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O locus da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida (lebenswelt) e sistema (system)

The locus of social management in the context of interrelations and tensions between the lifeworld (lebenswelt) and system

Resumo

Neste ensaio, repensamos e problematizamos os loci da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre o mundo-da-vida e o sistema, à luz de Jürgen Habermas e sua recepção crítica. A partir de uma reconstrução, os conceitos de mundo-da-vida e sistema representam uma chave de leitura sociológica e epistemológica do locus das ações e práticas de gestão social. Essa visão permite problematizar diversas tensões da gestão social que se materializam entre Estado, mercado e sociedade civil; agir comunicativo e agir estratégico; público e privado; coerção e espaço livre de fala; conflito e consenso; dominação e emancipação; interesses técnico, prático e emancipatório. Propomos que o locus da gestão social seja compreendido a partir dos processos intersubjetivos entre o mundo-da-vida e o sistema – somente possível por meio de uma visão construída de tensões (e possibilidades de complementariedade, justaposições, momentos dialéticos, fronteiras fluidas, intercâmbio e conflitos de lógicas). Assim, almejamos superar a compreensão dicotômica que situa a gestão epistemologicamente e socialmente em polos excludentes e, a partir disso, ser capaz de diagnósticos (mediante reconstruções epistêmicas) mais coerentes, crítico-reflexivos e falíveis das forças instrumentais e emancipatórias presentes na vida cotidiana e compartilhadas intersubjetivamente.

Palavras-chave
Gestão Social; Mundo-da-vida; Sistema; Locus; Tensão

Abstract

In this essay we question and rethink the loci of social management in the context of interrelations and tensions between the lifeworld and the system in light of Jürgen Habermas and his critical reception. From a reconstruction, the concepts of lifeworld-and system represent a sociological and epistemological key reading of the locus of the actions and practices of social management. This view allows discuss various strains of social management that materialize between State, market and civil society; communicative action and strategic action; public and private; coercion and public speech space; conflict and consensus; domination and emancipation; technical, practical and emancipatory interests. We suggest that the locus of social management is understood from the intersubjective processes between the lifeworld and the system – only possible via a constructed view of tensions (and possibilities of complementarity, juxtapositions, dialectical moments, fluid borders, exchange and logical conflicts). Thus, we aim to overcome the dichotomous compression that situates management epistemologically and socially in exclusive poles, and, as appropriate, through epistemic reconstructions, be able to provide more coherent, critical and reflective and fallible diagnoses of instrumental and emancipatory forces present in everyday life and shared inter-subjectively.

Keywords
Social management; Life-world; System; Locus; Tension

Introdução

Este artigo procura contribuir para a consolidação do campo de estudos da gestão social, fundamentando-se em debates teóricos e conceituais. Para isso, nosso esforço delimita as categorias “mundo-da-vida” (lebenswelt) e “sistema” (system), conforme estabelecido pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, e o amplo debate em torno delas. Concomitantemente, lançamos a seguinte questão norteadora: como os loci da gestão social podem ser repensados e problematizados a partir do contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema de Habermas e sua recepção crítica? Destacamos, para tanto, a importância de enfrentar esse problema abstrato, mas que reflete nas práticas de gestão entendidas como gerenciais dialógicas e democráticas. Portanto, neste ensaio, objetivamos repensar e problematizar os loci da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre o mundo-da-vida e o sistema, à luz de Jürgen Habermas e sua recepção crítica.

No âmbito dos estudos da gestão privada, pública e social, os trabalhos de Haber mas já foram referenciados em diversos momentos. Entretanto, argumentamos neste ensaio que as inter-relações entre mundo-da-vida e sistema (e sua ampla recepção ao longo de mais de três décadas – recepção formada por comentadores, críticos e pesquisas empíricas), fundamentais para a teoria social crítica de Habermas, não são problematizadas profundamente nos debates sobre gestão. Apesar da relevância da Teoria do agir comunicativo (TAC) de Habermas para a construção do conceito de gestão social (TENÓRIO, 1998TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, v. 32, n. 5, p. 7-23, 1998.; 2005; CANÇADO, 2011CANÇADO, A. C. Fundamentos teóricos da gestão social. 2011. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2011.), uma análise inicial indica que as inter-relações e tensões1 1 A ideia de abordar as tensões se embasou nos trabalhos de Ramos (1981), Habermas (1997a; 1997b) e Siqueira e Serva (2014). No primeiro, a tensão se apresenta entre a racionalidade substantiva e a racionalidade instrumental. No segundo, a ideia de tensão aparece na relação facticidade e validade e em diversos momentos (tensão entre idealismo e materialismo; norma e realidade; positividade e a legitimidade do direito; autonomia pública e autonomia privada, etc.). Neste artigo, a tensão se constitui também da necessidade de estabelecer áreas de interação e fronteiras entre essas esferas da vida em sociedade – em que as práticas de gestão social acontecem –, utilizando-se aqui de uma noção usada por Siqueira e Serva (2014) em outro contexto. entre mundo-da-vida e sistema são pouco referenciadas, aparecendo explicitamente apenas nos textos de Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014. e Freitas, Freitas e Ferreira (2014)FREITAS, A. F.; FREITAS, A. F.; FERREIRA, M. A. M. Gestão social como projeto político e prática discursiva. In: ENCONTRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA – EnAPG, 6., 2014, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 2014.. No entanto, esses trabalhos não exploram profundamente e de forma crítica as potencialidades desses conceitos. Consideramos que tais conceitos contribuem para a análise e compreensão da sociedade contemporânea na perspectiva crítica construída por Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.; 2012aHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012a.; 2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. e para uma construção epistemológica da gestão social. Nesse sentido, buscamos explorar uma lacuna teórica no recente texto de Cançado, Pereira e Tenório (2015)CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R.; TENÓRIO, F. G. Gestão social: epistemologia de um paradigma. 2. ed. Curitiba: CRV, 2015., identificada pelos próprios autores por não terem problematizado as inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, apesar de desenvolverem uma ampla revisão sobre o desenvolvimento da gestão social e considerar algumas contribuições de Habermas.

Posto isso, procuramos mostrar que a relação mundo-da-vida e sistema é tratada de forma incipiente no campo da gestão social. Para avançarmos, é preciso argumentar que existem diversas possibilidades de inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema (complementariedades, justaposições, intercâmbios, fronteiras fluidas, momentos dialéticos e conflitos de lógicas), e não apenas uma visão dicotômica, isto é, estas não são categorias rigidamente separadas. Principalmente, a partir do “afrouxamento” apresentado por Habermas na transição da TAC de 1981 para Direito e democracia (DD) de 1992, diante das diversas críticas recebidas pela rigidez do modelo anterior (FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.; HONNETH, 2003HONNETH, A. Redistribution as recognition: a response to Nancy Fraser. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.; KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.; BRESSIANI, 2011BRESSIANI, N. Redistribuição e reconhecimento-Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. Cadernos CRH, v. 24, n. 62, p. 331-352, 2011.; WIRTS, 2014WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014.; FLYNN, 2014FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.). Portanto, neste artigo consideramos que elas são também categorias analíticas dinâmicas e não somente empírico-descritivas (LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.). No entanto, não seguiremos o crítico frankfurtiano de terceira geração Axel Honneth (1993)HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993., no que tange à homogeneização dessas instâncias – identificamo-nos mais pertos da relativização das diferenças em Nancy Fraser, para quem as distinções são necessárias, mas devem ser sempre relativas e permeadas por inter-relações (FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.), e das próprias modificações realizadas por Habermas após a década de 1980.

Dessa forma, por um lado, a distinção pode ser considerada analítica ou epistemológica (paradigmas sociais) e, por outro, sociológica e empírico-descritiva (relações entre Estado, mercado e sociedade civil – principalmente após interpretação realizada por Cohen e Arato, em 1992). No mais, as relações entre mundo-da-vida e sistema se remetem originalmente à separação entre trabalho e interação (HABERMAS, 2014HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. São Paulo: Unesp, 2014.) e ganharam ao longo das obras de Habermas outras dimensões, como ação comunicativa e ação estratégica; perspectiva do participante e observador; reprodução simbólica e material, entre outras.

Colocado isso e voltando ao escopo da gestão social, apresentamos que nela o locus emerge como uma das divergências conceituais (é um debate teórico), afinal, a multiplicidade de sentidos e conceitos de gestão social se apresenta e se exterioriza também na busca pelo seu locus. Por isso, a temática in foco proporciona diversos debates, como exemplo, a crítica à noção de esfera pública como locus da gestão social (ARAÚJO; BOULLOSA, 2013ARAÚJO, E. T.; BOULLOSA, R. Esfera pública, esfera social e gestão social: aproximações epistemológicas e ontológicas. In: CONFERÊNCIA REGIONAL DE ISTR PARA A AM.RICA LATINA Y CARIBE, 9., 2013, Santiago, Chile. Anais... Santiago: ISTR, 2013.); da carência de estudo em parcerias trissetoriais (TEODÓSIO, 2008TEODÓSIO, A. S. S. Parcerias tri-setoriais na esfera pública: perspectivas, impasses e armadilhas para a modernização da gestão social no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2008.); do atrelamento da gestão social às políticas públicas e ao terceiro setor (TENÓRIO, 2005TENÓRIO, F. G. (Re)visitando o conceito de gestão social. Desenvolvimento em Questão, v. 3, p. 101-124, 2005.), bem como as críticas de Pinho e Santos (2015)PINHO, J. A. G.; SANTOS, M. E. P. Aporias em torno do conceito de gestão social: dilemas teóricos e políticos. REGE – Revista de Gestão, v. 22, n. 2, p. 155-172, 2015. à leitura do referencial habermasiano. Assim, um dos grandes questionamentos ao locus da gestão social se refere ao “sistema social” que ela adere ou é possível (PERES JUNIOR; PEREIRA, 2014PERES JUNIOR, M. R.; PEREIRA, J. R. Abordagens teóricas da gestão social: uma análise de citações exploratórias. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, p. 221-236, 2014.). Essa questão nos leva novamente a explorar as inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, afinal, são centrais para a construção dos conceitos de sociedade civil, esfera pública, deliberação pública e das relações Estado-sociedade-mercado (COHEN; ARATO, 1992COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992.; LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.; ANDREWS, 2011ANDREWS, C. W. Emancipação e legitimidade: uma introdução à obra de Jürgen Habermas. São Paulo: Unifesp, 2011.; FLYNN, 2014FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.). No mais, entendemos locus como campo de viabilização/possibilidade da gestão social na direção apresentada por Maia (2005)MAIA, M. Gestão social – reconhecendo e construindo referenciais. Textos & Contextos, n. 4, p. 1-18, 2005., ou pela expressão “onde se situa” utilizada por Pereira (2012)PEREIRA, J. R. Gestão social no contexto histórico e teórico das relações entre Estado, mercado e sociedade. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 12., 2012, Salvador. Anais... Salvador, 2012.. Em virtude disso, na perspectiva institucional (mas não se restringe a ela), se aproxima também da forma utilizada por Keinert (2007)KEINERT, T. M. M. Administração Pública no Brasil: crises e mudanças de paradigmas. 2. ed. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2007. como “território de fenômenos a ser explorado”. Além dessas, se refere epistemologicamente à perspectiva do participante (da hermenêutica do mundo vivido) ou do observador (da análise dos sistemas). Por meio dessas discussões, vamos defender a tese de que é possível compreender o locus da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida (lebenswelt) e sistema. Somente a partir dessa noção é que se visualizam as possibilidades de equacionar o histórico embate entre as forças colonizadoras e emancipatórias, bem como as possibilidades de democratizar o mundo-da-vida e o sistema.

Nessa direção, os conceitos reconstruídos criticamente de mundo-da-vida e sistema em conjunto representam uma chave de leitura sociológica e epistemológica do locus das ações e práticas de gestão social. Essa proposta nos permite explorar ainda algumas lacunas presentes na apropriação dos textos habermasianos pela gestão social: a) os textos não consideram o percurso conceitual traçado por Habermas ao apresentar os conceitos de mundo-da-vida e sistema, as origens teóricas dessas categorias, suas modificações e relações com outras categorias centrais, como “esfera pública”, “sociedade civil”, “democracia deliberativa”, “ação comunicativa” e “interação e trabalho”; b) os textos não apresentam a diversidade de críticas sobre a relação mundo-da-vida e sistema de Habermas e como essas críticas podem ser “produtivas” ao campo da gestão social; e c) os textos não apresentam avanços teóricos ou empíricos possíveis a partir da complexa relação entre mundo-da-vida e sistema.

Desse modo, procuramos avançar, teoricamente, na construção socioepistemológica da gestão social, ao tratarmos das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, passando de uma visão de contraposição dicotômica para uma concepção relacional. Uma visão relacional entre ações, perspectivas epistêmicas, esferas sociais e atores do Estado, mercado e sociedade civil poderá direcionar pesquisas empíricas que submetem as teorias ao crivo da práxis comunicativa cotidiana. Com esse posicionamento almejamos, também, buscar superar a compreensão dicotômica da gestão social que situa a gestão epistemologicamente e socialmente em polos excludentes e, a partir disso, ser capaz de diagnósticos mais coerentes, crítico-reflexivos e falíveis das forças instrumentais-estratégicas (colonização; injustiças e patologias sociais) e emancipatórias (radicalização da democracia a partir da sociedade civil; deliberação pública; formação de esferas públicas esclarecidas; participação social) presentes na vida cotidiana e compartilhadas intersubjetivamente, tendo em mente que Habermas (1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.; 2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. apresenta uma justificação para os pressupostos da democracia a partir da consideração das competências e capacidades reflexivas que todos os sujeitos possuem.

Finalmente, este texto é organizado da seguinte forma, além desta introdução: discussão conceitual sobre mundo-da-vida e sistema; debate sobre o locus da gestão social; argumentação sobre a tese defendida neste artigo e considerações finais.

Mundo-da-vida e sistema em Habermas

Mundo-da-vida, sistema e a tese da colonização de 1981

Integrando e combinando (não assimilando uma a outra) a perspectiva do mundo-vida e do sistema, Habermas (2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., em TAC [1981], se propõe a superar a unilateralidade das abordagens existentes até o momento (ANDREWS, 2011ANDREWS, C. W. Emancipação e legitimidade: uma introdução à obra de Jürgen Habermas. São Paulo: Unifesp, 2011.). Com isso, ele afirma que a sociedade pode ser vista ao mesmo tempo como mundo-da-vida e como sistema: perspectiva do participante e do observador (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.). Essa concepção dual da sociedade possui raízes em Técnica e ciência como “ideologia”, quando, por meio da leitura da filosofia do jovem Hegel, Habermas (2014)HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. São Paulo: Unesp, 2014. entende por “trabalho” a ação racional teleológica (ação instrumental ou escolha racional) que se contrapõe às “interações simbolicamente mediadas” (ação comunicativa) – essa questão aparece também em Conhecimento e interesse, de 1968 (HABERMAS, 1982HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.). Adiante, o autor afirma que a reprodução material ocorre por meio do trabalho e a reprodução simbólica por meio da ação comunicativa. Esse modelo dualista de racionalidade é transformado posteriormente no modelo dualista de sociedade (HONNETH, 1993HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993.; LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.). É importante acrescentar que as concepções epistemológicas de mundo-da-vida e sistema de Habermas (2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. emergem de paradigmas sociais amplos.

O mundo-da-vida é interpretado por ele em uma mistura da fenomenologia, do interacionismo simbólico e da filosofia linguística (VANDENBERGHE, 2010VANDENBERGHE, F. Os livros que Habermas não escreveu. Boletim CEDES, p. 1-7, 2010.) – principalmente por meio da leitura de Edmund Husserl (do qual emerge a concepção original), Alfred Schütz, Peter Berger, Thomas Luckmann e G. H. Mead. Para Habermas (2012a)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012a., o mundo-da-vida é caracterizado como um saber implícito, fonte de interpretações, fundamento pré-teórico da prática cotidiana e pano de fundo das experiências. Aqui, o mundo-da-vida não representa nenhuma estrutura formal ou organização, mas, posteriormente, Cohen e Arato (1992)COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992. interpretaram a sociedade civil como a dimensão institucional do mundo-da-vida, e em Direito e democraciaHabermas (1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. se refere a essa interpretação considerando-a coerente.

O mundo-da-vida é estruturado na cultura (reprodução cultural), na sociedade (reprodução social de ordens legítimas) e na personalidade (socialização). Portanto, é por meio de suas estruturas que um sujeito se torna “competente” para agir e falar em seu mundo sociocultural (PINZANI, 2009PINZANI, A. Habermas. São Paulo: Artmed, 2009.). Segundo Habermas (2012b, p. 218)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., o mundo-da-vida “[...] constitui um conceito complementar ao do agir comunicativo”. Assim, eles não se reduzem um ao outro, mas, se alimentam um do outro em um processo circular. Nesse caminho, a razão é pensada na forma de comunicação intersubjetiva (posição que compartilha com Karl-Otto Apel). Para Habermas (2012a)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012a., somente a ação comunicativa pressupõe a linguagem como medium do entendimento, na qual o acordo alcançado se mede pelo reconhecimento intersubjetivo. Por outro lado, a ação estratégica possui como orientação fins ou a maximização da utilidade (HABERMAS, 2012aHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012a.).

No sistema, os mecanismos de coordenação das ações são estratégicos: o poder administrativo (Estado) e o dinheiro (subsistema econômico – mercado). Isto é, diferente do mundo-da-vida, em que há mais imprevisibilidade – com maior papel para a agência –, no sistema as ações são coordenadas de forma organizada, burocrática e com fins estabelecidos (KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.). Adiante, a concepção de sistema em Habermas (2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. parte, principalmente, das leituras de Niklas Luhmann e Talcott Parsons. Habermas (1997a, p. 61-62)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I. destaca a importância da teoria dos sistemas ao afirmar que a coesão social não é obtida apenas mediante processos comunicativos: “[...] sociedades modernas são integradas não somente através de valores, normas e processos de entendimento, mas também sistemicamente, através de mercados e do poder administrativo. Dinheiro e poder administrativo constituem mecanismos da integração social”. Além de que, são os mecanismos sistêmicos que retiram um peso das relações comunicativas e liberam-nas para a reprodução simbólica das relações sociais. Todavia, Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. critica Luhmann, por apagar o papel de autocompreensão dos atores, e Parsons, por substituir o mundo-da-vida pelo subsistema cultural e eliminar a distinção mundo-da-vida/sistema.

Em decorrência disso, as perspectivas que consideram somente os sistemas sociais, como as de Parsons e Luhmann, também limitam a compreensão. Logo, a sociedade não pode ser concebida apenas como sistema, nem somente como mundo-da-vida. Já em Problemas de legitimação no capitalismo tardio, de 1973, Habermas (1999, p. 25)HABERMAS, J. Problemas de legitimación en el capitalismo tardío. Madrid: Ediciones Cátedra, 1999. afirma que “[...] ambos os paradigmas, mundo-da-vida e sistema, tem sua razão de ser; o problema é associá-los”. Problema que ele enfrenta mais diretamente em 1981 com a TAC, mesmo admitindo as dificuldades dessa proposta. Por isso, conforme Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., nessa obra Habermas constrói os fundamentos normativos de uma teoria social crítica, combinando uma perspectiva hermenêutica com a análise funcionalista dos sistemas. A sua contribuição é associar reconstrutivamente os paradigmas do mundo-da-vida e do sistema para compreender as sociedades modernas.

Sociologicamente, a separação (desacoplamento) entre mundo-da-vida e sistema ocorreu para Habermas (2012b)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. em decorrência da complexificação dos sistemas sociais e da racionalização do mundo-da-vida (VANDENBERGHE, 2010VANDENBERGHE, F. Os livros que Habermas não escreveu. Boletim CEDES, p. 1-7, 2010.). No entanto, mesmo com o desacoplamento, existem entre o mundo-da-vida e os subsistemas relações de trocas. Adiante, o sistema não é per si alienante (mundo-da-vida e sistema se complementam na reprodução da sociedade): o “fundamental para Habermas é que cada uma dessas racionalidades [do mundo-da-vida e do sistema] não extrapole seus domínios próprios” (NOBRE, 2011NOBRE, M. A teoria crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011., p. 58). Todavia, o diagnóstico de Habermas na década de 1980 é que existe desequilíbrio na inter-relação, ocorrendo a colonização do mundo-da-vida pelo sistema.

A racionalização unilateral e a reificação da prática comunicativa cotidiana não são frutos da disjunção entre formas de organização dos subsistemas controlados por meios e pelo mundo da vida, mas da penetração de formas da racionalidade econômica e administrativa em esferas de ações que resistem à transferência para os meios “dinheiro” e “poder”, uma vez que se especializam na tradição cultural, na integração e na educação social, ficando na dependência do entendimento como mecanismo de coordenação da ação (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., p. 597, grifo nosso).

Portanto, a colonização vai ser expressa quando a racionalidade instrumental e a estratégica passam a moldar os processos de socialização, aprendizado e formação da personalidade. Como exemplo, Habermas analisa como o sistema jurídico (o direito) leva mecanismos sistêmicos para dentro do mundo-da-vida – a questão do direito é reformulada em DD (FLYNN, 2014FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.). Sobre o Estado, isso se expressa quando ele, ao se tornar mais presente no dia a dia, acaba por invadir a esfera do mundo-da-vida com meios de coordenação burocráticos (KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.); quanto ao mercado, se revela na monetarização e mercantilização da vida (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.).

Mundo-da-vida, sistema e a política deliberativa de 1992

Em Direito e democracia [1992], Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. defende uma concepção de política deliberativa. Nela, segundo Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., a relação mundo-da-vida e sistema ainda continua fundamental para a legitimidade democrática. Uma das grandes mudanças vai ser o novo papel estabelecido para o direito, que passa a ser entendido como importante para institucionalizar as demandas do mundo-da-vida. Destaca-se, também, o papel da esfera pública e da sociedade civil dentro do modelo centro-periferia adotado pelo autor. Agora, a sociedade civil luta para influenciar/direcionar o sistema – canalizando os impulsos normativos que surgem em contextos do mundo-da-vida (formação da esfera pública e da opinião pública). Segundo Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., a sociedade civil se torna essencial no projeto democrático habermasiano. Para Habermas (1997b, p. 99)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., a sociedade civil possui como núcleo institucional “[...] associações e organizações livres, não estatais e não econômicas”, portanto, “[...] compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política” (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., p. 99). Nesse momento, Habermas (1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. defende a concepção de uma esfera pública sensível e permeável aos fluxos comunicacionais oriundos do mundo-da-vida. Logo, a esfera pública é uma caixa de ressonância que filtra e sintetiza a vontade pública, transportando-a até os níveis institucionalizados do sistema político (LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.).

Nesse âmbito, Kreide (2016)KREIDE, R. Digital spaces, public places and communicative power in defense of deliberative democracy. Philosophy & Social Criticism, p. 1-11, 2016. argumenta que a ação comunicativa é importante para a resolução de problemas coletivos e a identificação dos cidadãos com a política. A partir disso, na relação entre mundo-da-vida, ação comunicativa e esfera pública emerge o conceito de poder comunicativo (inspirado em Hannah Arendt), em contraposição ao poder administrativo. O poder comunicativo é o resultado de um processo deliberativo na esfera pública, que busca direcionar o poder administrativo das decisões administrativo-políticas (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.). Nisso, a transformação do poder comunicativo em poder administrativo possui o direito como medium (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.).

É preciso considerar os limites da proposta da democracia deliberativa de Habermas (sobre mundo-da-vida e sistema, está apresentada no próximo tópico pela sua especificidade). Podemos sintetizar algumas delas: foco na razão; não privilegiar a importância dos arranjos participativos institucionais; contraposição simplista entre Estado e sociedade civil; papel homogêneo conferido à sociedade civil; falta de sensibilidade em relação às assimetrias e ao caráter conflitivo da política; abordagem não pluralista da esfera pública e outras (FERRAZ, 2006FERRAZ, A. T. R. Pensando a democracia e seu processo de adjetivação. Agalia, v. 85/86, p. 173-200, 2006.; JUSTEN; MORETTO NETO; GARRIDO, 2014JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L.; GARRIDO, P. O. Para além da dupla consciência: gestão social e as antessalas epistemológicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, p. 237-251, 2014.; MIGUEL, 2014MIGUEL, L, F. Deliberacionismo e os limites da crítica: uma resposta. Opinião Pública, v. 20, p. 118-131, 2014.; KREIDE, 2016KREIDE, R. Digital spaces, public places and communicative power in defense of deliberative democracy. Philosophy & Social Criticism, p. 1-11, 2016.). Em contrapartida, é importante destacar que é central em Habermas o fato de ele manter a força democrática na formação da opinião por parte dos cidadãos e não somente em processos institucionais (SILVA; MACHADO; MELO, 2010SILVA, F. G.; MACHADO, R. A. M.; MELO, R. A esfera pública e as proteções legais anti-racismo no Brasil. Cadernos de Filosofia Alemã, v. 16, p. 95-116, 2010.). Além disso, segundo Kreide (2016)KREIDE, R. Digital spaces, public places and communicative power in defense of deliberative democracy. Philosophy & Social Criticism, p. 1-11, 2016., a democracia deliberativa não se forma em um encontro harmonioso, pois o poder comunicativo é também o poder de questionar por meio de atos de resistência, manifestações e protestos (KREIDE, 2016KREIDE, R. Digital spaces, public places and communicative power in defense of deliberative democracy. Philosophy & Social Criticism, p. 1-11, 2016.) – isso fica claro por meio das discussões de Habermas sobre protestos e desobediência civil (WHITE; FARR, 2012WHITE, S. K.; FARR, E. R. “No-saying” in Habermas. Political Theory, v. 40, n. 1, p. 32-57, 2012.). Sobre a contraposição simplista entre Estado e sociedade civil, este texto procura avançar por meio de inter-relações e tensões.

Em parte, o livro Direito e democracia, de 1992, é uma resposta a seus críticos e atende a muitas dessas críticas (KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.; WHITE; FARR, 2012WHITE, S. K.; FARR, E. R. “No-saying” in Habermas. Political Theory, v. 40, n. 1, p. 32-57, 2012.; FLYNN, 2014FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.; KREIDE, 2016KREIDE, R. Digital spaces, public places and communicative power in defense of deliberative democracy. Philosophy & Social Criticism, p. 1-11, 2016.). Aqui, argumentamos que as inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema possibilitam problematizar o locus da gestão social, defendendo com Flynn (2014, p. 213)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.:

[...] diante da contínua expansão da economia e da burocracia na vida cotidiana, a questão de como os cidadãos que utilizam a linguagem comum podem competir com a influência do dinheiro [mercado] e do poder [político-administrativo] é um desafio significativo para a prática democrática e para qualquer teoria normativa da democracia.

Avanços na relação mundo-da-vida e sistema em Habermas e seus debatedores

Existem várias críticas à distinção entre mundo-da-vida e sistema de 1981, tanto que em 1992 ele apresenta várias reformulações (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.). Dentre os críticos, podemos destacar Hans Joas, Axel Honneth, Thomas McCarthy, Nancy Fraser e Anthony Giddens. Esses autores são unânimes em criticar a incorporação realizada por Habermas do funcionalismo de Luhmann (LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.; FLYNN, 2014FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014.). Aqui, focaremos em especial as críticas de Honneth e Fraser pela sua ampla repercussão e por contribuir com o debate. Posteriormente, apresentaremos as transformações realizadas por Habermas.

Honneth (1993)HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993. afirma que a TAC de Habermas é promissora para uma análise do social, entretanto, a separação categórica entre sistema e mundo-da-vida acaba por conceber de forma inadequada um “espaço” social livre de normas e outro livre de poder. Isso, segundo o autor, se refere ao “deficit sociológico” de Habermas. Fraser (2003)FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003., por sua vez, considera também a importância da teoria de Habermas (especialmente o conceito de esfera pública) como ponto de partida, no entanto, ela discorda da separação rígida entre mundo-da-vida e sistema, e discorda também de Honneth sobre o “nivelamento” (BRESSIANI, 2011BRESSIANI, N. Redistribuição e reconhecimento-Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. Cadernos CRH, v. 24, n. 62, p. 331-352, 2011.). Para Fraser (2003)FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003., as distinções são necessárias, mas devem ser relativizadas (posição que também defendemos).

Argumentando sobre essas críticas, é possível considerar que a obra de Honneth sofre, por outro lado, de um “deficit político” e não chega a debater as obras de Habermas mais “maduras”, como a de 1992 (LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.). Segundo Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., é visível que em DD Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. reconhece que sua abordagem anterior havia falhado por conceber diferenças rígidas entre mundo-da-vida e sistema. Sobre isso, Baxter (2011)BAXTER, H. Habermas: the discourse theory of law and democracy. Stanford, CA: Stanford University Press, 2011. argumenta que na verdade Habermas teria abandonado o conceito de mundo-da-vida na década de 1990, pois a partir da ênfase conferida ao direito e à democracia não é possível defender a separação. Os textos de Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014. e Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. discordam dessa proposta. É interessante colocar que se Baxter (2011)BAXTER, H. Habermas: the discourse theory of law and democracy. Stanford, CA: Stanford University Press, 2011. defende que a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann seria suficiente para a proposta de Habermas em DD, em contrapartida, Misgeld (1985)MISGELD, D. Critical hermeneutics versus neoparsonianism? New German Critique, n. 35, p. 55-82, 1985. advoga que o conceito de mundo-da-vida individualmente seria suficiente para construir uma Teoria do agir comunicativo, a partir da qual seria possível compreender os aspectos sistêmicos. Para esse último, não são necessárias duas atitudes consideradas por Habermas (participante – perspectiva hermenêutica; e observador – análise teórico-funcionalista), mas apenas a do “participante”. Para Misgeld (1985)MISGELD, D. Critical hermeneutics versus neoparsonianism? New German Critique, n. 35, p. 55-82, 1985., muitas vezes a obra de Habermas dá primazia à atitude do participante – portanto, a primazia do mundo-da-vida.

No entanto, Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. e Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014. argumentam que a distinção (mundo-da-vida e sistema) deve ser mantida, pois, sem uma conexão com a ação comunicativa, a estrutura política fica sem legitimidade. Mesmo assim, Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. deixa evidente que em grande parte da vida cotidiana experimentamos tanto o sistema quanto o mundo-da-vida, ao mesmo tempo, por isso, a distinção não é rígida como na obra da década de 1980, é mais coerente a da década de 1990, mais próxima à proposta de Fraser (2003)FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003. e à nossa, neste texto.

Gutierrez e Almeida (2013)GUTIERREZ, G. L.; ALMEIDA, M. A. B. Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, v. 58, n. 1, p. 151-173, 2013. lembram que são possíveis várias interpretações da proposta de Habermas, pois, segundo os autores, na própria TAC existe certa primazia do mundo-da-vida, uma vez que, apesar de apresentar tanto o paradigma comunicativo quanto o sistêmico, não é fácil determinar como Habermas compreende tais relações (GUTIERREZ; ALMEIDA, 2013GUTIERREZ, G. L.; ALMEIDA, M. A. B. Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, v. 58, n. 1, p. 151-173, 2013.). Isso seria confirmado na obra da década de 1990, em que Habermas coloca que tanto o poder quanto o dinheiro devem ser “ancorados” no mundo-da-vida por meio do direito (direito/lei se apresenta como tradutor) e do procedimento democrático – mas ao contrário de Gutierrez e Almeida (2013)GUTIERREZ, G. L.; ALMEIDA, M. A. B. Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, v. 58, n. 1, p. 151-173, 2013., para Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. e Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014. isso não fica claro em 1981. Realmente, em 1992, Habermas em vários momentos coloca que os subsistemas estão ancora dos no mundo-da-vida, no qual buscam legitimidade (HABERMAS, 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.). Contudo, continua a defender também que precisa da perspectiva do mundo-da-vida e da perspectiva dos sistemas (HABERMAS, 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b).

Outra mudança pode ser vista no âmbito da administração pública (KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.). Na TAC, ela aparece apenas com um papel sistêmico e estratégico, enquanto em DD ela se torna mais democrática, possibilitando formas de comunicação menos instrumentalizadas (KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.). Assim, “o sistema político, estruturado no Estado de direito, diferencia-se internamente em domínios do poder administrativo e comunicativo, permanecendo aberto ao mundo da vida” (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., p. 84). Consoante Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. e Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., uma mudança significativa é que o núcleo do sistema político não inclui somente as instituições do poder político, inclui também instância da ação comunicativa (em legislaturas e tribunais, por exemplo). Segundo Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., o sistema político inclui também uma variedade de espaços informais para deliberação – por isso Habermas (1997a)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I. considera que fazem parte do poder político tanto o poder administrativo quanto o poder comunicativo.

Finalmente, este artigo parte da proposta de superação das relações entre mundo-da-vida e sistema como lógicas totalmente opostas, que separam de forma fictícia “normas/valores” e “poder” (HONNETH, 1993HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993.), reprodução simbólica e material (FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.), e caminha para uma rearticulação do dualismo social habermasiano, como propõe Fraser (2003)FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003. ao relativizar as fronteiras e considerar a importância de pensar as tensões e inter-relações – especialmente no âmbito da gestão social. Portanto, consideramos a necessidade de diferenciar os mecanismos, mas apenas cabendo (em termos epistemológicos e sociais) os qualificativos: relativamente diferenciados; conflitos de lógicas; fronteiras fluidas; interações mútuas (FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.; BRESSIANI, 2011BRESSIANI, N. Redistribuição e reconhecimento-Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. Cadernos CRH, v. 24, n. 62, p. 331-352, 2011.), que devem ser exploradas empiricamente. Para isso, não podemos abandonar a importância das perspectivas do mundo-da-vida e dos sistemas, argumentando ainda com Habermas que, sem ambas, a visão da sociedade se torna unilateral e restrita (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.), tanto das patologias sociais e relações de dominação quanto dos potenciais de emancipação – é preciso “[...] fazer justiça a ambas as perspectivas” (PINZANI, 2009PINZANI, A. Habermas. São Paulo: Artmed, 2009., p. 110).

A problemática do locus na gestão social e suas tensões

Aqui visitamos uma ampla literatura em gestão social, para demonstrar como os diversos textos fornecem elementos que possibilitam compreender o locus da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema (e que existem avanços consideráveis se pautarmo-nos nessa perspectiva). Assim, o leitor pode ter acesso também aos debates que relacionam gestão social e como eles podem ser repensados por meio das categorias mundo-da-vida e sistema. Em cada visão de locus indicamos as contribuições a partir de Habermas, as limitações e lacunas para futuras pesquisas.

Na abordagem crítica2 2 Para sistematizar os loci, fizemos uma ampla revisão da literatura e utilizamos para apresentação as abordagens da gestão social de Peres Junior e Pereira (2014): crítica frankfurteana (sociedade civil, qualquer esfera/espaço social – público, privado ou não governamental, estrutura intermediária, esfera pública e território); gestão do desenvolvimento social interorganizacional (espaço local, território e interorganizações); pública societal (experiências locais participativas); abordagem puquiana (espaço público, terceiro setor, ONG e movimentos sociais). Acrescentamos que a pesquisa não pretendeu interpretar a “totalidade” dos loci possíveis, mas apenas apresentar os encontrados na revisão da literatura. , França Filho (2003)FRANÇA FILHO, G. C. Gestão social: um conceito em construção. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 9., 2003, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2003. relaciona o espaço da gestão social com o espaço da sociedade civil, pautando-se na ideia de que a “gestão das demandas e necessidade do social pode se dar via a própria sociedade” (FRANÇA FILHO, 2003FRANÇA FILHO, G. C. Gestão social: um conceito em construção. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 9., 2003, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2003., p. 3). Nesse sentido, o locus privilegiado é a sociedade civil, enquanto espaço não estatal. Por sua vez, Tenório (1998)TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, v. 32, n. 5, p. 7-23, 1998. apresenta o terceiro setor como possível locus da gestão social, mas, posteriormente, problematiza essa colocação. Detidamente, Tenório (2005TENÓRIO, F. G. (Re)visitando o conceito de gestão social. Desenvolvimento em Questão, v. 3, p. 101-124, 2005.; 2013)TENÓRIO, F. G. Tem razão a gestão social? In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 3., 2013, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013. p. 1-17. afirma que a gestão social pode acontecer em qualquer locus: sociedade civil, mercado e Estado. Contudo, a sociedade ainda deve ser a protagonista dessas relações (primazia do mundo-da-vida).

Para problematizar esses loci, é preciso apresentar a relação da sociedade civil, do terceiro setor e dos movimentos sociais com o conceito de mundo-da-vida. Como já apresentado com base na TAC, Cohen e Arato (1992)COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992. propuseram que a sociedade civil corresponde à dimensão institucional do mundo-da-vida (que abarca os movimentos sociais). Para Habermas (1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., a sociedade civil é uma esfera autônoma em relação ao mercado e ao Estado. Na gestão social, um dos trabalhos que critica essa posição é o de Teodósio (2008)TEODÓSIO, A. S. S. Parcerias tri-setoriais na esfera pública: perspectivas, impasses e armadilhas para a modernização da gestão social no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2008., ao destacar o modelo de Janoski como importante para pensar as parcerias trissetoriais na esfera pública em detrimento do modelo de Habermas, que, para o autor, dificulta justaposições e a existência de fronteiras mais fluidas.

Tendo em vista essas questões, os loci da gestão social, como sociedade civil, movimentos sociais, terceiro setor, estão diretamente relacionados à visão institucional do mundo-da-vida. Assim, o locus da gestão social se contrapõe ao Estado e ao mercado. A principal tensão aqui é em relação à autonomia da sociedade civil, muito questionada no Brasil. Conforme Avritzer (2012)AVRITZER, L. Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. Opinião Pública, v. 18, n. 2, p. 383-398, 2012., a relação Estado e sociedade civil ao longo de várias décadas assumiu relações, variando da autonomia à interdependência. No entanto, a perspectiva habermasiana e também a de Cohen e Arato (1992)COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992. é criticada pelo seu essencialismo e oposição da sociedade civil em relação ao Estado (LAVALLE; HOUTZAGER; CASTELLO, 2006LAVALLE, A. G.; HOUTZAGER: P.; CASTELLO, G. Democracia, pluralização da representação política e sociedade civil. Lua Nova, n. 67, p. 49-103, 2006.). Outra tensão se refere ao fato de as organizações da sociedade civil poderem desenvolver práticas antidemocráticas (WHITEHEAD, 1997WHITEHEAD, L. Bowling in the Bronx: the uncivil interstices between civil and political society. Democratization, v. 4, n. 1, p. 94-114, 1997.), não sendo naturalmente geridas na forma de gestão social (desse modo, no próprio mundo-da-vida residem elementos de dominação e violência). Nesse sentido, para Teodósio (2014)TEODÓSIO, A. S. S. Organizações da sociedade civil. In: BOULLOSA, R. F. (Org.). Dicionário para formação em gestão social. Salvador: CIAGS, 2014. v. 1. p. 128-132., é preciso superar o pressuposto de que a sociedade civil é naturalmente democrática e, assim, “ideal” para uma gestão social. Esse debate direciona a gestão social para pesquisas empíricas em organizações da sociedade civil no intuito de identificar seus elementos democráticos e não democráticos, bem como aprofundar no estudo das relações entre essas organizações, seus atores e os atores estatais (a partir das diferenciações e interações entre Estado e sociedade civil).

Ampliando conceitualmente as zonas de integração entre mundo-da-vida e sistema, Cançado (2011)CANÇADO, A. C. Fundamentos teóricos da gestão social. 2011. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2011., Pereira (2012)PEREIRA, J. R. Gestão social no contexto histórico e teórico das relações entre Estado, mercado e sociedade. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 12., 2012, Salvador. Anais... Salvador, 2012. e Cançado, Pereira e Tenório (2015)CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R.; TENÓRIO, F. G. Gestão social: epistemologia de um paradigma. 2. ed. Curitiba: CRV, 2015. adicionaram áreas em comum nas relações Estado, mercado e sociedade civil, e propõem que a gestão social se situa em um espaço compartilhado. Nesses textos, a gestão social se relaciona diretamente com a categoria teórica habermasiana esfera pública, apropriada como categoria intermediária da gestão social. Nessa mesma direção, Oliveira, Cançado e Pereira (2010)OLIVEIRA, V. A. R.; CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R. Gestão social e esfera pública: aproximações téorico-conceituais. Cadernos EBAPE.BR, v. 8, 4, p. 613-626, 2010. indicam a esfera pública e os espaços públicos construídos enquanto espaços dialógicos como locus da gestão social, e Freitas, Freitas e Ferreira (2014)FREITAS, A. F.; FREITAS, A. F.; FERREIRA, M. A. M. Gestão social como projeto político e prática discursiva. In: ENCONTRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA – EnAPG, 6., 2014, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 2014. argumentam que o conceito de esfera pública em DD é fundamental para a gestão social. Tenório (2005, p. 107)TENÓRIO, F. G. (Re)visitando o conceito de gestão social. Desenvolvimento em Questão, v. 3, p. 101-124, 2005. reconstrói o conceito de esfera pública como sendo “[...] o espaço possível de comunicação e de deliberação entre sociedade civil, Estado e mercado”. Portanto, buscando uma concepção mais relacional para o conceito e, assim, mais coerente para discutir inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema. Em direção semelhante, Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014. propõe um locus compartilhado entre mundo-da-vida e sistema e coloca que a gestão social deve se situar (como adjetivo e substantivo) nos cruzamentos entre o sistema e o mundo-da-vida.

Araújo e Boullosa (2013)ARAÚJO, E. T.; BOULLOSA, R. Esfera pública, esfera social e gestão social: aproximações epistemológicas e ontológicas. In: CONFERÊNCIA REGIONAL DE ISTR PARA A AM.RICA LATINA Y CARIBE, 9., 2013, Santiago, Chile. Anais... Santiago: ISTR, 2013. pontuam uma aproximação com a esfera social e não com a esfera pública. Além disso, os diversos limites e possibilidades democráticas da esfera pública em uma sociedade desigual são questionados (FRASER, 1990FRASER, N. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, n. 25/26, p. 56-80, 1990.; FERRAZ, 2006FERRAZ, A. T. R. Pensando a democracia e seu processo de adjetivação. Agalia, v. 85/86, p. 173-200, 2006.; MIGUEL, 2014MIGUEL, L, F. Deliberacionismo e os limites da crítica: uma resposta. Opinião Pública, v. 20, p. 118-131, 2014.). Isso pode direcionar a gestão social para pesquisas que identifiquem a formação de esferas públicas no Brasil, especialmente em contextos de protestos e manifestações com posições divergentes. É possível, ainda, buscar compreender as esferas públicas subalternas (PERLATTO, 2015PERLATTO, F. Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas: disputas e possibilidades na modernização brasileira. Revista de Sociologia e Política, v. 23, p. 121-145, 2015.), menos mobilizadas pela mídia de massa e pelas relações de poder hegemônicas do Estado e do mercado. E mais, com base em Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014., é possível estudar quais organizações ou discursos que mobilizam a coordenação entre ação estratégica e comunicativa no âmbito da gestão social.

Na abordagem da gestão do desenvolvimento social interorganizacional, Fischer (2012)FISCHER, T. Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia, v. 12, n. 1, 113-119, 2012. também alerta para a importância de práticas híbridas (em interorganizações). Nesse sentido, busca o gerenciamento de diferentes racionalidades no âmbito da gestão social – sob nossa lente, racionalidades do mundo-da-vida e do sistema. Em geral, a abordagem do desenvolvimento social também destaca a gestão social na relação entre o mundo-da-vida e o sistema, ao trabalhar com o conceito de interorganizações que envolve organizações públicas, privadas e da sociedade civil (FISCHER; MELO, 2003FISCHER, T.; MELO, V. P. Gestão social do desenvolvimento e interorganizações. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 12., 2003, Salvador. Anais... Salvador: UFBA, 2003.; FISCHER, 2012FISCHER, T. Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia, v. 12, n. 1, 113-119, 2012.) – em que se busca a integração e a mediação entre cooperação e conflito. Buscar tensões e inter-relações nesses loci significa pesquisar qual o interesse hegemônico nessas interorganizações, em que medida elas são criadas e efetivadas em prol do interesse público ou são colonizadas, isto é, burocratizadas e mercantilizadas, afastando-se do horizonte do mundo-da-vida e das práticas democráticas e dialógicas de gestão. Ou seja, pesquisas empíricas podem revelar se nesse locus prevalece a tese da colonização [tese habermasiana de 1981], da deliberação pública [tese de 1992] ou as tensões e evidências além dessas abordagens.

Na abordagem puquiana, procurando estabelecer laços entre mundo-da-vida e sistema (nossa interpretação), Wanderley e Raichelis (2001)WANDERLEY, L. E. W.; RAICHELIS, R. Gestão pública democrática no contexto do Mercosul. In: SIERRA, G. (Org.). Los rostros del Mercosur. Buenos Aires: Clacso, 2001. defendem a ideia de interlocuções entre Estado e sociedade civil. Para eles, um caminho é “[...] a democratização simultânea da sociedade civil e do Estado” (WANDERLEY; RAICHELIS, 2001WANDERLEY, L. E. W.; RAICHELIS, R. Gestão pública democrática no contexto do Mercosul. In: SIERRA, G. (Org.). Los rostros del Mercosur. Buenos Aires: Clacso, 2001., p. 166). Aparece também como locus os movimentos sociais e as iniciativas populares (INOJOSA; JUNQUEIRA, 2008INOJOSA, R. M.; JUNQUEIRA, L. A. P. Práticas e saberes: desafios e inovações em gestão social. Organização & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 171-180, 2008.). Além disso, para Junqueira (2004)JUNQUEIRA, L. A. P. Gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 1, p. 25-36, 2004., destacam-se as organizações não governamentais. Sobre os movimentos sociais, Mendonça (2014)MENDONÇA, P. Movimentos sociais. In: BOULLOSA, R. F. (Org.). Dicionário para a gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. v. 1. p. 115-118. indica que neles acontecem interações entre diversos atores e também a construção de subjetividades e identidades. Adiante, Cabral (2011)CABRAL, E. H. S. Valores e espaço público: referenciais e instrumentos para a avaliação de projetos sociais. Revista de Administração Pública, v. 45, p. 1915-1941, 2011. utiliza a expressão terceiro setor, no entanto, apresenta com base em Evers uma concepção diferente das anteriores, como sendo uma estrutura “[...] intermediária no que concerne às racionalidades do Estado, do mercado e da comunidade” (CABRAL, 2011CABRAL, E. H. S. Valores e espaço público: referenciais e instrumentos para a avaliação de projetos sociais. Revista de Administração Pública, v. 45, p. 1915-1941, 2011., p. 1.922).

Para problematizar as posições não relacionais do terceiro setor, em especial as ONGs, existem diversas críticas aos limites de seu ideal de democratização em decorrência de suas contradições (DAGNINO, 2004DAGNINO, E. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? 2004. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org>. Acesso em: 1 mar. 2015.
http://www.plataformademocratica.org...
). Cabe questionar (e realizar pesquisas empíricas) no âmbito da gestão social, como já foi feito em diversos campos do conhecimento, se a transferência de competências refere-se a uma demanda da sociedade civil ou apenas a uma alternativa estratégica-instrumental do Estado. A gestão social pode contribuir para compreender essas contradições e fomentar práticas democráticas. Para isso, é preciso em termos teóricos e práticos superar a noção de “complementaridade instrumental” (DAGNINO, 2004DAGNINO, E. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? 2004. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org>. Acesso em: 1 mar. 2015.
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) entre Estado e sociedade civil.

A aproximação (Estado e sociedade) se faz presente nos arranjos participativos (FERRAZ, 2006FERRAZ, A. T. R. Pensando a democracia e seu processo de adjetivação. Agalia, v. 85/86, p. 173-200, 2006.). Especialmente na abordagem societal, as experiências de participação e deliberação (PAES DE PAULA, 2005PAES DE PAULA, A. P. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2005.), como conselho gestor e orçamento participativo (no qual a gestão social poderia ser a abordagem de gestão). Nos arranjos participativos, existe a presença constante também de atores do mercado e do Estado, dessa forma, sob a lente da relação mundo-da-vida e sistema, é um locus compartilhado por diversos atores sociais. Segundo Kelly (2004)KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004., a teoria democrática de Habermas em DD oferece argumentos para uma prática administrativa colaborativa entre agentes públicos e cidadãos.

Finalmente, é possível problematizar isso, considerando que muitos desses loci sofrem com os imperativos da instrumentalização e da tecnocracia (ANDREWS, 2011ANDREWS, C. W. Emancipação e legitimidade: uma introdução à obra de Jürgen Habermas. São Paulo: Unifesp, 2011.; FERRAZ, 2006FERRAZ, A. T. R. Pensando a democracia e seu processo de adjetivação. Agalia, v. 85/86, p. 173-200, 2006.). Nesse sentido, a contribuição da gestão social se direciona no fomento de processos participativos que realmente deliberem para a tomada de decisão. Aqui, emerge como lente a ser explorada as diversas contribuições das teorias participativas, deliberativas e pós-deliberacionistas. A democracia deliberativa vai além de espaços de participação (HABERMAS, 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; KELLY, 2004KELLY, T. Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration & Society, v. 36, n. 1, p. 38-61, 2004.), mesmo assim, é importante problematizar também os debates deliberacionistas a partir das abordagens agonísticas, verificando empiricamente em que medida as práticas de gestão se constituem na tensão entre conflito e consenso (MIGUEL, 2014MIGUEL, L, F. Deliberacionismo e os limites da crítica: uma resposta. Opinião Pública, v. 20, p. 118-131, 2014.).

Assim, a partir da revisão realizada e da sua problematização, buscamos mostrar que é possível argumentar que o locus da gestão social encontra-se no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, se “olharmos” a partir de Habermas – mostramos também que essa concepção abre um amplo espaço interdisciplinar (e transdisciplinar) de pesquisa.

O locus da gestão social: nas inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema

Os diversos loci encontrados na literatura não se contradizem mutuamente. Observamos ser recorrente a noção de que o mundo-da-vida é o locus da gestão social, da sua ciência e da sua práxis, seja em ambientes institucionais (sociedade civil, movimentos sociais, terceiro setor, organizações não governamentais) ou no âmbito do discurso e da comunicação. No entanto, observamos também perspectivas que buscavam espaços compartilhados por atores, lógicas e racionalidades diversas, isto é, por interações Estado-sociedade-mercado (WANDERLEY; RAICHELIS, 2001WANDERLEY, L. E. W.; RAICHELIS, R. Gestão pública democrática no contexto do Mercosul. In: SIERRA, G. (Org.). Los rostros del Mercosur. Buenos Aires: Clacso, 2001.; CABRAL, 2011CABRAL, E. H. S. Valores e espaço público: referenciais e instrumentos para a avaliação de projetos sociais. Revista de Administração Pública, v. 45, p. 1915-1941, 2011.; FISCHER, 2012FISCHER, T. Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia, v. 12, n. 1, 113-119, 2012.; CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R.; TENÓRIO, F. G. Gestão social: epistemologia de um paradigma. 2. ed. Curitiba: CRV, 2015.). Dessa forma, essa literatura é repensada aqui como parte dos argumentos acerca da tese de que é possível compreender o locus da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida (lebenswelt) e sistema.

Nesse sentido, argumentamos que pensar a gestão social somente como mundo-da-vida ou somente como sistema oferece limitações à compreensão das atuais relações entre as diversas esferas sociais, bem como dos embates presentes historicamente nas relações Estado-sociedade-mercado. Essa proposta, pautada por uma visão relacional, busca ampliar a capacidade analítica da gestão social a partir das inter-relações e tensões presentes nas perspectivas do participante e do observador, ação comunicativa e estratégica, reprodução simbólica e material, poder comunicativo e administrativo e outras possibilidades (a partir da ampliação realizada). As inter-relações e tensões são símbolos linguísticos (SIQUEIRA; SERVA, 2014SIQUEIRA, G.; SERVA, M. Tensão entre racionalidades na abordagem substantiva das organizações. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2014.) que se referem às possibilidades de complementariedade, justaposições, momentos dialéticos, fronteiras fluidas, relações de intercâmbio e conflitos de lógicas – nos quais acontece a vida humana (RAMOS, 1981RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da Riqueza das Nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981.; SIQUEIRA; SERVA, 2014SIQUEIRA, G.; SERVA, M. Tensão entre racionalidades na abordagem substantiva das organizações. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2014.) e as práticas de gestão social. Portanto, essa diferenciação relativa (FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.; HABERMAS, 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.) nos permite evitar a homogeneização de reduzir as inter-relações a um único denominador. Com base nessas considerações, apresentamos a Figura 1 no intuito de ilustrar vários pontos dessa proposta.

Figura 1
O locus da gestão social no âmbito das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema.

Primeiramente, é possível considerar que “Habermas associa à esfera da ação instrumental, as ciências empírico-analíticas e à esfera da ação comunicativa, as ciências hermenêuticas” e, ainda, que estão respectivamente “[...] enraizados nas condições de reprodução e autoconstituição da espécie humana: o trabalho e a interação” (PAES DE PAULA, 2013PAES DE PAULA, A. P. Abordagem freudo-frankfurtiana, pesquisa-ação e socioanálise: uma proposta alternativa para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 4, 520-542, 2013., p. 527). Daí a organização da Figura 1, mostrando também as inter-relações e tensões por meio da oposição de pares de palavras/conceitos, representando a forma como Habermas as trata e como diversos autores as interpretam (HONNETH, 1993HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993.; COHEN; ARATO, 1992COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992.; LUBENOW, 2010LUBENOW, J. A. As críticas de Axel Honneth e Nancy Fraser à filosofia política de Jürgen Habermas. Veritas, v. 55, n. 1, p. 121-134, 2010.; ANDREWS, 2011ANDREWS, C. W. Emancipação e legitimidade: uma introdução à obra de Jürgen Habermas. São Paulo: Unifesp, 2011.). Vale ressaltar o destaque dado ao poder comunicativo com um asterisco, pois, conforme destacado por Baxter (2011)BAXTER, H. Habermas: the discourse theory of law and democracy. Stanford, CA: Stanford University Press, 2011., Wirts (2014)WIRTS, A. M. A defense of the lifeworld: the source of normativity in a democracy. Philosophy & Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 215-223, 2014. e Flynn (2014)FLYNN, J. System and lifeworld in Habermas’ theory of democracy. Philosophy and Social Criticism, v. 40, n. 2, p. 205-214, 2014., não é uma categoria que pode ser simplesmente compreendida na relação mundo-da-vida e sistema, sem acrescentar as noções de sistema político e relação centro-periferia de Direito e democracia (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.). A posição da gestão social será justificada nos itens a seguir.

Na relação entre (1), (2) e (4), isto é, entre os conceitos de “mundo-da-vida e sistema”, “inter-relações e tensões” e “locus da gestão social”, estamos sintetizando e ampliando as perspectivas para repensar o locus da gestão social. A tese sobre a qual argumentamos revela que não é possível compreender a gestão social a partir de Habermas como mundo-da-vida ou como sistema, mas por meio de suas inter-relações e tensões, que permitem repensar as intermediações e diálogos entre demandas oriundas do mundo-da-vida e demandas dos sistemas. Dessa forma, temos em mente a “totalidade” da sociedade (TENÓRIO, 2012TENÓRIO, F. G. The Janus look of administration: wich look?. International Journal of Management, v. 29, p. 383-397, 2012.), assumindo a tese de Habermas de que ela só pode ser compreendida a partir do mundo-da-vida e do sistema, complementarmente. Além de que, perspectivas unidirecionais levam a vários “pontos cegos” (PAES DE PAULA, 2013PAES DE PAULA, A. P. Abordagem freudo-frankfurtiana, pesquisa-ação e socioanálise: uma proposta alternativa para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 4, 520-542, 2013.). Como já afirmado, a integração depende de ambas as racionalidades (estratégica e comunicativa) e a sua interpretação depende de ambas as visões (mundo-da-vida e sistema). Nossa proposta relacional permite (potencialmente) à gestão social identificar os elementos colonizadores, bem como as forças emancipatórias que emergem dos relacionamentos possíveis entre mundo-da-vida e sistema. E, além disso, ampliar na direção de “[...] examinar as relações de dominação presentes no interior da própria interação social” (BRESSIANI, 2011BRESSIANI, N. Redistribuição e reconhecimento-Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. Cadernos CRH, v. 24, n. 62, p. 331-352, 2011., p. 345). Argumentamos também que, ao se diferenciar da gestão privada e pública hegemônica que está voltada quase exclusivamente para o sistema, a gestão social não deve “fechar seus olhos” para ele e voltar-se apenas para o mundo-da-vida, mas considerar as relações entre essas esferas constituintes da sociedade moderna, suas inter-relações e tensões como locus de suas práticas, discursos e teorias.

Com isso, a gestão social deve buscar a “possibilidade objetiva” de democratizar o mundo-da-vida (suas dimensões institucionais e o cotidiano) e o sistema (mercado e Estado). Sobre a democratização do Estado, Habermas (1997a; 1997b) discute de forma ampla; e não debateremos aqui o desafio (ainda maior) de uma possível democratização do mercado – por ora, indicamos que essa democratização precisa passar também por transformações nos mundos-da-vida, nas práticas cotidianas das quais as “trocas” também fazem parte (HONNETH, 1993HONNETH, A. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge: MIT Press, 1993.; 2003; FRASER, 2003FRASER, N. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or recognition?. London: Verso, 2003.). É necessário democratizar o mundo-da-vida (essa necessidade comumente é esquecida em detrimento apenas da democratização do sistema), tanto em sua dimensão institucional (COHEN; ARATO, 1992COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992.) quanto em sua dimensão voltada aos processos interpretativos, pois estes também são permeados por preconceitos e visões ideologicamente construídas que causam injustiças. Portanto, vários movimentos sociais lutam, como os feministas e antirracismo (SILVA; MACHADO; MELO, 2010SILVA, F. G.; MACHADO, R. A. M.; MELO, R. A esfera pública e as proteções legais anti-racismo no Brasil. Cadernos de Filosofia Alemã, v. 16, p. 95-116, 2010.), pela “[...] alteração de conteúdos do mundo da vida, socialmente construídos” (BRESSIANI, 2011BRESSIANI, N. Redistribuição e reconhecimento-Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. Cadernos CRH, v. 24, n. 62, p. 331-352, 2011., p. 345) – Habermas (1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 2012b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. destaca os movimentos ambientalistas e feministas. Esses são desafios que parecem “ilusórios” (dado a hegemonia da ação instrumental, estratégica, a colonização e suas patologias sociais), no entanto, é uma perspectiva normativa coerente com as teorias e práticas que o campo da gestão social vem debatendo (WANDERLEY; RAICHELIS, 2001WANDERLEY, L. E. W.; RAICHELIS, R. Gestão pública democrática no contexto do Mercosul. In: SIERRA, G. (Org.). Los rostros del Mercosur. Buenos Aires: Clacso, 2001.; FRANÇA FILHO, 2003FRANÇA FILHO, G. C. Gestão social: um conceito em construção. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 9., 2003, Salvador. Anais... Salvador: CIAGS/UFBA, 2003.; PAES DE PAULA, 2005PAES DE PAULA, A. P. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2005.; INOJOSA; JUNQUEIRA, 2008INOJOSA, R. M.; JUNQUEIRA, L. A. P. Práticas e saberes: desafios e inovações em gestão social. Organização & Sociedade, v. 15, n. 45, p. 171-180, 2008.; CABRAL, 2011CABRAL, E. H. S. Valores e espaço público: referenciais e instrumentos para a avaliação de projetos sociais. Revista de Administração Pública, v. 45, p. 1915-1941, 2011.; FISCHER, 2012FISCHER, T. Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia, v. 12, n. 1, 113-119, 2012.; CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015). O elemento utópico dessa proposta consiste tão somente no entendimento de que as utopias podem servir como orientações da práxis de sujeitos individuais e coletivos (como os movimentos sociais) na busca por formas de vida emancipadas, na busca pela intersubjetividade ilesa (HABERMAS, 2015HABERMAS, J. A nova obscuridade. São Paulo: Unesp, 2015.).

Nesse âmbito, conforme Tenório (2012)TENÓRIO, F. G. The Janus look of administration: wich look?. International Journal of Management, v. 29, p. 383-397, 2012., é preciso enfrentar as implicações de um capitalismo consolidado e que atinge todas as esferas do mundo-da-vida (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.), assim como a burocracia e a racionalidade instrumental (intrinsecamente ligadas a este) (RAMOS, 1981RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da Riqueza das Nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981.). O referencial de Habermas aqui pode ser novamente elemento de reflexão, especialmente a obra Problemas de legitimação no capitalismo tardio, de 1973 (HABERMAS, 1999HABERMAS, J. Problemas de legitimación en el capitalismo tardío. Madrid: Ediciones Cátedra, 1999.). É preciso se preocupar também com um Estado que possa se tornar colonizador. Segundo Habermas (2015)HABERMAS, J. A nova obscuridade. São Paulo: Unesp, 2015., nesse processo o mundo-da-vida passa tanto a ser ameaçado pela mercantilização quanto pela burocratização (pelo mercado e pelo Estado). Mas, além de Habermas, é preciso problematizar que a sociedade civil pode ser antidemocrática, não participativa e não solidária (WHITEHEAD, 1997WHITEHEAD, L. Bowling in the Bronx: the uncivil interstices between civil and political society. Democratization, v. 4, n. 1, p. 94-114, 1997.; DAGNINO, 2004DAGNINO, E. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? 2004. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org>. Acesso em: 1 mar. 2015.
http://www.plataformademocratica.org...
; FERRAZ, 2006FERRAZ, A. T. R. Pensando a democracia e seu processo de adjetivação. Agalia, v. 85/86, p. 173-200, 2006.; TEODÓSIO, 2014TEODÓSIO, A. S. S. Organizações da sociedade civil. In: BOULLOSA, R. F. (Org.). Dicionário para formação em gestão social. Salvador: CIAGS, 2014. v. 1. p. 128-132.). Dessa forma, é preciso romper também com o essencialismo de uma sociedade civil monolítica em prol de concepções mais plurais de Estado, de sociedade civil e de mercado (quais conflitos, práticas, ações, atores, vivências se relacionam com cada um desses elementos?). Portanto, a tensão é também estabelecer fronteiras e zonas de interação entre essas esferas da sociedade, mesmo que a gestão social pareça ser mais a favor do Estado e contra o mercado, segundo apresenta Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014.. As tensões e inter-relações nos permitem explorar empiricamente momentos de disputas e cooperação entre as lógicas e ações. Esse argumento assume que não há uma esfera totalizante que impeça o desenvolvimento de ações dialógicas, existem impedimentos e possibilidades.

É exatamente a sua capacidade de “olhar” tanto o mundo-da-vida e o sistema que mantém sua orientação normativa e a diferencia da gestão tradicional, pública e privada, que se mantém apenas focada no “olhar” para o sistema (TENÓRIO, 2012TENÓRIO, F. G. The Janus look of administration: wich look?. International Journal of Management, v. 29, p. 383-397, 2012.), desconsiderando as estruturas do mundo-da-vida, da intersubjetividade e das práticas possíveis de emancipação. Pelo contrário, a gestão social se propõe, assim, a pensar as tensões e inter-relações que emergem da vida humana, suas práticas e suas instituições. Por fim, nesse processo, a esfera pública (5) se destaca e pode ser explorada em profundidade em textos futuros, afinal, ela é essencial para as inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema.

Diante disso, surgem como questionamentos: como pode proceder o(a) pesquisador(a) que se convenceu da validade dessa proposta ou que pretende testá-la empiricamente? Isto é, quais caminhos epistemo-metodológicos? É preciso optar por qual paradigma de pesquisa? Nesta parte, indicamos uma concepção epistêmica coerente com a abordagem do locus da gestão social anteriormente proposta, para tanto, recorremos à relação do item (3) “interesses cognitivos e orientação do conhecimento” com o (4) “locus da gestão social”, da Figura 1. Afinal, a defesa da tese de que é possível compreender o locus da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema demanda também a necessidade de reconstruções epistêmicas e de articulações entre interesses cognitivos.

Nosso direcionamento informa que, epistemologicamente, é preciso considerar a tese dos interesses cognitivos de Habermas e da sua relação com o conhecimento (HABERMAS, 1982HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.). Segundo Paes de Paula (2013; 2015), para Habermas existem três interesses que orientam o conhecimento: técnico (ciências empírico-analíticas), prático (ciências histórico-hermenêuticas) e emancipatório (ciências críticas). Logo, o interesse técnico se relaciona com a dimensão da análise funcionalista dos sistemas, enquanto o interesse prático se relaciona à interpretação de ações comunicativas – se relaciona ao mundo-da-vida. Para Habermas (1982)HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro, Zahar, 1982., o interesse emancipatório se revela nas disciplinas críticas (psicanálise e a crítica da ideologia). Historicamente, a gestão se apresenta como uma ciência empírico-analítica e voltada para o interesse técnico (especialmente focada no controle e no aumento da produtividade).

Para Cançado (2011)CANÇADO, A. C. Fundamentos teóricos da gestão social. 2011. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2011., a emancipação é uma das categorias teóricas que sustentam a gestão social – é o fim último. Ao apresentar como abordagem a natureza qualitativa e o paradigma do humanismo radical, Cançado (2011)CANÇADO, A. C. Fundamentos teóricos da gestão social. 2011. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2011. direciona a gestão social para a matriz das ciências críticas (interesse emancipatório). Essa visão é reiterada em Cançado, Pereira e Tenório (2015)CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R.; TENÓRIO, F. G. Gestão social: epistemologia de um paradigma. 2. ed. Curitiba: CRV, 2015.. Na leitura de Tenório (1998; 2005), a emancipação também é a razão pela qual a gestão social se faz necessária, e Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014. defende que o interesse orientador da gestão social é o emancipatório. No entanto, como encontrado na revisão de literatura, as práticas de pesquisas na gestão social podem ser direcionadas também ao interesse técnico e prático, isto é, pode apresentar tanto perspectivas críticas como também empírico-analíticas e histórico-hermenêuticas. Nesse sentido, no próprio campo alguns autores chamam atenção para que integre diversas formas de conhecimento: “[...] se a gestão social almeja ser uma alternativa de construção da experiência social, não pode contentar-se com uma única visão, por mais acurada que seja; precisa reconhecer-se na possibilidade de múltiplos olhares” (JUSTEN; MORETTO NETO; GARRIDO, 2014JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L.; GARRIDO, P. O. Para além da dupla consciência: gestão social e as antessalas epistemológicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, p. 237-251, 2014., p. 248, grifo nosso).

Dessa forma, o direcionamento epistêmico dessa abordagem é a busca por “conversações” entre matrizes epistemológicas e interesses, na linha do que Paes de Paula (2015)PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015. defende como reconstruções epistêmicas. A forma como Vandenberghe (2014)VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014. define a gestão social como ciência social empírica, normativa e aplicada é coerente com essa proposta: é “[...] empírica, porque o seu conhecimento é real e vem do campo; ela é normativa também porque ela não é neutra [...] e aplicada, porque ela é pensada como uma tecnologia de emancipação e de participação” (VANDENBERGHE, 2014VANDENBERGHE, F. Gestão social: uma disciplina em busca de teoria. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL – ENAPEGS, 8., 2014, Cachoeira. Anais... Cachoeira: Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia, 2014., p. 4). Paes de Paula (2015)PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015. advoga a possibilidade de diálogos entre diferentes perspectivas epistêmicas. A autora em questão discute as possibilidades envolvendo funcionalismo, interpretativismo, estruturalismo e outros – essa questão tem respaldo, ainda, em Habermas (2012aHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012a.; 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.; 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., na aproximação deste com abordagens como o funcionalismo, pragmatismo, hermenêutica, fenomenologia e outras.

Portanto, é preciso considerar que podemos construir articulações entre os interesses/conhecimentos (PAES DE PAULA, 2015PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.), pois “[...] as teorias científicas deveriam se desdobrar em um saber tecnicamente aplicável, mas também em um saber para orientar a atividade prática, ambos sendo orientados pelo interesse emancipatório” (PAES DE PAULA, 2013PAES DE PAULA, A. P. Abordagem freudo-frankfurtiana, pesquisa-ação e socioanálise: uma proposta alternativa para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 4, 520-542, 2013., p. 523). Sendo assim, nessa passagem da autora existe alguma primazia do interesse emancipatório que adotamos aqui no nível normativo (conforme Figura 1) – porém, essa primazia deve ser relativizada como “horizonte” da gestão social para não se perder em uma “dupla consciência” (JUSTEN; MORETTO NETO; GARRIDO, 2014JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L.; GARRIDO, P. O. Para além da dupla consciência: gestão social e as antessalas epistemológicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, p. 237-251, 2014.). Essa questão pode ser debatida em trabalhos futuros: a proposta de reconstruções epistêmicas aplicada à gestão social deve possuir um interesse cognitivo como central? Assim, por enquanto, consideramos que as reconstruções e integrações também são permeadas por tensões (zonas de compartilhamento e conflitos de perspectivas e orientações) e, desse modo, podem servir de orientação para uma pesquisa e serem reformuladas durante seu desenvolvimento, afinal, determinados loci de análise da gestão social podem “demandar” determinadas reconstruções e orientações (e vice-versa).

No que tange à natureza, tipo de pesquisa, orientações, formas de coleta de dados, enfim, procedimentos de pesquisa, novas reconstruções embrionárias ou avançadas podem ser realizadas no âmbito da gestão social e seguindo essa proposta (PAES DE PAULA, 2015PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.). Deixemos que o próprio Habermas dê respaldo a isso, quando afirma que devemos ser

[...] abertos a diferentes posições metódicas (participante versus observador), a diferentes finalidades teóricas (explicação hermenêutica do sentido e análise conceitual versus descrição e explicação empírica), a diferentes perspectivas de papéis (o do juiz, do político, do legislador, do cliente e do cidadão) e a variados enfoques pragmáticos na pesquisa (hermenêuticas, críticos, analíticos, etc.) (HABERMAS, 1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I., p. 23).

Para completar a análise da Figura 1 (relações 1, 4 e 6), observamos que para Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II., o direito constitui uma linguagem que socializa e integra indivíduos, organizações e instituições na sociedade moderna. Por isso, essa categoria está representada entre os pares de palavras/conceitos na Figura 1. Assim, as inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema são intermediadas pela linguagem do direito na busca de um entendimento comum. Para a gestão social, essa linguagem adquire também grande relevância empírica e teórica de análise ao se alinhar com o interesse público – elemento também essencial quando as inter-relações passam a “ferir” as liberdades positivas e negativas dos sujeitos. O direito pode ser explorado, ainda, no que tange às suas interfaces com práticas de gestão – nos possíveis processos de transformação de poder comunicativo em poder administrativo, como exemplo, compreender as práticas de gestão e organização do Movimento Ficha Limpa (que foi fundamental para a aprovação da Lei Complementar n. 135/2010, Lei da Ficha Limpa), e em que medida elas se aproximam ou se distanciam de ações gerenciais dialógicas. Portanto, nesse sentido, o locus da gestão social diz respeito aos processos deliberativos de caráter público que circulam no âmbito das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, intermediados pela linguagem do direito.

Considerações finais

Consideramos a relação entre conhecimento e interesse, argumentando na direção da necessidade de reconstruções epistêmicas e de articulações entre as orientações e interesses cognitivos (sempre mantendo as tensões). Dessa forma, a concepção dos interesses na gestão social se encontra tanto no mundo-da-vida (perspectiva do participante) como no mundo do sistema (perspectiva do observador), isto é, o campo convive com perspectivas voltadas para o interesse técnico, prático e emancipatório. Nesse sentido, argumentamos que a comunicação entre os interesses aos quais a gestão social se candidata pode superar a incompletude cognitiva (HABERMAS, 1982HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.; PAES DE PAULA, 2015PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.) e caminhar para um conhecimento que na prática e na teoria seja emancipatório – na busca por superar qualquer dupla consciência. Com isso, indicamos que na ótica habermasiana (e nos caminhos abertos por ele, indo além dele) a gestão social deve se desenvolver voltada para a democratização do mundo-da-vida e do sistema e as inter-relações e tensões entre essas perspectivas.

Por isso, neste ensaio repensamos e problematizamos os loci da gestão social no contexto das inter-relações e tensões entre o mundo-da-vida e o sistema, à luz de Jürgen Habermas e sua recepção crítica. Argumentamos que, a partir de uma reconstrução crítica, os conceitos de mundo-da-vida e sistema em conjunto representam uma chave de leitura sociológica e epistemológica do locus das ações e práticas de gestão social. Essa visão permite problematizar diversas tensões da gestão social que se materializam entre Estado, mercado e sociedade civil; agir comunicativo e agir estratégico; público e privado; coerção e espaço livre de fala; conflito e consenso; dominação e emancipação; interesses técnico, prático e emancipatório. As tensões se materializam a partir dos sujeitos envolvidos em suas interações comunicativas, estratégicas e instrumentais, isto é, os imperativos sistêmicos não entram em confronto com os indivíduos somente como estruturas superdimensionadas e reificadas (“empresa”, “Estado”, “organização”, etc.), mas em distintos horizontes de ação e momentos da vida cotidiana.

Adiante, pelas discussões propomos que a adjetivação e a substantivação de “social” (TENÓRIO, 1998TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, v. 32, n. 5, p. 7-23, 1998.; 2005TENÓRIO, F. G. (Re)visitando o conceito de gestão social. Desenvolvimento em Questão, v. 3, p. 101-124, 2005.) deve possibilitar que a gestão social busque superar as lacunas teóricas e relacionais entre o mundo-da-vida e o sistema – somente possível por meio de uma visão construída de tensões (e suas possibilidades de complementariedade, justaposições, momentos dialéticos, fronteiras fluidas, inter-relações de intercâmbio e conflitos de lógicas). Foi demonstrado, também, que é fundamental superar a compreensão dicotômica que situa a gestão epistemologicamente e socialmente em polos excludentes (em prol de reconstruções epistêmicas) e, a partir disso, ser capaz de diagnósticos (por meio de reconstruções epistêmicas) mais coerentes das forças instrumentais-estratégicas e emancipatórias presentes na vida cotidiana e compartilhadas intersubjetivamente (HABERMAS, 1997bHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II.; 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.).

Concluímos, por enquanto, que o locus da gestão social diz respeito aos processos deliberativos de caráter público que circulam no âmbito das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema, que podem ser intermediados pela linguagem do direito. Isso implica na necessidade de reconstruções epistêmicas e de articulações entre as orientações de interesses cognitivos. Essas possibilidades, a partir de Habermas, devem possuir os seguintes critérios de validade: devem ser coerentes, crítico-reflexivas e falíveis. A falibilidade se revela no sentido de que não advogamos “verdades absolutas”, conceitos fechados ou dogmatismo, assim, relacionando-se sempre com uma crítica que seja reflexiva – aqui, a proposta se torna aberta também às críticas tecidas a Habermas (cf. JUSTEN; MORETTO NETO; GARRIDO, 2014JUSTEN, C. E.; MORETTO NETO, L.; GARRIDO, P. O. Para além da dupla consciência: gestão social e as antessalas epistemológicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, p. 237-251, 2014.; PINHO; SANTOS, 2015PINHO, J. A. G.; SANTOS, M. E. P. Aporias em torno do conceito de gestão social: dilemas teóricos e políticos. REGE – Revista de Gestão, v. 22, n. 2, p. 155-172, 2015.). É importante destacar também que a relação entre teoria e prática de gestão não pode ser desenvolvida a priori sem respaldo das práticas concretas (da práxis cotidiana), afinal, o próprio Habermas já alertou que a utilização “prática” enquanto atividade política (p. ex., por organizações da sociedade civil, partidos, tribunais, grupos, etc.) de uma teoria é uma questão empírica: “[...] é significativo que não possa existir teoria que per si, sem a consideração das circunstâncias, obrigue a militância [ação, prática, etc.]” (HABERMAS, 2013HABERMAS, J. Teoria e práxis: estudos de filosofia social. São Paulo: Unesp, 2013., p. 69), mesmo que possamos distinguir aquelas que se relacionam a uma emancipação possível – como acreditamos ser o caso da gestão social. Esse debate indica que outro critério de validade deve ser a crítica-reflexiva. A coerência é necessária nos processos de integração de perspectivas teóricas diferentes (HABERMAS, 2012bHABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.), em que devemos procurar “[...] saber onde, por exemplo, devemos aplicar conceitos tais como “autopoiesis”, “autoconsciência”, ou “racionalidade” – e, principalmente, onde não podemos aplicá-los” (HABERMAS, 1993HABERMAS, J. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993., p. 107).

Como caminho para futuras pesquisas a partir dessas considerações sobre o locus da gestão social, indicamos a possibilidade de conceber a validade dessa proposta e desenvolver pesquisas por meio das inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema (locus) e, a partir disso, buscar reconstruções epistemo-metodológicas que integrem os interesses técnico, prático e emancipatório. Dessa forma, colocam-se vários desafios à frente dessa perspectiva: explorar os modelos atuais de deliberação pública, pós-deliberação pública e debater as perspectivas agonísticas; desenvolvimento de uma abordagem reconstrutiva racional da gestão social; avançar nas discussões sobre a existência de esferas públicas hegemônicas e contra-hegemônicas, especialmente no debate sobre o papel que a esferas públicas assumem nas inter-relações e tensões entre mundo-da-vida e sistema; explorar as concepções acerca de conhecimento e interesse em Habermas e como elas implicam na epistemologia do campo; desenvolver reconstruções epistêmicas e aprofundar a compreensão da possibilidade de uma comunidade política democrática radical a partir de Habermas, e de como ocorrem as relações entre poder comunicativo e poder administrativo (a partir da gestão social). Além dessas propostas, esperamos que várias outras sejam desenvolvidas. Este texto é um convite!

  • 1
    A ideia de abordar as tensões se embasou nos trabalhos de Ramos (1981)RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da Riqueza das Nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981., Habermas (1997aHABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a. v. I.; 1997b)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. v. II. e Siqueira e Serva (2014)SIQUEIRA, G.; SERVA, M. Tensão entre racionalidades na abordagem substantiva das organizações. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2014.. No primeiro, a tensão se apresenta entre a racionalidade substantiva e a racionalidade instrumental. No segundo, a ideia de tensão aparece na relação facticidade e validade e em diversos momentos (tensão entre idealismo e materialismo; norma e realidade; positividade e a legitimidade do direito; autonomia pública e autonomia privada, etc.). Neste artigo, a tensão se constitui também da necessidade de estabelecer áreas de interação e fronteiras entre essas esferas da vida em sociedade – em que as práticas de gestão social acontecem –, utilizando-se aqui de uma noção usada por Siqueira e Serva (2014)SIQUEIRA, G.; SERVA, M. Tensão entre racionalidades na abordagem substantiva das organizações. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2014. em outro contexto.
  • 2
    Para sistematizar os loci, fizemos uma ampla revisão da literatura e utilizamos para apresentação as abordagens da gestão social de Peres Junior e Pereira (2014): crítica frankfurteana (sociedade civil, qualquer esfera/espaço social – público, privado ou não governamental, estrutura intermediária, esfera pública e território); gestão do desenvolvimento social interorganizacional (espaço local, território e interorganizações); pública societal (experiências locais participativas); abordagem puquiana (espaço público, terceiro setor, ONG e movimentos sociais). Acrescentamos que a pesquisa não pretendeu interpretar a “totalidade” dos loci possíveis, mas apenas apresentar os encontrados na revisão da literatura.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2015
  • Aceito
    08 Mar 2016
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