Accessibility / Report Error

Desvelando “caixas-pretas” dos textos de estratégia: uma abordagem baseada na hermenêutica crítica

Unveiling the “black boxes” of strategy texts: a critical hermeneutics approach

Resumo

Apresentamos uma abordagem epistemo-metodológica para o estudo dos elementos interpretativos e ideológicos presentes nos textos que constituem as estratégias por meio da hermenêutica crítica. Revisamos as aproximações e distâncias entre os filósofos Hans-Georg Gadamer, Jürgen Habermas, Paul Ricoeur e suas contribuições para desvelar os fenômenos hermenêuticos e ideológicos na interpretação de textos estratégicos. No escopo da perspectiva da estratégia como prática, destacamos como posicionamento epistemológico os vínculos entre interpretação, crítica e ideologia; o status epistemológico das relações autor↔texto↔intérprete inseridos em seus contextos e nos situamos em uma abordagem que compartilha elementos das matrizes crítica/dialética e hermenêutica. Metodologicamente, indicamos a importância dos círculos críticos-hermenêuticos em dois movimentos interdependentes (hermenêutico e crítico/dialético) e três momentos (contextual/sócio-histórico; formal/textual e interpretação-reinterpretação). Consideramos que algumas das “caixas-pretas” da estratégia são ideologias, comunicações distorcidas e deformações que “escurecem” os processos de interpretação e crítica. A hermenêutica crítica é apresentada para “lançar luz” sobre esses fenômenos, de um “lugar” que pauta sua coerência na crítica que é hermenêutica e na hermenêutica que é crítica.

Palavras-chave
Estratégia como prática; Hermenêutica crítica; Ideologia; Prática social

Abstract

We present an epistemological and methodological approach to the study of interpretative and ideological elements of organizational strategy based on critical hermeneutics. For so, we have reviewed the approaches and distances between Hans-Georg Gadamer, Jürgen Habermas, Paul Ricoeur and their contributions to unveil the hermeneutic and ideological phenomena in the interpretation of strategy texts. Within the scope of Strategy as Practice perspective, we highlight, as an epistemological position, relations between interpretation, critical and ideology; the epistemological status of author↔text↔interpreter relations and we stand on an approach that shares elements of critical/dialectics and hermeneutics matrices. Methodologically, we indicate the importance of the critical-hermeneutic circles in two interdependent movements (hermeneutics and critical/dialectic) and three moments (contextual/ social-historical, formal/textual and interpretation-reinterpretation). We believe that the “black boxes” of strategy are the ideologies, distorted communications and deformations that “darken” interpretation and critical processes. The critical hermeneutics is presented to “shed light” on these phenomena, from a “place” that bases its consistency in the criticism that is hermeneutical and hermeneutics which is critical.

Keywords
Strategy as practice; Critical hermeneutics; Ideology; Social practice

Introdução

A estratégia como prática (strategy-as-practice, SAP) surgiu como uma abordagem de pesquisa em estratégia orientada pelo estudo de práticas sociais e o entendimento da estratégia como “algo que as pessoas fazem”. O interesse é no conteúdo da “caixa-preta” do trabalho estratégico e no modo como os praticantes agem e interagem em processos formais e informais de construção da estratégia (GOLSORKHI et al., 2015GOLSORKHI, D. et al. Introduction: what is strategy as practice? In: GOLSORKHI, D. et al. (Org.). Cambridge Handbook of Strategy as Practice. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.). Essa abordagem surge influenciada tanto pelas perspectivas processuais e sistêmicas do campo da estratégia quanto por um contexto amplo de mudanças na teoria social denominada “virada para a prática” (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.), que influenciou a forma de pensar a gestão e a estratégia nas organizações. Com isso, a perspectiva da SAP tem se preocupado em entender a estratégia como um fenômeno construído por pessoas e práticas (JARZABKOWSKI; SEIDL, 2008JARZABKOWSKI, P.; SEIDL, D. The role of strategy meetings in the social practice of strategy. Organization Studies, v. 29, n. 11, p. 1.391-1.426, 2008.). Além disso, a SAP busca romper com visões polarizantes (micro versus macro; agência versus estrutura; indivíduo versus organização) em prol da interdependência dessas instâncias (VAARA; WHITTINGTON, 2012VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012.).

Ademais, os estudos em estratégia como prática também foram influenciados pela “virada linguística” (VAARA, 2010aVAARA, E. Critical discourse analysis as methodology in strategy as practice research. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010a. p. 217-229.), destacando os aspectos discursivos das estratégias nas organizações (SAMRA-FREDERICKS, 2005SAMRA-FREDERICKS, D. Strategic practice, ‘discourse’ and the everyday constitution of ‘power effects’. Organisation, v. 12, n. 6, p. 803-841, 2005.), a constituição de estratégias por jogos de linguagem (SEIDL, 2007SEIDL, D. General strategy concepts and the ecology of strategy discourses: a systemic-discursive perspective. Organization Studies, v. 28, n. 2, p. 197-218, 2007.) e a formação de estratégias mediante falas, textos, conversações e narrativas (VILLE; MOUNOUD, 2010VILLE, V. D. L; MOUNOUD, E. A narrative approach to strategy as practice: strategy making from texts and narratives. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 217-229.; SPEE; JARZABKOWSKI, 2011SPEE, A. P.; JARZABKOWSKI, P. Strategic planning as communicative process. Organization, v. 32, n. 9, p. 1.217-1.245, 2011.; ERICSON, 2014ERICSON, M. On the dynamics of fluidity and open-endedness of strategy process toward a strategy-as-practicing conceptualization. Scandinavian Journal of Management, v. 30, p. 1-15, 2014.). Nessa direção, com base na leitura das pesquisas citadas, emerge a problemática da hermenêutica, da interpretação nas práticas discursivas de estratégia, bem como dos elementos que distorcem esse processo, como as ideologias e deformações sistemáticas presentes nos textos, comunicações e discursos. Afinal, conforme Ricoeur (1990, p. 69), a ideologia “[...] se exprime preferencialmente por meio de máximas, de slogans, de fórmulas lapidares” e, assim, se exprime no discurso estratégico (planejamento estratégico, missão, visão e valores) e no próprio discurso da estratégia (SHRIVASTAVA, 1986SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986.; THOMAS, 1998THOMAS, P. Ideology and the discourse of strategic management: a critical research frame-work. Electronic Journal of Radical Organization, v. 4, n. 1, p. 1-16, 1998.; CHIAPELLO; FAIRCLOUGH, 2002CHIAPELLO, E.; FAIRCLOUGH N. Understanding the new management ideology: a transdisciplinary contribution from critical discourse analysis and the new sociology of capitalism. Discourse & Society, v. 13, n. 2, p. 185-208, 2002.).

Contudo, uma breve revisão do campo da estratégia como prática revela pouca atenção à ideologia. Isso pode ser entendido, conforme Eagleton (1997)EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997., como parte de um fenômeno mais amplo, em que a categoria ideologia foi substituída por outras de escritos pós-modernistas e pós-estruturalistas, mesmo sendo o seu estudo extremamente relevante, dada sua essência conservadora, justificadora da ordem social vigente e das relações de dominação (RICOEUR, 1986RICOEUR, P. Ideologia e utopia. Lisboa: Edições 70, 1986.). Portanto, o estudo da ideologia emerge como possibilidade para o campo da estratégia como prática, em especial baseado nas discussões do filósofo francês Paul Ricoeur.

Assim, tendo em mente a consolidação do campo da estratégia como prática (VAARA; WHITTINGTON, 2012VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012.) e a lacuna anteriormente apresentada, este artigo busca responder ao seguinte questionamento: como pesquisar os elementos interpretativos e ideológicos dos textos constituintes das estratégias nas organizações? Para responder à questão, buscamos as contribuições das perspectivas hermenêuticas e dialéticas de Hans-Georg Gadamer, Jürgen Habermas e Paul Ricoeur. Adiante, a busca por conhecimentos em filósofos e sociólogos não é elemento novo na SAP, aliás, um de seus grandes avanços é a aproximação com abordagens sociológicas/filosóficas, absorvendo perspectivas de autores como H. Garfinkel, P. Bourdieu, M. Foucault, De Certeau e A. Giddens. Mesmo assim, os autores in foco, Gadamer, Habermas e Ricoeur, parecem ser explorados de forma incipiente pela SAP.

Assim, definimos como elementos de discussão os aspectos interpretativos e ideológicos da estratégia, com base na hermenêutica filosófica (Gadamer), na dialéticacrítica das ideologias (Habermas) e, especialmente, na hermenêutica crítica (Ricoeur). Para isso, contextualizamos as relações entre esses três autores. O debate entre Gadamer e Habermas (concentrado na década de 1960/1970) é efeito da defesa de duas categorias fundamentais da filosofia moderna, a saber, a hermenêutica e a dialética, respectivamente. E, posteriormente, reconhecendo a possibilidade de contribuição desse debate, o filósofo francês Paul Ricoeur propõe uma hermenêutica crítica, argumentando que não pretende fundir a hermenêutica e a crítica das ideologias, mas afirmar que ambas possuem legitimidade e devem se “reconhecer” (FORNÄS, 2013FORNÄS, J. The dialectics of communicative and immanent critique. TripleC: Communication, Capitalism & Critique, v. 11, n. 2, p. 504-514, 2013.) – sentido que adotamos neste artigo.

Consideramos a hermenêutica crítica não somente como um método de pesquisa interpretativa (PRASAD, 2002PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002.), mas uma abordagem epistemo-metodológica com conceitos relevantes para a interpretação e crítica dos textos, falas e conversações que constituem a estratégia, uma vez que, conforme Balogun et al. (2014, p. 175)BALOGUN, J. et al. Placing strategy discourse in context: sociomateriality, sensemaking e power. Journal of Management Studies, v. 51, n. 2, p. 175-201, 2014., “[...] palavras, sejam em textos escritos ou falados, são um dos recursos mais poderosos na produção e significação da estratégia organizacional”. Contudo, destacamos que podem ser objeto de análise não apenas textos escritos ou orais, mas também outras formas de práticas sociais e discursivas que também comunicam e são interpretadas como símbolos, slogans, atividades e artefatos.

Posto isso, o presente artigo objetiva apresentar uma abordagem epistemo-metodológica para o estudo dos elementos interpretativos e ideológicos presentes nos textos que constituem as estratégias por meio da perspectiva da hermenêutica crítica. Logo, nossa contribuição se dirige especialmente para um dos fatores que distorcem ou “escurecem” os processos de comunicação e interpretação das estratégias: a ideologia. Nisso, não visamos uma solução para a questão, mas tão somente contribuir por meio da hermenêutica crítica, especialmente na perspectiva ricoeuriana. Assim, com essa proposta, pretendemos contribuir com os seguintes elementos: (i) abordar, detidamente, os fenômenos interpretativos e ideológicos das estratégias; (ii) oferecer elementos para a superação das polaridades entre dialética/crítica e hermenêutica na constituição da estratégia; (iii) buscar possibilidades metodológicas para a estratégia como prática (VENKATESWARAN; PRABHU, 2010VENKATESWARAN, R. T.; PRABHU, G. N. Taking stock of research methods in strategy-as-practice. The Electronic Journal of Business Research Methods, v. 8, n. 2, p. 156-162, 2010.); e (iv) desenvolver estudos sobre estratégia como prática no Brasil, onde o campo ainda está em consolidação (BRITO et al., 2014BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais... Rio de Janeiro, ANPAD, 2014.).

Hermenêutica, crítica e ideologia

Abordaremos nesta seção as distâncias e aproximações entre as perspectivas de Gadamer (hermenêutica filosófica), Habermas (dialética – crítica das ideologias) e Ricoeur (hermenêutica crítica). Após isso, apresentaremos suas concepções de ideologia.

Gadamer e a hermenêutica filosófica: o ser que é interpretação

Em Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Gadamer (1999, p. 686) apresenta que “[...] a linguagem é um centro em que se reúnem o eu e o mundo, ou melhor, em que ambos aparecem em sua unidade originária”. Seguindo a linha de Heidegger (que propôs o fundamento ontológico da hermenêutica), Gadamer concebe a linguagem em um sentido bem mais amplo do que o de instrumento, na verdade ela é universal, o que se expressa na notória frase: “o ser que pode ser compreendido é linguagem” (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., p. 687). Nada existe sem linguagem, seja no mundo das ciências humanas ou da natureza, das filosofias ou do senso comum (PIERCEY, 2004PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004.).

Para Gadamer (1999)GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., vivemos, pensamos e nos comunicamos em um mundo de intepretações, de forma que a interpretação é uma condição do ser. Com isso, a linguagem se torna o horizonte da experiência hermenêutica, que agora não mais se refere a um método das ciências: a hermenêutica não é uma questão de método, é uma questão de ontologia, pois constitui o ser humano, que, por meio dela, conhece o mundo e os outros (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999.).

Sobre a interpretação, Gadamer apresenta o conceito de fusão de horizontes. O processo de interpretação é uma conversação (virtual) que, como na conversação real, visa o acordo: “entre as partes dessa ‘conversação’ tem lugar uma comunicação, como se dá entre duas pessoas, e que é mais que mera adaptação. O texto traz um tema à fala, mas quem o consegue é, em última análise, o desempenho do intérprete” (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., p. 505). Assim, por meio de um processo de pergunta-resposta (diálogo) acontece a fusão de horizontes. Essa fusão é, na verdade, o próprio processo de compreender. Nesse sentido, o texto deve ser compreendido dentro do círculo hermenêutico, que se refere à necessidade de conhecer o particular e o todo do texto de forma circular. Adiante, nesse processo, o intérprete é um ser social e histórico e, portanto, constituído por tradições e preconceitos. Logo, Gadamer vai considerar (reabilitar) a importância da tradição, do preconceito e da autoridade nos processos interpretativos.

A tradição é fonte de significados, crenças e preconceitos. No processo interpretativo existe a relação entre tradições, na qual “o sujeito que compreende não pode escapar da história pela reflexão. Dela faz parte. E este estar na história tem como consequência que o sujeito é ocupado por preconceitos que podem modificar no processo da experiência, mas que não podem liquidar inteiramente” (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., p. 30). Sobre os preconceitos, Gadamer vai considerar que existem préjugés légitimes, isto é, eles podem ser valorizados de forma positiva e negativa – é impossível ser neutro acerca deles no processo interpretativo: “somente um tal reconhecimento do caráter essencialmente preconceituoso de toda compreensão leva o problema hermenêutico à sua real agudeza” (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., p. 406-407). Por sua vez, a autoridade se relaciona com conhecimento e não com obediência cega: “[...] a autoridade das pessoas não tem seu fundamento último num ato de submissão e de abdicação da razão, mas num ato de reconhecimento e de conhecimento: reconhece-se que o outro está acima de nós em juízo e perspectiva” (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., p. 419).

Como síntese, Gadamer defende a universalidade da hermenêutica, a importância dos conceitos de tradição, preconceito e autoridade para a interpretação e a concebe como um processo de fusão de horizontes. A seguir, apresentamos a reação de Habermas a essas questões e o diálogo entre os dois autores que durou mais de uma década.

Dialética e hermenêutica no debate Habermas-Gadamer

Se Gadamer se situa na vertente da hermenêutica filosófica, sendo fortemente influenciado por Heidegger, Habermas, apesar de ter sido “leitor” deste, rompe ainda na década de 1950 com ele (PINZANI, 2009PINZANI, A. Habermas. São Paulo: Artmed, 2009.). Habermas busca retomar o projeto frankfurtiano de uma teoria crítica da sociedade (ANDERSON, 1985ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1985.), incorporando outras perspectivas, como o interacionismo simbólico, a filosofia da linguagem da tradição wittgensteiniana, o pragmatismo e a teoria dos sistemas, além do estudo dos autores clássicos da Escola de Frankfurt, como Adorno, Horkheimer e Marcuse (FREITAG, 2005FREITAG, B. Dialogando com Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005.; PINZANI, 2009PINZANI, A. Habermas. São Paulo: Artmed, 2009.).

O debate entre Habermas e Gadamer é bastante longo, com destaque para uma diversidade de textos, dentre os quais: Verdade e método – Gadamer, 1960; A lógica das ciências sociais – Habermas, 1967; A universidade do problema hermenêutico – Gadamer, 1967; Retórica, hermenêutica e crítica da ideologia – Gadamer, 1967; A pretensão de universalidade da hermenêutica – Habermas, 1970; e Réplica à hermenêutica e crítica da ideologia – Gadamer, 1971 (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987.). Segundo Stein (1987)STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., o estopim do debate ocorreu quando Habermas contrapôs a hermenêutica de Gadamer ao pensamento dialético. Dada a amplitude do debate, focaremos alguns pontos: (i) concepção de linguagem; (ii) universalidade da hermenêutica; (iii) reabilitação da tradição, do preconceito e da autoridade e (iv) relação dialética e hermenêutica.

A linguagem é para Habermas (2012)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012., em semelhança a Gadamer, um elemento central da vida social, constituindo-se como um médium para o entendimento. No entanto, cabe considerar que a perspectiva de Habermas é construída com base no interacionismo simbólico, na pragmática e na fenomenologia, na noção de comunicação enquanto aspecto fundamental da interação humana, e, adiante, na ideia de intersubjetividade da verdade na relação entre sujeito-sujeito, visando romper com a filosofia da consciência, e nisso segue caminhos diferentes de Gadamer (FREITAG, 2005FREITAG, B. Dialogando com Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005.; PINZANI, 2009PINZANI, A. Habermas. São Paulo: Artmed, 2009.; HABERMAS, 2012HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012.). Mesmo assim, até aqui consideramos que em grande parte eles estão em acordo. Aliás, é preciso dizer que os embates entre os dois é uma diferença mais de grau do que de essência (BATISTA, 2012BATISTA, M. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica e Sociedade, v. 2, n. 1, p. 101-118, 2012.). Para Stein (1987)STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., Habermas considera os diversos avanços da hermenêutica como sua capacidade de descrever estruturas da linguagem, de criticar a autossuficiência das ciências naturais e mostrar que o domínio das ciências sociais é “[...] pré-estruturado pela tradição e que elas mesmas, bem como o sujeito que compreende, têm seu lugar histórico determinado” (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., p. 38). Portanto, Habermas (1987HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., 2012)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012. vai dizer que precisamos da hermenêutica e que ela avançou muito, porém, para o frankfurtiano não podemos tê-la como fim em si – ela precisa da dialética, da crítica das ideologias. Esta é a primeira e principal diferença: Habermas não aceita a pretensão de universalidade da hermenêutica.

Para Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., existem elementos que estão além da hermenêutica. Esses seriam estruturas anteriores à linguagem, como os esquemas categoriais de inteligência operativa de Piaget, estruturas do inconsciente de Freud, regras da competência linguística de Chomsky (DURÃO; DURÃO, 2012DURÃO, A. B.; DURÃO, A. B. A. B. Habermas sobre a comunicação sistematicamente distorcida. Revista de Filosofia, v. 24, n. 34, p. 23-48, 2012.) e as formas de comunicação sistematicamente distorcida, como a neurose e a ideologia (HABERMAS, 1987HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987.). A neurose precisa da psicanálise (e seu caráter de autorreflexão) e a ideologia da crítica das ideologias, sendo estas, segundo Habermas, duas ciências sociais críticas que avançam nas “caixas-pretas” que a hermenêutica não consegue desvelar.

Isso leva Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987. a considerar que a linguagem não pode ser entendida apenas como meio de alcançar o consenso, ela pode ser também meio de dominação e, consequentemente, ideológica. Sobre a relação de autoridade e conhecimento, estabelecida por Gadamer, Habermas argumenta que esses elementos não convergem, pois a autoridade pode se estabelecer como coação e pseudocomunicação (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987.). Portanto, nesse processo, segundo Habermas, é preciso inserir a reflexão. Ele critica o conceito de tradição de Gadamer, argumentando que esse é conservador (PIERCEY, 2004PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004.) e politicamente ingênuo (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987.). Por fim, a reabilitação do preconceito também é criticada, pois, segundo Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., a reflexão deve dissolver o caráter preconceitual da interpretação. Adiante, enquanto Gadamer critica o Iluminismo, Habermas afirma que não podemos abandoná-lo. Por fim, para Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., Gadamer exagerou ao separar verdade e método (ontologização da hermenêutica) e argumenta que não se deve afastar do método e das ciências humanas.

Rebatendo as críticas, Gadamer (2002)GADAMER, H-G. Verdade e método II: complementos e índice. Petrópolis: Vozes, 2002. não concorda que sua obra dicotomiza a relação verdade e método; acredita que Habermas reduz a importância da hermenêutica na existência humana e critica a utilização, por parte de Habermas, do conceito de autorreflexão advindo da psicanálise e da crítica da ideologia” como ciências críticas que se diferenciam da hermenêutica e, ainda, se opõe ao conceito de “situação ideal de fala”. Gadamer (2002, p. 138)GADAMER, H-G. Verdade e método II: complementos e índice. Petrópolis: Vozes, 2002. argumenta que “[...] uma crítica da ideologia que pensa estar isenta de toda preocupação ideológica não é menos dogmática que uma ciência social ‘positivista’ que se compreende como técnica social”. Em consequência disso, “a crítica das ideologias só poderá, portanto, exercer sua função positiva, [...] quando aceita, numa certa medida, a validade da tradição e da autoridade como fontes possíveis de mais liberdade e mais verdade” (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., p. 36).

No fim do debate, contudo, ficou claro que ambos admitem a importância das perspectivas divergentes. Gadamer, nas obras seguintes, conferiu mais atenção ao potencial crítico da hermenêutica. Em destaque, no volume II de Verdade e método, Gadamer (2002, p. 32) lembra: “o interesse crítico que Jürgen Habermas demonstrou, nos anos sessenta, [...] fizeram-me ver a dimensão em que havia ingressado quando transpus o âmbito do texto e da interpretação em direção ao caráter de linguagem de toda compreensão”. Habermas, por sua vez, utilizará Gadamer como referência em vários textos (HABERMAS, 1987HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., 1989HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989., 2012HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012.). No entanto, é importante colocar que, posteriormente, Habermas abandona o modelo baseado na psicanálise e crítica da ideologia e amplia sua teoria da comunicação, optando pela reconstrução (PEDERSEN, 2008PEDERSEN, J. Habermas’ method: rational reconstruction. Philosophy of the social sciences, v. 38, p. 457-485, 2008.). A seguir, destacamos que o debate teve uma grande influência sobre Paul Ricoeur, que procura apresentar outra via para essa discussão.

A síntese de Paul Ricoeur: hermenêutica crítica

Como vimos, o referido debate entre Habermas e Gadamer é, na verdade, de perspectivas: crítica/dialética versus hermenêutica (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987.), ou de matrizes epistemológicas, pensando com base em Paes de Paula (2014PAES DE PAULA, A. P. Para além dos paradigmas nos estudos organizacionais: o círculo das matrizes epistemológicas. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2014., 2015)PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.. O filósofo francês Paul Ricoeur propõe outra via, a qual não nega os posicionamentos originais, mas também não reduz uma abordagem à outra:

Meu intuito não é o de fundar a hermenêutica das tradições e a crítica das ideologias num supersistema que as englobaria. [...], cada uma fala de um lugar diferente. E é isso que realmente ocorre. Todavia, pode ser exigido que cada uma delas reconheça a outra, não como uma posição estranha e puramente adversa, mas como uma formulação, a seu modo, de urna reivindicação legítima

(RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 131).

Ricoeur (1990, p. 101)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. argumenta que “cada uma pode reconhecer a reivindicação de universalidade da outra, de tal forma que o lugar de uma se inscreva na estrutura da outra”. A posição mediadora de Ricoeur é o que denominamos hermenêutica crítica (ROBERGE, 2011ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011.), argumentando que a crítica e a interpretação se pressupõem mutuamente. Assim, Ricoeur (1990, p. 17)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. defende que “a hermenêutica é a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos” que também é crítica, enquanto a crítica das ideologias também é hermenêutica.

Adiante, Ricoeur acredita que Gadamer contribuiu em demasia, afastando da hermenêutica sua viseira romântica e esclarece que a Aufklärung (Iluminismo) confundiu dominação, autoridade e violência. A tese de Gadamer, conforme Ricoeur, é da ampliação do conceito de hermenêutica para um nível mais elevado: “[...] a interpretação propriamente ontológica da sequência preconceito, autoridade e tradição cristaliza-se de certa forma na categoria de consciência da história dos efeitos que marca o ápice da reflexão de Gadamer sobre a fundação das ciências do espírito” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 113). Em contrapartida, apresenta em quatro tópicos as alternativas da crítica das ideologias de Habermas: (i) conceito de interesse de Habermas em detrimento de preconceito; (ii) a consideração de que, enquanto Gadamer se volta para as ciências do espírito, Habermas se apoia nas ciências sociais críticas; (iii) o fenômeno da não compreensão de Gadamer é interpretado como ideologia (distorção sistemática da comunicação); e (iv) para Gadamer nós somos diálogo, enquanto Habermas “[...] invoca o ideal regulador de uma comunicação sem limite e sem coação que, longe de nos preceder, dirige-nos a partir do futuro” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 119, grifo do autor).

Ricoeur critica a adesão de Gadamer à tradição, sem, no entanto, desconsiderá-la, além disso, concorda com as influências/efeitos da ideologia nos processos interpretativos e que não se diluem na “fusão de horizontes”: “[...] Gadamer orientava inevitavelmente a filosofia hermenêutica para a reabilitação do preconceito e para a apologia da tradição e da autoridade” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 105). Mesmo assim, concorda com a importância (relativa) da tradição. Aliás, para ele, criticar a autoridade para emancipar a humanidade não é algo que se pode fazer do nada (PIERCEY, 2004PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004.), pois “a crítica também é uma tradição” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 145, grifo nosso).

Henriques (2010)HENRIQUES, F. Habermas e Ricoeur sobre a hermenêutica ou uma convergência divergente. In: ROCHA-CUNHA, S. (Ed.). Habermas: política e mundo da vida na transição do século XXI. Évora: Instituto Superior Económico e Social, 2010. p. 20-32. argumenta que Ricoeur não concebe a separação entre hermenêutica e crítica, isto é, interpretação e emancipação, concluindo que as ciências críticas são inevitavelmente hermenêuticas, isso é fundamental para defender que entre a hermenêutica e a crítica não existe oposição. Segundo Piercey (2004)PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004., o próprio texto pode abrir um espaço de possibilidades existenciais e políticas e, com isso, não se restringe à hermenêutica, mas se amplia à crítica. Esse poder dinâmico e produtivo do texto enfraquece a ideia de realidade como uma rede fixa de padrões autoritários de interpretações (PIERCEY, 2004PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004.).

Apesar disso, Ricoeur, com a ideia de distanciamento, não considera devidamente o contexto, o que posteriormente é destacado por Thompson (2011, p. 362)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.: “Ricoeur coloca demasiada ênfase no que ele chama de ‘a autonomia semântica do texto’, e com isso ele abstrai muito rapidamente das condições sócio-históricas em que os textos, ou as coisas análogas a textos, são produzidos e recebidos”. Na nossa abordagem, proposta no âmbito da estratégia como prática, buscamos considerar essa questão baseados em Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011..

Procuramos mostrar que Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. estabelece que tanto a hermenêutica quanto a dialética/crítica são fundamentais (na parte seguinte ressaltamos melhor seu conceito de ideologia). Terminamos com o argumento central de Ricoeur da importância das duas perspectivas, pois “[...] nada mais enganador que a pretensa antinomia entre uma ontologia do entendimento prévio e uma escatologia da libertação” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 145). Por fim, notoriamente afirma: “[...] se esses interesses se separarem radicalmente, a hermenêutica e a crítica ficarão reduzidas a meras... ideologias!” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 146, grifo nosso).

Alguns espectros da ideologia

As discussões sobre ideologia possuem uma longa tradição, perpassando por K. Marx, L. Althusser, M. Pêcheux, M. Bakhtin, J. Thompson, T. Eagleton, I. Mészáros e S. Žižek. Para Eagleton (1997, p. 15)EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997., “ninguém propôs ainda uma definição única e adequada de ideologia”. Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. distingue concepções neutras e críticas de ideologia (SILVA, 2009SILVA, R. Linguagem e ideologia: embates teóricos. Linguagem em (Dis)curso, v. 9, n. 1, p. 157-180, 2009.), dizendo que nas primeiras ela é um sistema de crenças e nas segundas a ideologia é caracterizada como algo que engana, manipula e distorce – nessa segunda perspectiva se enquadram Ricoeur e Habermas. Portanto, “as formas simbólicas são ideológicas somente enquanto servem para estabelecer e sustentar relações sistematicamente assimétricas de poder” (THOMPSON, 2011THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 90). Próximo a isso, para Eagleton (1997)EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997., nem toda linguagem é ideológica, e assim a ideologia está relacionada também com o contexto de determinada elocução, no entanto, diferente de Thompson, a ideologia segundo Eagleton não se restringe somente aos grupos que exercem poder (SILVA, 2009SILVA, R. Linguagem e ideologia: embates teóricos. Linguagem em (Dis)curso, v. 9, n. 1, p. 157-180, 2009.). Agora apresentamos as concepções de Gadamer, Habermas e Ricoeur.

Segundo Eagleton (1997, p. 118)EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997., “a ideologia para [Habermas] é uma forma de comunicação sistematicamente distorcida pelo poder – um discurso que se tornou um meio de dominação e que serve para legitimar relações de força organizadas”. Žižek (1996)ŽIŽEK, S. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. acrescenta que para Habermas a ideologia se refere a um texto em que existe uma lacuna entre os sentidos públicos e a verdadeira intenção. Nas palavras de Habermas (1987, p. 21)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987.: “Linguagem é também meio de dominação e de poder social. Serve às relações de violência organizada. [...] a linguagem também é ideológica”. Apesar de dar pouca ênfase para a ideologia a partir da década de 1990, Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987. a posiciona relacionando poder e dominação. Eagleton esclarece:

Para filósofos hermenêuticos como Hans-Georg Gadamer, equívocos e lapsos de comunicação são bloqueios textuais a ser retificados pela interpretação sensível. Habermas, em contraste, chama a atenção para a possibilidade de um sistema discursivo inteiro que está, de certa maneira, deformado. [...] a ideologia marca o ponto em que a linguagem tem sua forma comunicativa distorcida pelos interesses de poder impingidos a ela. [...] no interior de nossa linguagem, de modo que a ideologia se torna um conjunto de efeitos internos aos próprios discursos particulares

(EAGLETON, 1997EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997., p. 118).

Assim, enquanto para Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987. a ideologia é um discurso que serve para dominação (seja por elementos externos de poder ou internos por distorções sistemáticas na comunicação), no volume 1 de Verdade e método (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999.), por exemplo, não existe debate sobre ideologia. No volume 2 da obra a categoria ideologia aparece nas réplicas do autor a Habermas, argumentando que a própria crítica das ideologias também é ideológica.

Por fim, Ricoeur se aproxima de Habermas no que diz respeito à ideologia: “estes são os traços principais do conceito de ideologia; impacto da violência no discurso, dissimulação cuja chave escapa à consciência, necessidade do desvio para a explicação das causas” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 127), e com Habermas afirma que “a crítica é essa teoria da competência comunicativa que engloba a arte de compreender, as técnicas para vencer a não compreensão e a ciência explicativa das distorções” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 128). Assim, em contrapartida a Gadamer, concorda que existem formas distorcidas de comunicação, um sistema de resistências à relação dialógica – as ideologias (RICOEUR, 1986RICOEUR, P. Ideologia e utopia. Lisboa: Edições 70, 1986.).

Além disso, para Ricoeur (1990, p. 68), “[...] do caráter significante, mutuamente orientado e socialmente integrado da ação, que o fenômeno ideológico aparece em toda a sua originalidade”, que resiste aos processos de mudança, em que “[...] toda ideologia é simplificadora e esquemática” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 69). Logo, apresenta como traços a necessidade de um grupo de representar e encenar; o seu conservadorismo; o fato de ser simplificadora, esquemática e operatória. Segundo ele, “[...] é quando o papel mediador da ideologia encontra o fenômeno da dominação que o caráter de distorção e de dissimulação da ideologia passa ao primeiro plano” (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., p. 72). Por último, para Roberge (2011)ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011., em Ricoeur a ideologia é um significado que fornece excedente de sentido e ela pertence ao campo da interpretação. Portanto, se faz importante decodificar e decifrar as suas significações (BELL, 2011BELL, A. Re-constructing Babel: discourse analysis, hermeneutics and the Interpretative Arc. Discourse Studies, v. 13, n. 5, p. 519-568, 2011.). Nessa direção, a ideologia pode ser entendida na tríplice significado-interpretação-texto, que revela e oculta a “realidade” por meio de manipulações e distorções – nesse processo a ação ideológica legitima a autoridade, sendo a ideologia entendida como uma interpretação do mundo (RICOEUR, 1971RICOEUR, P. The model of the text: meaningful action considered as a text. Social Research, v. 38, n. 3, p. 529-562, 1971., 1986, 1990; BELL, 2011BELL, A. Re-constructing Babel: discourse analysis, hermeneutics and the Interpretative Arc. Discourse Studies, v. 13, n. 5, p. 519-568, 2011.).

Estratégia como prática: proposta hermenêutica e crítica

Este tópico foi desenvolvido em quatro partes: (i) discussão geral sobre estratégia como prática; (ii) elementos ideológicos da estratégia; (iii) exigências epistemológicas da hermenêutica crítica e (iv) direcionamentos metodológicos de pesquisa.

Estratégia como prática: perspectivas teóricas

A abordagem da estratégia como prática desenvolveu-se baseada no trabalho de Richard Whittington (1996)WHITTINGTON, R. Strategy as practice. Long Range Planning, v. 29, n. 5, p. 731-735, 1996., Strategy-as-Practice (SAP), em que o autor apresenta a possibilidade de compreender as práticas cotidianas que constituem a estratégia nas organizações e as competências dos estrategistas. Assim, essa abordagem procura entender a estratégia como um processo que envolve todos os atores na organização, considerando tanto alta e média gerência quanto o nível operacional (VAARA; WHITTINGTON, 2012VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012.), representando uma orientação divergente da corrente hegemônica de estudos em estratégia.

A SAP investiga o trabalho estratégico, constituído por práticas organizacionais que afetam tanto o processo quanto os resultados da estratégia (VAARA; WHITTINGTON, 2012VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012.). Conforme Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007)JARZABKOWSKI, P.; BALOGUN, J.; SEIDL, D. Strategizing: the challenges of a practice perspective. Human Relations, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007., tal perspectiva compreende o conjunto de práticas baseadas na interação, negociação e ações articuladas pelos agentes inseridos em organizações situadas em um dado contexto sócio-histórico. Assim, para Whittington (2006)WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006., do ponto de vista analítico, trabalhos orientados nessa abordagem devem considerar como categorias de análise a práxis, as práticas e os praticantes envolvidos.

A práxis pode ser entendida como a atividade que os indivíduos fazem no cotidiano das organizações, com implicação direta na consecução das estratégias, sendo observada em reuniões, intervenções de consultorias, apresentações, conversas informais, etc. (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.; TURETA; LIMA, 2011TURETA, C.; LIMA, J. B. Estratégia como prática social: o estrategizar em uma rede interorganizacional. Revista de Administração Mackenzie, v. 12, n. 6, p. 76-108, 2011.). As práticas são atividades humanas compostas por ações situadas no espaço e no tempo (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.). Elas envolvem saberes, culturas, valores, crenças e símbolos que servem de referência para a produção de sentidos compartilhados coletivamente (BRITO et al., 2014BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais... Rio de Janeiro, ANPAD, 2014.). Por último, os praticantes representam todos os atores envolvidos com a construção e produção da estratégia, sejam internos ou externos à organização (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.; BRITO et al., 2014BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais... Rio de Janeiro, ANPAD, 2014.). Posteriormente, Fenton e Langley (2011)FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011. propõem o acréscimo dos textos, entendendo-os como um importante caminho para a análise dos discursos e suas implicações na estratégia. Para esses autores, os textos podem ser estudados a fim de entender como eles evidenciam a práxis, as práticas e os praticantes envolvidos no processo.

Considerando o campo de estudos da SAP, apesar dos avanços, Vaara e Whittington (2012)VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012. destacam que ainda existem consideráveis possibilidades de pesquisa a ser feita, incluindo, nesse escopo, as interpretações críticas da estratégia, objeto de interesse deste trabalho, especialmente no que se refere à análise de textos presentes no trabalho estratégico (FENTON; LANGLEY, 2011FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.; KÜPERS; MANTERE; STATLER, 2013KÜPERS, W.; MANTERE, S.; STATLER, M. Strategy as storytelling: a phenomenological collaboration. Journal of Management Inquiry, v. 22, n. 1, p. 83-100, 2013.). Logo, defendemos que uma abordagem fundamentada na hermenêutica crítica pode atender a essa questão. Como já colocamos, para isso são fundamentais as contribuições de Gadamer, Habermas e Ricoeur. Destacamos que alguns trabalhos já trouxeram contribuições desses autores para a SAP, tais como: Gadamer (ERICSON; MELIN, 2010ERICSON, M.; MELIN, L. Strategizing and history. In: GOLSORKHI D. et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 326-343.; ERICSON, 2014ERICSON, M. On the dynamics of fluidity and open-endedness of strategy process toward a strategy-as-practicing conceptualization. Scandinavian Journal of Management, v. 30, p. 1-15, 2014.), Habermas (SAMRA-FREDERICKS, 2005SAMRA-FREDERICKS, D. Strategic practice, ‘discourse’ and the everyday constitution of ‘power effects’. Organisation, v. 12, n. 6, p. 803-841, 2005.; HUTTON; LIEFOOGHE, 2011HUTTON, C.; LIEFOOGHE, A. Mind the gap: revisioning organization development as pragmatic reconstruction. Journal of Applied Behavioral Science, v. 47, n. 1, p. 76-97, 2011.; ZWICK; SILVA; BRITO, 2014ZWICK, E.; SILVA, I. C.; BRITO, M. J. Estratégia como prática social e teoria da ação comunicativa: possíveis aproximações teóricas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, n. 3, p. 384-400, 2014.) e Ricoeur (VILLE; MOUNOUD, 2010VILLE, V. D. L; MOUNOUD, E. A narrative approach to strategy as practice: strategy making from texts and narratives. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 217-229.; SPEE; JARZABKOWSKI, 2011SPEE, A. P.; JARZABKOWSKI, P. Strategic planning as communicative process. Organization, v. 32, n. 9, p. 1.217-1.245, 2011.; KÜPERS; MANTERE; STATLER, 2013).

Com base em Gadamer, Ericson e Melin (2010)ERICSON, M.; MELIN, L. Strategizing and history. In: GOLSORKHI D. et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 326-343. discutiram como a contextualização hermenêutica molda a prática e permite que os praticantes assumam uma postura de seres sócio-históricos, sempre afetados pela história, de modo que não podem se ver livres da tradição na construção da estratégia. Ericson (2014)ERICSON, M. On the dynamics of fluidity and open-endedness of strategy process toward a strategy-as-practicing conceptualization. Scandinavian Journal of Management, v. 30, p. 1-15, 2014. se inspira em Gadamer para discutir a perspectiva da experiência vivida e a forma como esta auxilia a entender a estratégia como uma prática processual, baseado na relacionalidade temporal da experiência vivida dos praticantes uns para com os outros e com seu passado.

Com base em Habermas, Samra-Fredericks (2005)SAMRA-FREDERICKS, D. Strategic practice, ‘discourse’ and the everyday constitution of ‘power effects’. Organisation, v. 12, n. 6, p. 803-841, 2005. argumenta que o impacto de forças extradiscursivas, como poder e dinheiro, é o que deforma o discurso. Nisso a ideologia se apresenta, quando a linguagem é “colonizada” por interesses de poder, embora a ideologia também se manifeste internamente, representando uma comunicação sistematicamente distorcida que se aparenta como legítima e justa. Hutton e Liefooghe (2011)HUTTON, C.; LIEFOOGHE, A. Mind the gap: revisioning organization development as pragmatic reconstruction. Journal of Applied Behavioral Science, v. 47, n. 1, p. 76-97, 2011. procuram discutir o desenvolvimento organizacional sob uma perspectiva pragmática, considerando a importância de Habermas para as discussões das práticas com base nas pretensões de validade. E, para Zwick, Silva e Brito (2014, p. 395)ZWICK, E.; SILVA, I. C.; BRITO, M. J. Estratégia como prática social e teoria da ação comunicativa: possíveis aproximações teóricas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, n. 3, p. 384-400, 2014., “o agir comunicativo concebido por Habermas abre caminhos para uma compreensão mais abrangente e aprofundada da prática estratégica e dela como prática social”.

Adiante, Ville e Mounoud (2010)VILLE, V. D. L; MOUNOUD, E. A narrative approach to strategy as practice: strategy making from texts and narratives. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 217-229. apresentam que Ricoeur busca superar a dualidade entre explicar e interpretar por uma relação dialética da compreensão do texto. Como textos estratégicos são produtos simultâneos do leitor e do autor, os processos interpretativos se tornam importantes para o estudo das estratégias pela SAP. Spee e Jarzabkowski (2011)SPEE, A. P.; JARZABKOWSKI, P. Strategic planning as communicative process. Organization, v. 32, n. 9, p. 1.217-1.245, 2011. examinam a construção de um plano estratégico como um processo comunicativo por meio dos conceitos de descontextualização e recontextualização de Ricoeur. Dessa forma, o planejamento estratégico é formado por relações interativas e recursivas com textos, em especial, o texto da estratégia, de modo que mediante as interpretações ocorrem modificações nos textos, formando um ciclo (SPEE; JARZABKOWSKI, 2011SPEE, A. P.; JARZABKOWSKI, P. Strategic planning as communicative process. Organization, v. 32, n. 9, p. 1.217-1.245, 2011.). Segundo os autores, os conceitos de Ricoeur não têm sido amplamente utilizados empiricamente na literatura de gestão – estes artigos, por exemplo, não discutem a questão da ideologia com base nele. Por fim, Küpers, Mantere e Statler (2013)KÜPERS, W.; MANTERE, S.; STATLER, M. Strategy as storytelling: a phenomenological collaboration. Journal of Management Inquiry, v. 22, n. 1, p. 83-100, 2013. apresentam uma investigação fenomenológica em práticas de “contar histórias”, presentes em processos de definição da estratégia. A direção da visão da estratégia como uma narrativa considera que ela é polissêmica, permeada pelas identidades dos narradores (como entende Ricoeur) e necessita de uma hermenêutica. A seguir, destacamos brevemente a relação entre estratégias e ideologia.

Elementos ideológicos da estratégia

Shrivastava (1986)SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986. figura entre um dos primeiros autores a abordar o conceito de ideologia nos estudos de estratégia. Ele argumenta que a pesquisa em estratégia deve questionar os valores e normas gerenciais não declaradas e se distanciar de posições ideológicas dominantes, assumindo uma orientação que vá além dos objetivos econômicos e dos mecanismos ideológicos que os alicerçam. Shrivastava (1986)SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986. se apoia em autores como Habermas, Horkheimer e Nord, descrevendo cinco efeitos das ideologias no campo dos estudos em estratégia: a subdeterminação factual de normas de ação; a universalização dos interesses de classe; a negação de contradições e conflitos; a idealização normativa de objetivos de classe e a naturalização do status quo. Por fim, propõe que entender a estratégia como uma práxis é um possível caminho para reorientar as pesquisas na área.

Adiante, Thomas (1998)THOMAS, P. Ideology and the discourse of strategic management: a critical research frame-work. Electronic Journal of Radical Organization, v. 4, n. 1, p. 1-16, 1998. aborda os efeitos discursivos das estratégias corporativas e apresenta um quadro teórico de pesquisa que procura evidenciar as relações ideológicas existentes nesse fenômeno, baseado nas dimensões do discurso de Norman Fairclough. Para Thomas (1998)THOMAS, P. Ideology and the discourse of strategic management: a critical research frame-work. Electronic Journal of Radical Organization, v. 4, n. 1, p. 1-16, 1998., os estudos críticos em gestão deveriam focar no papel dos discursos, que sustentam e reforçam as desigualdades nas organizações por meio de ideologias.

No que se refere aos estudos envolvendo a abordagem da estratégia como prática, Vaara, Kleymann e Seristö (2004)VAARA, E.; KLEYMAN, B.; SERISTO, H. Strategies as discursive constructions: the case of airline Alliances. Journal of Management Studies, v. 41, n. 1, p. 1-35, 2004. discutem elementos discursivos em conversas de estratégia de uma companhia aérea. Contudo, apesar de reconhecerem os aspectos ideológicos presentes no discurso, os autores não estabelecem uma discussão acerca do conceito de ideologia. Buisson (2014)BUISSON, F. How do investors communicate with innovators such as “Geeks“? A case study of HackFwd. International Journal of Arts Management, v. 16, n. 3, p. 20-32, 2014., por sua vez, investiga os aspectos ideológicos presentes nos discursos de estratégia em uma organização de tecnologia da informação. Nesse sentido, o autor utiliza o conceito de ideologia discutido por Ricoeur, entendido como “discurso baseado em ideias”. Para Buisson (2014)BUISSON, F. How do investors communicate with innovators such as “Geeks“? A case study of HackFwd. International Journal of Arts Management, v. 16, n. 3, p. 20-32, 2014., os aspectos ideológicos são um vetor de comunicação da estratégia e seus praticantes.

Como síntese, constatamos que a ideologia, apesar de relevante para os estudos da estratégia, é minimamente tratada pelo campo da SAP, carecendo então de trabalhos que discutam de forma consistente os elementos ideológicos, (re)produzidos pelas práticas, na construção da estratégia, bem como as possibilidades de interpretá-los – nessa lacuna desenvolvemos este artigo. Contudo, consideramos que propostas de formulação de uma abordagem que integre hermenêutica e crítica já foram desenvolvidas, tais como o método hermenêutico-dialético em sentido amplo para a pesquisa social (GOMES, 1996GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 67-80.; MINAYO, 2008MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S.; GOMES, S. F. D. R. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.) e, mais recentemente, a técnica de análise hermenêutico-dialética (CARDOSO; SANTOS; ALLOUFA, 2015CARDOSO, M. F.; SANTOS, A. C. B.; ALLOUFA, J. M. A. Sujeito, linguagem, ideologia, mundo: técnica hermenêutico-dialética para análise de dados qualitativos de estudos críticos em administração. Revista de Administração FACES Journal, v. 14, n. 2, p. 74-93, 2015.). No entanto, buscamos construir nossa abordagem, por meio da intermediação de Ricoeur, mais próxima à proposta de Viana, Costa e Brito (2016)VIANA, M. F.; COSTA, A. P.; BRITO, M. J. A hermenêutica crítica e estudos em marketing: aproximações e possibilidades. Organização & Sociedade, v. 23, n. 76, p. 92-109, 2016., que foi aplicada aos estudos em marketing.

Estratégia como prática: exigências epistemológicas da hermenêutica crítica

A primeira exigência da perspectiva da hermenêutica crítica é o rompimento rígido do dualismo entre ciências críticas e ciências interpretativas, tendo por base a ideia de Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. de que não podemos separar crítica e hermenêutica (FORNÄS, 2013FORNÄS, J. The dialectics of communicative and immanent critique. TripleC: Communication, Capitalism & Critique, v. 11, n. 2, p. 504-514, 2013.). Essa questão recebe respaldo na SAP em Vaara e Whittington (2012)VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012. e Jarzabkowski e Spee (2009)JARZABKOWSKI, P.; SPEE, A. P. Strategy-as-practice: a review and future directions for the field. International Journal of Management Reviews, v. 11, n. 1, p. 69-95, 2009., ao afirmarem ser relevante abordagens críticas para a explicação de fenômenos envolvendo estratégias organizacionais. Nossa proposta defende que as pesquisas devem estar atentas tanto aos processos de interpretação, que se constituem na fusão de horizontes, quanto aos processos distorcidos e influenciados por relações de poder e deformações ideológicas. Além disso, apesar da ontologização da hermenêutica por Gadamer, tanto Habermas quanto Ricoeur defendem a importância da interpretação também como método, daí definirmos como uma perspectiva epistemo-metodológica.

Em termos epistemológicos, destacamos as categorias analíticas que emergem do encontro entre as perspectivas de Gadamer, Habermas e Ricoeur. Com base em Paes de Paula (2014)PAES DE PAULA, A. P. Para além dos paradigmas nos estudos organizacionais: o círculo das matrizes epistemológicas. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2014., pensamos ser esse encontro na verdade entre matrizes epistemológicas – entre a matriz crítica/dialética e a matriz hermenêutica, resultando em uma abordagem pautada pela lógica dialético-hermenêutica, a hermenêutica crítica, que pode ser entendida como uma abordagem reconstruída baseada nas duas matrizes citadas (PAES DE PAULA, 2015PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.). Consideramos para isso que nossa abordagem cultiva um interesse prático voltado para “a compreensão social por meio da comunicação e interpretação” (PAES DE PAULA, 2014PAES DE PAULA, A. P. Para além dos paradigmas nos estudos organizacionais: o círculo das matrizes epistemológicas. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2014., p. 11) e, ao mesmo tempo, emancipatório, “voltando-se para a transformação social” – seguindo, assim, a não aceitação da separação entre as duas formas de pesquisa social (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.). Com isso, a abordagem hermenêutica crítica procura integrar interesses e reduzir a cegueira cognitiva, nos termos de Paes de Paula (2014PAES DE PAULA, A. P. Para além dos paradigmas nos estudos organizacionais: o círculo das matrizes epistemológicas. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2014., 2015)PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015..

Dessa forma, a separação (mais rígida) realizada inicialmente por Habermas (empírico-analítica, hermenêutica e crítica) é negada por Ricoeur, e, por isso, a proposta busca uma área de integração entre as matrizes. O próprio Habermas (1997, 2012) em textos posteriores vai destacar a importância de considerar diversas perspectivas, sendo o único critério para isso a coerência. Assim, para o autor, devemos estar abertos a diversas posições metódicas, finalidades teóricas e enfoques de pesquisa, dentre os quais destaca o hermenêutico, o crítico e o analítico (HABERMAS, 1997HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.). Portanto, a contribuição da nossa proposta aplicada ao campo da SAP é na linha de Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. e coerente com a concepção de Paes de Paula (2015), buscar ultrapassar as lacunas entre a hermenêutica e a crítica.

Essa integração também segue chamadas apontadas por Whittington (2006)WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006., Jarzabkowski e Spee (2009)JARZABKOWSKI, P.; SPEE, A. P. Strategy-as-practice: a review and future directions for the field. International Journal of Management Reviews, v. 11, n. 1, p. 69-95, 2009., Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007)JARZABKOWSKI, P.; BALOGUN, J.; SEIDL, D. Strategizing: the challenges of a practice perspective. Human Relations, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007. e Venkateswaran e Prabhu (2010)VENKATESWARAN, R. T.; PRABHU, G. N. Taking stock of research methods in strategy-as-practice. The Electronic Journal of Business Research Methods, v. 8, n. 2, p. 156-162, 2010.. Em especial, Venkateswaran e Prabhu (2010)VENKATESWARAN, R. T.; PRABHU, G. N. Taking stock of research methods in strategy-as-practice. The Electronic Journal of Business Research Methods, v. 8, n. 2, p. 156-162, 2010. apresentam que a estratégia como prática engloba uma pluralidade de interesses e métodos de pesquisa. A proposta da hermenêutica crítica atende às considerações desses autores, ao ponto que agrega perspectivas texto↔contexto↔leitor, explicação↔interpretação e dialética↔hermenêutica no estudo dos textos de estratégia.

Adiante, nessa integração, emerge uma diversidade de categorias analíticas que podem ser foco de estudo da SAP, como tradição, preconceito, autoridade e fusão de horizontes (diretamente relacionadas à Gadamer); mundo da vida, patologias sociais, dominação, autorreflexão, crítica, comunicação distorcida, poder, emancipação e situação ideal de fala (Habermas); e ideologia, texto, interpretação, emancipação, narrativa, deformação e distanciamento (Ricoeur). Observamos que, pelas revisões do campo da estratégia como prática (JARZABKOWSKI; SPEE, 2009JARZABKOWSKI, P.; SPEE, A. P. Strategy-as-practice: a review and future directions for the field. International Journal of Management Reviews, v. 11, n. 1, p. 69-95, 2009.; WALTER; AUGUSTO, 2012WALTER, S. A.; AUGUSTO, P. O. M. Prática estratégica e strategizing: mapeamento dos delineamentos metodológicos empregados em estratégia como prática. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 11, n. 1, p. 131-142, 2012.; SEIDL; WHITTINGTON, 2014SEIDL, D.; WHITTINGTON, R. Enlarging the strategy-as-practice research agenda: towards taller and flatter ontologies. Organization Studies, v. 35, n. 10, p. 1.407-1.421, 2014.), esses são conceitos ainda com debates incipientes (exceto “relações de poder”, abordado na perspectiva de Foucault).

Esses conceitos, no entanto, não devem ser congelados (HABERMAS, 1993HABERMAS, J. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.), nem ser considerados fechados e autossuficientes – em cada pesquisa alguns podem ser mais mobilizados que outros. A proposta é que a ideologia possa ser considerada como uma importante categoria/conceito em decorrência de sua relação com as demais (em diversos sentidos). Por exemplo, sobre a relação entre ideologia e tradição, Pagès et al. (1987, p. 74, grifo nosso)PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. indicam que “a ideologia predominante num grupo social ou em uma instituição constitui de fato uma ‘bricolagem’ de elementos disparatados resultante de influências variadas [e] heranças de períodos diferentes”. Entre a relação dos conceitos de ideologia e dominação, Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. considera que a primeira estabelece e sustenta relações de dominação. Em sentido oposto, é possível destacar a relação entre ideologia e os conceitos de emancipação, liberdade e crítica, em que a ideologia é fator que impede a realização completa das três últimas (RICOEUR, 1990RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.). Para Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987., a relação pode assim ser construída: a crítica das ideologias busca revelar os elementos antiemancipatórios que impedem que exerçamos nossa liberdade comunicativa de forma transparente e dialógica. Complementarmente, conforme Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., a hermenêutica também busca evidenciar os elementos emancipatórios ou, conforme Stein (1987)STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., a práxis humana. Além disso, em conjunto, dialética e hermenêutica servem de guardiãs do lugar da crítica e do lugar da interpretação contra possíveis pretensões fundamentalistas e dogmáticas.

Por fim, ainda como outro elemento importante, destacamos as relações entre linguagem (e comunicação e discurso) e interpretação no âmbito da proposta e do campo da estratégia como prática. Na SAP, várias pesquisas são construídas considerando a linguagem, a comunicação e o discurso como questões relevantes para a prática da estratégia (VAARA, 2010aVAARA, E. Critical discourse analysis as methodology in strategy as practice research. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010a. p. 217-229.; BALOGUN et al., 2014BALOGUN, J. et al. Placing strategy discourse in context: sociomateriality, sensemaking e power. Journal of Management Studies, v. 51, n. 2, p. 175-201, 2014.; SEIDL, 2007SEIDL, D. General strategy concepts and the ecology of strategy discourses: a systemic-discursive perspective. Organization Studies, v. 28, n. 2, p. 197-218, 2007.), indo em direção à agenda proposta por Fenton e Langley (2011)FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.. A hermenêutica crítica possui elementos de convergência com essas visões, todavia, a problemática dela está contida no fato de que um texto se renova (é dinâmico) no ato da leitura, isto é, existem confluências/conflitos de interpretação (ROBERGE, 2011ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011.), além de diversos elementos que distorcem esse processo (PRASAD, 2002PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002.; ROBERGE, 2011ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011.). É importante destacar que, dessa forma, a hermenêutica crítica na SAP é importante para identificar os textos que se tornam ideológicos (estabelecendo relações de poder e dominação) em dado contexto sócio-histórico. Nesse direcionamento, a hermenêutica crítica atende à consideração de Eagleton (1997)EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997. quanto à importância do contexto de elocução para se estudar os fenômenos ideológicos. Aliás, vamos além do próprio Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. e consideramos a importância do contexto e as condições sócio-históricas de produção dos textos conforme indicam Gomes (1996)GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 67-80., Minayo (2008)MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S.; GOMES, S. F. D. R. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. e Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011..

Direcionamentos metodológicos de pesquisa

Em termos metodológicos, destacamos a importância do círculo crítico-hermenêutico dentro do método hermenêutico-dialético (GOMES, 1996GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 67-80.; MINAYO, 2008MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S.; GOMES, S. F. D. R. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.) e indicamos algumas possibilidades de procedimentos de pesquisa no âmbito da estratégia como prática. O círculo crítico-hermenêutico revela que, por meio “[...] da compreensão, a hermenêutica procura atingir o sentido que nos vem do passado e que abrange, num único movimento, aquele que compreende e aquilo que é compreendido” (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., p. 26). Dessa forma, para compreender o texto é preciso conhecer o contexto e vice-versa: “[...] precisamos ir e voltar a cada palavra, cada frase, cada texto, necessitamos conhecer a vida e obra do autor, os textos que ele leu, a cultura à qual pertence” (BATISTA, 2012BATISTA, M. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica e Sociedade, v. 2, n. 1, p. 101-118, 2012., p. 104).

O círculo hermenêutico reconhece que o todo não pode ser simplesmente reduzido a partes para análise; ao contrário, o contexto clareia o texto e o texto clareia o contexto. Quando combinado com significados simbólicos ou metafóricos e a perspectiva sócio-histórica do contexto, significados adicionais emergem. Ao analisar um texto ou situação, nós reconhecemos que eles são incorporados em um contexto com elementos circunstancialmente específicos; além disso, é uma questão de reconhecer que nós nos posicionamos em um local e tempo específico quando conduzindo uma análise (MYRDEN; MILLS; MILLS, 2011MYRDEN, S. E.; MILLS, A. J.; MILLS, J. H. The gendering of Air Canada: a critical hermeneutic approach. Canadian Journal of Administrative Sciences, v. 28, n. 4, p. 440-452, 2011., p. 441).

Dessa forma, seu caráter circular se refere à relação entre a parte e o todo, em que precisamos “ler” a parte como também “ler” o todo. Esse “todo” aqui entendido como contexto sócio-histórico. Com base em Gadamer, Ricoeur e Thompson, a perspectiva do círculo é ampliada no sentido espacial e temporal. Propomos ampliar o entendimento das práticas e do conteúdo da estratégia mediante o círculo por meio de uma proposta focada na hermenêutica crítica, para tanto, reconstruímos o círculo como círculos críticos-hermenêuticos, possuindo como direcionamento os trabalhos de Cardoso, Santos e Alloufa (2015)CARDOSO, M. F.; SANTOS, A. C. B.; ALLOUFA, J. M. A. Sujeito, linguagem, ideologia, mundo: técnica hermenêutico-dialética para análise de dados qualitativos de estudos críticos em administração. Revista de Administração FACES Journal, v. 14, n. 2, p. 74-93, 2015. e Minayo (1996)MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1996..

Os círculos possuem dois movimentos de análise (ligados; não lineares): o movimento hermenêutico e o movimento crítico/dialético (Figura 1). No esquema, apresentamos três das categorias anteriormente listadas para cada movimento. Para o movimento hermenêutico o estudo da tradição, do preconceito e da autoridade é central, e para o movimento crítico/dialético a ideologia, a distorção e a autorreflexão – existem outras categorias que se adequam ao modelo que podem ser mobilizadas em cada um dos movimentos.

Figura 1
Círculos críticos-hermenêuticos para a estratégia como prática (SAP).

Na Figura 1, apresentamos também três círculos seguindo Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.: o contexto da produção e interpretação por parte dos praticantes e os elementos textuais/discursivos; o contexto organizacional e o contexto sócio-histórico, ressaltando que outros círculos podem ser considerados, afinal, “[...] esse círculo está sempre se ampliando, já que o conceito do todo é relativo, e a integração em contextos cada vez maiores afeta sempre a compreensão do individual” (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., p. 297). Posteriormente, voltamos à questão dos momentos de análise.

Adiante, essa proposta atende às demandas do campo de estudos da estratégia como prática que consideram a análise dos contextos como importantes para a investigação da construção e constituição das estratégias envolvendo práticas, praticantes e práxis (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.; JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007SEIDL, D. General strategy concepts and the ecology of strategy discourses: a systemic-discursive perspective. Organization Studies, v. 28, n. 2, p. 197-218, 2007.). No centro dos movimentos a seta aponta para a categoria “textos” (discursos, narrativas, etc.), indicando com Fenton e Langley (2011)FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.a estratégia constituída por textos que evidenciam (ressaltamos que de forma significativa e não total) as práxis, práticas e praticantes envolvidos no fazer estratégia. Da mesma forma, Knights e Morgan (1991)KNIGHTS, D.; MORGAN, G. Strategic discourse and subjectivity: towards a critical analysis of corporate strategy in organizations. Organization Studies, v. 12, n. 3, p. 251-273, 1991. e Hardy, Palmer e Phillips (2000)HARDY, C.; PALMER, I.; PHILLIPS, N. Discourse as a strategic resource. Human Relations, v. 53, n. 9, p. 1.227-1.248, 2000. entendem os discursos, representados pelas práticas discursivas (materializadas em textos), como elementos fundamentais da realidade organizacional e determinantes na construção de estratégias. Por isso o modelo destaca sempre a interação texto↔contexto e autor↔leitor (CARDOSO; SANTOS; ALLOUFA, 2015CARDOSO, M. F.; SANTOS, A. C. B.; ALLOUFA, J. M. A. Sujeito, linguagem, ideologia, mundo: técnica hermenêutico-dialética para análise de dados qualitativos de estudos críticos em administração. Revista de Administração FACES Journal, v. 14, n. 2, p. 74-93, 2015.).

Aqui, mediante uma base epistemológica oriunda da “crítica das ideologias”, é necessário ponderar a utilização do conceito de práxis para além da concepção apresentada por Whittington (2006, p. 619)WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006., referindo-se: “[...] à atividade de fato, o que as pessoas fazem na prática”. Buscando uma proximidade maior com a concepção de Habermas e Ricoeur, em que ela ganha dimensões de ação transformadora, recorremos a Brito et al. (2014, p. 6)BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais... Rio de Janeiro, ANPAD, 2014., que, com Sánchez Vázquez, a qualifica como ação refletida: “[...] o contrário da visão existente que toma a estratégia como algo informado pela ideologia gerencial, a noção de estratégia como práxis procura considerar a prática de modo reflexivo” (BRITO et al., 2014BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais... Rio de Janeiro, ANPAD, 2014., p. 6) – reflexão essa que Habermas (1987)HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987. afirmava ser necessária para a hermenêutica. Ainda sobre a práxis, a abordagem aqui apresentada se liga à concepção de Shrivastava (1986, p. 372), “[...] em oposição à mera ação, ou mera teoria, a práxis é dialeticamente informada por considerações teóricas e visa alcançar mudanças práticas emancipadoras”. Fica apresentado que a práxis possui tanto um movimento hermenêutico e um movimento dialético, afinal, “[...] não há práxis no seu sentido pleno sem que pressuponha os horizontes do pensamento dialético e hermenêutico” (STEIN, 1987STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987., p. 44).

Em termos de sequência de desenvolvimento da pesquisa, indicamos três momentos de análise, delineadas com base em Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.: (i) momento sócio-histórico; (ii) momento formal/textual e (iii) momento de interpretação-reinterpretação (PHILLIPS; BROWN, 1993PHILLIPS, N.; BROWN, J. B. Analyzing communication in and around organizations: a critical hermeneutic approach. Academy of Management Journal, v. 36, p. 1.547-1.576, 1993.; MYRDEN; MILLS; MILLS, 2011MYRDEN, S. E.; MILLS, A. J.; MILLS, J. H. The gendering of Air Canada: a critical hermeneutic approach. Canadian Journal of Administrative Sciences, v. 28, n. 4, p. 440-452, 2011.). O primeiro momento enfatiza aspectos contextuais, o segundo textuais e o terceiro integra os dois dialeticamente. Relacionando ao esquema que propomos, o círculo interior (Figura 1) se refere ao momento formal (interpretação textual dos elementos textuais/discursivos), ao passo que o momento socio-histórico engloba, em nossa figura, o círculo central (contexto organizacional) e o mais externo (contexto sócio-histórico). Por fim, o terceiro momento (momento da interpretação-reinterpretação) são as idas e vindas em relação aos dois primeiros (movimento hermenêutico e movimento dialético). Nisso, o estudo pode iniciar-se do contexto em direção ao texto. Especialmente no que tange ao momento sócio-histórico, as análises podem ser guiadas por estudo das situações espaço-temporais, campos de interação, estrutura social e instituições sociais (THOMPSON, 2011THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). Além disso, para apresentar o contexto organizacional os pesquisadores podem recorrer à análise de narrativas da organização e da sua história (FENTON; LANGLEY, 2011FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.; KÜPERS; MANTERE; STATLER, 2013KÜPERS, W.; MANTERE, S.; STATLER, M. Strategy as storytelling: a phenomenological collaboration. Journal of Management Inquiry, v. 22, n. 1, p. 83-100, 2013.). Por fim, no que tange à parte textual, ou seja, aos textos estratégicos, no momento formal/textual pode-se recorrer ao estudo das suas relações intertextuais e interdiscursivas (CLARKE; KWON; WODAK, 2012CLARKE, I.; KWON, W.; WODAK, R. A context-sensitive approach to analysing talk in strategy meetings. British Journal of Management, v. 23, n. 4, p. 455-473, 2012.), bem como a análises semióticas, sintáticas e argumentativas (THOMPSON, 2011THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.).

No mais, os momentos e movimentos propostos não são rígidos, mas representam apenas uma forma dos leitores poderem nos seguir na apresentação da proposta (fundir horizontes no sentido de Gadamer) e construir, futuramente, pesquisas com a “aplicação” da hermenêutica crítica à SAP. A seguir, mediante etapas metodológicas (que se remetem aos momentos e movimentos), indicamos algumas possibilidades no que diz respeito à: (i) natureza e tipo de pesquisa; (ii) fonte de dados e coleta de dados; (iii) participantes da pesquisa; (iv) organização dos dados e (v) análise dos dados.

Sobre a natureza e tipo de pesquisa, destacamos a realização de pesquisas qualitativas ou métodos mistos, porém, indicamos que comumente os hermenêuticos (PAVÃO; SEHNEM; GODOI, 2011PAVÃO, Y. M. P.; SEHNEM, S.; GODOI, C. K. A postura hermenêutica nos estudos organizacionais brasileiros. Revista de Administração FACES Journal, v. 10, n. 4, p. 109-129, 2011.) e dialéticos aderem à natureza qualitativa/interpretativa, sendo coerentes com uma abordagem que se preocupe com os elementos envolvidos nos processos de interpretação de discursos, significados e contextos pelos atores sociais. No entanto, como até mesmo Habermas (2012)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012. apresenta, é possível utilizar mensurações de forma complementar, para apresentar, por exemplo, o contexto organizacional, social ou histórico. Tal proposição está de acordo com a orientação de estudos no campo da SAP que, conforme Seidl e Whittington (2014)SEIDL, D.; WHITTINGTON, R. Enlarging the strategy-as-practice research agenda: towards taller and flatter ontologies. Organization Studies, v. 35, n. 10, p. 1.407-1.421, 2014., tem evoluído essencialmente em torno de métodos qualitativos de pesquisa, embora os autores atentem para a possibilidade de métodos quantitativos de apoio.

Prasad (2002)PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002. indica dois sentidos para a hermenêutica: o primeiro, chamado “fraco”, refere-se à pesquisa qualitativa (quase como sinônimo), e o segundo (sentido “forte”) é utilizado considerando a abordagem como orientação epistemológica. Aqui, nossa proposta justamente segue essa segunda abordagem. Quanto ao tipo da pesquisa, seguimos Habermas (1997)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997., ao apresentar que as pesquisas podem ter por objetivo descrever, explicar ou analisar determinado fenômeno, embora as abordagens descritivas e interpretativas sejam mais aderentes à hermenêutica crítica. Adiante, lembramos novamente que Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. rompe também com a dicotomia entre explicação e interpretação.

Quanto às fontes e coleta de dados, destacamos que os dados podem ser coletados em fontes documentais das organizações, tais como textos institucionais, atas e slogans – em especial, destacamos a importância de estudar os planos estratégicos das organizações. Dados primários podem ser coletados por meio de entrevistas, observação participante, questionários, diários de campo, dentre outros – especialmente entrevistas em profundidade, narrativas e conversações (PINHEIRO, 2013PINHEIRO, O. G. Entrevista: uma prática discursiva. In: SPINK, M. J. (Org.). Práticas discursivas e produção dos sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. Rio de Janeiro: Edição Virtual, 2013. p. 156-187.; FENTON; LANGLEY, 2011FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.). Contudo, indicamos que são mais apropriadas pesquisas participativas, afinal, para Orlikowski (2010)ORLIKOWSKI, W. J. Engaging practice in research: phenomenon, perspective, and philosophy. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). The Cambridge handbook on strategy as practice. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2010. p. 23-33., determinadas práticas e práxis somente podem ser interpretadas com a participação do pesquisador na organização. Assim, Prasad (2002)PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002. destaca que a investigação hermenêutica (e também a dialética) requer que o pesquisador desenvolva uma familiaridade com os aspectos históricos do fenômeno de interesse. Habermas (2012)HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012. também destaca a importância de participar para interpretar o sentido das ações. Para Gadamer (1999)GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999., a interpretação é ontologicamente um fenômeno participativo (no sentido da fusão de horizontes). Além disso, indicamos também a importância de análises históricas, pois consoante Vizeu (2010, p. 46)VIZEU, F. Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 1, p. 37-47, 2010., a “análise do passado permite melhor observar o caráter ideológico das práticas e concepções prescritas no presente”.

De toda forma, as fontes de dados privilegiados para essa abordagem são textos (PRASAD, 2002PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002.). Alertamos com Minayo (2008, p. 2, grifo nosso) que o termo “texto” se refere aqui de forma ampla à “biografia, narrativa, entrevista, documento, livro, artigo, dentre outros”, nos quais as ideologias se materializam. Portanto, os textos são meios indicados para analisar os fenômenos ideológicos da estratégia e suas práticas. Adiante, destacando a importância dos textos, Prasad (2002)PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002. entende que eles não são produtos apenas de intenções individuais, mas resultados de tradições, forças socioculturais, preconceitos e ideologias. Além disso, conforme Ricoeur (1990)RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990., os textos apontam para algo além de si mesmo (abrem portas), e a leitura abre o processo dialógico de pergunta-resposta entre autor e intérprete (GADAMER, 1999GADAMER, H-G. Verdade e método. 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999.). Em termos críticos, a pesquisa em estratégia pode questionar valores e normas não declarados e posições ideológicas nos textos estratégicos (SHRIVASTAVA, 1986SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986.).

Além do exposto, a estratégia aparece como texto e, assim, como locus privilegiado: a “‘estratégia’ – como ‘o ambiente’ e ‘a organização’ – é uma construção, reproduzida por uma variedade de textos e práticas, que servem para dar significado ao mundo” (HARDY; PALMER; PHILLIPS, 2000, p. 1.229). Nesse escopo, o foco vai em direção à agenda proposta por Fenton e Langley (2011)FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011. para a SAP no âmbito da “virada narrativa”:

[...] examinar o conteúdo dos textos de estratégia para entender como elementos narrativos contribuem para sua persuasão e legitimação, examinar como interações entre múltiplos praticantes e stakeholders ligados aos textos de estratégia influenciam o modo como eles são escritos [...] examinar como e por que narrativas em textos de estratégia são consumidas por membros organizacionais, influenciando a trajetória da mesma

(FENTON; LANGLEY, 2011FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011., p. 1.190).

No que diz respeito aos participantes da pesquisa, os principais sujeitos dessa proposta consistem nos praticantes das estratégias, descritos por Whittington (2006)WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006. como todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o trabalho estratégico desenvolvido, ou seja, podem ser abordados funcionários de todos os níveis, consultores, gurus de negócios, etc. Consideramos que um possível diferencial da SAP sob a abordagem da hermenêutica crítica é “dar voz” a membros em posições hierárquicas mais baixas e com discursos contra-hegemônicos (VAARA, 2010bVAARA, E. Taking the linguistic turn seriously: strategy as a multifaceted and interdiscursive phenomenon. In: BAUM, J. A. C.; LANPEL, J. The globalization of strategy research. West Yorkshire: Emerald Group, 2010b. p. 29-50.). Essa questão se remete diretamente à chamada de trabalhos empíricos da SAP que, apesar dos avanços, ainda ocorre mais com atores do “topo” das organizações (WALTER; AUGUSTO, 2012WALTER, S. A.; AUGUSTO, P. O. M. Prática estratégica e strategizing: mapeamento dos delineamentos metodológicos empregados em estratégia como prática. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 11, n. 1, p. 131-142, 2012.).

Quanto à organização dos dados, não desejamos fechar as possibilidades (como também não é intenção nos itens anteriores). Indicamos que dados textuais e contextuais podem ser organizados e sistematizados com o auxílio de softwares (não há falta de coerência se isso for utilizado de forma ponderada), como o Atlas.ti, QSR NVivo e Weft QDA. Detidamente, destacamos que a utilização de softwares não representa uma análise final coerente com a proposta da hermenêutica crítica, mas apenas uma etapa que pode ser útil como aproximação por meio de “primeiros elementos”. Na nossa proposta os textos precisam ser “lidos” (condição essencial), pois, no processo hermenêutico, a leitura constitui-se de um prolongamento da própria escrita (VILLE; MOUNOUD, 2010VILLE, V. D. L; MOUNOUD, E. A narrative approach to strategy as practice: strategy making from texts and narratives. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 217-229.).

Por fim, a hermenêutica crítica e suas categorias analíticas (a proposta está aberta a diversas outras) representam uma proposta de análise e de desenvolvimento de pesquisas que pode ser aplicada em estudos empíricos, desde que se considerem tanto os seus aspectos epistemológicos quanto metodológicos e compreendendo tanto a hermenêutica quanto a crítica. A seguir, fechamos o artigo com uma síntese geral, limitações e agenda.

Considerações finais

O presente artigo apresentou uma abordagem epistemo-metodológica para o estudo dos elementos interpretativos e ideológicos presentes nos textos que constituem as estratégias por meio da perspectiva da hermenêutica crítica. Para tanto, revisamos as aproximações e distâncias entre as perspectivas de Gadamer, Habermas, Ricoeur e como elas contribuem para desvelar os fenômenos hermenêuticos e os aspectos que os distorcem nos processos de produção, reprodução e interpretação de textos estratégicos. Apresentamos as convergências e divergências que envolvem o debate Gadamer-Habermas (hermenêutica versus dialética/crítica), como foi sintetizado por Ricoeur, e consideramos a relevância da ideologia para as pesquisas no âmbito da estratégia como prática.

Seguindo o debate, observamos que Habermas reconhece a importância da hermenêutica de Gadamer, mas não aceita sua pretensão de universalidade, bem como a volta, para ele ingênua, dos conceitos de tradição, preconceito e autoridade. Para Habermas, a tradição precisa ser aceita baseada na reflexão, ou conforme posteriormente expressa, como externalizações que podemos dizer “sim ou não” (passíveis de criticidade). Gadamer, por outro lado, tem razão em dizer que nossa interpretação não pode ser considerada isenta de preconcepções, isto é, não pode querer ser “objetiva” nesse sentido. Indo além dos impasses, Ricoeur sustenta ambas as perspectivas, a da interpretação e a da crítica das ideologias. Para ele, a própria hermenêutica de Gadamer já tinha um momento de crítica, enquanto a crítica da ideologia também já é hermenêutica. Assim, temos uma hermenêutica crítica. Dessa forma, observamos neste texto que a hermenêutica e a dialética, apesar dos pontos de vista diferentes e considerando a universalidade de suas teses, se interpenetram (ROBERGE, 2011ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011.).

No contexto da SAP, destacamos como possibilidades de investigação, sob a lente da hermenêutica crítica, as relações entre interpretação, ideologia, tradição, preconceito, poder e outras diversas categorias; o status epistemológico das relações autor↔texto↔intérprete inseridos em seus contextos sócio-históricos e nos situamos em uma abordagem que compartilha elementos das matrizes crítica/dialética e hermenêutica. Em termos de posicionamento metodológico, indicamos a importância dos círculos críticos-hermenêuticos em dois movimentos interdependentes (hermenêutico e dialético/crítico) e três momentos (contextual/sócio-histórico; formal/textual e interpretação/reinterpretação) inspirados em Thompson (2011)THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.. Além disso, consideramos que os textos de estratégia emergem como “objetos” privilegiados de estudo. Quanto à natureza, tipo de pesquisa, fonte, coleta de dados e participantes da pesquisa destacamos uma diversidade de possibilidades, desde que estas considerem os momentos interpretativos e ideológicos presentes na estratégia e suas práticas.

Por fim, remetemo-nos ao título e consideramos que as “caixas-pretas” do “fazer estratégia” se referem às ideologias, comunicações distorcidas e deformações que “escurem” os processos de interpretação e crítica. A hermenêutica crítica é apresentada como possibilidade de “lançar luz” sobre esses fenômenos, de um “lugar” que pauta sua coerência em uma crítica que é hermenêutica e uma hermenêutica que é crítica.

Como limitações e possibilidades de pesquisa, destacamos que essa abordagem aplicada à SAP pode enfrentar críticas de outras correntes teóricas oriundas de Jean-François Lyotard, Michel Foucault e Jacques Derrida. Nesse sentido, em trabalhos futuros os diálogos podem ser ampliados no intuito de construirmos novas possibilidades de pesquisa. Consideramos que a hermenêutica crítica podem ser ampliada em conjunto com outras técnicas e epistemologias, sendo possível desenvolver pesquisas reconstrutivas e reconstruções epistêmicas (PAES DE PAULA, 2015PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.). Nessa linha, essa abordagem permite realizar reconstruções entre a própria hermenêutica crítica e a análise de discurso crítica, seguindo os caminhos indicados por Bell (2011)BELL, A. Re-constructing Babel: discourse analysis, hermeneutics and the Interpretative Arc. Discourse Studies, v. 13, n. 5, p. 519-568, 2011.. Indicamos também a possibilidade de ampliar as contribuições de Thompson e sua hermenêutica de profundidade. Além disso, podemos explorar como a hermenêutica crítica nos possibilita compreender fenômenos como a identidade dos estrategistas, conflitos interpretativos e seus impactos no direcionamento das estratégias, bem como a construção das estratégias mediante narrativas. Finalmente, é possível averiguar a ideia apresentada por Shrivastava (1986)SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986. da “estratégia como práxis”.

Caminhando para o final, lembramos com Ricoeur (1990, p. 94, grifo nosso) que “[...] a crítica das ideologias é uma tarefa que devemos sempre começar, mas que, por princípio, não podemos concluir” – devemos estar sempre em processo dialético-hermenêutico. No mais, dialogicamente (na acepção de Gadamer), toda pesquisa é “um processo de entendimento mútuo – virtual ou actual – [no qual] não há nada que permita decidir a priori quem tem de aprender de quem” (HABERMAS, 1989HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989., p. 43, grifo nosso). Por fim, sobre o debate virtual realizado, não queremos ter a última palavra e deixamos uma passagem de Habermas (1987, p. 85, grifo nosso): “[...] eu não quero ficar com a última palavra. Gadamer é o primeiro a acentuar o caráter aberto do diálogo. Dele todos nós podemos aprender a sabedoria fundamental hermenêutica de que é uma ilusão achar que alguém possa ficar com a última palavra”.

Referências

  • ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • BALOGUN, J. et al. Placing strategy discourse in context: sociomateriality, sensemaking e power. Journal of Management Studies, v. 51, n. 2, p. 175-201, 2014.
  • BATISTA, M. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica e Sociedade, v. 2, n. 1, p. 101-118, 2012.
  • BELL, A. Re-constructing Babel: discourse analysis, hermeneutics and the Interpretative Arc. Discourse Studies, v. 13, n. 5, p. 519-568, 2011.
  • BRITO, M. J. et al. Proposta teórico-metodológica para o estudo da estratégia como prática social: uma abordagem construcionista. In: ENCONTRO DA ANPAD, 38., 2014, Anais.. Rio de Janeiro, ANPAD, 2014.
  • BUISSON, F. How do investors communicate with innovators such as “Geeks“? A case study of HackFwd. International Journal of Arts Management, v. 16, n. 3, p. 20-32, 2014.
  • CARDOSO, M. F.; SANTOS, A. C. B.; ALLOUFA, J. M. A. Sujeito, linguagem, ideologia, mundo: técnica hermenêutico-dialética para análise de dados qualitativos de estudos críticos em administração. Revista de Administração FACES Journal, v. 14, n. 2, p. 74-93, 2015.
  • CHIAPELLO, E.; FAIRCLOUGH N. Understanding the new management ideology: a transdisciplinary contribution from critical discourse analysis and the new sociology of capitalism. Discourse & Society, v. 13, n. 2, p. 185-208, 2002.
  • CLARKE, I.; KWON, W.; WODAK, R. A context-sensitive approach to analysing talk in strategy meetings. British Journal of Management, v. 23, n. 4, p. 455-473, 2012.
  • DURÃO, A. B.; DURÃO, A. B. A. B. Habermas sobre a comunicação sistematicamente distorcida. Revista de Filosofia, v. 24, n. 34, p. 23-48, 2012.
  • EAGLETON, T. Ideologia São Paulo: Unesp, 1997.
  • ERICSON, M. On the dynamics of fluidity and open-endedness of strategy process toward a strategy-as-practicing conceptualization. Scandinavian Journal of Management, v. 30, p. 1-15, 2014.
  • ERICSON, M.; MELIN, L. Strategizing and history. In: GOLSORKHI D. et al. Cambridge handbook of strategy as practice Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 326-343.
  • FENTON, C.; LANGLEY, A. Strategy as practice and the narrative turn. Organization Studies, v. 32, n. 9, p. 1.171-1.196, 2011.
  • FORNÄS, J. The dialectics of communicative and immanent critique. TripleC: Communication, Capitalism & Critique, v. 11, n. 2, p. 504-514, 2013.
  • FREITAG, B. Dialogando com Jürgen Habermas Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005.
  • GADAMER, H-G. Verdade e método II: complementos e índice. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • GADAMER, H-G. Verdade e método 3. ed. Petrópoles: Vozes, 1999.
  • GOLSORKHI, D. et al. Introduction: what is strategy as practice? In: GOLSORKHI, D. et al. (Org.). Cambridge Handbook of Strategy as Practice 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
  • GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 67-80.
  • HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
  • HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987.
  • HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
  • HABERMAS, J. Passado como futuro Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
  • HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
  • HARDY, C.; PALMER, I.; PHILLIPS, N. Discourse as a strategic resource. Human Relations, v. 53, n. 9, p. 1.227-1.248, 2000.
  • HENRIQUES, F. Habermas e Ricoeur sobre a hermenêutica ou uma convergência divergente. In: ROCHA-CUNHA, S. (Ed.). Habermas: política e mundo da vida na transição do século XXI. Évora: Instituto Superior Económico e Social, 2010. p. 20-32.
  • HUTTON, C.; LIEFOOGHE, A. Mind the gap: revisioning organization development as pragmatic reconstruction. Journal of Applied Behavioral Science, v. 47, n. 1, p. 76-97, 2011.
  • JARZABKOWSKI, P.; BALOGUN, J.; SEIDL, D. Strategizing: the challenges of a practice perspective. Human Relations, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.
  • JARZABKOWSKI, P.; SEIDL, D. The role of strategy meetings in the social practice of strategy. Organization Studies, v. 29, n. 11, p. 1.391-1.426, 2008.
  • JARZABKOWSKI, P.; SPEE, A. P. Strategy-as-practice: a review and future directions for the field. International Journal of Management Reviews, v. 11, n. 1, p. 69-95, 2009.
  • KNIGHTS, D.; MORGAN, G. Strategic discourse and subjectivity: towards a critical analysis of corporate strategy in organizations. Organization Studies, v. 12, n. 3, p. 251-273, 1991.
  • KÜPERS, W.; MANTERE, S.; STATLER, M. Strategy as storytelling: a phenomenological collaboration. Journal of Management Inquiry, v. 22, n. 1, p. 83-100, 2013.
  • MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1996.
  • MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S.; GOMES, S. F. D. R. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
  • MYRDEN, S. E.; MILLS, A. J.; MILLS, J. H. The gendering of Air Canada: a critical hermeneutic approach. Canadian Journal of Administrative Sciences, v. 28, n. 4, p. 440-452, 2011.
  • ORLIKOWSKI, W. J. Engaging practice in research: phenomenon, perspective, and philosophy. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). The Cambridge handbook on strategy as practice Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2010. p. 23-33.
  • PAES DE PAULA, A. P. Para além dos paradigmas nos estudos organizacionais: o círculo das matrizes epistemológicas. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 4., 2014, Florianópolis. Anais.. Florianópolis: UFSC, 2014.
  • PAES DE PAULA, A. P. Repensando os estudos organizacionais: por uma nova teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.
  • PAGÈS, M. et al. O poder das organizações São Paulo: Atlas, 1987.
  • PAVÃO, Y. M. P.; SEHNEM, S.; GODOI, C. K. A postura hermenêutica nos estudos organizacionais brasileiros. Revista de Administração FACES Journal, v. 10, n. 4, p. 109-129, 2011.
  • PEDERSEN, J. Habermas’ method: rational reconstruction. Philosophy of the social sciences, v. 38, p. 457-485, 2008.
  • PHILLIPS, N.; BROWN, J. B. Analyzing communication in and around organizations: a critical hermeneutic approach. Academy of Management Journal, v. 36, p. 1.547-1.576, 1993.
  • PIERCEY, R. Ricoeur’s account of tradition and the Gadamer-Habermas debate. Human Studies, v. 25, n. 3, p. 259-280, 2004.
  • PINHEIRO, O. G. Entrevista: uma prática discursiva. In: SPINK, M. J. (Org.). Práticas discursivas e produção dos sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. Rio de Janeiro: Edição Virtual, 2013. p. 156-187.
  • PINZANI, A. Habermas São Paulo: Artmed, 2009.
  • PRASAD, A. The contest over meaning: hermeneutics as an interpretive methodology for understanding texts. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 12-33, 2002.
  • RICOEUR, P. The model of the text: meaningful action considered as a text. Social Research, v. 38, n. 3, p. 529-562, 1971.
  • RICOEUR, P. Ideologia e utopia Lisboa: Edições 70, 1986.
  • RICOEUR, P. Interpretação e ideologias Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
  • ROBERGE, J. What is critical hermeneutics? Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 5-22, 2011.
  • SAMRA-FREDERICKS, D. Strategic practice, ‘discourse’ and the everyday constitution of ‘power effects’. Organisation, v. 12, n. 6, p. 803-841, 2005.
  • SEIDL, D. General strategy concepts and the ecology of strategy discourses: a systemic-discursive perspective. Organization Studies, v. 28, n. 2, p. 197-218, 2007.
  • SEIDL, D.; WHITTINGTON, R. Enlarging the strategy-as-practice research agenda: towards taller and flatter ontologies. Organization Studies, v. 35, n. 10, p. 1.407-1.421, 2014.
  • SHRIVASTAVA, P. Is strategic management ideological? Journal of Management, v. 12, n. 3, p. 363-377, 1986.
  • SILVA, R. Linguagem e ideologia: embates teóricos. Linguagem em (Dis)curso, v. 9, n. 1, p. 157-180, 2009.
  • SPEE, A. P.; JARZABKOWSKI, P. Strategic planning as communicative process. Organization, v. 32, n. 9, p. 1.217-1.245, 2011.
  • STEIN, E. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia sobre o método da filosofia. Síntese, n. 29, p. 21-48, 1987.
  • THOMAS, P. Ideology and the discourse of strategic management: a critical research frame-work. Electronic Journal of Radical Organization, v. 4, n. 1, p. 1-16, 1998.
  • THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
  • TURETA, C.; LIMA, J. B. Estratégia como prática social: o estrategizar em uma rede interorganizacional. Revista de Administração Mackenzie, v. 12, n. 6, p. 76-108, 2011.
  • VAARA, E. Critical discourse analysis as methodology in strategy as practice research. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice Cambridge: Cambridge University Press, 2010a. p. 217-229.
  • VAARA, E. Taking the linguistic turn seriously: strategy as a multifaceted and interdiscursive phenomenon. In: BAUM, J. A. C.; LANPEL, J. The globalization of strategy research West Yorkshire: Emerald Group, 2010b. p. 29-50.
  • VAARA, E.; KLEYMAN, B.; SERISTO, H. Strategies as discursive constructions: the case of airline Alliances. Journal of Management Studies, v. 41, n. 1, p. 1-35, 2004.
  • VAARA, E.; WHITTINGTON, R. Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 285-336, 2012.
  • VENKATESWARAN, R. T.; PRABHU, G. N. Taking stock of research methods in strategy-as-practice. The Electronic Journal of Business Research Methods, v. 8, n. 2, p. 156-162, 2010.
  • VIANA, M. F.; COSTA, A. P.; BRITO, M. J. A hermenêutica crítica e estudos em marketing: aproximações e possibilidades. Organização & Sociedade, v. 23, n. 76, p. 92-109, 2016.
  • VILLE, V. D. L; MOUNOUD, E. A narrative approach to strategy as practice: strategy making from texts and narratives. In: GOLSORKHI, D. et al. (Ed.). Cambridge handbook of strategy as practice Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 217-229.
  • VIZEU, F. Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 1, p. 37-47, 2010.
  • WALTER, S. A.; AUGUSTO, P. O. M. Prática estratégica e strategizing: mapeamento dos delineamentos metodológicos empregados em estratégia como prática. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 11, n. 1, p. 131-142, 2012.
  • WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.
  • WHITTINGTON, R. Strategy as practice. Long Range Planning, v. 29, n. 5, p. 731-735, 1996.
  • ŽIŽEK, S. Um mapa da ideologia Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
  • ZWICK, E.; SILVA, I. C.; BRITO, M. J. Estratégia como prática social e teoria da ação comunicativa: possíveis aproximações teóricas. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, n. 3, p. 384-400, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2015
  • Aceito
    21 Jun 2016
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br