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Criatividade na ação política

Creativity in political action

Resumo

A energia da resistência criativa pode descortinar ao pesquisador em Administração e em Estudos Organizacionais vários horizontes e várias possibilidades de teorização relevantes para estimular a prática. Como poderíamos pensar de forma mais estruturada a criatividade como fonte para protestar, subverter e resistir? Como a criatividade poderia abrir novos caminhos para pensar a ação política e crítica em nosso campo de pesquisa? Será que a criatividade poderia ser uma via de resistência ao status quo e abrir caminhos inovadores para teorizarmos sobre a governança climática urbana?

Palavras-chave:
Criatividade; Ação Política; Resistência Criativa; Governança Climática Urbana

Abstract

Creative resistance energy can reveal to researchers of management and organizational studies several horizons and many possibilities for relevant theorization to stimulate practice. How can creativity be more structured as a means to protest, subvert and resist? How could creativity open up new ways of thinking about political and critical action in our field of research? Could creativity be a way of resisting the status quo and opening innovative paths for theorizing about urban climate governance?

Keywords:
Creativity; Political Action; Creative Resistance; Urban Climate Governance

A criatividade se tornou um foco atraente de muitas atenções na contemporaneidade. Trabalho, organização e economia são estudados cada vez mais em relação à questão da criatividade (por exemplo, Jones, Lorenzen, & Sapsed, 2015Jones, C., Lorenzen, M., & Sapsed, J. (Eds.). (2015). The Oxford handbook of creative industries. Oxford: Oxford University Press.; Moeran & Christensen, 2013Moeran, B., & Christensen, B. T. (Eds.). (2013). Exploring creativity: Evaluative practices in innovation, design, and the arts. Cambridge: Cambridge University Press.; Townley & Beech, 2010Townley, B., & Beech, N. (Eds.). (2010). Managing creativity: Exploring the paradox. Cambridge: Cambridge University Press .). Entretanto, a criatividade da ação humana envolve tanto expressão, comunicação e produção quanto subversão, revolução e reconstrução (Joas, 1996Joas, H. (1996). The creativity of action. Chicago: University of Chicago Press.; Mould, 2016Mould, O. (2016). Urban subversion and the creative city. London: Routledge.; Negus & Pickering, 2004Negus, K., & Pickering, M. J. (2004). Creativity, communication and cultural value. London: Sage Publications.). Ora, constatamos que a criatividade é pouco estudada como ação política. Encontramos visões da criatividade que destacam a lógica da dialética (George, 2007George, J. M. (2007). Dialectics of creativity in complex organizations. In T. Davila, M. J. Epstein, & R. Shelton (Eds.), The creative enterprise: Managing innovative organizations and people (pp. 1-15). Westport: Praeger.), o discurso nas relações de poder (Tuori & Vilén, 2011Tuori, A., & Vilén, T. (2011). Subject positions and power relations in creative organizations: Taking a discursive view on organizational creativity. Creativity and Innovation Management, 20(2), 90-99. doi:10.1111/j.1467-8691.2011.00596.x
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), a imaginação radical (Komporozos-Athanasiou & Fotaki, 2014Komporozos-Athanasiou, A., & Fotaki, M. (2014). Re-theorizing organizational creativity through a psychosocial lens: Introducing the radical imagination of Cornelius Castoriadis. In K. Kenny, & M. Fotaki (Eds.), The psychosocial and organization studies: Affect at work (pp. 60-82). London: Palgrave MacMillan.) e o seu caráter coletivo e sociocultural (Glăveanu, 2014Glăveanu, V. P. (2014). Distributed creativity: Thinking outside the box of the creative individual. Cham: Springer.). Todavia, como poderíamos pensar de forma mais estruturada a criatividade como fonte para protestar, subverter e resistir? Como a criatividade poderia abrir novos caminhos para pensar a ação política e crítica nos Estudos Organizacionais e na área de Administração?

Uma das ações políticas bem pesquisadas pelas Ciências Sociais e pela Administração é a resistência. Resistir implica criar outras possibilidades diante do que nos foi fornecido ou apresentado como prescrição dos nossos modos de agir, de nossas formas de organizar. Conforme discute Deleuze (2005Deleuze, G. (2005). Foucault. São Paulo (SP): Editora Brasiliense.), resistir apresenta-se como espaço da diferença, da variação e da metamorfose. Quando resistimos, não estamos apenas questionando aparatos homogeneizadores da sociedade, mas estamos criando outro “organizar” para que seja possível (re)existir.

Do ponto de vista coletivo, podemos considerar como resistência o reconhecimento das possibilidades das diferenças em nosso “organizar”. Historicamente, esse reconhecimento da diferença tem se constituído a partir de uma lógica de dicotomia por oposição (Collins, 2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. doi:10.1590/S0102-69922016000100006
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). Então, as diferenças não são entendidas como complementares no campo das possibilidades do existir, mas inerentemente opostas e intrinsicamente instáveis umas às outras (Collins, 2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. doi:10.1590/S0102-69922016000100006
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). Uma via de solução que tem sido utilizada para equacionar essa instabilidade é a constituição de “relações hierárquicas que se enredam com economias políticas de dominação e subordinação” (p. 109). A ação política a essas instabilidades que medeiam e constituem organizações é a resistência. Resistir a elas não significa reformá-las, pois isso implicaria estabilizar seus mecanismos de dominação e de subordinação (Foucault, 2001Foucault, M. (2001). Estética: Literatura e pintura, música e cinema (Ditos & Escritos, Vol. III). Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária.). Resistir é desestabilizar essa lógica dicotômica que se sustenta a partir de hierarquias de elementos que são considerados inerentemente opostos, onde brancos dominam negros, homens dominam mulheres, razão domina emoção, sujeitos dominam objetos (Collins, 2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. doi:10.1590/S0102-69922016000100006
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). Ao desestabilizar essa lógica dicotômica de dominação, temos a oportunidade de criar outras possibilidades de organizar.

É nesse sentido que a criatividade tem relação direta com a resistência. Criar é produzir algo para subverter e desestabilizar, ter uma postura ativa ante o que nos foi prescrito. Se a prescrição é nos enredarmos em uma lógica que coloca a diferença em uma posição de subordinação, o que nos cabe é ativar a criatividade para resistir. Trata-se de estabelecer diferentes modos de organizar, reconhecendo o caráter transversal - não dicotômico por oposição - da produção de conhecimento e, enfaticamente, de nossas (re)existências coletivas e organizativas.

A criatividade como fonte de ação política é uma trilha relevante para teorizar o futuro dos Estudos Organizacionais e da administração. Dessa forma, instiga pesquisadores a mergulharem no estímulo empírico e no detalhamento conceitual. Trata-se de uma trilha que pode estimular vários campos, como o da gestão do meio ambiente e da sustentabilidade. As mudanças climáticas representam um desafio incontornável que exige mobilização de resistência criativa para pensar e resolver o futuro da humanidade. Depois de mais de uma década de vigência do Protocolo de Kyoto, um dos primeiros e mais controversos instrumentos da governança global do clima (Ventura, Farias, Paiva, Gomes, & Andrade, 2015Ventura, A. C., Farias, L. G. Q., Paiva, D. S., Gomes, G. A. M. M., & Andrade, J. C. S. (2015). Carbon market and global climate governance: Limitations and challenges. International Journal of Innovation and Sustainable Development, 9(1), 28-47. doi:10.1504/IJISD.2015.067347
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), pouquíssimos avanços práticos foram alcançados. Permanecemos em um estado de emissão significativa de gases de efeito estufa e o clima segue sofrendo alterações expressivas, causando sérios riscos a toda a sociedade, em especial às comunidades mais vulneráveis.

Por muito tempo, acreditou-se que o principal ator a desempenhar papéis relevantes em relação a essa problemática fossem os Estados-nação. No entanto, verificamos a insuficiência de suas ações no sentido de garantir mudanças efetivas. Assim, as pesquisas passaram a migrar para o papel das cidades, em algo que vem sendo denominado de governança climática urbana (Fuhr, Hickman, & Kern, 2018Fuhr, H., Hickmann, T., & Kern, K. (2018). The role of cities in multi-level climate governance: Local climate policies and the 1.5 °C target. Current Opinion in Environmental Sustainability, 30, 1-6. doi:10.1016/j.cosust.2017.10.006
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; Wu et al., 2018Wu, F., Geng, Y., Tian, X., Zhong, S., Wu, W., Yu, S. & Xiao, S. (2018). Responding climate change: A bibliometric review on urban environmental governance. Journal of Cleaner Production, 204, 344-354. doi:10.1016/j.jclepro.2018.09.067
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). Não obstante já haver um número relevante de artigos sobre a temática em âmbito mundial, muito pouco vem sendo pesquisado no Brasil. Considerando-se as peculiaridades de nosso país, entendemos que teríamos muito a contribuir, tanto para a formulação de políticas públicas locais, regionais, nacionais e internacionais quanto para auxiliar os tomadores de decisão e os gestores de empresas, governos e organizações do terceiro setor. Será que a criatividade poderia ser uma via de resistência ao status quo e abrir caminhos inovadores para teorizarmos sobre a governança climática urbana?

Somos um dos países que já está sofrendo e ainda sofrerá os efeitos das mudanças climáticas (Nobre, 2018Nobre, C. (2018). Uma reflexão sobre mudanças climáticas, riscos para a agricultura brasileira e o papel da Embrapa. Olhares para 2030: Desenvolvimento sustentável. Recuperado de https://bit.ly/2UdRzVh
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). Por conta de nossas desigualdades sociais abissais, detemos algumas das populações mais vulneráveis do mundo. Estas populações vem expressando incontáveis amostras do que é (re)inventar, (re)organizar e (re)existir entre os inúmeros problemas enfrentados, que vão desde como garantir a sobrevivência mínima diante da escassez de alimentos e condições mínimas de habitação, até como se organizar de forma criativa, com base na colaboração mútua, para minimizar problemas existentes e maximizar as oportunidades pujantes. A visão de futuro é que temos muito a aprender sobre como resistir criativamente no desafio da governança climática urbana. Teorizações relevantes poderiam nos auxiliar, por exemplo, a incorporar o saber popular nas estratégias de governança ou em como fortalecer as estruturas sociais urbanas, formais e não formais, para atuar de forma coordenada ante as mudanças climáticas.

A energia da resistência criativa pode descortinar ao pesquisador em Administração e em Estudos Organizacionais vários horizontes e várias possibilidades de teorização relevante para estimular a prática.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020
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