria executiva (para posterior encaminhamento ao conselho deliberativo).

  • Deliberação, em conjunto com a diretoria executiva, sobre vencimentos de atletas e funcionários.

  • Acompanhamento de operações financeiras (que receberão parecer do conselho fiscal), respeitando o orçamento.

  • Autorização para que sejam firmados contratos de locação ou cessão de bens móveis e imóveis.

  • Manifestação (para posterior decisão do conselho deliberativo) sobre compra, venda, alienação, arrendamento e comodato de bens imóveis.

Para que essas funções sejam executadas em sua plenitude, algumas características são necessárias ao conselho ou aos seus integrantes, como as seguintes:

  • Experiência de seus membros: de preferência, devem possuir experiências anteriores em funções do clube e conhecimentos relevantes acumulados em suas vidas profissionais. É recomendável que ex-presidentes da diretoria executiva e do conselho deliberativo estejam entre seus membros, embora não deva ser formado exclusivamente por pessoas com esse perfil. O conjunto dos membros deve procurar mesclar conhecimentos em administração, legislação, contabilidade e futebol.

  • Forma de eleição: pelo conselho deliberativo, apesar de ser admitida condução direta de alguns integrantes (como, por exemplo, ex-presidentes da diretoria). Nesse último caso, os nomes devem ser referendados pelo conselho deliberativo.

  • Prazo do mandato: não deve ultrapassar quatro anos. Reeleições são desejáveis, desde que não possam ocorrer automática e ilimitadamente.

  • Limitações: seus integrantes devem possuir disponibilidade de tempo e não participar de conselho semelhante em outro clube de futebol profissional.

  • Relações com presidente da diretoria e presidente do conselho deliberativo: eles podem ser convidados para as reuniões do conselho administrativo, mas esse deve manter sua independência.

  • Número de integrantes: de 5 a 11 membros.

  • Diversidade de origem de seus membros: além de ex-presidentes, conselheiros também devem estar presentes na sua composição.

  • Independência: o conselho de administração deve possuir independência em relação à diretoria executiva e pode ser fiscalizado pelo conselho deliberativo. A presidência desses órgãos (diretoria, conselho deliberativo e conselho administrativo) deve ser ocupada por pessoas diferentes.

  • Atribuições do órgão: devem constar expressamente no estatuto do clube.

  • Votações nominais: visando a uma atribuição de responsabilidades mais pessoal e clara na tomada de decisões, os votos de seus membros devem ser registrados e suas atas divulgadas ao conselho deliberativo.

  • Remuneração: assim como nos demais conselhos, é vedada.

  • Normas, funcionamento, papéis e integrantes: assim como nos demais conselhos, devem ser disponibilizados a todos os associados.

Conselho deliberativo

É o órgão máximo de representação colegiada dos associados do clube e congrega muitas responsabilidades que, em empresas privadas, seriam do conselho de administração ou da assembleia geral. Tende a ser composto por pessoas mais envolvidas e conhecedoras do ambiente do clube, por isso possui atribuições que, à primeira vista, poderiam ser de todos os associados. Visando inibir conflitos de interesse, seus membros (assim como os dos demais órgãos) devem ser impedidos de possuir atividades profissionais de procuradores, empresários ou agentes de atletas, bem como ser sócios de pessoas físicas ou jurídicas que exerçam tais atividades. Entre suas principais funções, podem ser citados:

  • Autorizações: para que a diretoria executiva proceda com ações e compromissos de compra, locação, arrendamento, venda, comodato e cessão de bens imóveis.

  • Eleição: de membros dos conselhos fiscal e de administração, e de demais comissões e comitês.

  • Aprovação: de membros da diretoria indicados pela presidência.

  • Elaboração: por meio de comissão, do código de ética e conduta do clube.

  • Deliberação: sobre relatórios da diretoria executiva, do conselho de administração, do conselho fiscal, e de demais comitês e comissões.

  • Discussão e votação: do orçamento anual do clube.

  • Deliberação: a respeito de denúncias sobre ações de quaisquer membros, de quaisquer órgãos.

  • Constituição: de eventuais comissões e comitês específicos que sejam formados no clube.

  • Discussão e votação: anualmente, das contas do clube e de seus administradores.

  • Deliberação: sobre contratos de parceria, cogestão, arrendamento de setores, entre outros.

  • Formação e capacitação: o órgão deve estimular e viabilizar programas nesse sentido, visando maior preparo e pleno exercício das respectivas atribuições por parte dos envolvidos nas diversas áreas de gestão, monitoramento, avaliação e tomada de decisão.

Conselho fiscal

O conselho fiscal é o órgão independente de fiscalização da administração do clube, sendo peça fundamental de transparência e prestação de contas. O exercício de suas funções é incompatível com o de qualquer outra função. Seus membros devem ser eleitos individualmente pelo conselho deliberativo, procurando assegurar maior representatividade dos diferentes grupos de interesse. Assim como nos demais conselhos, suas normas, seu funcionamento, seus papéis e dados sobre seus integrantes devem ser disponibilizados a todos os associados. É essencial que ao menos um de seus membros tenha experiência em contabilidade ou auditoria. Entre as suas atribuições, podem ser citadas:

  • Fiscalização: das contas e da gestão do clube, verificando o cumprimento do orçamento e a aplicação de recursos, bem como a observância do estatuto por parte da diretoria executiva.

  • Análise: de demonstrações financeiras, provisões e dos sistemas de controle internos.

  • Exame: mensal de livros, documentos e balancetes, solicitando esclarecimentos à administração do clube ou à auditoria independente, sempre que necessário.

  • Apresentação: de parecer semestral ao conselho deliberativo (que será responsável por sua aprovação ou rejeição) sobre as atividades da diretoria executiva e a observância dos orçamentos.

  • Denúncia: de eventuais desvios ocorridos no processo de gestão do clube (inclusive com comprometimento de recursos ou aumento do risco financeiro/econômico).

  • Determinação: da auditoria independente a ser contratada.

  • Composição: se for o caso, juntamente com o conselho deliberativo, de um comitê de auditoria que avaliará normas, procedimentos e controles internos, recomendando ações para seu aperfeiçoamento.

Auditoria

A realização de uma auditoria externa independente das demonstrações financeiras visa verificar se refletem de maneira adequada a real situação do clube. Essa é uma relevante etapa do processo de divulgação de informações (transparência), necessária para que haja confiança dos grupos de interesse (internos e externos) no trabalho feito pela administração (avaliando sua prestação de contas). São esperados no processo:

  • Independência, isenção, competência e qualificação dos auditores: necessárias para o efetivo resultado do processo de auditoria. A independência financeira da auditoria deve ser certificada.

  • Avaliação e revisão de sistemas internos de controle: um relatório com sugestões para aperfeiçoamento dos controles internos é um dos resultados esperados do trabalho da auditoria.

  • Rotatividade periódica de auditores: visando manter a independência.

  • Auditoria interna: importante sistema de controle, consiste em um comitê permanente cujas atividades são independentes da auditoria externa (sendo recomendável a troca de informações entre elas).

  • Parecer claro e objetivo: precisa conter o escopo, os trabalhos efetuados, a opinião e a responsabilidade assumida pela auditoria independente.

  • Recomendações: devem ser reportadas ao conselho de administração e ao comitê de auditoria (se for o caso), os quais, por sua vez, devem encaminhar as recomendações aos demais órgãos e conselhos do clube.

  • Não realização de serviços extra-auditoria: também buscando assegurar a independência dos auditores.

Considerações finais

Uma administração mais profissional e transparente vem se tornando exigência por parte dos grupos de interesse, inclusive potenciais investidores. A adoção de um regime empresarial não significa necessariamente uma solução dessa questão. Muitas vezes pode levar a um distanciamento dos grupos de interesse (com alijamento dos torcedores em relação aos acontecimentos do clube) e a uma diminuição da transparência da gestão. Mesmo sendo o modelo associativo a forma de organização jurídica mais difundida entre os clubes brasileiros, uma gestão profissionalizada independe da configuração jurídica adotada pela organização.

As boas práticas de governança podem ser uma resposta adequada na busca de maior profissionalização da gestão e de um equilíbrio mais adequado do poder decisório nas organizações. Entre seus objetivos, estão o envolvimento e o alinhamento das influências dos diferentes stakeholders, de forma a incrementar o processo de tomada de decisão para que sejam buscados os melhores interesses do clube e sua sustentabilidade a longo prazo. A adoção desse tipo de prática pode, inclusive, constituir-se em um diferencial na busca por capitais e outros recursos, ao estimular uma melhor estruturação administrativa dos clubes. A implantação de práticas de boa governança também tende a legitimar a atuação dos dirigentes perante um relevante número de interessados (como torcedores) que não possuem representatividade nas questões políticas ou administrativas do clube.

Entretanto, em função das especificidades dos clubes como organizações, faz-se necessária uma transposição conceitual da governança empresarial ao contexto futebolístico. A construção de um modelo próprio, adequado às características desse ambiente e da maior parte de suas organizações (associações), foi a proposta do presente trabalho.

Inspirado em alguns dos principais códigos de governança nacionais e internacionais, o modelo formulado foi submetido a especialistas em gestão do futebol, provenientes de diferentes órgãos (federações, associações, clubes e poder público). De maneira geral, todos os entrevistados consideraram relevante a proposta do modelo, concordaram com as dimensões em que está dividido e se mostraram de acordo com a maior parte de suas práticas e requisitos. Cabe ressaltar o parecer positivo que todos deram sobre as propostas que vão contra os modelos mais difundidos de governança: o exercício de apenas um voto em assembleias (independentemente do número de títulos que o associado possua) e somente após um tempo mínimo de permanência no quadro de sócios. A principal motivação de todos foi justamente a busca por se evitar manobras no quadro associativo de forma a concentrar o poder decisório do clube. Outro ponto comum observado nas entrevistas foi o destaque dado à necessidade de uma imposição legal para que esse tipo de medida seja efetivamente implantado, uma vez que é um setor tradicionalmente avesso a transformações estruturais. Divergências ocorreram apenas em relação à presença, ausência ou forma de execução de práticas específicas, sendo essas consideradas no ajuste da proposta final do modelo.

Os métodos utilizados ao longo da pesquisa se revelaram adequados à sua proposta, como a submissão do modelo a especialistas, com a utilização de um roteiro de entrevista semiestruturada, bem como o método comparativo e a combinação entre dedução, observação e indução utilizados na análise de seu conteúdo. A composição do corpo de especialistas possibilitou que fossem mescladas diferentes formações, experiências e pontos de vista nas opiniões manifestadas sobre o tema. Já a análise de dados por meio da análise de conteúdo e da interpretação inferencial permitiu, além de uma confrontação com a teoria pesquisada e a proposta desenvolvida, uma análise reflexiva e crítica que levasse a maiores inferências e reflexões sobre o conjunto das opiniões coletadas.

Os resultados do trabalho sugerem que, por meio da adaptação de práticas tradicionais, a elaboração de um modelo específico de boas práticas de governança para o setor de clubes de futebol profissional é viável, tendendo a possuir algumas dimensões comuns às dos principais códigos de governança. O objetivo do trabalho foi atingido ao se chegar a uma proposta de modelo de boas práticas de governança que fosse adequado às características organizacionais e ao contexto ambiental próprios dos clubes de futebol profissional, de forma que essa colaboração original sirva como subsídio para uma proposta inicial de política pública (marco normativo regulatório) de governança nos clubes de futebol profissional.

A pesquisa possui restrições que devem ser consideradas. Apesar de compreender, em sua estrutura, influências de diversos códigos de governança, bem como impressões de especialistas sobre o tema, seu conteúdo é resultado de impressões do autor e dos entrevistados, não sendo construído apenas com base em dados que constem em fontes documentais. Consiste, assim, em uma proposta que pode passar outros tipos de aperfeiçoamento se submetida a especialistas com diferentes visões, conhecimentos e experiências.

Os entrevistados foram selecionados de forma direcionada (com base em informações previamente disponíveis), sem o uso de técnicas probabilísticas de amostragem, e compõem uma amostra que pode ser considerada pequena. A definição da amostra foi direcionada pelo pesquisador com o objetivo de compreender especialistas com perfis variados, mas sofreu a influência da disponibilidade, do interesse e da conveniência dos especialistas contatados. Apesar de se buscar avaliações do modelo por meio de entrevistados que possuíssem perfis variados, é possível a permanência de eventuais vieses pessoais na condensação e análise de suas opiniões. Já a coleta de informações foi uma etapa dependente da disposição que os entrevistados tinham em fornecer informações relevantes. Mesmo em virtude dessas limitações, pode-se considerar que as diferenças de opiniões e perfis contribuíram positivamente para as análises comparativas efetuadas neste trabalho.

A proposta desenvolvida se destina a clubes formatados juridicamente como associações. Ela pode ser aplicada em outros tipos de formatação (empresas, por exemplo), mas necessitaria, nesses casos, de alguns ajustes. E, mesmo no caso de associações, o perfil de cada clube deve ser levado em consideração ao se ajustar o modelo. Aspectos como organização administrativa, história, volume de torcedores, idade e patrimônio, entre outros, influenciam o contexto e promovem a necessidade de adaptações na proposta.

Almeja-se que, a partir deste modelo, novos trabalhos possam promover um aprimoramento do tema ao submetê-lo a diferentes especialistas. Existe também a possibilidade de complementar este trabalho, realizando estudos de caso em clubes que eventualmente adotem a proposta ou elaborando um índice de governança para clubes com base nesta proposta. Adicionalmente, outras possibilidades seriam a realização de transposições que busquem adaptar o modelo a clubes com outras configurações jurídicas (clube-empresa, por exemplo), a organizações atuantes em outros esportes, ou mesmo a variados tipos de associações que tenham diferentes objetivos e áreas de atuação.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2014
  • Aceito
    28 Out 2015
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