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OLIGARQUIZAÇÃO EM UM GRANDE CLUBE DE FUTEBOL: O CASO DO SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA1 1 Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq por meio de apoio à pesquisa e uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa.

OLIGARCHIZATION IN A MAJOR FOOTBALL CLUB: THE CASE OF THE SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA

Resumo

Em sua maioria, clubes de futebol são associações de adesão voluntária marcadas por uma dualidade institucional. Por um lado, uma base associativa que usufrui dos bens tangíveis do “clube social” e compõe o corpo eleitoral que escolhe os dirigentes; por outro, o âmbito do futebol profissional, caracterizado pela mobilização de vultosos recursos financeiros e pela produção de um ativo intangível para os aficionados: o sucesso e a identidade esportivos. Identificam-se em muitos clubes, bem como noutras associações desportivas, processos de oligarquização que têm como traço mais proeminente a longevidade dos mesmos dirigentes em posições de mando. Neste artigo, mediante o estudo de caso do Sport Club Corinthians Paulista, busca-se compreender em profundidade a natureza desses processos, identificando os fatores-chave do ciclo da oligarquização, ou seja, a constituição, consolidação e declínio de um predomínio oligárquico. Mais do que um estudo sobre a temática particular das entidades esportivas, este estudo de caso visa contribuir à tradicional discussão sobre a oligarquização de entidades associativas, tendo como base teórica as pesquisas sobre oligarquização produzidas na senda aberta por Robert Michels.

Palavras-chave
Oligarquia; Associações voluntárias; Organizações esportivas; Futebol; Mudança organizacional

Abstract

Mostly football clubs are voluntary associations marked by an institutional duality. On the one hand, a membership base that benefits from the tangible goods of the “social club”, make up the electorate and choose the leaders; on the other hand, the scope of professional soccer, characterized by the mobilization of significant financial resources and the production of an intangible asset for the fans: the sporting success and identification. In many clubs, as well in other sports associations, oligarchization processes occur; their most outstanding trait is the longevity of the very same ruling leaders. In this article, through the case study of Sport Club Corinthians Paulista, we seek to understand in depth the nature of such processes and identify the key factors of the oligarchization cycle, i.e., the establishment, consolidation and decline of an oligarchic dominance. More than a study on the specific subject of sports entities, this article aims to contribute to the traditional discussion about the oligarchization of associative entities, and takes as its theoretical ground the scholarship on oligarchization made after the path opened by Robert Michels.

Keywords
Oligarchy; Voluntary associations; Sports organizations; Football; Organizational change

Clubes sociais e desportivos são associações de adesão voluntária. Seus membros aderem a normas, uma estrutura de poder e relações societárias já vigentes – exceto, claro, os fundadores. Isso vale para os clubes em geral e, ao menos no Brasil, para os grandes clubes de futebol. Esse fato é importante porque, com a profissionalização e a transformação do futebol em um grande negócio, difundiu-se mundo afora a transformação de tradicionais agremiações esportivas em empresas, a cessão a empresas da gestão do futebol profissional ou, ao menos, a assunção de mecanismos empresariais (“empresarização”) na gestão de times (COSTA; SILVA, 2006COSTA, E. S. da; SILVA, R. C. da. Empresarização e controle organizacional: um estudo nos clubes de futebol em Santa Catarina. Cadernos EBAPE, v. 4, n. 4, p. 1-16, dez. 2006.; RODRIGUES; SILVA, 2009RODRIGUES, M. S.; SILVA, R. C. A estrutura empresarial nos clubes de futebol. Organizações e Sociedade, v. 16, n. 48, p. 17-37, jan./mar. 2009.; ALBINO et al., 2009ALBINO, J. C. A. et al. Sport Club Internacional e a constituição da identidade corporativa de ‘Clube Empresa’. Organização e Sociedade, v. 16, n. 48, p. 81-100, jan./mar. 2009.). Assim, decisões sobre o futebol são cada vez menos sujeitas ao escrutínio da base associativa, tornando-se assunto de executivos.

Embora cada vez mais comum, a pura e simples transformação em empresa não é regra universal e há casos bem-sucedidos (desportiva e financeiramente) de clubes que permaneceram entidades associativas enquanto seu futebol cresceu e se profissionalizou. Exemplos disso são os dois grandes da Espanha, Real Madrid e Barcelona (CALLEJO; FORCADELL, 2006CALLEJO, M. B.; FORCADELL, F. J. Real Madrid Football Club: a new model of business organization for sports clubs in Spain. Global Business and Organizational Excellence, v. 26, n. 1, p. 51-64, Nov./Dec, 2006.; ASCARI; GAGNEPAIN, 2006ASCARI, G.; GAGNEPAIN, P. Spanish football. Journal of Sports Economics, v. 7, n. 1, p. 76-89, Feb. 2006.). Por outro lado, a experiência britânica traz uma tendência antiga e cada vez mais aprofundada de incorporação do futebol profissional por empresas ou grupos de investidores – alguns dos quais, inclusive, atores relevantes no caso aqui estudado (BROWN; WALSH, 2000BROWN, A.; WALSH, A. Football supporters’ relations with their clubs: a European perspective. Soccer & Society, v. 1, n. 3, p. 88-101, 2000.).

No Brasil, a não transformação dos clubes em empresas futebolísticas, ou a cessão a elas da gestão do futebol, gera um fenômeno peculiar e paradoxal. O futebol profissional movimenta somas vultosas (patrocínio, direitos de imagem e transmissão, transações de atletas e seus salários etc.), mas a parte social dos clubes permanece modesta, quando não deficitária. Em parte, essa dificuldade financeira está relacionada a um esvaziamento pelo qual passaram alguns clubes com o surgimento de condomínios fechados e academias de ginástica. Porém, mesmo que em menor número do que noutras épocas, os associados usuários da parte social ainda constituem a base eleitoral dos clubes – escolhendo dirigentes para instâncias de representação e definindo a sucessão interna nas agremiações. Por isso, dirigentes cortejam essa base para obter seu apoio e continuar a decidir sobre a parte econômica, social e politicamente relevante para fora da entidade, o futebol profissional.

Em contrapartida, é constante a transferência de recursos do futebol para a área social dos clubes em que ela é relevante2 2 É importante fazer essa ressalva, pois alguns clubes esportivos, como o Santos Futebol Clube ou oGrêmio de Foot-Ball Porto Alegrense, por exemplo, embora também sejam associações voluntárias,não possuem um clube social significativo, que seja percebido de forma destacada pelos sócios comoum serviço do qual são usuários – ou quase clientes. Seu foco principal está nos torcedores de futebol e, mais recentemente, nos assim chamados “sócios-torcedores”, que são clientes do produto futebol, fidelizados por uma série de benefícios e facilidades na compra de ingressos. No Grêmio, os benefícios distintos do futebol são, sobretudo, descontos na aquisição de bens e serviços de empresas conveniadas. No Santos, a partir de 2011, os sócios-torcedores foram todos convertidos em sócios contribuintes com direito a voto nas eleições internas, em virtude de uma modificação estatutária.Também no Sport Club Internacional (ALBINO et al., 2009) os sócios-torcedores são eleitores. . Esquemática e simplificadamente: no futebol profissional se faz dinheiro, no clube social se gasta. As consequências são: (1) a piora financeira, pois – para além da rentabilidade do futebol – tal sangria compromete o negócio; (2) a institucionalização de uma política de patronagem, pois o apoio se obtém pelo atendimento de demandas localizadas de setores do clube ou mesmo de associados individualmente, ainda que isso comprometa a racionalidade da gestão como um todo – e do futebol profissional em particular.

Contudo, dirigentes bem-sucedidos na manutenção de seu poder têm a capacidade de continuamente reforçar os instrumentos pelos quais tal manutenção se dá. Isso vale não só para os mecanismos de patronagem (mobilizando recursos materiais), como para os institucionais (modificando regras formais). A permanência à frente do clube possibilita promover mudanças nas normas que facilitam a continuidade no poder e restringem o espaço dos opositores.

Tais condições possibilitaram a permanência, por 14 anos, de um grupo dominante no Sport Club Corinthians Paulista, caso a ser analisado detidamente neste artigo. Notou-se que tal longa permanência não se constituía em uma exceção histórica, mas na regra. Por isso, embora o objeto principal seja o período mais recente, a pesquisa revelou que os mecanismos de conquista e manutenção do poder organizacional possuíam raízes antigas e profundas. E embora haja fatores novos, que contribuíram para a oligarquização recente (certas mudanças estatutárias), há condicionantes antigos que – inalterados – deflagraram o desenvolvimento desse processo.

Por último, mas não menos importante, ressalte-se a dimensão do futebol na vida cotidiana. Como aponta DaMatta (1994, p. 12)DAMATTA, R. Antropologia do óbvio: notas em torno do significado social do futebol brasileiro. Revista USP: Dossiê Futebol, São Paulo, v. 22, p. 10-17, 1994., o futebol

é uma atividade que indubitavelmente promove sentimentos básicos de identidade individual e coletiva entre nós. [...] Assim, embora seja uma atividade moderna, um espetáculo pago, produzido e realizado por profissionais da indústria cultural [...] ele, não obstante, também orquestra componentes cívicos básicos, identidades sociais importantes, valores culturais profundos e gostos individuais singulares.

Esse “componente cívico” será especialmente importante para a análise do caso em tela neste artigo, já que a pressão feita de fora para dentro da organização – crucial para a desoligarquização – teve nele seu motor. Essa importância do futebol na constituição da identidade é notada também por Toledo (2000, p. 273)TOLEDO, L. H. Lógicas no futebol: dimensões simbólicas de um esporte nacional. 2000. 341 f. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.:

futebol, para o conjunto geral de torcedores, é muito mais que um produto consumível. E a sua permanência como dimensão gregária, corporada ou identitária reside justamente na manutenção dos níveis de emoção que promove, quer no instante de uma partida, quer no cotidiano, sustentando qualquer sociabilidade.

São essas características que permitiram ao historiador Eric Hobsbawn (2000)HOBSBAWN, E. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. identificar no futebol uma “religião leiga do século XX”, como é notado por Buarque de Hollanda (2009, p. 48)BUARQUE DE HOLLANDA, B. Futebol arte e política: a catarse e seus efeitos na representação do torcedor. Organizações e Sociedade, v. 16, n. 48, p. 123-140, jan./mar, 2009..

O artigo está organizado em outras três seções. Na próxima, definirei o problema teórico central do artigo: as categorias de oligarquia e oligarquização, justificando sua utilidade conceitual para compreender a política em associações voluntárias e representativas. Na subsequente, empírica, analisarei o caso do Corinthians, demonstrando como a dinâmica oligárquica se estruturou historicamente e como se rompeu. Na última, apresentarei as conclusões e hipóteses de pesquisa para novos estudos de caso sobre oligarquização em associações voluntárias (não só clubes de futebol), as quais possibilitem comparar organizações e formular uma teoria acerca do problema.

Oligarquia e oligarquização: definições e operacionalização dos conceitos

Oligarquia é um termo que, na linguagem cotidiana, bem como na literatura das humanidades, frequentemente aparece com pouco rigor, mais valorativamente a expressar percepção subjetiva (pejorativa) sobre determinada liderança ou grupo do que a descrever objetivamente uma situação. Na acepção original grega, platônica ou aristotélica (ARISTÓTELES, 1991ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martins Fontes, 1991.; PLATÃO, 1989PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. 511 p.), oligarquia é o governo dos ricos em proveito próprio – razão pela qual se enquadra na condição de má forma de governo, pois nas formas boas governar-se-ia para o todo. Para Aristóteles, é a riqueza que realmente importa, não o número; porém, como ricos são em pequeno número, seu governo é de poucos. Tal sentido perdurou aplicado usualmente à denominação de grupos poderosos e afluentes, sobretudo famílias abastadas e suas redes (Cf. CERRI, 1998CERRI, L. F. Non ducor, duco: a ideologia da paulistanidade e a escola. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000200007&lng=pt&nrm=iso&tlng=en>. Acesso em: 19 fev. 2015.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; GAZMURI, 2004GAZMURI, C. Alberto Edwards y la fronda aristocrática. Historia, Instituto de Historia. Pontificia Universidad Católica De Chile, v. I, n. 37, p. 61-95, Enero/Junio 2004.).

Na acepção mais recente, cunhada originalmente por Michels (2001)MICHELS, R. Political parties: a sociological study of the oligarchical tendencies of modern democracy. Ontario: Batoche Books, 2001[1915]. 266 p., perdeu centralidade a questão econômica (governo dos ricos), ganhando importância os critérios numérico (governo de poucos) e organizacional (poucos que controlam uma organização). Isso não significa que a riqueza esteja ausente, mas que perdeu centralidade na definição. O controle organizacional por poucos, que atuam de forma entrincheirada (LEACH, 2005LEACH, D. K. The iron law of what again? Conceptualizing oligarchy across organizational forms. Sociological Theory, v. 23, n. 3, p. 312-337, Sep. 2005.), torna-se decisivo. Para Michels (2001)MICHELS, R. Political parties: a sociological study of the oligarchical tendencies of modern democracy. Ontario: Batoche Books, 2001[1915]. 266 p., o afastamento das decisões organizacionais em relação ao que anseiam os membros da organização é o que caracteriza a oligarquização. Todavia, para além desse postulado, mais decisivo do que a tomada de decisões contrárias à vontade da maioria é o entrincheiramento dos dirigentes.

O entrincheiramento tem duas implicações relacionadas. Primeira, assegura aos dirigentes de uma organização manter-se no poder de forma relativamente imune à competição (de opositores ou competidores organizacionais de diversos tipos), o que facilita (embora não determine) sua permanência nos postos de comando. Segunda, e consequentemente, possibilita-lhes tomar decisões contrárias aos princípios de legitimidade e às preferências da maioria dos membros da organização, já que não serão sancionados por isso. O entrincheiramento é fator causal chave, pois, ao eliminar as ameaças competitivas, possibilita (embora não determine) decisões ilegítimas e/ou não responsivas.

Parte-se da definição de Couto (2012, p. 57)COUTO, C. G. Oligarquia e processos de oligarquização: o aporte de Michels à análise política contemporânea. Revista de Sociologia e Política, v. 20, n. 44, p. 47-62, 2012. sobre oligarquia:

É um regime organizacional no qual os indivíduos que detêm postos de comando conseguem agir continuamente de forma não subordinada aos princípios de legitimidade vigentes, pois não são controláveis pelos demais membros da coletividade organizada, podendo assim dirigi-la de modo a favorecer seus próprios objetivos em detrimento do que desejam os demais e/ou do que são os princípios legítimos de funcionamento da organização.

Acrescente-se a essa definição que o fator-chave para que a oligarquia se estabeleça, possibilitando a falta de controle sobre os dirigentes, é o funcionamento falho dos mecanismos de competição organizacional. Isso torna a oligarquia antagônica tanto à democracia como à meritocracia, já que em ambas a competição é fator primordial.

Portanto, assim como oligopólio e oligopsônio são estruturas de mercado de competição imperfeita, a oligarquia é uma estrutura organizacional de competição imperfeita. No mercado, a imperfeição competitiva decorre do controle de recursos econômicos cruciais por um pequeno número de agentes, capazes de submeter a suas preferências os demais; em uma organização, a imperfeição competitiva advém do controle de recursos organizacionais cruciais por um pequeno número de agentes, possibilitando-lhes subordinar a seu mando os demais membros da organização.

Ipso facto, a baixa rotatividade dos ocupantes de posições de mando é indicador de que pode haver oligarquização, embora não possa ser tomada isoladamente como sua evidência cabal. É preciso que a perpetuação dos dirigentes decorra da manipulação ilegítima de recursos organizacionais, de modo a embotar a competição que lhes poderia desalojar. A noção de legitimidade aqui invocada não é normativa, mas descritiva: refere-se a normas formal ou informalmente aceitas pelo conjunto da coletividade como adequadas para o funcionamento da organização; sua violação ou derrogação3 3 A derrogação pura e simples de todas as regras democráticas não levaria necessariamente a uma oligarquia, mas provavelmente a um autoritarismo. Para que uma democracia se oligarquize é necessário manter uma aparência democrática (ao menos algumas regras ambíguas), mas tornar efetivos procedimentos que, na prática, eliminam a competição política real. implicam exercício ilegítimo do poder organizacional.

Ilustrativamente, em um contexto de competição política efetiva em que seja plausível a incerteza quanto aos resultados da disputa eleitoral (PRZEWORSKI, 1984PRZEWORSKI, A. Amas a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, n. 9, p. 36-46, 1984.), a mera recondução dos mesmos dirigentes a posições de comando não é suficiente para haver exercício ilegítimo do poder. É esse o caso de democracias em que um mesmo partido é repetidamente reeleito, sem que haja fraude ou manipulação eleitoral. A ilegitimidade não se coloca e, portanto, não há oligarquização.

Ao propor um modelo teórico que possibilite operacionalizar empiricamente o conceito michelsiano, Ribeiro (2014, p. 183)RIBEIRO, P. F. A lei da oligarquia de Michels. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, p. 179-223, jun. 2014. deixa de lado o problema do poder legítimo para ater-se aos possíveis indicadores da oligarquização. Ele define oligarquia como um sistema no qual: “(1) há diferenças de preferências e interesses entre os líderes e a maioria dos liderados acerca de questões-chave, sendo que (2) as preferências dos primeiros prevalecem de modo regular na maioria das vezes, e no qual (3) se verifica um reduzido grau de renovação dos órgãos dirigentes”.

Em consonância com o que já foi dito, os dois primeiros elementos (sobretudo o primeiro) são consequências possíveis, embora não inevitáveis, da oligarquização. Já o terceiro é um indicador útil para identificá-la, mas deve ser considerado conjuntamente à manipulação ilegítima dos recursos organizacionais. Isso é, de certa forma, notado pelo próprio Ribeiro (2014, p. 189)RIBEIRO, P. F. A lei da oligarquia de Michels. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, p. 179-223, jun. 2014., quando observa – seguindo Michels e Juan Linz (2006)LINZ, J. J. Robert Michels and his contribution to political sociology in historical and comparative perspective. In: LINZ, J. J. Robert Michels, political sociology, and the future of democracy. New Brunswick: Transaction, 2006. p. 1-80. – que o sucesso dos dirigentes na condução da organização pode fazer com que a base lhes recompense, reconduzindo-lhes aos postos de mando. Porém, a longa permanência nesses postos suscita-lhes interesses distintos dos da base, dentre eles o de permanecer, se necessário, apelando à discricionariedade. Se bem-sucedidos, podem manipular as preferências dos liderados, realimentando o ciclo (RIBEIRO, 2014RIBEIRO, P. F. A lei da oligarquia de Michels. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, p. 179-223, jun. 2014., p. 189) e, no limite, produzindo “ditadores benevolentes” – um oximoro, como Linz indica e é observado por Ribeiro.

Governantes populistas no sentido proposto por Weyland (2001WEYLAND, K. Clarifying a contested concept: populism in the study of Latin American politics. Comparative Politics, v. 34, n. 1, p. 1-22, out. 2001.; 2003)WEYLAND, K. Neopopulism and neoliberalism in Latin America: how much affinity?. Third World Quarterly, v. 24, n. 6, p. 1095-1115, dez. 2003. atuam de forma condizente com esse domínio oligárquico de “ditadores benevolentes”, pois rompem com a institucionalidade formal vigente, operando ao arrepio das instituições estabelecidas e sobrepondo-se a elas, de modo a implantar um domínio pessoal, em relação direta com os cidadãos – independentemente de mediações institucionais. Certos populistas o fazem até para construir instituições que se tornem um legado (como Vargas ou Perón), enquanto outros são incapazes de produzir estruturas institucionais que sobrevivam a seu próprio mando (como Alvarado). Nos termos de Cavarozzi (2010, p. 19)CAVAROZZI, M. Ação presidencial na América Latina: antecedentes históricos e uma tipologia do século XXI. In: FAUSTO, S. (Org.). Difícil democracia: o estado da democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2010., valem-se mais de poderes “paraconstitucionais” que constitucionais, já que seguem uma normatividade informal, imposta por seu próprio exercício do poder4 4 Ao mencionar aqui o populismo, tomo por referência a abordagem do fenômeno feita por autores de orientação institucionalista, como Weyland e Cavarozzi. O termo é, contudo, controverso e assumiusignificados muito distintos na literatura, em particular a de inspiração marxista, como em Weffort(1989), Ianni (1991) e Laclau (2013), por um lado, ou na abordagem econômica neoclássica, comoem Dornbush e Edwards (1991), por outro. Um balanço de diversas dessas abordagens mais tradicionais foi feito por Ferreira (2001). .

Contudo, populismo e oligarquia não se equivalem, embora seja correto afirmar que regimes populistas tendam a conter elementos oligárquicos. Afinal, o exercício do poder às expensas da institucionalidade vigente embota a competição (algo central ao domínio oligárquico) e líderes populistas o fazem de modo a fortalecer não apenas seu domínio pessoal, mas o de sua entourage.

Voltando ao modelo de Ribeiro, embora ele seja útil para aferir a continuidade de grupos no poder, mostra-se mais adequado a esse fim do que propriamente para identificar a existência e a permanência de oligarquias. O problema reside no descarte por Ribeiro da ilegitimidade como condição sine qua non para a oligarquização. Ele o faz ao criticar a concepção de oligarquia de Leach, por considerar difícil sua operacionalização empírica, já que critérios de legitimidade seriam contingentes a cada contexto. O problema é que, com seu descarte, acaba-se esvaziando de significado a continuidade dos grupos no poder, que se torna problema meramente formal. Também se dá importância demasiada à responsividade – sendo que ela mesma, quando viabilizada pela manipulação ilegítima e desigual dos recursos organizacionais pelos que os controlam, torna-se instrumental para a oligarquização –, ou seja, ela é mais contingente do que a própria legitimidade.

Para evitar tais dificuldades, deve-se considerar o indicador da continuidade de um grupo dirigente no poder de forma não isolada, pois é insuficiente para indicar oligarquização e poderia se constituir, em uma expressão da linguagem médica, em falso positivo. Daí a necessidade de associar esse indicador a um fator como a legitimidade. Exemplo do uso ilegítimo de recursos organizacionais é sua instrumentalização em desacordo com as regras vigentes pelos que detêm posições de mando, de modo a embotar a competição interna. Tal manipulação facilita a formação de coalizões de apoio capazes de, subsequentemente, modificar regras formais para assegurar indefinidamente a manutenção das posições de mando, deflagrando o processo de oligarquização.

Com base no estudo de caso objeto deste artigo, formulou-se um modelo de pesquisa para novas investigações sobre a constituição e o declínio de oligarquias em associações voluntárias. O processo de oligarquização inicia-se no bojo da política competitiva, pelo acesso diferencial a recursos de poder pelos mandatários da organização. Tais posições facultam o uso discricionário de recursos organizacionais, desequilibrando a competição política em prol dos dirigentes. No que o tempo passa, mais o desequilíbrio se aprofunda, mediante retornos crescentes de poder aos controladores da organização. Isso enfraquece as oposições e reforça a posição dos dirigentes, tanto pelo aumento de seu apoio com os membros da organização (por cooptação ou ganho de prestígio) como pela ampliação de seu poder em instâncias decisórias cruciais. Facilitadas por tal posição vantajosa, mudanças das regras formais empoderam ainda mais os dirigentes, entrincheirando-os e blindando-os contra as invectivas oposicionistas. Constitui-se, assim, a oligarquia.

Contudo, no longo prazo o entrincheiramento e a blindagem podem, paradoxalmente, mostrar-se problemáticos para a preservação do grupo encastelado. Na falta de controles efetivos pelos oposicionistas e de algum autocontrole pelos oligarcas, tornam-se mais propícias a predação organizacional e práticas temerárias, produzindo crises organizacionais. Essas ocorrem seja porque a organização fracassa na consecução de objetivos necessários à sua preservação, seja porque atrai a pressão de agentes externos, capazes de mobilizar recursos que rompem o entrincheiramento. Quando isso ocorre, a oligarquização pode ser quebrada e fecha-se o que podemos denominar o ciclo da oligarquização. Veremos a seguir como isso ocorreu no caso estudado.

O caso do Corinthians

O caso particular que motivou originalmente este estudo principiou em 1993, quando foi eleito presidente do clube Alberto Dualib, há muitos anos conselheiro e diretor do Corinthians, por essa razão, esse é o período que merece maior atenção e detalhamento neste artigo. Contudo, para compreender como tal história se desenrolou, é útil observar o contexto histórico que lhe precedeu.

De Trindade a Matheus

Em 1993, Dualib derrotou o então candidato situacionista, Vicente Matheus, que pretendia suceder à própria esposa, Marlene Matheus, que, por sua vez, sucedera ao próprio marido dois anos antes. Matheus foi o mais famoso dos presidentes corintianos. Elegeu-se pela primeira vez em 1959, em oposição a Alfredo Ignácio Trindade, que então governava o clube há 10 anos, já em seu segundo período como presidente. Segundo um entrevistado:

“Alfredo Trindade foi um dos primeiros presidentes a ficar dez anos no clube, como presidente do Corinthians. Ele foi campeão de cinquenta e um, de cinquenta e três e cinquenta e quatro. Ele se manteve muito tempo no clube, por causa desse campeonato de cinquenta e um, cinquenta e três e cinquenta e quatro. Então, o Trindade ficou muito tempo. Pra derrubar o Trindade, o Wadih Helú, que era um jovem advogado, se reuniu a um jovem empresário, que chamava Vicente Matheus. Vicente era da chapa porque ele tinha grana e o Wadih porque era articulado. Aí, derrubaram o Trindade.”

Contudo, já em 1961, Wadih Helú rompeu com Matheus e lhe tomou a presidência, nela permanecendo por dez anos (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p., p. 71-2; FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 93-4). Helú não era apenas “articulado” (capital cultural), mas uma liderança com ambições políticas mais amplas, tanto que foi deputado estadual por oito legislaturas seguidas (de 1967 a 1999). Após seguidas reeleições baseadas em modificações estatutárias, como em 1967 (FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 176; 412-3), e burlas (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p.)5 5 De acordo com Ramos (2001, p. 78): “Novas eleições em 1965, 1967, 1969, sempre com resultadossemelhantes aos de 1961 e 1963: o grupo de Wadih Helú derrota o de Matheus e fica no poder.A cada eleição, uma batalha. Advogados entram em cena para garantir na justiça a possibilidadede Wadih desafiar os estatutos e concorrer em novas eleições”. A manipulação jurídica das regras,nota-se, foi um fator relevante para a longa permanência na presidência. , em 1971 Helú foi derrotado por Miguel Martinez, candidato que teve Vicente Matheus como vice, eleito ele próprio dois anos depois, quando Martinez foi afastado pelos conselheiros em virtude de uma gestão desastrosa (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p., p. 96-7; FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 414-5). Depois disso, Matheus permaneceu como presidente durante todo um decênio.

Embora Helú tenha sido, assim como Trindade, um presidente corintiano que alçou voos na política partidária, foi Matheus quem se tornou o mais célebre dos mandatários. Folclórico, dotado de simpatia simplória e dado a frases de efeito que inspiravam humor involuntário, tornou-se uma figura carismática, conhecida na mídia e seguida por ela, chegando a se tornar garoto-propaganda em comerciais de televisão. Tais fatores, associados ao estilo paternalista de gestão com os associados, ao sucesso nos campos em 1977 (quando o Corinthians se sagrou campeão após um extenso jejum de 23 anos) e à manipulação das regras sucessórias, tornaram-lhe longevo na presidência (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p.). Contudo, tais características também lhe caracterizaram como um “ditador benevolente” (LINZ, 2006LINZ, J. J. Robert Michels and his contribution to political sociology in historical and comparative perspective. In: LINZ, J. J. Robert Michels, political sociology, and the future of democracy. New Brunswick: Transaction, 2006. p. 1-80.), ou líder populista no âmbito mais restrito da política clubista6 6 Nessa linha, Florenzano (2009) cita referências feitas a Matheus como “ditador” (p. 178), “generalde republiqueta” (p. 248), “envelhecido deus de subúrbio” (p. 280), pela imprensa esportiva e portorcidas organizadas. .

Em 1981, uma mudança estatutária não lhe permitiria seguir na presidência. Matheus acordou com o conselheiro Waldemar Pires para que se candidatasse, com ele de vice. O combinado era que Pires atuasse como testa de ferro, já que Matheus continuaria a mandar (FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 177). Contudo, tempos depois Pires rompeu o trato, assumindo de fato a presidência. Segundo o próprio Matheus, respondendo a Juca Kfouri no programa Roda Viva, da TV Cultura (RODA VIVA, 1987RODA VIVA. Entrevistas. Vicente Matheus. 1987. Disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/732/entrevistados/vicente_matheus_1987.htm>. Acesso em: 6 nov. 2012.
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/73...
):

Matheus: Não é isso, Juca, é o seguinte: [...] eu convidei primeiro o Mário Campos para ser o meu sucessor, ele disse que ele era pobre e de caráter, um homem de caráter, era pobre, não tinha condições [...]. Então, bom, quem é que nós vamos pôr de confiança para dar continuidade às obras, a certas coisas, ao estádio, que também estava para sair, já tinha o terreno, tinha aquela coisa toda? Era o meu amigo Waldemar, que tem 30 anos [de clube], colaborei com ele muito, vendi uma corretora para ele como ele quis, nunca se preocupou com nada de me prejudicar, então só era ele. [Mas] ele, depois de dois, três meses, ele pega e faz aquela onda toda com o grupo e me jogaram de lado. Então... como é a pergunta?

Kfouri: A minha pergunta é a seguinte: o senhor era o vice e ele era o presidente. A crítica que é feita ao senhor é que o senhor, sendo vice, queria ser o presidente. Foi contra isso que ele se insurgiu.

Matheus: Não, mas foi conversado tudo isso.

Kfouri: Ah, isso foi acertado?

Matheus: Foi acertado que eu jamais aceitaria um papel desses, e ele aceitou.

Kfouri: Está certo.

Matheus: Estou falando, eu não estou mentindo. Podia não dizer isso, [mas] ele aceitou. Eu não aceitaria ser testa de ferro, mas ele aceitou. Mas eu iria respeitar ele, eu ficava administrando, porque o resto que veio por aí, [eles] não administraram mais nada. [...] Então, era para dar continuidade a isso tudo. E se eu continuo, o Corinthians hoje já tinha o estádio; com o dinheiro [da venda do passe] do Sócrates, tinha construído grande parte do estádio, tenha certeza.

Durante os quatro anos de Waldemar Pires, vicejou o movimento denominado “Democracia Corinthiana”: jogadores do futebol profissional decidiam sobre uma série de questões com a comissão técnica e a diretoria do setor (FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p.). Embora Pires tenha sido reeleito uma vez, não fez o sucessor. Seu candidato, o jovem Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol durante a “Democracia Corinthiana”, foi derrotado pelo conservador Roberto Pásqua – apoiado por Matheus e por Helú. A polarização política no clube era tal nessa época que apoiadores de uma e outra candidatura se atacavam com gritos de “fascistas!” e “comunistas!”, refletindo na disputa interna o ambiente político geral do país à época, como observa Florenzano (2009, p. 490-2) em seu minucioso estudo sobre o caso. Observe-se que Monteiro Alves e jogadores protagonistas da “Democracia”, como Sócrates, Casagrande e Wladimir, foram participantes ativos, em 1984, dos comícios do movimento das “Diretas Já”. O clima político das ruas transbordou para o clube onde, como na votação da emenda das diretas no Congresso Nacional, prevaleceu a posição conservadora.

Pásqua foi apoiado por Matheus como alternativa para sua própria candidatura presidencial. Dois anos depois, em 1987, Matheus se elegeu e, em seguida, se reelegeu. Após mais esse quadriênio, elegeu sua esposa, Marlene Matheus, para suceder-lhe entre 1991 e 1993. Foi uma burla dos estatutos, que vedavam nova recondução, mas não impediam a eleição de um parente.

Longas permanências: indicador da oligarquização

Somados os termos em que Matheus esteve à frente do clube, incluído aí o biênio de sua mulher, quando ele efetivamente presidiu o clube7 7 Segundo relato da própria Marlene: “O tempo todo era Vicente quem mandava. Nem sentei na cadeirade presidente, nas reuniões. E não poderia ser diferente” (RAMOS, 2001, p. 232). , chega-se a 18 anos. Ignácio Trindade permaneceu ao todo por 14 anos e Helú por 10. Nota-se que após 1944 (quando Trindade foi eleito pela primeira vez) a longa permanência foi mais tendência que exceção; em 42 dos 50 anos seguintes, apenas três presidentes dirigiram o Corinthians. Embora a longa permanência no poder não seja por si só uma condição para a oligarquização, ela é um indicador que sugere sua existência.

Tomando-se tal indicador como parâmetro, observa-se que nos 33 anos anteriores de história do clube, 19 nomes se alternaram na presidência, ninguém a ocupando por mais do que seis anos e somente um sendo reconduzido após deixar a presidência. A profissionalização e, logo, a complexidade organizacional eram bem menores: Guido Giacominelli foi simultaneamente presidente do clube e técnico do time de futebol. A tendência à oligarquização, portanto, emergiu quando o clube já se tornara uma grande agremiação8 8 Um indicativo da importância do clube no contexto local foi seu desempenho no futebol: com 33anos de existência à época, o clube havia conquistado o título paulista 12 vezes e figurado entre osquatro primeiros colocados em 28 ocasiões, o que lhe colocava como o clube de melhor desempenho futebolístico no estado desde a sua fundação. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Paulista_de_Futebol>. Acesso em: 6 nov. 2012. , algo comum também a outras organizações, como apontado por Michels (2001)MICHELS, R. Political parties: a sociological study of the oligarchical tendencies of modern democracy. Ontario: Batoche Books, 2001[1915]. 266 p. e outros autores em sua senda (SELZNICK, 1943SELZNICK, P. An approach to a theory of bureaucracy. American Sociological Review, v. 8, n. 1, p. 47-54, Feb. 1943.; CASSINELLI, 1953CASSINELLI, C. W. The law of oligarchy. The American Political Science Review, v. 47, p. 773-784, n. 3, Sep. 1953.; PANEBIANCO, 1982PANEBIANCO, A. Modelli di partito. Organizzazione e potere nei partiti politici. Bologna: Il Mulino, 1982. 506 p.; LEACH, 2005LEACH, D. K. The iron law of what again? Conceptualizing oligarchy across organizational forms. Sociological Theory, v. 23, n. 3, p. 312-337, Sep. 2005.). Quanto mais a organização cresce e se complexifica, aumentando os recursos com que lida (financeiros, reputacionais ou organizacionais), mais ela tende à especialização das funções diretivas e/ou a sua ocupação apenas por alguns membros, justamente os que disponham de condições de vida favoráveis à sua dedicação a tarefas organizativas – detentores de distintos tipos de capital (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 9. ed. Campinas: Papirus, 1996.).

Tabela 1
Tempo total de mandatos - presidentes do Corinthians (1944-2007).

Em organizações complexas e de maiores dimensões, funções organizacionais relevantes são delegadas a profissionais exógenos, ou seja, que não integram a coletividade dos membros. Assim, partidos, sindicatos e entidades patronais recrutam, para funções diretivas, profissionais que não compõem a base associativa, mas possuem expertise. No futebol profissional, pelas razões já aduzidas, é comum a contratação de dirigentes sem vínculos associativos com os clubes; entretanto, no caso das funções de direçãopolítica da organização, até por sua natureza representativa, é de se esperar que permaneçam restritas a associados e frequentemente não sejam remuneradas.

No Corinthians, entre as funções não remuneradas está a presidência. Apenas associados com fontes externas de renda poderão desempenhá-las, ou porque a ocupação profissional permite dedicação de tempo parcial, ou porque a fonte de renda é segura e não requer trabalho diário. Embora o primeiro caso se aplique a profissionais liberais de ganhos médios, o segundo sugere que apenas plutocratas podem exercer funções diretivas. O próprio Matheus, ao justificar porque Mário Campos não se candidatou à presidência, disse que seu aliado “era pobre, não tinha condições”.

Para Helú, o Corinthians foi plataforma de lançamento para a longa carreira parlamentar; para Matheus, foi a posição em que atuou politicamente o empresário de sucesso. Cada um se encaixa em um dos tipos weberianos da distinção entre os que vivem “da política” e “para a política” (WEBER, s.d.[1918]WEBER, M. A política como vocação. In: Weber, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, [s.d., 1918]. p. 55-124., p. 64-5). Quem vive da política tem nela fonte de renda permanente, profissão no senso estrito; já quem vive para a política tem nela o sentido da vida. No clube há o problema apontado por Weber: quem vive para a política tem recrutamento plutocrático. Como apontou um entrevistado, a aliança entre Helú e Matheus, que derrotou Trindade, representou a coalizão entre um profissional liberal e um plutocrata9 9 Mesmo as reformas democratizantes que foram promovidas no clube posteriormente, durante agestão de Andrés Sanchez, não tiveram o condão de eliminar a restrição plutocrática. Em matériada revista Época a seu respeito, Sanchez revelou que podia se dedicar ao clube graças a uma fonteexterna de renda: “Eleito presidente do clube, Sanchez deixou as empresas de José Oller. Vendeuos 8% da Sol Embalagens, montou meia dúzia de lojas em ceasas de estados diferentes, comproudois postos de gasolina, o imóvel em que Dete mora e outro, menor, no mesmo bairro do Jaguaré.‘Meu patrimônio é de R$ 3,5 milhões’, afirma. ‘Ficou combinado, com a família, que eu ficaria quatroanos dedicado ao Corinthians, mantendo minha retirada.’ Suas lojas, que têm 80 funcionários, sãoadministradas pelo irmão mais novo, Tadeu. ‘Vivo muito bem com R$ 40 mil por mês. É o suficiente.’(O Corinthians não remunera sua diretoria).” (CARVALHO, 2011). Apenas como referência, no anode 2011 o salário mínimo oficial era de R$ 545,00, ou seja, 70,4 vezes menor do que a retirada dopresidente corintiano. – ou entre os capitais cultural e econômico (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 9. ed. Campinas: Papirus, 1996.).

Matheus percebia intuitivamente a distinção weberiana. Por um lado, admitia a necessidade de retaguarda econômica sólida como requisito para posições de mando na entidade; por outro, hierarquizava a distinção normativamente, condenando a utilização do clube para fins político-partidários ou político-eleitorais externos ao próprio Corinthians. Dizia ele:

[...] eu estou acompanhando o Corinthians de perto há uns 40, 50 anos [...] Então, sempre eu ouvi dizer que a pessoa não deve se aproveitar do clube para ser candidato a qualquer cargo político, e isso ficou em mim. E conheci Alfredo Ignácio Trindade [...] ele foi um grande presidente do Corinthians enquanto ele não participou da política. Depois que ele foi vereador, deputado e coisa e tal, o Corinthians começou a descambar, não era mais aquele Corinthians, e por quê? Porque aí vêm os pedidos; [o time] vai jogar de graça e não sei quê; abaixa o preço; empresta jogador. Então tem essas coisas, e comigo não tem nada disso. Não sendo político, eu estou à vontade de poder cuidar só das coisas do Corinthians, é por isso (RODA VIVA, 1987RODA VIVA. Entrevistas. Vicente Matheus. 1987. Disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/732/entrevistados/vicente_matheus_1987.htm>. Acesso em: 6 nov. 2012.
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/73...
)10 10 Alfredo Ignácio Trindade foi vereador no município de São Paulo de meados dos anos 50 (quandoainda era presidente do Corinthians) até o início dos anos 60 do século passado, e deputado estadual entre 1963 e 1967. .

Mesmo que tal posicionamento aparente “nobreza” e desinteresse, não implica oposição à oligarquização. Como a presidência tem valor em si, conferindo sentido à vida, Matheus atuou diligentemente por ela e, quando não pôde fazê-lo diretamente, elegeu prepostos. Funcionou com a esposa, um pouco com Martinez e Pásqua, mas fracassou com Waldemar Pires11 11 O diletantismo dos dirigentes é notado também no trabalho de Costa e Silva (2006, p. 10) sobre a empresarização nos clubes de futebol catarinenses. Eles constatam que a tarefa de dirigente no clube era percebida como hobby, sendo o controle organizacional exercido pelos “pares que compartilhavam um conjunto de valores relacionados ao gosto pelo futebol e à identificação com o clube”. .

O exercício reiterado da presidência por tantos anos e a má avaliação da gestão de Marlene desgastaram Matheus, causando-lhe a derrota final. Em eleições com ampla cobertura de mídia, foi batido por Alberto Dualib, que fora seu vice-presidente de futebol12 12 Dualib chegou à vice-presidência de futebol ainda durante o mandato de Roberto Pásqua, quando substituiu Antoine Gebran (FLORENZANO, 2009, p. 492). , mas rompera com ele, assumindo discurso em prol da alternância no poder (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p., p. 254). Dualib seguiu caminho comum: ex-vice-presidentes de futebol que rompem com o presidente e tomam-lhe o lugar. Foi o caso do próprio Matheus, de Helú e, depois, de Andrés Sanchez contra Dualib. Dada a importância do futebol, tal vice-presidência indica prestígio; muitas vezes, é concessão àquele percebido pelo presidente como apoiador importante – que pode se tornar um opositor de peso.

A era Dualib: ascensão

Eleito em 1993, Dualib permaneceu na presidência pelo mais longo período ininterrupto de um mesmo mandatário, 14 anos. Embora o clube tenha tido sucesso no futebol, experimentou um aprofundamento inaudito da oligarquização. Dualib e seu grupo reforçaram-se de tal modo nos postos de mando que se tornou muito difícil à oposição restringir suas ações ou removê-los.

A resistência de Dualib e grupo à oposição não é evidenciada só pela presidência longeva, que poderia resultar de grande aprovação pelos associados. A coalizão dominante (PANEBIANCO, 1982PANEBIANCO, A. Modelli di partito. Organizzazione e potere nei partiti politici. Bologna: Il Mulino, 1982. 506 p.) no clube nesse período mudou o estatuto, reforçando a posição de comando e restringindo a competição política mediante uma blindagem organizacional; continuou e aprofundou a política de patronagem, levando a vida interna da agremiação às páginas policiais. Isso explica a circunstância de Dualib apenas deixar o cargo contrariadamente, após escândalos de corrupção e profunda crise técnica do time de futebol. Posteriormente, Dualib e seu vice, Nesi Curi, tiveram contra si um processo de exclusão do quadro associativo, mas pediram o desligamento para evitar a expulsão.

O domínio inexpugnável de um dirigente e seu grupo não foi peculiar ao Corinthians, mas atingiu outros grandes clubes e organizações de cúpula, como federações e confederações13 13 Tavares (s.d.), recorrendo a Michels, identifica no Comitê Olímpico Internacional (COI) uma organização oligárquica, devendo esse caráter à forma como foi concebida e construída desde o início pelo seu idealizador e líder, Pierre de Coubertin. Infelizmente, contudo, Tavares não explora de forma mais elaborada o arcabouço teórico micheliano na análise de seu objeto. .

Entre as décadas de 1960 (quando seu pai presidiu o clube) e 1980, o chefão do jogo do bicho fluminense, Castor de Andrade e Silva, exerceu amplo domínio sobre o Bangu Atlético Clube – sem, contudo, jamais tê-lo presidido oficialmente. Nesse período era reconhecido como “patrono” da agremiação e, graças a seu apoio financeiro, o Bangu tornou-se competitivo e chegou a disputar uma final do Campeonato Brasileiro, em 1985. Ao declínio dos negócios na contravenção – resultado de seus problemas com a justiça –, seguiu-se também a decadência do clube14 14 Antes de Castor, o industrial Guilherme da Silveira foi um importante patrono do Bangu, entre as décadas de 1930 e 1950, e hoje dá nome ao estádio. Outra situação merecedora de menção foi – durante a ditadura Vargas – a ascendência de Luiz Aranha (então presidente da Confederação Brasileira de Desportos, CBD) sobre o Botafogo de Futebol e Regatas, clube do qual era também dirigente. Sua atuação nas duas entidades beneficiava o Botafogo, para o qual se transferiam os jogadores convocados para o selecionado, que – como punição por aderirem à CBD – eram banidos de seus clubes pela entidade então concorrente no âmbito do futebol (a Federação Brasileira de Football, FBF) (COSTA, 2006, p. 118). .

Entre os grandes clubes de futebol, casos notáveis recentes são o do Club de Regatas Vasco da Gama, com Antônio Soares Calçada e Eurico Miranda, ou a Sociedade Esportiva Palmeiras, com Mustafá Contursi. Os dois primeiros mantiveram-se influentes no Vasco, seja como diretor, seja como presidente, por mais de 20 anos – entre 1986 e 2008, quando Miranda foi derrotado nas eleições presidenciais pelo ídolo do futebol, Roberto Dinamite. Já o dirigente palmeirense manteve-se na presidência entre 1993 e 2005. Antes dessas gestões, contemporâneas do mando de Dualib, as duas agremiações não tinham uma longa tradição oligárquica equiparável à do Corinthians. No Palmeiras, antes de Contursi só há um caso de presidente a permanecer longos anos no cargo: Defino Facchina, que presidiu o clube entre 1959 e 1971. No Vasco da Gama, o único a permanecer longos anos na presidência anteriormente foi Agathyrno Silva Gomes, entre 1969 e 1979.

Assim como no Corinthians, nesses clubes tais dirigentes foram repetidamente apontados pela imprensa esportiva e seus críticos como construtores de uma estrutura de poder que impedia sua remoção. Era comum jornalistas apontarem a Lei Zico (n. 8.672/1993) como propiciadora das oportunidades legais para que dirigentes se perpetuassem15 15 Em uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo, o jornalista Cosme Rímoli descreve assim parteda ascensão de Dualib no Corinthians: “Ele havia ganho um mandato de dois anos. Mas, dando um golpe escoltado pela Lei Zico (antecessora à Lei Pelé), modificou os estatutos do clube e pôde começar o metódico trabalho de conquistar os conselheiros com viagens, churrascos e cargos queacabaram lhe garantindo as reeleições por 14 anos de poder” (RÍMOLI, 1969). . Há, contudo, exagero nessa crítica à lei. Ela nada traz que possa, diretamente, justificar o aumento do poder dos situacionistas. Porém, ela sugeria a necessidade de mudanças estatutárias para que os clubes se adaptassem ao marco legal em duas inovações significativas que alterariam potencialmente a estruturação dos clubes de futebol.

A primeira era a possibilidade de que clubes delegassem a empresas a gestão do esporte profissional. Isso requeria adaptações estatutárias, internalizando regras definidas pela nova lei. A segunda novidade estabelecia que as entidades adequassem seus estatutos à lei para receberem o “Certificado do Mérito Desportivo”, que proporcionaria vantagens tributárias e financeiras. Ao abrir-se a porta para mudanças estatutárias, criou-se a oportunidade de modificações favoráveis à continuidade dos presidentes – embora isso de forma alguma fosse uma consequência inescapável.

No Corinthians houve três mudanças estatutárias relevantes para a oligarquização. Uma foi o fim da vedação a reeleições, presente em versões anteriores do texto e que obrigara Matheus a lançar prepostos. Com o fim da vedação, Dualib pôde disputar seguidas reeleições. Outra afetava a composição do Conselho Deliberativo (CD), máxima instância colegiada e responsável pela eleição do presidente; duplicaram-se os conselheiros vitalícios (de 100 para 200) e os membros totais (de 200 para 400). Como a indicação de novos vitalícios se daria por indicação da diretoria e aprovação do próprio CD (no qual Dualib dispunha de uma maioria conquistada na primeira eleição), tornou-se fácil para ele indicar aliados, que garantiriam no futuro a sua recondução ao cargo.

A terceira mudança se referia à composição do restante do colegiado. No CD aumentado para 400 conselheiros, 50% seriam vitalícios e 50% quadrienais. Desses últimos, metade seria indicada pela diretoria e aprovada pelo próprio CD; apenas a outra metade (¼ do total) seria eleita pelo conjunto dos associados e de forma majoritária (a chapa ganhadora levaria todos os assentos). Assim, se a chapa de Dualib vencesse as eleições para o ¼ dos quadrienais diretamente eleitos, praticamente não haveria oposição dentro do Conselho. Um quarto do CD seria resultado de escolha endógena, por indicação da diretoria situacionista; um quarto sairia da vitória nas urnas e o restante seria composto por conselheiros vitalícios, dos quais ao menos metade fora indicada por Dualib após a reforma do estatuto. Oposicionistas “de origem”, quando muito, haveria ou entre vitalícios já existentes antes das mudanças ou entre os oriundos das eleições. Criou-se uma cidadela de resistência aos opositores – a oligarquização como embotamento da competição fica bastante clara.

A esses fatores jurídico-formais soma-se outro, relacionado à política interna do clube. No Corinthians, assim como noutras agremiações brasileiras, a relação entre dirigentes e associados opera similarmente à de um pequeno município. Instalado em território reduzido, o clube se compõe de departamentos que congregam, cada um, sócios com direito a voto, os quais requerem à diretoria o atendimento a demandas específicas16 16 Para o final do período considerado por esta pesquisa (2007-8), o clube possuía 27.376 sócios titulares e 25.008 dependentes, totalizando 52.384 usuários. Isso equivale, segundo os critérios oficiais brasileiros, a um município de médio porte. Havia também 611 funcionários (CORINTHIANS, 2008). . A contemplação dessas demandas tem como contrapartida provável o voto dos associados beneficiados em favor da chapa situacionista.

Nos termos de um entrevistado, antigo associado e ex-conselheiro do clube:

“A piscina é um lugar aonde sai voto. Então o cara vai na piscina. Se ele tem uma dermatite qualquer, ele vai procurar médico, o médico fala pra procurar o diretor, o diretor libera, e aí ele começa a fazer voto. E assim vai na sequência... quanto mais dermatite, mais gente vai ter que falar comigo, mais voto eu vou ter no final. Assim é em todos os esportes dentro do Corinthians. O basquete: o garoto quer jogar basquete, mas o garoto é baixo, não dá pra jogar basquete; tem que ser só com altura mínima. ‘Não, não quebra o galho?’ ‘Eu vou quebrar o galho no time juvenil, mas olha: no principal ele não vai jogar, vai ser banco’. ‘Não, tudo bem’. Aí você bota o nome da pessoa, tal, tal, e esse cara fica te devendo um favor.”

Avaliação similar, embora menos relacionada a uma prática propriamente clientelista e mais ao tradicional distributivismo do pork barrel, é feita por outro entrevistado, ex-diretor do clube:“Como regra para o presidente se manter lá, e paraa oposição não ganhar eleição, ele precisa tratar bem o sócio. É por isso que o clubetradicionalmente pega dinheiro do futebol para aumentar o número de quadras: quadrade tênis, quadra de vôlei, quadra de não sei o que lá.”

Não só fechar espaços de competição formal, mediante regras eleitorais restritivas, favorece a oligarquização. Antes que tal fechamento ocorresse com Dualib, a política de patronagem – por vezes clientelista – aliciava associados, ganhando seu voto. Como apenas ocupantes das posições de mando tinham acesso a recursos de patronagem, sua capacidade de aliciar era desproporcionalmente maior do que a da oposição. Em tal quadro, apenas uma grande insatisfação dos associados – por má gestão da parte social ou fracassos na frente esportiva – abriria espaços a oposicionistas.

Ainda segundo esse ex-diretor, descrevendo a política dos tempos de Vicente Matheus:

“O Dualib foi diretor do Wadih, diretor social, então ele tinha... ele era um diretor que não aparecia, que não aparecia pra imprensa, que não tinha importância, não falava nada, mas que tinha uma influência eleitoral forte. E ele sabia disso, como ele foi diretor na década de 1960, ele sabia da importância de você trabalhar bem a piscina, a bocha, a peteca, todas essas áreas aí.

Teve algumas mudanças de estatuto, em todos os momentos, mas basicamente foi pelo bom trabalho pra cultivar os seus currais eleitorais. Não sei se essa expressão é a expressão adequada, mas é um pouco isso, os seus núcleos eleitorais.

O Matheus também fazia isso, o Wadih também fazia isso. Tanto que o Wadih foi a pessoa que mais investiu na parte social. O Wadih, o clube não ganhou nem um título com ele, ele ficou 14 anos presente. Como é que você explica? Ele ficou 14 anos porque ele tinha aquela base”17 17 Na realidade, Wadih Helú ficou por 11 anos à frente do clube, não 14. .

Portanto, ainda que alterações estatutárias ensejadas pela necessidade de adequação à legislação desportiva tenham favorecido a oligarquização, não eram sua única causa. Essa foi uma conjuntura crítica propícia ao reforço da oligarquização dos clubes – em particular do Corinthians. Porém, a patronagem também era fator crucial que, ademais, revela porque a longa permanência de mandatários e seus gruposocorreu por décadas, mesmo antes das mudanças estatutárias.

Contudo, a política de patronagem é cara. Por isso, sobretudo após o início dos anos 1990, com o aumento do dinheiro em circulação no futebol, ganharam importância parcerias que propiciassem aportes vultosos. Em parte, tais somas asseguravam investimentos em atletas de ponta, reforçando a competitividade do futebol; também, ajudavam o clube a cobrir deficits causados tanto pela gestão ineficiente do futebol quanto pelo socorro reiterado deste à área social, bastante deficitária. O vultoso ingresso de recursos ensejava maiores oportunidades para a corrupção, cuja descoberta foi decisiva para a desgraça de Dualib. Em 2007, os recursos movimentados pelo futebol eram cerca de 10 vezes maiores que os do clube social; em 2008, cerca de quatro vezes (Tabela 2).

Tabela 2
Receitas e despesas do futebol profissional e do clube social -Corinthians (2007-2008) - R$ 1.000.

A primeira das parcerias foi firmada em 1997, com o Banco Excel. Os maiores projetos não vingaram (dentre eles, um estádio) e a parceria se desfez após contratações de peso e o título brasileiro de 1998. Uma razão para o fim do acordo foram as dificuldades que o Excel enfrentou após investimentos pesados no futebol brasileiro (além do Corinthians, Botafogo-RJ e Vitória-BA).

Em 1999, um novo parceiro chegou, o fundo americano Hicks, Muse, Tate & Furst. Novas contratações de peso e logo o futebol obteve resultados, sagrando-se bicampeão brasileiro em 1999 e campeão mundial no primeiro torneio da FIFA, em 2000. Desacordos levaram à ruptura prematura de um contrato previsto para durar 10 anos e propiciar diversos aportes. Segundo Antônio Roque Citadini, ex-vice-presidente de futebol, a ruptura deveu-se à tentativa do parceiro introduzir princípios de gestão profissional, rejeitados pela direção do clube.

A parceria com a HMTF [...] foi mais ampla [que a do Excel]. O objetivo [...] era entrar no mercado de futebol latino-americano e, para isso, precisava juntar-se a clubes populares no Brasil. Era uma parceria para administrar o Departamento de Futebol e, além de título e jogadores, tinha previsto investir em infraestrutura até na construção de um estádio. Com a fórmula americana de administrar negócio, muito ajudou o Corinthians na parte administrativa – organizando as finanças e sua escrituração – e profissionalizou todo o departamento de futebol. Aí apareceram os problemas. Ficou claro que o buraco que engolia dinheiro no clube era a área social, que tinha um deficit sem qualquer fonte para suprimento. A HMTF trouxe jogadores, ganhou títulos e investiu em infraestrutura, como é exemplo o Centro de Treinamento de Itaquera, que hoje abriga a categoria de base do clube. Quando assumi a vice-presidência de futebol – em novembro de 2001 – o clube vivia uma grave crise: estávamos na oitava derrota seguida na Copa João Havelange e havia uma briga entre o Corinthians e o parceiro. Dois eram os pontos principais do atrito: o clube social pegava dinheiro do futebol para cobrir seu deficit – e a Hicks resistia – e o departamento de futebol de base resistia à gestão da parceria (embora esta tivesse direito pelo contrato). Sempre tive claro que a HMTF tinha toda razão nas brigas. Os diretores do social e do futebol de base passaram a boicotar e torpedear diariamente a parceria. [...] O fim da parceria deu-se depois, quando a direção do fundo americano – chocada com os prejuízos de 2 bilhões na Argentina – decidiu abandonar a América Latina (CITADINI, 2007CITADINI, A. R. Excel, HMTF, MSI. Blog do Citadini, 13 maio 2007. Disponível em: <http://blogdocitadini.blogspot.com.br/2007/05/excel-hmtf-msi.html>. Acesso em: 8 set. 2012.
http://blogdocitadini.blogspot.com.br/20...
)18 18 Os negritos, assim como algumas correções de digitação, são meus. .

Em 2004, nova parceria, agora com investidores desconhecidos cujos recursos desde o início geraram suspeição de setores da mídia e conselheiros do clube. Tratava-se do Media Sports Investment (MSI), grupo representado no Brasil por um iraniano residente no Reino Unido, Kia Joorabchian, apontado por muitos como o testa de ferro de magnatas russos com problemas na justiça de seu país, como Boris Berezovsky. Algum tempo depois, tanto Kia como Berezovsky passaram a ser investigados no Brasil e chegaram a ter sua prisão solicitada pelo Ministério Público.

Um ex-dirigente do clube explica a influência das parcerias na derrocada de Dualib:

“Ele cai por um motivo: o social começa a ficar caro demais e ele precisava fazer parcerias, como ele fez com o Banco Excel, com a Hicks. Porque essas parcerias, ao mesmo tempo que elas serviam pro futebol, elas serviam pra socorrer o clube social.

Mas ele precisava fazer a cada três anos uma parceria nova. Por isso é que ele se perdia em tudo quanto é parceria. [...] Fizemos a parceria com o fundo americano. Eu era totalmente contra brigar com o fundo americano. Por que é que nós brigamos? Entre outras coisas, porque o clube social precisava de dinheiro. Quando você começa um novo contrato, entra dinheiro; aí você paga todas as contas do social e etc.”

A avaliação coaduna-se com uma declaração atribuída a Dualib. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, tornou-se célebre no Corinthians uma frase que Dualib teria dito a seu vice, Nesi Curi: “A gente traz os investidores estrangeiros e depois dá um bico neles e fica com o dinheiro” (RÍMOLI, 1969RÍMOLI, C. 14 anos de títulos e escândalos. O Estado de S. Paulo, 31 dez. 1969. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,14-anos-de-titulos-e-escandalos,55548,0.htm>. Acesso em: 6 nov. 2012.
http://www.estadao.com.br/noticias/impre...
). Tenha ou não sido proferida, expressava uma percepção difundida entre associados e conselheiros.

A era Dualib: declínio

A lógica empresarial dos parceiros não se coadunava com a tática de curto prazo dos gestores do clube, ávidos por dinheiro rápido; o rompimento se tornava, cedo ou tarde, inevitável. A crise agravou-se em 2006 e explodiu em 2007, com o rebaixamento do time à segunda divisão nacional. A desorganização do futebol nesse período evidenciava a conflituosa relação entre dirigentes e parceira – que cedera seguidamente aos caprichos de Dualib e aliados. Alguns passos eram tão claramente disruptivos que pareciam propositais, visando o divórcio. Foi o caso da contratação do técnico Emerson Leão, em agosto de 2006, por insistência de Dualib e contra a vontade da MSI, que temia desavenças entre o treinador, de estilo notoriamente conflitivo, e as estrelas da equipe trazidas a peso de ouro – em particular jogadores argentinos, Tevez e Mascherano. A contratação afastou Joorabchian da gestão do futebol profissional. Confirmaram-se as piores previsões da parceira: Leão conflagrou-se com os argentinos, que se desligaram do clube 15 dias após sua chegada. O técnico ainda acusava a parceira de não aportar recursos necessários para o futebol. O divórcio, embora não oficializado, consumara-se de fato. E Leão foi demitido.

Naquele ano, a crise começara com a saída de Andrés Sanchez da vice-presidência de futebol. Dualib queixava-se dele a conhecidos, acusando-lhe de “ter passado para o lado de Kia Joorabchian” (DIÁRIO DO GRANDE ABC, 2006DIÁRIO DO GRANDE ABC. Andrés Sanchez abandona o Corinthians. 21 fev. 2006. Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/News/90000516174/andres-sanches-abandona-o-corinthians.aspx?ref=history>. Acesso em: 13 nov. 2012.
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). Para piorar, diversos técnicos sucederam-se e fracassaram em recuperar o time. Estranhamente, o incumbido de procurar treinadores foi um empresário do futebol, Renato Duprat, que atuava como dirigente de fato, embora sem cargo no Corinthians ou na MSI, tendo sido apenas intermediário do acordo entre ambos. O técnico Paulo César Carpegiani foi contratado.

Em janeiro, a chapa oposicionista – liderada por Sanchez – venceu as eleições dos quadrienais do CD (um quarto do total). Todos os associados votavam e, apesar do resultado apertado (1.096 votos contra 989; 120 para a outra chapa), a vitória da oposição indicava o desgaste dos situacionistas, a despeito da patronagem e mudanças estatutárias. A medida da surpresa era dada pela declaração de um exultante Sanchez: “Aconteceu o impossível. Derrubamos o homem!”.

Depois da derrota, novos escândalos. Após a contratação de Carpegiani, a MSI divulgou nota desvinculando-se de Renato Duprat, cujas ações não endossava. O jornal esportivo Lance! noticiou que o empresário Orlando da Hora recebera comissão de R$ 150 mil só por indicar Carpegiani ao Corinthians. Tal episódio prejudicou Dualib, pois além do acordo ser questionado por conselheiros, fez emergir problemas similares. O Lance! relembrou que, em agosto de 2005, Joorabchian queixava-se de seguidos pedidos de comissão feitos por Carla Dualib, neta do presidente. Após ele ter fechado um patrocínio com a empresa Samsung, a neta lhe cobrara judicialmente o pagamento de comissão de cerca de R$ 3 milhões, alegando ser intermediária oficial de todos os contratos de publicidade do clube dirigido pelo avô – inconformado com o patrocínio obtido sem sua participação. Por isso, acusava Kia de ser um “aventureiro” (LANCE, 2007LANCE. Comissão histórica. p. 8, 19 abr. 2007. Disponível em: <http://www.citadini.com.br/corinthians/2007/corinews070419f.htm>. Acesso em: 14 nov. 2012.
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).

Mas foi a crise de 2007 que tornou o assunto relevante. Diversos conselheiros entenderam haver um conflito de interesses e que os negócios de Carla Dualib eram lesivos ao clube. Segundo Andrés Sanchez, a contratação da neta foi decisiva para que a oposição se unisse contra Dualib: “A oposição começou, forte, quando vimos o contrato que a Carla Dualib, neta do seu Alberto, tinha assinado com o clube. Ela ganhava R$ 38 mil por mês e tinha direito a 30% de toda a publicidade que entrasse no Corinthians, mesmo a que não fosse trazida por ela. Um privilégio absurdo” (CARVALHO, 2011CARVALHO, L. M. Andrés Sanchez – preto no branco. Revista Época, 30 set. 2011. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/09/andres-sanchez-preto-no-branco.html>. Acesso em: 6 nov. 2012.
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).

No que crescia a oposição interna, surgiu um grupo externo de questionamento, o “Movimento Fora Dualib”, articulando associados do clube, de torcidas organizadas e torcedores comuns. Questionava a má administração, a intransparência, gastos injustificáveis (como a novidade da remuneração de vice-presidentes), o aumento de dívidas, privilégios a amigos e parentes etc. A “Carta de princípios” do grupo descrevia a remoção de Dualib e aliados como tarefa cívica – como notado por DaMatta (1994)DAMATTA, R. Antropologia do óbvio: notas em torno do significado social do futebol brasileiro. Revista USP: Dossiê Futebol, São Paulo, v. 22, p. 10-17, 1994. ao tratar do futebol –, requerendo mobilização política agressiva, porém respeitando valores maiores da coletividade corintiana. Propugnava:

[...] manifestações populares pacíficas, reunindo toda a nação corintiana e chamando a atenção da opinião pública; conscientização e discussões com os interessados na causa. As manifestações ocorrerão em locais públicos, em jogos, dentro do Corinthians e via internet [...]. Serão utilizados panfletos (manifestos ou escritos), faixas, cartazes, veículos de comunicação, carros de som e cantos de protesto. Fica estabelecido que os cantos não serão executados durante os 90 minutos de bola rolando (MOVIMENTO REVOLUÇÃO CORINTHIANA, 2007MOVIMENTO REVOLUÇÃO CORINTHIANA. Movimento Fora Dualib – Carta de Princípios. 18 maio 2007. Disponível em: <http://movimentorevolucaocorinthiana.blogspot.com.br/search?q=carta+de+princ%C3%ADpios>. Acesso em: 17 out. 2012.
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).

O movimento teve seu primeiro ato público no final de maio de 2007, quando mais de 500 manifestantes reuniram-se no local onde quase um século antes ocorrera a fundação do Corinthians, dentre eles Marlene Matheus. É relevante a participação de torcidas organizadas no movimento, pois a principal uniformizada do Corinthians – Os Gaviões da Fiel – surgiu justamente como movimento de oposição a Wadih Helú, em 196919 19 Nos termos de André Lucirton Costa (1995, p. 47), “uma diretoria mais autoritária, respaldada pelo momento político nacional, acabou mostrando a contradição entre a estrutura administrativa do clube e a paixão corintiana [...]. Neste momento alguns torcedores criaram uma organização que respaldasse as suas reivindicações à diretoria do clube [...]. O Gaviões da Fiel nasceu como um sindicato, reclamando por participação e democracia [...]. A sua característica inicial era reivindicatória, evoluindo depois para se tornar um importante espaço de convívio e lazer entre seus associados”. (COSTA, 1995COSTA, A. L. A organização cordial: ensaio de cultura organizacional do Grêmio Gaviões da Fiel. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 40-54, 1995., p. 46-7; TADEU CÉSAR, 2015TADEU CÉSAR, B. Os Gaviões da Fiel e a águia do capitalismo. In: BUARQUE DE HOLLANDA, B.; NEGREIROS, P. L. Os Gaviões da Fiel: ensaios e etnografias de uma torcida organizada de futebol. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. p. 157-218., p. 210), e, depois, a Vicente Matheus, que inicialmente tivera seu apoio (CANALE, 2015CANALE, V. Viajando com os Gaviões: narrativas de uma caravana do Movimento Rua São Jorge. In: BUARQUE DE HOLLANDA, B.; NEGREIROS, P. L. Os Gaviões da Fiel: ensaios e etnografias de uma torcida organizada de futebol. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. p. 267-289., p. 265-6).

Entrementes, Dualib foi à Inglaterra alegando querer renegociar com a MSI a parceria, obter mais recursos e afastar Joorabchian. Este, porém, seguia forte: renovou o patrocínio da Samsung, preterindo a neta. Demonstrando prestígio, recebeu comitiva de conselheiros querendo informações sobre as supostas tratativas dele com Dualib – cuja viagem resultou apenas em despesas, deixadas para os cofres do clube.

Ao regressar, Dualib sofreu dura derrota: a rejeição das contas de 2006 pelo Conselho de Orientação (CORI) e pelo Conselho Deliberativo (CD). Havia divergências sobre o valor da dívida. Um conselheiro, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)20 20 Diversos homens (o gênero também importa) importantes na hierarquia política clubista detêm também posições de elevado status social noutros âmbitos sociais ou mesmo desportivos. Elas funcionam como uma credencial para sua inserção no clube. , Rubens Approbato Machado, defendia a renúncia, mas não contava com ela. Sanchez, principal nome da oposição, dizia ser cedo para o impeachment, mas considerava o desgaste motivo para a saída. Cerca de 200 torcedores presentes comemoraram a votação. Dualib deixou o recinto cabisbaixo. Era o começo do fim.

Consequência imediata da rejeição das contas foi a renúncia de dois vice-presidentes: Osmar Stábile (Esportes Terrestres) e Edgard Soares (Social), que liderava um movimento que não se apresentava nem como de oposição, nem como situação (o “Ação Corintiana”), ausentou-se da votação, mas dizia que a reprovação das contas era “um precedente para que o Dualib se sinta obrigado a deixar o cargo”. Meses antes, outro vice-presidente, Flávio Adauto (Comunicações) também renunciara, alegando discordar dos métodos de Dualib. A situação financeira do clube era péssima, sem pagamentos a fornecedores (interrompendo o suprimento de bens e serviços) e a profissionais do futebol. A crise política e financeira prejudicava o time.

Em julho, um juiz federal determinou o bloqueio dos recursos creditados pela MSI para o Corinthians e aceitou denúncia do Ministério Público contra Dualib, Nesi Curi, Renato Duprat e dois funcionários da MSI por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Determinou a prisão de Joorabchian, Berezovsky e um empresário ligado a ele, Nojan Bedroud; todos estrangeiros e fora do Brasil. Os promotores consideravam que o dinheiro provinha de ilícitos financeiros na Rússia e seu ingresso por meio do Banco Central do Brasil fazia com que parecessem lícitos. A investigação baseara-se em documentos dos governos russo e suíço, além de 14 meses de escutas telefônicas da Polícia Federal (FOLHA DE S. PAULO, 2007bFOLHA DE S. PAULO. Justiça implode Corinthians/MSI. 13 jul. 2007b. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk1307200731.htm>. Acesso em: 15 nov. 2012.
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), cujos trechos vazaram. A Folha de S.Paulo noticiava que o presidente teria dito: “Dinheiro não pode mandar mais aí como lavagem... Tem que limpar isso aí”. As gravações ainda poderiam revelar eventual manipulação de resultados. Se confirmadas, as consequências teriam sido desastrosas para o Corinthians na esfera desportiva. A situação se tornava insustentável.

A crise destruíra o controle que outrora o presidente tivera sobre o CD; o colegiado, que lhe assegurara longevidade, tornava-se então um instrumento para a derrubada. O presidente do órgão, Carlos Senger, aliado de Dualib, anunciou que pediria seu afastamento até a situação ser esclarecida. Contudo, sinalizava que procrastinaria o pedido, levando as oposições a coletar assinaturas para forçar sua inclusão na pauta. Senger alegava que apenas a Assembleia Geral dos Sócios, instância máxima do clube, poderia depor o presidente. Dualib resistia.

Diante do aumento da pressão, Dualib e Curi licenciaram-se de seus cargos por 60 dias, decisão referendada pelo CD, que constituiu comissão para investigar quatro itens: (1) a denúncia de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha (feita pelo Ministério Público); (2) a reprovação das contas; (3) gestão temerária e irregular; e (4) o não pagamento de impostos. A investigação poderia culminar no impeachment, a ser votado pela Assembleia dos Sócios.

Antes que a comissão concluísse os trabalhos, o vazamento de escutas da Polícia Federal piorou a situação. As conversas envolviam Dualib, Curi, Duprat, Joorabchian, outros dirigentes e até jogadores, pagos mediante contas no exterior (FERNANDES, 2007FERNANDES, B. Exclusivo: PF expõe vísceras do Corinthians/MSI. Terra Magazine, 8 set. 2007. Disponível em: <http://entretenimientoar.terra.com.ar/oscar/2009/interna/0,,OI1889881-EI11354,00.html>. Acesso em: 13 nov. 2012.
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). Um trecho comprometedor trazia o seguinte:

“[Dualib] – É para manter o discurso mentiroso sobre o Boris, que ele nãotem nada a ver, que é tudo com o Badri?

[Duprat] – Tem de falar a verdade, que o Boris nada tem a ver com a MSI. [Risos]”

As gravações deixavam claro que o presidente e seu vice já não tinham um bom entendimento, sobretudo pelo papel de Carla Dualib. O presidente dizia ter emitido notas fiscais para proteger Curi e um ex-diretor financeiro. Approbato encaminhou a petição de impeachment. Ele se declarava amigo de Dualib há mais de 40 anos e lhe aconselhara a renunciar, porém, diante de sua intransigência, optou pelo impeachment, já que “o nome do Corinthians está sendo exposto como nunca foi em toda a sua história. Estamos vivendo uma situação lamentável” (RÍMOLI, 2007RÍMOLI, C. Approbato encaminha pedido de impeachment de Dualib. O Estado de S. Paulo, 10 set. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,approbato-encaminha-pedido-de-impeachment-de-dualib,49409,0.htm>. Acesso em: 15 nov. 2012.
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).

Apesar do poder de Dualib, construído durante 14 anos, a fragilizada oposição interna foi crucial para minar seu domínio. Em um processo de retroalimentação, a oposição municiava a polícia e o Ministério Público com informações sobre os ilícitos e as investigações revelavam fatos que solapavam o apoio dos dirigentes com conselheiros reticentes, reforçando a oposição. As vinculações externas de certos conselheiros favoreceram tal relação. Um promotor deixava claro:

A investigação começou com uma representação do deputado estadual Romeu Tuma Júnior ao procurador-geral da República, em 20 de janeiro de 2005. O deputado, que é conselheiro do Corinthians, mostrava a preocupação de que o time estivesse sendo usado num esquema internacional de lavagem de dinheiro envolvendo a parceria Corinthians/MSI e o magnata russo Boris Berezovski. [...]

Contamos com a ajuda de diversos profissionais de dentro do próprio Corinthians interessados em elucidar a parceria. O sr. Alberto Dualib foi avisado por juízes, ministros, advogados criminalistas, pelo Roque Citadini, hoje presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Se Miguel Marques e Silva, que é desembargador, não servia como referência, se Romeu Tuma, com sua experiência policial, não servia, como o sr. Dualib pode alegar que foi traído? Quando Rubens Approbato Machado, grande corintiano, ouviu a descrição que Alberto Dualib fez dos gestores da MSI, cochichou para alguém do lado: “Ele está descrevendo um estelionatário internacional” (MANIR, 2007MANIR, M. ‘A escuta não era imprescindível’. O Estado de S. Paulo, 17 set. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-escuta-nao-era-imprescindivel,53218,0.htm>. Acesso em: 20 nov. 2012.
http://www.estadao.com.br/noticias/suple...
).

Havia outra investigação, sobre estelionato e crimes contra o fisco. Em setembro de 2007, policiais e promotores cumpriram mandados de busca e apreensão no Corinthians e em uma firma acusada de emitir notas frias; investigava-se falsa prestação de serviços e superfaturamento. Como os atos eram lesivos ao clube, aumentavam os motivos para impeachment. Havia um grande esquema de corrupção no Corinthians; a emissão de notas frias visava justificar pagamentos a apaniguados. De acordo com a denúncia do MP contra Dualib (que resultaria em condenação por estelionato), as fraudes representaram prejuízo ao clube no montante de R$ 1.433.333,00 (VEJA.COM, 2010VEJA.COM. Alberto Dualib, ex-presidente do Corinthians, é condenado a três anos de prisão. 6 ago. 2010. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/esporte/alberto-dualib-ex-presidente-do-corinthians-e-condenado-a-tres-anos-de-prisao/>. Acesso em: 14 mar. 2017.
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)21 21 O valor do prejuízo representava, à época, o equivalente a 2.810 salários mínimos nacionais. .

Não bastassem os problemas policiais, havia dificuldades no futebol. A crise entre Dualib e seus antigos apoiadores levara à renúncia dos vice-presidentes, deixando o clube sem vice de futebol por mais de um ano. Os resultados medíocres derrubaram Carpegiani, substituído por Nelson Batista. Durante as 11 rodadas restantes do Campeonato Brasileiro, o time ficou fora da zona de descenso só por três, voltando a entrar nela justamente na última rodada. Acabou rebaixado.

Em organizações como o Corinthians, em que o futebol é simbolicamente central, resultados esportivos importam para a disputa política. Internamente ao corpo associativo, composto sobretudo por torcedores, eles reforçam sentimentos de satisfação ou insatisfação com relação aos dirigentes. O desempenho em campo é percebido como decorrente de sua atuação, é valor a ser cultivado, afeta o julgamento que os associados fazem da direção do clube e se reflete no apoio. Por isso, a consecução desse ativo intangível do sucesso esportivo combina-se com os ganhos práticos dos associados como usuários de serviços do clube social22. O ânimo entre líderes políticos no clube – sobretudo rivais – também é afetado, alterando a intensidade e o tom dos debates e disputas.

Externamente ao quadro de sócios, resultados em campo são cruciais para os aficionados e, logo, para a imprensa. Por um lado, a atenção à política interna e o tom da cobertura na mídia são influenciados pelo desempenho. Por outro, a pressão sobre dirigentes de torcedores não associados ao clube – em especial torcidas organizadas – variará com a performance. A questão identitária é fundamental aqui (TOLEDO, 2000TOLEDO, L. H. Lógicas no futebol: dimensões simbólicas de um esporte nacional. 2000. 341 f. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.; 2013TOLEDO, L. H. Quase lá: a Copa do Mundo no Itaquerão e os impactos de um megaevento na socialidade torcedora. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 19, n. 40, p. 149-184, jul./dez. 2013.), pois mobiliza afetiva e intensamente muitos indivíduos, que, mesmo não pertencendo ao corpo associativo, exercem pressão sobre o clube de fora para dentro. O “Movimento Fora Dualib” seria improvável sem maus resultados do futebol, que atiçam a ira dos torcedores, mobilizando-os. Por isso, o movimento manifestava-se em frente ao estádio, mas conclamava a torcida a não protestar durante os jogos, para não desestimular os jogadores.

As torcidas organizadas são a forma mais institucionalizada de pressão de fora para dentro do clube – aliás, nasceram para isso (COSTA, 1995COSTA, A. L. A organização cordial: ensaio de cultura organizacional do Grêmio Gaviões da Fiel. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 40-54, 1995.; CANALE, 2015CANALE, V. Viajando com os Gaviões: narrativas de uma caravana do Movimento Rua São Jorge. In: BUARQUE DE HOLLANDA, B.; NEGREIROS, P. L. Os Gaviões da Fiel: ensaios e etnografias de uma torcida organizada de futebol. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. p. 267-289.; TADEU CÉSAR, 2015TADEU CÉSAR, B. Os Gaviões da Fiel e a águia do capitalismo. In: BUARQUE DE HOLLANDA, B.; NEGREIROS, P. L. Os Gaviões da Fiel: ensaios e etnografias de uma torcida organizada de futebol. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. p. 157-218.). Dirigentes as cortejam e tentam apaziguá-las com benesses: facilidades para viagens, ingressos e a autorização para usar a imagem do clube. Também contribuem para o time, apoiando-o fielmente mesmo em locais longínquos, outra razão para a corte. Contudo, geram problemas. Os times são punidos por sua conduta belicosa (como nas brigas com torcidas rivais) e torcedores comuns, avessos à violência, são afugentados. Em fases de mau desempenho esportivo, costumam coagir jogadores, dirigentes e funcionários. Porém, não sendo tão numerosos os organizados que são também sócios do clube, tal pressão externa não impacta significativamente as disputas eleitorais – ao menos em organizações com um amplo clube social, como é o Corinthians.

Em resumo, o desempenho no futebol não é, por si só, suficiente para explicar a manutenção do poder. Contudo, pesa e, a depender da atuação dos dirigentes noutras frentes de interesse dos associados, repercute no apoio. Trindade foi longevo, valendo-se de sucesso tanto na frente social como na desportiva. Helú presidiu o Corinthians pela maior parte do tempo da longa estiagem de títulos (23 anos), mas foi bem na área social, daí sua permanência (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p.; FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 412-3)23 23 Ramos (2001, p. 77-8) dá bom relato: “A reeleição de Wadih Helu [em 1963] ocorre naturalmente.O time de futebol vai mal, mas o presidente constrói um grande ginásio de esportes no Parque São Jorge, incentiva o basquete, o vôlei, a natação e a peteca. Exato: a peteca, esporte que reúne conselheiros influentes no Corinthians. Cria-se a ideia de que Wadih é benéfico para os associados.E, uma vez que os associados são os que definem a eleição, não adianta Matheus criticar a diretoriae fazer novas promessas”. . Matheus também foi bem nas duas frentes, mas sua ventura na área desportiva (pondo fim à estiagem, em 1977, e ganhando títulos) foi o diferencial. Dualib amealhou títulos e reforçou a área social, mas sua desgraça foi impulsionada também pelo rebaixamento do time em 2007.

O fim da era Dualib: reformas antioligárquicas

Em 21 de setembro de 2007, logo antes da derrota que deixou o Corinthians pela primeira vez na zona de rebaixamento, Dualib renunciou à presidência do Corinthians. Foi acompanhado do vice, Nesi Curi. Pesou para a decisão a Comissão Processante ter, na mesma semana, recomendado seu afastamento definitivo. Evitando o impeachment, que poderia acarretar outras punições, a renúncia foi uma saída menos custosa. A Comissão listou seis motivos para impedimento: má gestão, suspeita de enriquecimento ilícito, processo na Justiça Federal, sonegação fiscal, liberação de atletas sem contrapartida ao clube e fraude na demissão de funcionários.

Com a renúncia, deflagrou-se a reformulação e a renovação política do clube. Já se discutia formalmente o processo sucessório para um mandato-tampão e a confecção de um novo estatuto – no qual seria impossível a reeleição do presidente. Havia concordância quanto à possibilidade de o presidente eleito para esse mandato-tampão concorrer a uma reeleição, pois esse período não seria computado para fins de inelegibilidade. Três eram os candidatos: Andrés Sanchez (“Renovação e Transparência”), Osmar Stábile (“Ação Corinthiana”) e Paulo Garcia (apoiado por Roque Citadini).

Stábile, cuja renúncia em prol de Sanchez fora pedida por seu grupo, só obteve 14 dos 350 votos do Conselho Deliberativo. Sanchez venceu disputa acirrada: 175 votos contra 158 de Garcia. Apesar de ter derrotado Dualib no início de 2007, elegendo sua chapa para o Conselho, contara desta feita com o apoio de Nesi Curi. O próprio Sanchez reconhecera isso em debate com Garcia na Rede TV!. A justificativa era esclarecedora: em um clube oligarquizado forçosamente, parte da oposição emerge da situação – “quando não tem alternância de poder isso acontece! O importante é que nem ele, nem eu, nem muita gente, está envolvida com as falcatruas que se têm lá!”.

Em entrevista para esta pesquisa, Sanchez justificou sua participação na gestão Dualib de forma similar, ressaltando que sem que se participe do núcleo de poder, não se muda a realidade:

Tudo bem, mas pra eu derrubar o Dualib, eu tinha que estar dentro. [...] Eu não vou pegar um revólver e ficar dando tiro. A única guerrilha com arma que deu certo foi a de Cuba, meu! E foi por acaso. Você tem que estar dentro do poder, pra você pegar as mazelas do poder e, aí sim, você conseguir fazer alguma coisa ao contrário. Agora, eu, do lado de fora aí batendo, eu sou um louco falando (SANCHEZ, 2010SANCHEZ, A. Andrés Sanchez: depoimento [24 abr. 2010]. Entrevistadores: Cláudio Gonçalves Couto e Carlos Alberto Furtado de Melo. Sede do Sport Club Corinthians Paulista, 2010. Áudio digital. Entrevista concedida à pesquisa “Oligarquia: um estudo conceitual e empírico”.).

Contrariamente à oligarquização do clube, a reforma estatutária concluída durante o mandato interino de Sanchez eliminou as reeleições presidenciais, instaurou eleições diretas para presidente e modificou profundamente o Conselho Deliberativo. As discussões acerca dela iniciaram-se antes mesmo da renúncia de Dualib. Já naquele momento aventava-se a redução do mandato presidencial para três anos e a vedação a reeleições. Pouco depois, também se noticiava que o novo texto tinha como condão “evitar o surgimento de um novo Alberto Dualib” (FOLHA DE S. PAULO, 2007aFOLHA DE S. PAULO. Corinthians prepara estatuto “anti-Dualib”. 11 set. 2007a. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk1109200707.htm>. Acesso em: 21 nov. 2012.
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): seriam extinguidos os conselheiros quadrienais indicados pela diretoria (“biônicos”) e instituída a representação proporcional entre as chapas concorrentes ao Conselho (no sistema majoritário, a chapa ganhadora arrebanhava todas as cadeiras). Embora a aprovação do novo estatuto tenha ocorrido sob Sanchez, representava mais do que a meta ou a conquista de sua gestão – era demanda disseminada entre os conselheiros, ressabiados com o final melancólico da gestão Dualib.

O clube disponibilizou duas propostas para obter colaboração via internet na elaboração do novo estatuto. Dentre as diferenças, a eleição do presidente (direta ou indireta) e o número de conselheiros: diminuição dos vitalícios de 200 para 100 e temporários mantidos em 200 – todos eleitos. Prevaleceram a redução dos conselheiros e a eleição presidencial direta. O novo estatuto foi aprovado em assembleia geral dos sócios (um referendo), amplamente convocada. Embora com comparecimento baixo, o novo texto foi aprovado por ampla maioria (762 contra 73). Criaram-se salvaguardas contra manipulações: candidatos presidenciais deveriam ser sócios há 11 anos, com ao menos dois mandatos de conselheiro; para votar exigia-se uma adimplência mínima de cinco anos.

Sanchez considerava a possibilidade de, no futuro, sócios-torcedores tornarem-se eleitores no clube24 24 Essa ideia também foi proposta em 1971 pela chapa “Revolução Corinthiana”, liderada por Matheus,que derrotou Wadih Helú (FLORENZANO, 2009, p. 414). . Em 2012, já na gestão de seu sucessor e aliado, Mário Gobbi, tal plano voltou a ser ventilado, mas não prosperou. Em vez disso, após a implementação bem-sucedida do programa de sócios-torcedores, o Fiel Torcedor, o Corinthians iniciou um processo de ampliação da base de sócios como forma de aumentar a base eleitoral do clube. Tal processo de ampliação, com a transformação dos sócios-torcedores em eleitores, reduziria a importância eleitoral da patronagem do clube social. Um eleitorado que congregue torcedores, mais do que frequentadores da sede social, operaria em uma lógica institucional distinta (GAMMELSAETER, 2010GAMMELSAETER, H. Institutional pluralism and governance in “commercialized” sport clubs. European Sport Management Quarterly, v. 10, n. 5, p. 569-594, 2010.), afetando o processo de escolha. Enquanto os primeiros orientam-se mais para o valor intangível do sucesso esportivo do time, os segundos preocupam-se mais com a qualidade dos serviços que recebem na sede social25 25 Em outubro de 2012, pesquisa da Pluri Consultoria revelou algo interessante. O Corinthians se tornara o mais transparente dos clubes brasileiros no que concerne às finanças. A pontuação atribuída pela consultoria ao Corinthians o colocava em patamar próximo ao de clubes europeus, como Bayern de Munique, Barcelona e Manchester United, e bem acima do Real Madrid e do Milan (PLURI CONSULTORIA, 2012). Como um dos lemas do grupo político liderado por Sanchez no clube era a transparência, uma avaliação externa como essa é algo que merece nota. .

Considerações finais

Clubes esportivos e outras associações de adesão voluntária (como partidos) são propensos à oligarquização. O controle de recursos de patronagem por dirigentes, a possibilidade de mudarem as regras organizacionais em seu favor e a cooptação de membros dos órgãos de controle contribuem para isso. O caso estudado exemplifica tal possibilidade, bem como a da reversão do processo.

Embora uma explicação alternativa possa buscar em processos exógenos à vida do clube – como o amplo mundo dos negócios no futebol – o fator crucial para o jogo de poder interno às agremiações, não foi isso o que esta pesquisa constatou – ao menos de forma unívoca. Reside aí o paradoxo apontado já na introdução do artigo: mesmo em um contexto de futebol cada vez mais profissionalizado e rico, a prosaica vida associativa interna ainda é fator político central.

A patronagem e mudanças estatutárias asseguraram à coalizão dirigente (PANEBIANCO, 1982PANEBIANCO, A. Modelli di partito. Organizzazione e potere nei partiti politici. Bologna: Il Mulino, 1982. 506 p.) apoios, mas não evitaram defecções na crise profunda. E aqui fatores exógenos pesaram: sem a atuação de agentes externos – polícia e Ministério Público –, dificilmente o domínio oligárquico seria rompido internamente. Sua entrada resultou da ação de membros descontentes do próprio clube e da fiscalização da imprensa, tornando improvável a inação da polícia e da justiça. Não tivesse o Corinthians tanta visibilidade pública, talvez ilícitos cometidos pelos dirigentes passassem impunes; sem a crise de relacionamento entre dirigentes e parceira, abalando financeiramente o clube e prejudicando o time de futebol, dificilmente a oposição interna se fortaleceria.

A oligarquização não foi circunstancial, mas institucionalizada. Havia um longo histórico de lideranças blindadas à competição política e propensas à perpetuação. A alternância de presidentes (quase só quatro, em mais de meio século) foi antes uma cíclica sucessão de oligarquias, que o resultado de disputas abertas. A profissionalização crescente do futebol e, logo, o aumento dos recursos para sua gestão, potencializaram a oligarquização, viabilizando o financiamento da patronagem no clube social e o enriquecimento pessoal de dirigentes e apaniguados. A perda de controle da situação, com o ingresso de atores externos poderosos, rompeu o ciclo da oligarquização. A crise causada por investigações criminais e pela ameaça do rebaixamento geraram uma conjuntura crítica para apear o grupo instalado em posições de mando. E em vez de tal conjuntura engendrar um novo ciclo de oligarquização, levou à democratização.

Certas lideranças tiveram papel crucial na transformação organizacional: tanto na derrubada do grupo encastelado como na reconstrução institucional. Alguns, como Roque Citadini (denunciante de primeira hora da parceria), foram derrotados eleitoralmente após a queda de Dualib, mantendo-se na oposição; outros, como Andrés Sanchez (que integrou a diretoria anterior), atuaram decisivamente na definição da nova conformação institucional que o clube assumiu.

Sanchez, principal liderança organizacional do processo, reelegeu-se para um mandato sob o novo estatuto e fez os dois presidentes subsequentes. Politicamente habilidoso, protagonizou entre outras lideranças e resistiu aos clamores de parte de sua base para mudar o estatuto, permitindo-lhe uma nova reeleição, reforçando assim a nova institucionalidade. Não há como ignorar seu papel na nova conformação organizacional, porém, desta feita, no sentido contrário ao da oligarquização26 26 A vocação política de Sanchez evidenciou-se também em sua eleição para deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em 2014. Foi o parlamentar mais votado de sua legenda no estado. .

Os eventos da queda da oligarquia no Corinthians correspondem às condições identificadas por Ribeiro (2014, p. 185, grifo nosso)RIBEIRO, P. F. A lei da oligarquia de Michels. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, p. 179-223, jun. 2014. como restritivas à oligarquização e conducentes à sua interrupção:

  1. normas estatutárias que restringem a permanência dos dirigentes por mais deum mandato [produzidas pela reforma do estatuto durante o mandato-tampão de Sanchez];

  2. pressões externas à organização, principalmente no que diz respeito à competição/cooperação com outras organizações – momentos de forte crise organizativa tendem a impulsionar trocas de comando [crise com a MSI, denúncias de corrupção, investigação policial e crise técnica no futebol];

  3. correlação de forças entre os grupos/facções internas no momento de cada renovação diretiva [a coalizão desafiante de Sanchez cindiu o grupo encastelado];

  4. Estrutura de competição interna, no que diz respeito à inclusão das bases nos processos decisórios e à institucionalização dos conflitos internos. Quanto maiores foremos níveis de inclusividade e liberalização, maiores serão a possibilidade de oposiçãointerna real, a imprevisibilidade do processo e as chances de renovação em cadadisputa interna [reforma estatutária com a eleição direta do presidente do clube].

O futebol desfruta de uma condição particular na sociedade brasileira (embora não apenas nela). Como observa Toledo (2001, p. 146)TOLEDO, L. H. Futebol e teoria social: aspectos da produção científica brasileira (1982-2002). BIB – Boletim de Informação Bibliográfica, n. 52, p. 133-165, 2º. semestre de 2001.:

Mais do que uma “instituição brasileira” [...], o futebol pode ser concebido em alguma medida como a própria sociedade em movimento, em ato, reconstituída nas ações e nos fatos banais evocados a partir de um assunto partilhado e excepcionalmente retotalizador dos fatos da sociedade, domínio do discurso de senso comum, reiterativo e cognoscível.

Isso faz com que um grande clube de futebol no Brasil seja uma organização peculiar. Associação privada, mas com aficionados externos que acompanham detidamente o dia a dia de seus assuntos internos pela ampla cobertura de mídia, que vai além do campo meramente esportivo, o qual origina tal interesse pela política intestina, tornando-a assunto público e gerando cobranças que não incidiriam sobre entes privados comuns. Muitos aficionados não são sócios do clube, mas de entidades de sua órbita (torcidas uniformizadas), que ampliam organizadamente a pressão externa. Clubes de futebol produzem um ativo cultural intangível e constituem identidades que galvanizam paixões de amplos setores sociais, transformando assuntos aparentemente particulares em problemas de natureza pública. E fazendo jornadas de torcida tornarem-se campanhas cívicas.

  • 1
    Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq por meio de apoio à pesquisa e uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
  • 2
    É importante fazer essa ressalva, pois alguns clubes esportivos, como o Santos Futebol Clube ou oGrêmio de Foot-Ball Porto Alegrense, por exemplo, embora também sejam associações voluntárias,não possuem um clube social significativo, que seja percebido de forma destacada pelos sócios comoum serviço do qual são usuários – ou quase clientes. Seu foco principal está nos torcedores de futebol e, mais recentemente, nos assim chamados “sócios-torcedores”, que são clientes do produto futebol, fidelizados por uma série de benefícios e facilidades na compra de ingressos. No Grêmio, os benefícios distintos do futebol são, sobretudo, descontos na aquisição de bens e serviços de empresas conveniadas. No Santos, a partir de 2011, os sócios-torcedores foram todos convertidos em sócios contribuintes com direito a voto nas eleições internas, em virtude de uma modificação estatutária.Também no Sport Club Internacional (ALBINO et al., 2009ALBINO, J. C. A. et al. Sport Club Internacional e a constituição da identidade corporativa de ‘Clube Empresa’. Organização e Sociedade, v. 16, n. 48, p. 81-100, jan./mar. 2009.) os sócios-torcedores são eleitores.
  • 3
    A derrogação pura e simples de todas as regras democráticas não levaria necessariamente a uma oligarquia, mas provavelmente a um autoritarismo. Para que uma democracia se oligarquize é necessário manter uma aparência democrática (ao menos algumas regras ambíguas), mas tornar efetivos procedimentos que, na prática, eliminam a competição política real.
  • 4
    Ao mencionar aqui o populismo, tomo por referência a abordagem do fenômeno feita por autores de orientação institucionalista, como Weyland e Cavarozzi. O termo é, contudo, controverso e assumiusignificados muito distintos na literatura, em particular a de inspiração marxista, como em Weffort(1989)WEFFORT, F. O populismo na política brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 203 p., Ianni (1991)IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina. São Paulo: Ática, 1989. 168 p. e Laclau (2013)LACLAU. E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013. 384 p., por um lado, ou na abordagem econômica neoclássica, comoem Dornbush e Edwards (1991)DORNBUSH, R.; EDWARDS, S. (Ed.). The macroeconomics of populism in Latin America. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. 412 p., por outro. Um balanço de diversas dessas abordagens mais tradicionais foi feito por Ferreira (2001)FERREIRA, J. (Org.). O populismo e sua história – debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 384 p..
  • 5
    De acordo com Ramos (2001, p. 78)RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p.: “Novas eleições em 1965, 1967, 1969, sempre com resultadossemelhantes aos de 1961 e 1963: o grupo de Wadih Helú derrota o de Matheus e fica no poder.A cada eleição, uma batalha. Advogados entram em cena para garantir na justiça a possibilidadede Wadih desafiar os estatutos e concorrer em novas eleições”. A manipulação jurídica das regras,nota-se, foi um fator relevante para a longa permanência na presidência.
  • 6
    Nessa linha, Florenzano (2009)FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p. cita referências feitas a Matheus como “ditador” (p. 178), “generalde republiqueta” (p. 248), “envelhecido deus de subúrbio” (p. 280), pela imprensa esportiva e portorcidas organizadas.
  • 7
    Segundo relato da própria Marlene: “O tempo todo era Vicente quem mandava. Nem sentei na cadeirade presidente, nas reuniões. E não poderia ser diferente” (RAMOS, 2001RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p., p. 232).
  • 8
    Um indicativo da importância do clube no contexto local foi seu desempenho no futebol: com 33anos de existência à época, o clube havia conquistado o título paulista 12 vezes e figurado entre osquatro primeiros colocados em 28 ocasiões, o que lhe colocava como o clube de melhor desempenho futebolístico no estado desde a sua fundação. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Paulista_de_Futebol>. Acesso em: 6 nov. 2012.
  • 9
    Mesmo as reformas democratizantes que foram promovidas no clube posteriormente, durante agestão de Andrés Sanchez, não tiveram o condão de eliminar a restrição plutocrática. Em matériada revista Época a seu respeito, Sanchez revelou que podia se dedicar ao clube graças a uma fonteexterna de renda: “Eleito presidente do clube, Sanchez deixou as empresas de José Oller. Vendeuos 8% da Sol Embalagens, montou meia dúzia de lojas em ceasas de estados diferentes, comproudois postos de gasolina, o imóvel em que Dete mora e outro, menor, no mesmo bairro do Jaguaré.‘Meu patrimônio é de R$ 3,5 milhões’, afirma. ‘Ficou combinado, com a família, que eu ficaria quatroanos dedicado ao Corinthians, mantendo minha retirada.’ Suas lojas, que têm 80 funcionários, sãoadministradas pelo irmão mais novo, Tadeu. ‘Vivo muito bem com R$ 40 mil por mês. É o suficiente.’(O Corinthians não remunera sua diretoria).” (CARVALHO, 2011CARVALHO, L. M. Andrés Sanchez – preto no branco. Revista Época, 30 set. 2011. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/09/andres-sanchez-preto-no-branco.html>. Acesso em: 6 nov. 2012.
    http://revistaepoca.globo.com/tempo/noti...
    ). Apenas como referência, no anode 2011 o salário mínimo oficial era de R$ 545,00, ou seja, 70,4 vezes menor do que a retirada dopresidente corintiano.
  • 10
    Alfredo Ignácio Trindade foi vereador no município de São Paulo de meados dos anos 50 (quandoainda era presidente do Corinthians) até o início dos anos 60 do século passado, e deputado estadual entre 1963 e 1967.
  • 11
    O diletantismo dos dirigentes é notado também no trabalho de Costa e Silva (2006, p. 10) sobre a empresarização nos clubes de futebol catarinenses. Eles constatam que a tarefa de dirigente no clube era percebida como hobby, sendo o controle organizacional exercido pelos “pares que compartilhavam um conjunto de valores relacionados ao gosto pelo futebol e à identificação com o clube”.
  • 12
    Dualib chegou à vice-presidência de futebol ainda durante o mandato de Roberto Pásqua, quando substituiu Antoine Gebran (FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 492).
  • 13
    Tavares (s.d.)TAVARES, O. As organizações esportivas como oligarquias: uma análise tendo como prisma o Comitê Olímpico Internacional. Manuscrito não publicado. Vitória: [s.d.]. 7 p., recorrendo a Michels, identifica no Comitê Olímpico Internacional (COI) uma organização oligárquica, devendo esse caráter à forma como foi concebida e construída desde o início pelo seu idealizador e líder, Pierre de Coubertin. Infelizmente, contudo, Tavares não explora de forma mais elaborada o arcabouço teórico micheliano na análise de seu objeto.
  • 14
    Antes de Castor, o industrial Guilherme da Silveira foi um importante patrono do Bangu, entre as décadas de 1930 e 1950, e hoje dá nome ao estádio. Outra situação merecedora de menção foi – durante a ditadura Vargas – a ascendência de Luiz Aranha (então presidente da Confederação Brasileira de Desportos, CBD) sobre o Botafogo de Futebol e Regatas, clube do qual era também dirigente. Sua atuação nas duas entidades beneficiava o Botafogo, para o qual se transferiam os jogadores convocados para o selecionado, que – como punição por aderirem à CBD – eram banidos de seus clubes pela entidade então concorrente no âmbito do futebol (a Federação Brasileira de Football, FBF) (COSTA, 2006COSTA, M. S. D. Os gramados do Catete: futebol e política na Era Vargas (1930-1945). In: SILVA, F. C. T.; SANTOS, R. P. Memória social dos esportes: futebol e política: a construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro: Mauad Editora; Faperj, 2006., p. 118).
  • 15
    Em uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo, o jornalista Cosme Rímoli descreve assim parteda ascensão de Dualib no Corinthians: “Ele havia ganho um mandato de dois anos. Mas, dando um golpe escoltado pela Lei Zico (antecessora à Lei Pelé), modificou os estatutos do clube e pôde começar o metódico trabalho de conquistar os conselheiros com viagens, churrascos e cargos queacabaram lhe garantindo as reeleições por 14 anos de poder” (RÍMOLI, 1969RÍMOLI, C. 14 anos de títulos e escândalos. O Estado de S. Paulo, 31 dez. 1969. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,14-anos-de-titulos-e-escandalos,55548,0.htm>. Acesso em: 6 nov. 2012.
    http://www.estadao.com.br/noticias/impre...
    ).
  • 16
    Para o final do período considerado por esta pesquisa (2007-8), o clube possuía 27.376 sócios titulares e 25.008 dependentes, totalizando 52.384 usuários. Isso equivale, segundo os critérios oficiais brasileiros, a um município de médio porte. Havia também 611 funcionários (CORINTHIANS, 2008CORINTHIANS PAULISTA, Sport Club. Relatório de Sustentabilidade 2008. São Paulo: Sport Club Corinthians Paulista, 2008. 43 p.).
  • 17
    Na realidade, Wadih Helú ficou por 11 anos à frente do clube, não 14.
  • 18
    Os negritos, assim como algumas correções de digitação, são meus.
  • 19
    Nos termos de André Lucirton Costa (1995, p. 47)COSTA, A. L. A organização cordial: ensaio de cultura organizacional do Grêmio Gaviões da Fiel. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 40-54, 1995., “uma diretoria mais autoritária, respaldada pelo momento político nacional, acabou mostrando a contradição entre a estrutura administrativa do clube e a paixão corintiana [...]. Neste momento alguns torcedores criaram uma organização que respaldasse as suas reivindicações à diretoria do clube [...]. O Gaviões da Fiel nasceu como um sindicato, reclamando por participação e democracia [...]. A sua característica inicial era reivindicatória, evoluindo depois para se tornar um importante espaço de convívio e lazer entre seus associados”.
  • 20
    Diversos homens (o gênero também importa) importantes na hierarquia política clubista detêm também posições de elevado status social noutros âmbitos sociais ou mesmo desportivos. Elas funcionam como uma credencial para sua inserção no clube.
  • 21
    O valor do prejuízo representava, à época, o equivalente a 2.810 salários mínimos nacionais.
  • 22
    Em um contexto distinto, Espartel, Müller e Pompiani (2009, p. 75-6)ESPARTEL, L. B.; MÜLLER N. H. F.; POMPIANI, A. E. “Amar é ser fiel a quem nos trai”: a relação do torcedor com seu time de futebol. Organizações e Sociedade, v. 16, n. 48, p. 59-80, jan./mar. 2009. mostram que resultados dentro de campo são fator fundamental para o vínculo afetivo do torcedor com o clube. A qualidade dos serviços prestados pode contar para que o torcedor deixe de consumir os produtos do clube, mas não para que deixe de se sentir vinculado a ele.
  • 23
    Ramos (2001, p. 77-8)RAMOS, L. C. Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. 304 p. dá bom relato: “A reeleição de Wadih Helu [em 1963] ocorre naturalmente.O time de futebol vai mal, mas o presidente constrói um grande ginásio de esportes no Parque São Jorge, incentiva o basquete, o vôlei, a natação e a peteca. Exato: a peteca, esporte que reúne conselheiros influentes no Corinthians. Cria-se a ideia de que Wadih é benéfico para os associados.E, uma vez que os associados são os que definem a eleição, não adianta Matheus criticar a diretoriae fazer novas promessas”.
  • 24
    Essa ideia também foi proposta em 1971 pela chapa “Revolução Corinthiana”, liderada por Matheus,que derrotou Wadih Helú (FLORENZANO, 2009FLORENZANO, J. P. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Fapesp; Educ, 2009. 509 p., p. 414).
  • 25
    Em outubro de 2012, pesquisa da Pluri Consultoria revelou algo interessante. O Corinthians se tornara o mais transparente dos clubes brasileiros no que concerne às finanças. A pontuação atribuída pela consultoria ao Corinthians o colocava em patamar próximo ao de clubes europeus, como Bayern de Munique, Barcelona e Manchester United, e bem acima do Real Madrid e do Milan (PLURI CONSULTORIA, 2012PLURI CONSULTORIA. Pluri Especial – 1º ranking Pluri de transparência dos clubes de futebol. Curitiba: Pluri Consultoria, 2012. Disponível em: <http://www.pluriconsultoria.com.br/relatorio.php?id=177>. Acesso em: 15 fev. 2015.
    http://www.pluriconsultoria.com.br/relat...
    ). Como um dos lemas do grupo político liderado por Sanchez no clube era a transparência, uma avaliação externa como essa é algo que merece nota.
  • 26
    A vocação política de Sanchez evidenciou-se também em sua eleição para deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em 2014. Foi o parlamentar mais votado de sua legenda no estado.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2015
  • Aceito
    15 Dez 2015
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