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Análise crítico-emancipatória de discurso: um ensaio metodológico

Critical emancipatory discourse analysis: a methodological essay

Resumo

Neste ensaio metodológico propomos uma abordagem crítico-emancipatória para análise de discurso (AC-ED) sob os contributos da hermenêutica e da epistemologia lacaniana. Consideramos que esse tipo de análise se trata de um proceder interpretativo epistemologicamente orientado, em relação ao qual a discussão sobre protocolos procedimentalistas não é central. Pelo aparato meta-analítico da AC-ED, argumentamos em favor da virtude da consciência do(a) pesquisador(a) sobre o próprio discurso científico, o que lhe torna mais vigilante em relação a sua postura analítica e, consequentemente, sua postura emancipatória em relação à realidade. Desenvolvemos nosso argumento apreciando a polissemia do termo emancipação, exemplificada a partir diferentes paradigmas versados em análises críticas de discurso: da produção, da comunicação e da linguagem. Construída a partir do paradigma da linguagem, sinalizamos o potencial da AC-ED como uma proposta meta-reflexiva para desenvolvimento de análise de discurso no campo social.

Palavras-chave:
Análise Crítico-Emancipatória de Discurso; Ensaio Metodológico; Hermenêutica Crítica; Postura do(a) Pesquisador(a)

Abstract

This methodological essay is a proposal of a critical-emancipatory approach to discourse analysis (CE-DA), supported by hermeneutics and Lacanian epistemology. We consider this type of analysis as an interpretative procedure, which is epistemologically oriented. In doing so, we found the discussions of procedural protocols as an unfruitful debate. With the meta-analytical apparatus of the CE-DA, we argue in favor of the virtue of the researchers’ conscience about the very scientific discourse, which makes them more vigilant on their analytical posture and, consequently, their emancipatory posture in relation to the reality. Our argument is developed by appreciating the polysemy of the term emancipation, exemplified from different paradigms versed in critical discourse analyses: production, communication, and language. Constructed based on the language paradigm, we highlight the potential of CE-DA as a meta-reflexive proposal to develop discourse analysis in the social field.

Keywords:
Critical Emancipatory Discourse Analysis; Methodological Essay; Critical Hermeneutics; Researchers’ Posture

Introdução

À medida que a pesquisa sociológica contemporânea se serve de fundamentações filosóficas para dar respostas aos problemas sociais, é fortalecido o potencial das abordagens qualitativas enquanto uma forma de transformação do mundo (Denzin & Lincoln, 2005Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2005). Introduction. In Handbook of qualitative research (3a ed., pp. 1-32). Thousand Oaks: Sage .). No campo sociológico, são notórios os ganhos analíticos frutos dos diálogos com a filosofia quando tratamos de questões subjetivas e abstratas - como é o caso do discurso -, questões essas cujas complexidades escapam do alcance das epistemologias mais objetivistas, em geral herdeiras do positivismo científico.

Dentre as premissas filosóficas que sustentam o objetivismo, destacam-se a presunção de neutralidade da prática científica ao analisar fenômenos sociais e a crença de que uma pretensa precisão obtida por meio da generalização matemática que irá acarretar maior controle desses fenômenos (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.). No debate sobre a crise do pensamento social, essas premissas são consideradas limitadas, até mesmo equivocadas, tendo em conta que, ao importar o estatuto de ciências naturais para compreender os fenômenos sociais, assumem que a sociedade tem os mesmos princípios estáveis de relações causais das coisas da natureza; ou seja, por este viés, o pensamento social positivista perde a capacidade de compreender a singularidade histórica de seus fatos (Horkheimer, 2000Horkheimer, M. (2000). Teoria tradicional y teoria critica. Barcelona: Paidós .).

Contudo, o século XX é um ponto de inflexão para refletirmos radicalmente sobre a limitação da racionalidade da ciência positivista em relação aos problemas sociais que se evidenciaram com a modernidade. Entre avanços tecnológicos e tragédias humanitárias daquele século, Demo (1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.) nos lembra que a mesma técnica científica pela qual se construiu o progresso moderno, subsidiou-se também objetivos destrutivos. Nesse sentido, Bauman (1998Bauman, Z. (1998). Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. ) denuncia que foi pela razão técnica que se construíram os aparatos genocidas operados na Segunda Guerra Mundial. Tendo em vista esse fracasso da razão moderna no intento de construção de um mundo sem contradições, torna-se ainda mais relevante a função atual das pesquisas qualitativas, especialmente aquelas sustentadas sob matrizes epistemológicas que oferecem uma via alternativa, em relação ao objetivismo positivista, para a construção de respostas aos problemas sociais de nossa época.

É assim que vemos um grande número de abordagens qualitativas teoricamente fundamentadas fora do esquadro epistemológico positivista (Becker, 1993Becker, F. (1993). Ensino e construção do conhecimento: O processo de abstração reflexionante. Educação e Realidade, 18(1), 43-53.; Burrell & Morgan, 1979Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organizational analysis. London: I-Ieinemann.; Creswell, 1994Creswell, J. W. (1994). Research design: Qualitative and quantitative approaches sage. Thousand Oaks: Sage.; Minayo, 1993Minayo, M. C. S. (1993). O desafio do conhecimento (2a ed.). São Paulo, SP: Hucitec.). Essa distinção entre as epistemologias objetivistas e as subjetivistas e, consequentemente, entre seus respectivos alcances e propósitos, convida os(as) pesquisador(as) a adotar uma postura mais consciente em relação ao potencial transformador da pesquisa qualitativa. Em especial, entendemos que as abordagens da tradição hermenêutica e crítica consolidam a função transformadora da ciência pelo estreitamento da relação entre a produção de conhecimento e as mudanças sociais (Carspecken, 2011Carspecken, P. F. (2011). Pesquisa qualitativa crítica: conceitos básicos. Educação & Realidade, 36(2), 395-424.; Habermas, 1987Habermas, J. (1987). The theory of communicative action , volume 2: Lifeworld and system: A critique of functionalist reason. Boston: Beacon .).

Por outro lado, o crescimento de abordagens metodológicas alternativas ao positivismo também se deve à própria busca por parte dos pesquisadores por um maior engajamento do meio acadêmico nas questões prementes aos dias de hoje. Ou seja, a busca pela superação de problemas sociais de nosso tempo fomenta uma postura mais engajada por parte dos pesquisadores (Denzin & Lincoln, 2005Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2005). Introduction. In Handbook of qualitative research (3a ed., pp. 1-32). Thousand Oaks: Sage .), mas com o desafio de construir procederes metodológicos sob uma postura menos ingênua, evitando travas a este engajamento, como a utilização de protocolos qualitativos de forma irreflexiva sob a crença da neutralidade analítica ou ainda, a contradição de conhecer os problemas sociais sem enfrentá-los (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.). Nesse sentido, a prática da pesquisa deve incluir o intento transformador, preocupações sobre seus impactos nos contextos investigados, a intenção de se comunicar com a sociedade de forma inteligível, entre outros elementos necessários para promoção de mudanças sociais.

Dentro deste contexto de reflexões sobre o arcabouço metodológico qualitativo em ciências sociais, as análises de discurso têm figurado entre os procederes de maior importância para as pesquisas de orientação crítica. A Análise de Discurso, em sentido amplo, é uma modalidade que comporta uma multiplicidade de práticas que fomentam um intenso debate - nem sempre convergente - sobre a essência comum a esses procederes analíticos (Orlandi, 2003Orlandi, E. P. (2003). A análise de discurso em suas diferentes tradições intelectuais: O Brasil. Seminário de Estudos Em Análise de Discurso, 1, 8-18.). Dentre suas distintas variações, uma vertente que tem sido adotada pelos pesquisadores engajados na promoção de mudança social é a das análises de discurso de orientação crítica. Essa modalidade se estabeleceu a partir dos anos 1990 no campo acadêmico como técnica analítica pluralista no sentido de que é constituída a partir das contribuições de diferentes campos do conhecimento (Forchtner, 2011Forchtner, B. (2011). Critique, the discourse-historical approach, and the Frankfurt School. Critical Discourse Studies, 8(1), 1-14, 2011. doi:10.1080/17405904. 2011.533564
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), como por exemplo, a linguística, a psicanálise e as abordagens marxistas e neomarxistas (McKenna, 2004McKenna, B. (2004). Critical discourse studies: Where to from here? Critical Discourse Studies, 1(1), 9-39.; Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.).

Pela natureza qualitativa das análises de discurso críticas e consequente influência de diferentes premissas epistemológicas subjetivistas, os pesquisadores que se valem dessa modalidade metodológica visam apreender elementos subjetivos da vida social, explorando significados e sentidos para além da visão hegemônica de nossa sociedade, e em favor de outras vozes suprimidas pelas condições históricas de dominação e consequentes assimetrias de poder. Por isso mesmo, a busca por outras interpretações sobre um dado contexto representa uma prática que norteia diferentes formas de Análise de Discurso, e, em certo sentido, subentendem a constatação de uma pluralidade de interpretações e visões de mundo que é devedora da hermenêutica crítica, corrente aqui representada por Ricoeur (2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Esse talvez seja um dos grandes contributos do interpretativismo em estudos que “buscam soluções para as questões que realçam o modo como a experiência social é criada e adquire significados” (Denzin; Lincoln, 2006Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: Teorias e abordagens (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed., p. 23).

Nosso objetivo é fornecer aos(às) analistas de discurso uma proposta de análise de discurso crítica que denominamos Análise Crítico-Emancipatória do Discurso (AC-ED), fundada no paradigma interpretativista, edificado sob a hermenêutica crítica e centrado na consciência do discurso onto-epistemológico dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Esta proposição meta-analítica tem como objetivo amparar reflexões sobre os desdobramentos práticos que os diferentes sentidos para o termo emancipação causam, particularmente, em duas diferentes dimensões: (1) na postura do(a) analista de discurso - desde a percepção do(a) pesquisador(a) sobre si no mundo - condicionada por um discurso histórico de Verdade (Foucault, 2016Foucault, M. (2016). Subjetividade e verdade: Curso no collège de France (1980-1981). São Paulo, SP: Martins Fontes.), onde se deve incluir o discurso científico; e (2) na elaboração da análise sobre um discurso outro - o discurso objeto de um estudo científico - observado neste paradigma como um processo dialógico interdiscursivo e que, consequentemente, elege maior importância ao sujeito “em análise” como agente de construção na produção do conhecimento.

Como ressaltam Denzin e Lincoln (2006Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: Teorias e abordagens (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.), a estratégia de pesquisa fundamentada na hermenêutica crítica busca auxiliar os sujeitos a situarem-se nas estruturas sócio-históricas estabelecidas e, conseguintemente, a compreenderem seus efeitos na sua própria interpretação. Desse modo, entendemos que a transformação social é uma consequência da tomada de consciência dos sujeitos em relação à ordem da linguagem que os constitui, ou seja, em relação à sua própria ideologia (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Dito de outro modo, ao compreender nossa própria condição de sujeito que interpreta e produz discursos situados em um contexto histórico específico e relativo, somos capazes de interromper o efeito dominador da ideologia: a planificação do imaginário (Žižek, 2013Žižek, S. (2013). O espectro da ideologia. In S. Žižek et al. (Org.), Um mapa da ideologia (pp. 7-39). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

O elemento central de nossa proposição é a postura analítica do(a) pesquisador(a), que deve concordar com as filiações epistemológicas, fazendo do proceder analítico pretendido em uma análise de discurso crítica mais do que o cumprimento de um protocolo formal. A análise de discurso deve ser pensada a partir de um proceder interpretativo epistemologicamente orientado com vistas a promover mudança social. Neste sentido, o intento emancipatório, central entre correntes de análises de discurso críticas (Alvesson & Willmott, 1992Alvesson, M., & Willmott, H. (1992). On the idea of emancipation in management and organizations studies. Academy of Management Review, 17(3), 432-464. doi:10.5465/AMR.1992.4281977
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), se estabelece como um objetivo em torno do qual são elaborados os procederes metodológicos de tais análises.

A principal vantagem da AC-ED é o amparo aos pesquisadores para serem vigilantes em relação aos riscos de inconsistências na articulação de aspectos ônticos, epistêmicos e metodológicos na produção de conhecimento, aspectos estes que se refletem na postura analítica e na intenção emancipatória de uma análise de discurso crítica. Esse tipo de inconsistência de ordem lógico-discursiva entre os elos que ligam pressupostos filosóficos, teóricos e metodológicos, não incomuns na pesquisa acadêmica, constitui uma armadilha que é capaz de comprometer o constructo analítico de cunho qualitativo e, por consequência, a sustentação dos argumentos de análise e seu efeito emancipatório - seja de nível micro ou macrossocial. Por isso, identificamos na postura do(a) pesquisador(a), no tom argumentativo e no desenvolvimento de sua análise os elementos fundamentais para a consecução da convergência entre suas afiliações teóricas enunciadas.

A partir disso, chegamos ao delineamento de três distintas pressuposições sobre a postura do sujeito no seu proceder analítico de discurso: (1) o sujeito emancipado; (2) o sujeito emancipador; e/ou (3) o sujeito em emancipação. Mais precisamente, a distinção dessas posturas a partir da hermenêutica crítica pode ser tomada tanto como uma forma de promover consciência onto-epistêmico-metodológica nos pesquisadores quanto como um critério de compreensão de suas filiações a partir de suas posturas analíticas, possibilitando a apreciação sobre a consistência do constructo desses estudos e do produto de suas análises.

Ademais, a AC-ED que aqui propomos desarticula a postura a priori que toma uma interpretação teórica como definitiva - ou seja, como que assumindo status de Verdade sobre a realidade. Entendemos esta postura como uma manifestação de poder perigosa - tanto no contexto social quanto quando observada no discurso do(a) pesquisador(a). Este último ponto, em especial, constitui um aspecto fundamental de nossa proposta meta-analítica, que justifica, inclusive, nossa intenção em atribuí-la uma nomenclatura particular para diferenciá-la das outras formas de análises de discurso críticas. Isso porque entendemos que a transformação social em uma AC-ED não se dá por meio da construção de uma interpretação definitiva e a priori, ou mesmo a partir de soluções prescritivas para os dramas sociais contemporâneos.

Pela característica plural e interdisciplinar da pesquisa social, esse campo do saber tem comportado não apenas uma considerável distinção sobre procederes de Análise de Discurso (Alvesson, 2004Alvesson, M. (2004). Organizational culture and discourse. In D. Grant, C. Hardy, Oswick, C., & L. Putman (Eds.), The Sage handbook of organizational discourse (pp. 317-335). London: Sage.), justificando que se adote a denominação “Análises de Discurso”, no plural, para se referir a tal diversidade. Também vemos a articulação de diferentes sentidos para o termo emancipação, um efeito esperado nestas práticas de pesquisa, herdadas das tradições sociológicas críticas às quais se afiliam (Alvesson & Willmott, 1992Alvesson, M., & Willmott, H. (1992). On the idea of emancipation in management and organizations studies. Academy of Management Review, 17(3), 432-464. doi:10.5465/AMR.1992.4281977
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). Na prática das “Análises” de Discurso, a construção dos procederes analíticos são intimamente vinculados ao sentido articulado para o termo emancipação, portanto, o efeito da pesquisa na esfera social. Há tradições que significam o termo desde uma mudança radical de nível societal, como no marxismo, até a microemancipação, referindo-se à tomada de consciência de um pequeno grupo, como uma organização, em relação à sua capacidade latente de pensar criticamente sobre sua realidade (Alvesson & Willmott, 1992Alvesson, M., & Willmott, H. (1992). On the idea of emancipation in management and organizations studies. Academy of Management Review, 17(3), 432-464. doi:10.5465/AMR.1992.4281977
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).

Outros aspectos revelam a condição difusa muitas vezes associada ao método de análise de discurso, observada pela ontologia interpretativista da realidade social. Neste sentido, até mesmo o próprio termo discurso nem sempre é significado da mesma forma em análises de discurso críticas (Alvesson & Kärreman, 2011Alvesson, M., & Kärreman, D. (2011). Decolonializing discourse: Critical reflections on organizational discourse analysis. Human Relations, 64(9), 1121-1146. doi:10.1177/0018726711408629
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). É possível encontrar essas significações derivando de distintas perspectivas teóricas, como por exemplo, a visão hermenêutica que considera discurso como sendo um acontecimento (Ricoeur, 1999Ricoeur, P. (1999). Teoria da interpretação: O discurso e o excesso de significação. Lisboa: Edições 70.), como um delimitador do sentido histórico de uma frase (Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.), como um aspecto normatizador do social (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). A ordem do discurso: Aula inaugural no college de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. (24a ed.). São Paulo, SP: Loyola.), ou ainda, como um elemento constituinte da subjetividade dos sujeitos (Dunker, Paulon, & Milán-Ramos, 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.).

Como visto, temos muitas possibilidades de significação desses termos-chave para as análises de discurso críticas, configurando-as de diferentes formas, procederes e posturas analíticas. Por essa razão, entendemos que as práticas de análise de discurso merecem ser constantemente debatidas, como condição para que os pesquisadores e suas comunidades acadêmicas reflitam criticamente sobre suas estratégias e procederes analíticos para o alcance do efeito de mudança social desejada. É assim que nossa proposta busca atravessar o procedimentalismo em torno das análises de discurso, ou seja, a preocupação quase que exclusiva com o mero executar dos procedimentos metodológicos, canonizados como protocolos inquestionáveis e não como construções singulares, epistemologicamente orientadas, em suas aplicações práticas. Por esse motivo, em nossa proposta ensaística, não nos ocupamos de prescrições proceduralistas. Aliás, acreditamos que muitas das inconsistências onto-epistêmico-metodológicas, ou seja, sincretismos conceituais e metodológicos cujos elos lógicos e semânticos não são desenvolvidos ou mesmo problematizados pelo debate metodológico, resultam do excessivo foco em cumprimento de etapas procedurais que se converte em procederes pouco reflexivos e formalistas: pesquisadores disputando espaço de seus protocolos de análise do discurso (escola francesa, escola espanhola etc.), defendendo como se fossem suas “igrejas” e sem pensar na coerência entre estes modelos, suas teorias, e mesmo suas convicções sobre a realidade.

Por fim, salientamos que este ensaio é construído sob o pressuposto de que a essência da realidade humana é a linguagem (Gadamer, 1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .; Lacan, 1957/1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .; Lawn, 2011Lawn, C. (2011). Compreender Gadamer (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.). Por este paradigma, entendemos ter possibilidades para remontar e se deslocar entre os demais sem que suas respectivas lógicas internas sejam corrompidas. Ao compreender que os respectivos pressupostos podem ser considerados constructos linguísticos, podemos adentrar aquele campo semântico normatizado pelos respectivos discursos epistêmicos e explorar seus desdobramentos na postura do(a) analista. Assim sendo, não temos a pretensão de fixar respostas absolutas para questões até aqui levantadas, mas apenas de abrir as significações do termo emancipação, tantas vezes articulado de forma indistinta.

A articulação entre a concepção de “ideologia” e o sentido da emancipação refletido na postura do(a) pesquisador(a)

Desde o início do pensamento marxista clássico, o discurso sociológico crítico busca promover a emancipação com vistas a instrumentalizar a mudança social (Forchtner, 2011Forchtner, B. (2011). Critique, the discourse-historical approach, and the Frankfurt School. Critical Discourse Studies, 8(1), 1-14, 2011. doi:10.1080/17405904. 2011.533564
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). Entre os desdobramentos dessa corrente, ainda que dentro do campo crítico, a ideologia passou a ser apreciada através de diferentes lentes paradigmáticas, o que confere sentidos distintos para a emancipação sob cada uma delas (Melo, 2017Melo, R. S. (2017). Marx e Habermas: Teoria crítica e os sentidos da emancipação. São Paulo, SP: Editora Saraiva.). Como consequência, cada abordagem leva a uma postura distinta por parte do(a) pesquisador(a) ao analisar um discurso objeto de seu estudo.

Empreender uma análise de discurso de intento emancipatório exige, sob alguma dimensão, operar a crítica à ideologia que se concretiza no discurso analisado (Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.). Contudo, a partir de uma concepção hermenêutica, faz-se necessário também empreender a crítica a ideologia do próprio discurso científico pelo qual se opera a crítica ao discurso social (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Desse modo, partimos da premissa de que as ideologias materializadas em um discurso normatizam o campo semântico que serve de referência para o pensamento (Dunker et al., 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.; Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.) - mesmo para o pensamento crítico -, e por isso mesmo, condicionam a postura emancipatória do(a) analista de discurso. Desse modo, surge um problema fundamental na análise crítica do discurso: como o(a) analista de discurso concebe a função da ideologia em seu próprio pensamento crítico?

Aqui articulamos três possíveis posturas epistemológicas com vistas a esclarecer o cerne de nossa argumentação, de que o sentido da emancipação está articulado em função de uma concepção própria de cada paradigma em relação ao efeito da ideologia na esfera social. Entre pontos de um continuum (elaborado para fins didáticos para compreensão deste argumento), a ideologia pode ser compreendida como sendo aquilo que promove o acortinamento do real motor da sociedade, como sugere a concepção ontológica realista do marxismo clássico; em outro extremo ontológico, relativizado pela subjetividade da linguagem, a ideologia é entendida como sendo um dos elementos que ordena a realidade humana no campo simbólico no qual não é possível se ter uma expressão absoluta do Real (Lacan, 1957/1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .; Žižek, 2013Žižek, S. (2013). O espectro da ideologia. In S. Žižek et al. (Org.), Um mapa da ideologia (pp. 7-39). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

Figura 1
Continuum de concepções da ideologia, realidade e emancipação

A perspectiva pela qual é pensado este ensaio é localizada à direita do continuum, ou seja, onde a ideologia é compreendida como sendo uma condição para interpretação e para simbolizar o Real. Em adição e assumindo a concepção epistemológica lacaniana, o Real escapa dos limites objetiváveis da linguagem. Por outro lado, mesmo sendo considerado um fenômeno social intransponível, a ideologia, enquanto uma visão de mundo que se materializa na linguagem (Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.) pode impedir outras interpretações possíveis para o real (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Esse é o efeito mais perverso da ideologia, o de planificação de uma interpretação tomada como inequívoca, a ponto de um sujeito - inclusive um analista de discurso - não perceber, ou mesmo negligenciar, as fraturas que o Real causa nas proposições linguísticas que os sujeitos constroem para construir a realidade de forma inteligível (Žižek, 2013Žižek, S. (2013). O espectro da ideologia. In S. Žižek et al. (Org.), Um mapa da ideologia (pp. 7-39). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

Nesse sentido, convergimos para o entendimento de Demo (1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.), quando afirma que “nunca conhecemos a realidade assim como ela é, tanto porque há limites no sujeito - que sempre tem da realidade uma captação construída - e o desdobramento na realidade - é sempre maior que nossas explicações e intervenções” (p. 80). Portanto, é preciso buscar mitigar as chances de que a inevitável ideologia roube a cena obstruindo a interpretação do(a) pesquisador(a), aprisionando-o ao seu discurso de certezas que se sustentam, muitas vezes, sob protocolos metodológicos utilizados de forma irreflexiva. Por isso, a hermenêutica nos oferece um importante aporte analítico para consecução da proposta meta-analítica da AC-ED, uma vez que sua missão essencial é compreender “sentidos” (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.). O termo no plural reforça a intenção de buscar as interpretações possíveis em uma dada tradição linguística, comunidade, ou grupo social.

Inseridos nessa visada hermenêutico-crítica, consideramos a forma com que o(a) analista de discurso concebe a ideologia e, por conseguinte, se relaciona com o real. Sua concepção de mundo cria sentido prático para sua ação emancipatória concretizada na sua postura analítica concretizada no seu proceder. Assim, esse processo é articulado a partir do próprio discurso científico do(a) analista que se desdobra em diferentes posturas no ato da análise:

  1. na condição de emancipado, o(a) analista se coloca em uma posição transcendente à ideologia, ou seja, sob um ponto de vista extra-ideológico, de onde percebe e denuncia mecanismos de dominação operados pela articulação do discurso ideológico que, constituindo o falso-real, impede que os sujeitos por si percebam sua condição de dominados;

  2. numa posição intermediária do continuum, na qual o(a) analista busca encontrar vias racionais que o conduzam à emancipação. Nesse sentido, o(a) pesquisador(a) busca teorizar meios para compreensão do atual momento histórico. Sem oferecer o diagnóstico definitivo, ele(a) busca munir a sociedade com instrumentos teóricos-analíticos para que ela desenvolva soluções em prol da liberdade, igualdade e justiça; e

  3. o(a) analista como sujeito em emancipação: em função da condição de insuficiência simbólica para o domínio todo do Real, a postura do(a) pesquisador(a) se molda na direção do que consideramos ser característica de uma Análise de Crítico-Emancipatória de Discurso. Sob postura epistêmico-metodológica, o(a) pesquisador(a) não tem a intenção primeira de generalizações empíricas, tampouco sustentar a interpretação como sendo a verdade sobre o discurso analisado. O(a) analista constrói sua própria via emancipatória no seio de uma tradição linguística, confrontando-a com determinismos estruturais e expandindo suas significações pelo exercício da liberdade interpretativa, induzido pela sua própria experiência no mundo por meio da linguagem.

Entendemos que as três posturas aqui delineadas são problematizáveis - e devem, efetivamente, ser problematizadas. Entretanto, a partir delas, podemos avançar na compreensão de sentidos para emancipação como proposição para o delineamento de uma AC-ED. A seguir, ilustramos nosso constructo meta-reflexivo a partir de dois aportes teóricos amplamente versados em nosso campo, os paradigmas da produção - do marxismo clássico - e da comunicação - de Habermas. A partir dos respectivos contributos, seguiremos o desenvolvimento do aparato meta-analítico da AC-ED, sob a qual depositamos nossas expectativas de avanços para as análises de discurso no campo.

Desdobramentos epistemológicos na postura analítica do(a) pesquisador(a)

Nesta seção, argumentamos os desdobramentos de dois paradigmas epistemológicos na postura do(a) analista de discurso: o da produção que leva o(a) pesquisador(a) à condição de esclarecido(a); e o da comunicação que se situa em um ponto intermediário entre o esclarecimento todo sobre o Real e sua impossibilidade plena. De cada um destes posicionamentos perante a realidade, extraímos contributos para a construção da AC-ED.

Conforme afirma Thompson (2000Thompson, J. B. (2000). Ideologia e cultura moderna: Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes .), a principal teoria social a estabelecer a concepção crítica à ideologia foi a marxista. A emancipação, nesse sentido, é concebida a partir do paradigma da produção, ou seja, do pressuposto de se poder chegar ao esclarecimento a partir da compreensão do Real que se evidencia na forma com que o ser humano se organiza para produzir bens materiais necessários para sua manutenção ao longo da história (Melo, 2017Melo, R. S. (2017). Marx e Habermas: Teoria crítica e os sentidos da emancipação. São Paulo, SP: Editora Saraiva.).

Por meio do materialismo histórico dialético, o método marxista viabiliza a travessia das barreiras ideológicas para compreensão da infraestrutura social, cujo elemento-chave da análise é a luta de classes - o motor da História. Para Demo (1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.), “Marx inaugurou um novo paradigma científico, quando se pôs a superar a postura de Hegel (paradigma anterior), procurando explicações históricas que lhe pareciam mais profundas” (p. 56). A partir desta premissa, Marx não apenas diagnosticou as fraturas sociais causadas pelo sistema capitalista de seu tempo, mas também identificou as contradições internas do próprio Capitalismo, anunciando o prognóstico sobre o futuro da sociedade pós-capitalista (Bottomore, 2001Bottomore, T. (2001). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.). Conforme sugere o seguinte trecho:

[Marx] considerou mais relevante na realidade a base material e se aproximou dos ideais então fortemente instigados da ciência natural nascente, o que lhe permitiria fundar uma ciência exata da história, como Darwin fundara a ciência exata (baseadas em leis férreas) da evolução das espécies. (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas., p. 56)

Conforme já indicamos, essas premissas epistemológicas revelam um olhar particular para se pensar o potencial emancipatório do pensamento social e da prática científica. Ou seja, para compreender como se estabelece a postura emancipatória do(a) analista numa análise de discurso vinculada ao marxismo clássico é importante não perder de vista que: (1) existe uma verdade objetiva na infraestrutura da sociedade, sentida pelas contradições experimentadas no contexto da vida social; e (2) ela é apreensível pelo atravessamento metodológico da superestrutura, da realidade aparente que se encontra dissimulado pelo discurso ideológico burguês, ou seja, amparado metodologicamente pelo marxismo clássico, o(a) pesquisador(a) ocupa um ligar simbólico extra-ideológico (Žižek, 2013Žižek, S. (2013). O espectro da ideologia. In S. Žižek et al. (Org.), Um mapa da ideologia (pp. 7-39). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

O discurso, enquanto parte da superestrutura, é carregado de ideologia burguesa e representa uma - entre outras - barreiras para o acesso à infraestrutura: a certeza sobre o real (Melo, 2017Melo, R. S. (2017). Marx e Habermas: Teoria crítica e os sentidos da emancipação. São Paulo, SP: Editora Saraiva.). O termo real quando articulado no marxismo remete à certeza a respeito do funcionamento infraestrutural e histórica da sociedade, ou seja, é um elemento designado pela linguagem, mas que se torna dissimulado pelo discurso burguês. Por isso, fixar-se no discurso sem um diagnóstico material apriorístico, ou seja, sem um pressuposto de real que o confronte, resultaria na reafirmação do imaginário planificado pela própria ideologia burguesa.

Sob essa perspectiva, o(a) pesquisador(a) evita tomar um descaminho analítico que, se apenas se guiasse pelo discurso analisado - sem a referência epistemológica do diagnóstico da sociedade capitalista - poderia se aprisionar àquela ideologia, afastando-se do propósito revolucionário e, por consequência, acabar por corroborar para o prolongamento desta etapa histórica, marcada pela desigualdade social decorrente da dominação burguesa. Na prática de uma análise de discurso orientada sob o paradigma da produção, a partir do diagnóstico da teoria marxista, busca-se realinhar o campo semântico ao real motor da história. É dessa forma que se torna viável apontar as contradições existentes entre o real e o falso-real.

O diagnóstico e o prognóstico robusto do marxismo clássico levam um(a) analista de discurso a se portar como estando a ocupar uma posição privilegiada em relação às pessoas que estão sujeitas ao discurso ideológico burguês. O saber dessa abordagem representa um “porto seguro” sobre a forma com que a dominação social é operada no curso da história humana (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas., p. 56). Com isso, se obtém uma pretensa imunidade à ideologia hegemônica, o que permite ao(à) analista de discurso ter clareza sobre as referências sobre como a burguesia opera a manipulação do imaginário dos(as) dominados(as). Tal posicionamento, se assumido de forma irreflexiva ou ingênua por parte do(a) pesquisador(a) pode ser perigoso, uma vez que essa premissa de posição extra-ideológica pode levar os sujeitos a não problematizar os diagnósticos dos quais partem, portando-se, muitas vezes, como esclarecidos confirmadores de teses assumidas a priori. Mas dessa postura, a AC-ED herda o inconformismo perante injustiças sociais. Não basta conhecer os problemas sociais, mas, sobretudo, é preciso enfrentá-los pelo campo das ciências sociais (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.).

Avançando à direita em uma posição intermediária daquele continuum, entre o sujeito esclarecido e a impossibilidade da verdade sobre o real por meio da linguagem, ilustramos a partir da postura analítica de um(a) pesquisador(a) que se orienta pelo paradigma da comunicação habermasiano. Diferentemente da sustentação epistemológica do posto de um(a) analista de discurso emancipado(a), a garantia de saída do efeito de dominação da ideologia está na manutenção da possibilidade da livre problematização dos acordos de convivência, dialogando com os saberes de maior amplitude temporal e tendo a ética discursiva e a busca de consenso como ideais mediadores da construção dos acordos intersubjetivos válidos. Não se presume acesso à verdade toda sobre o real, pois “a consciência cotidiana não mais sintetiza as interpretações em visões falsas do mundo, mas ela é fragmentada” (Reese-Schäfer, 2012Reese-Schäfer, W. (2012). Compreender Habermas. Petrópolis: Vozes., p. 59).

Nesse sentido, os processos de dominação social via comunicação se tornam notáveis quando os acordos de convivência são impostos, sem a possibilidade de debate público, problematização e busca de consenso. As verdades são instituídas por imposição, uma situação em que se pesa o poder de quem as profere, mas não o seu argumento (Aragão, 1992Aragão, L. M. C. (1992). Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro.). É justamente a possibilidade de livre problematização dos argumentos e a valorização do argumento em detrimento do poder de quem fala, que leva um analista de discurso sob esta epistemologia a adotar uma postura de não plenamente emancipado, mas detentor de um saber analítico capaz de munir a sociedade para que compreenda as contradições de seu tempo e discuta soluções para superar as assimetrias de poder econômico e político-administrativo (Melo, 2017Melo, R. S. (2017). Marx e Habermas: Teoria crítica e os sentidos da emancipação. São Paulo, SP: Editora Saraiva.).

Se o mundo da vida foi colonizado pela comunicação na diacronia de uma história que sustenta formas de dominação social, os mecanismos de reconhecimento da reificação são dificultados, por estarem introjetados nos significantes da linguagem do mundo da vida - colonizado pelo mundo sistêmico. Uma Análise de Discurso Crítica sob essa postura, localizada em algum ponto intermediário do continuum da Figura 1, é guiada pela busca de situações em que a possibilidade do contraditório é suprimida, pela análise do uso da linguagem e pelo peso que a argumentação, em detrimento da posição de quem fala, possui na dinâmica do estabelecimento dos acordos de convivência da sociedade.

O contributo desta posição à consecução de uma AC-ED é a quebra da certeza pautada em um diagnóstico sedimentado da realidade. A abordagem habermasiana, articulada como sendo um exemplo de uma postura intermediária entre o ser emancipado e em emancipação apresenta a comunicação crítica como um meio de confronto de ideias e a possibilidade de não consenso (Demo, 1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.), embora tenha a ação comunicativa como ideia mediadora para pretensa consecução de acordos intersubjetivos. Com isso, se constroem condições para que própria sociedade participe da elaboração de possíveis repostas para as contradições entre mundo sistêmico - caracterizado pela distorção da comunicação para fins político-administrativos e econômicos - o mundo da vida onde os acordos intersubjetivos são estabelecidos pautados na ética discursiva (Habermas, 1984Habermas, J. (1984). The theory of communicative action , volume I. Boston: Beacon., 1987Habermas, J. (1987). The theory of communicative action , volume 2: Lifeworld and system: A critique of functionalist reason. Boston: Beacon ., 2000Habermas, J. (2000). On the pragmatics of communication. Cambridge: MIT press.).

O contributo desse aporte teórico para a AC-ED está no foco em analisar como a linguagem é utilizada nos processos de comunicação. O foco na pragmática da linguagem leva o(a) pesquisador(a) a não prescrever soluções pensadas alheia ao debate com a sociedade - destituindo-o(a) do posto de plenamente esclarecido(a) sobre o Real - mas a uma análise de discurso que compreender a linguagem em uso, como por exemplo:

  1. Epistêmico, onde as condições de validade são conhecidas e não problemáticas;

  2. Teleológico, quando as condições de validade são conhecidas apenas pelo falante; ou

  3. Comunicativo, caracterizado pela possibilidade de problematização das proposições enunciadas pelo falante, de tal ordem a permitir o debate argumentativo livre de constrangimentos linguísticos.

Desse modo é também possível analisar a o efeito da ação linguística, interrogando se aquele discurso produz entendimento (concordância indireta), consenso (compartilhamento de significados e sentidos) ou consequências (quando o discurso visa instrumentalizar o ouvinte para uma ação da qual não possui clareza de seu papel).

O aporte teórico de Habermas leva a uma condução de análise de discurso que interroga a ação do locutor da seguinte forma: seu pronunciamento é racional (inteligível ao ouvinte)? Se a resposta obtida for positiva, se trata de uma ação comunicativa, e se nos possibilitaria prosseguir a análise. No caso de uma comunicação não racional, não há o intento de comunicar, portanto, sob perspectiva habermasiana, não há a viabilidade para continuação de uma análise de discurso crítica. Por outro lado, sendo o discurso racional, o(a) analista pode buscar identificar qual a finalidade daquela ação discursiva.

Uma possibilidade para identificá-la é questionar se quem fala possui a intenção de promover (1) entendimento e/ou consenso sobre algo ou se, oposto a isso, a intenção é (2) convencer dissimulando interesses, ou seja, não revelando todas as consequências daquela ação ao ouvinte. Na primeira possibilidade, o esforço argumentativo e a intenção da ação comunicativa são compartilhar significados e significações, ou seja, gerar uma zona de compreensão comum, construída de forma livre, em que a qualquer momento o ouvinte pode interrogar quaisquer aspectos enunciados na busca de compreender a proposição em sua plenitude.

A segunda possibilidade configura uma ação estratégica pelo uso da comunicação, ou seja, as palavras e argumentos são propositalmente escolhidos de forma a constranger o ouvinte e impossibilitá-lo de questionar. Isso ocorre, por exemplo, pela evidência da assimetria de poder entre falante e ouvinte, uso de palavras e expressões que não são compreensíveis a quem está ouvindo, ou ainda, mobilizar o imaginário do outro para obter um entendimento que dissimula as intenções das consequências da ação (Felts, 1992Felts, A. (1992). Organization communicaton. Administration & Society, 23(4), 495-517.).

Para analisar a intencionalidade do falante, o(a) analista pode interrogar a proposição da seguinte forma: O que se dizer com ela? O que se diz nela? Qual a forma de sua aplicação na fala? É possível que, a partir destas perguntas, o(a) analista encontre pistas se aquele ato de fala é orientado para o consenso, para o entendimento ou para promover alienação do ouvinte. O contributo emancipatório de uma Análise de Discurso, neste caso, é desvelar a intenção do falante, ou seja, de tornar claros os motivos pelos quais está a induzir o comportamento do outro por meio de uma comunicação sistematicamente distorcida ou dissimulada.

Análise crítico-emancipatória de discurso no sentido hermenêutico: encadeamentos meta-reflexivos

A partir da análise de características da postura de um(a) analista emancipado, seguimos em direção de um sujeito que abdica das certezas como condição para um novo sentido para o termo emancipação, intimamente ligado à compreensão da transitoriedade das certezas perante a insuficiência da linguagem para compreensão toda do Real. Para Demo (1995Demo, P. (1995). Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, SP: Atlas.), a emancipação como processo “obriga a assumir a insegurança, o medo, a limitação, a partir do que se coloca a necessidade de construir caminho próprio, preferível a parasitar sobre rotas surradas e já desatualizadas” (p. 57). O caminho possível para uma AC-ED no sentido hermenêutico, que pode ser compreendido como a proposição de um constructo meta-analítico, fundamenta-se na dimensão edificante da linguagem para construção da realidade humana, pressupostos por Gadamer (1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .), Lacan (1957/1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .; 1999Lacan, J. (1999). O seminário: Livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .) e Ricoeur (2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .).

Entendemos que o potencial a partir desse sentido possível da emancipação ainda não está suficientemente debatido em nosso campo. Por isso, para fomentar o debate em torno dessa questão, do(a) pesquisador(a) em emancipação, ao mesmo tempo que compartilhamos nosso constructo formado em elos interdiscursivos das hermenêuticas (filosófica, crítica e psicanalítica), buscamos também ilustrar nosso entendimento sobre o papel do desenvolvimento de um percurso metodológico contingente e sob uma construção lógico-linear acessível ao entendimento da audiência.

Sob essa perspectiva, não se tem a pretensão de atestar uma verdade por meio de um método que dispensa detalhamento do percurso analítico, mas construir uma interpretação verdadeira, que se baseia na experiência subjetiva do(a) pesquisador(a), na tradição linguística da comunidade acadêmica e da validação, sempre que possível, pelos próprios sujeitos envolvidos no discurso. Como Gadamer (1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .) problematiza, a verdade não emerge do protocolo metodológico, mas da interpretação contingente que se dá mediante o trabalho interpretativo do sujeito articulando seu horizonte hermenêutico e uma experiência inédita em sua vivência e que demanda significação.

A função da ideologia nesta perspectiva é consolidar um horizonte interpretativo pelo qual o sujeito se constitui como ser no mundo. De acordo com a tradição hermenêutica, a ideologia não apresenta apenas características negativas: ela também representa a memória social, oferece bases para interpretação do mundo (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .), possibilitando que o compartilhamento de significantes e significados crie a esfera da intersubjetividade (Habermas, 2003Habermas, J. (2003). La ética del discurso y la cuestión de la verdad. Barcelona: Paidós.), viabilizando a construção do mundo social via linguagem (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Aliás, com a virada linguística das ciências humanas, passamos a compreender melhor que a ideologia é um fenômeno social instransponível (Berger & Luckmann, 2004Berger, P. L., & Luckmann, T. (2004). A construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento. A construção social da realidade. Petrópolis, RJ: Vozes.), inclusive na ciência, onde sujeito e objeto se constroem mediante um encontro em que se chocam o horizonte interpretativo e o ineditismo da realidade (Gadamer, 1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .).

A existência de limites do próprio horizonte interpretativo não representa obstruções definitivas à emancipação. Nesse sentido, emancipar-se significa ter a liberdade de pensar de forma descompromissada em relação às estruturas de poder vigentes, desbloqueando outras interpretações possíveis - bloqueadas por uma ideologia com traços de dominação social (Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .). Desse modo, toda interpretação inteligível a uma comunidade linguística considera-se legítima, e merece ser debatida. É sob a articulação expansiva entre significantes da linguagem que os campos semânticos ganham complexidade para tentar simbolizar o Real (Lacan, 1999Lacan, J. (1999). O seminário: Livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .). É desbloqueando interpretações possíveis dentro de uma tradição que refinamos nosso entendimento sobre a experiência humana em sociedade.

Uma AC-ED busca compartilhar o encontro hermenêutico do(a) pesquisador(a) com a realidade do outro, analisada a partir do seu discurso para se referir ao discurso do outro. Uma vez que o critério de validação desta forma de análise não se encontra no protocolo metodológico adotado, mas na exposição - a céu aberto - da construção de um percurso metodológico, devemos pensar em critérios de validação para essa interpretação e como ela promove alguma dimensão emancipatória para a sociedade. Nesse sentido, ao considerarmos que uma análise de discurso não escapa a um discurso científico que lhe confere sentido, devemos promover procederes que permitam o acompanhamento do desenvolvimento não apenas da análise, mas do desenvolvimento do seu dispositivo metodológico.

Uma interpretação merece ser validada em debate, se possível com os envolvidos no contexto da análise, jamais decretada como conclusão monocrática na seção de conclusão. Quando possível, deve-se buscar a validação pelos próprios sujeito(s) cujo discurso fora analisado, fazendo dessa devolutiva uma primeira rodada de debate antes da finalização da análise. Para isso, seria prudente interrogá-lo(s): você se identifica com esta interpretação? Caso isso não seja possível, em função da natureza documental do corpus, a validação se dá pelo próprio debate entre pares: esta interpretação se sustenta na tradição hermenêutica da comunidade que navega pela mesma perspectiva epistemológica? Em ambos os casos, destituímos o desejo de verdade última do discurso do(a) analista de discurso, restando o seu proceder como contributo em relação ao efeito que produziu em seu campo.

Interrogar o(s) envolvidos a respeito de sua identificação ou não com o produto interpretativo, além de conferir validade à análise, cumpre, sobretudo com o papel social de um estudo crítico-emancipatório. Esse ponto é crucial: como poderia o(a) pesquisador(a) promover alguma dimensão da emancipação da sociedade se não apresentar aos envolvidos, sob linguagem inteligível, aquilo que interpretou sobre os sujeitos e seus discursos? Ao interrogar o(s) sujeitos sobre quanto ele(s) se identifica(m) com a análise empreendida sobre seus respectivos discursos, o(a) pesquisador(a) se destitui do papel de emancipado, abdica de um método universal e emancipador, confere ao sujeito a possibilidade de se manifestar sobre aquele argumento. Ao se deparar com uma proposição sobre si, se o sujeito não for capaz de revelar alguma identificação com sua experiência subjetiva no mundo, o que o(a) pesquisador(a) pode concluir é que falou mais de si mesmo do que do outro - será necessário reinterpretar a luz do novo acontecimento.

Por outro lado, se o(s) sujeito(s) cujo(s) discurso(s) foi(ram) analisado(s), ao terem contato com a interpretação do(a) pesquisador(a) sobre os discursos sob os quais estão submetidos, reconhecem dimensões que lhes são familiares, sob novas perspectivas, sobre outro olhar se, deste modo, as validam, temos uma forma de validação que não se sustenta na autoridade do protocolo, mas no argumento que, de alguma forma, promoveu uma verdadeira emancipação no campo social: os sujeitos se tornaram mais conscientes sobre o discurso pelos qual se constituem.

Sob esta postura, esse(a) pesquisador(a) se afasta do papel emancipado(a), daquele(a) que tem a verdade sobre o discurso do outro, mas herda a postura crítica e pouco resignada em relação aos problemas sociais de seu tempo. O(A) analista de discurso, no sentido hermenêutico aqui construído, oferece seus questionamentos para serem problematizados e debatidos - muito mais do que respostas. Seu intento maior é promover o deslocamento de pontos de vista capazes de expandir a compreensão da realidade humana fundada na experiência na linguagem a partir de um lugar que lhe é singular no campo simbólico. O sentido da emancipação social articulado sob esta postura do sujeito em emancipação - induzida pelo paradigma da linguagem - representa a desobstrução de interpretações inteligíveis e válidas dentro de uma comunidade linguística.

A sustentação na insuficiência de esclarecimento sobre o Real - aquilo que não se inscreve na linguagem e que através de simbolização o apreendemos e compreendemos sempre de forma precária (Lacan, 1957/1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .), portanto, viabilizando infindáveis formas de interpretar (Ricoeur, 1999Ricoeur, P. (1999). Teoria da interpretação: O discurso e o excesso de significação. Lisboa: Edições 70.) - também leva em conta a deformação dos horizontes interpretativos do mundo da vida, o que impede a possibilidade do pleno esclarecimento autoproclamado, ainda que sob um método científico. Portanto, há que se atravessar a concepção binária de “realidade” ou “falsa realidade” ideológica e seguir sob uma terceira via: a realidade enquanto interação simbólica e, portanto, construída na diacronia histórica da semântica de um campo social.

A postura analítica do(a) pesquisador(a) em emancipação representa a libertação do desejo de portar a verdade sobre o objeto, ou de se apresentar como o ser privilegiado que possui a chave de compreensão para o Real - compreensão fraturada pela polissemia da linguagem e pela não inscrição do Real, da coisa em si, no sistema simbólico (Dunker et al., 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.). Aqui reconhecemos a virtude da postura habermasiana, intermediária, que elege a busca de consenso da comunidade como uma ideia mediadora dos acordos intersubjetivos, operados pela possibilidade de problematização e sustentados pela força do argumento perante a tradição, de amplitude histórica que transcende o contexto histórico vivido.

AC-ED: do discurso de outrem ao próprio discurso do(a) analista de discurso

A partir do entendimento, compartilhado entre a sociologia crítica, a linguística e a psicanálise, campos do saber considerados por Orlandi (2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.) como constituintes dos saberes que viabilizam uma análise de discurso crítica, que sugerimos que a análise proferida pelo(a) analista de discurso é também, em si mesma, um discurso de verdade, sujeito às mesmas críticas pela qual opera sua análise. Nesse sentido, questionamos: quão emancipado se percebe o(a) analista perante a ideologia de seu próprio discurso?

Uma análise de discurso também pode ser compreendida como uma articulação lógico-linguística que expressa uma proposição inscrita em uma tradição linguística, cujo campo semântico é regido por um determinado discurso de verdade. Dito de outra forma, podemos considerar a AC-ED não um método, no sentido de etapas procedimentais práticas, mas um proceder analítico epistemologicamente orientado. Isso quer dizer que a validade da análise, ou seja, a verdade do discurso do(a) analista de discurso, não se sustenta pela consecução de etapas protocolares, mas sobretudo, sobre um proceder consciente que, no campo semântico, converge ontologia, epistemologia e metodologia para a experiência subjetiva do(a) pesquisador(a) em relação ao fenômeno discursivo, sob a qual sustentará sua construção de conhecimento.

É por isso que chamamos a atenção para a necessidade de consciência do(a) pesquisador(a) sobre seu próprio discurso científico de verdade e que determinam a sua postura perante o real da sociedade: desde um sujeito emancipado até um sujeito em emancipação. Essas posturas parecem ser resultantes da experiência do sujeito na linguagem, que constitui seu horizonte hermenêutico e sua posição no campo da linguagem, lugar de onde interpreta e (re)constrói a realidade humana (Gadamer, 1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .; Lacan, 1957/1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .).

Esse local simbólico na linguagem pode remontar outros paradigmas, como o da produção e o da comunicação, que por serem expressos por linguagem, são passíveis de compreensão lógico-semântica. Sendo assim, podemos buscar compreender como a teoria posiciona o(a) pesquisador(a) perante a realidade e como ele se porta na função de analista de discurso dessa realidade. Será que podemos tomar como algo resolvido em nosso campo que esse(a) pesquisador(a) assume conscientemente o intento emancipatório do discurso acadêmico ao qual se vincula, senão, se aliena, para proferir uma interpretação sobre o discurso que analisa?

Resgatemos que, na condição de emancipado, o(a) analista parece ocupar um lugar simbólico no mundo construído por sua base epistemológica e que lhe oferece uma referência de verdade sobre o Real, sob a qual ele(a) busca confirmar diagnósticos e construir prognósticos. Por outro lado, entre os extremos - de sujeito emancipado e em emancipação -, ele(a) parece se utilizar de bases racionais da tradição de seu campo e que não lhe oferecem um diagnóstico, mas vias para sua construção. Com isso, o(a) pesquisador(a) expõe sua interpretação como um discurso de verdade com vistas a emancipar a sociedade.

Pela via interpretativista do paradigma da linguagem, de um sujeito em “emancipação”, esse termo é significado como a possibilidade do exercício liberdade reflexiva nos limites de uma tradição ou comunidade linguística para a qual o(a) pesquisador(a) comunica. A sua interpretação é compreendida e tida como verdadeira perante a tradição hermenêutica daquela comunidade, o(a) pesquisador(a) oferece em detalhes o seu percurso reflexivo. Seu contributo está na forma com que estrutura seu pensamento para atravessar discursos de verdade sem que, necessariamente, busque oferecer a sua interpretação como definitiva, senão apenas verdadeira, possível e transitiva - viabilizando o debate que deve mover o campo acadêmico.

Portanto, uma AC-ED encaminha os(as) analistas de discurso a elaborarem respostas para questionamentos meta-analíticos, ou seja, na instância do (re)pensar os procedimentos adotados ou construídos no curso da análise. Podemos sistematizar esses questionamentos da seguinte forma:

  1. Qual a relação entre a ontologia assumida pelo(a) pesquisador(a) e a teoria pela qual ele(a) compreende a realidade?

  2. No seu texto, os elos entre a epistemologia e os procederes analíticos de discurso adotados/elaborados são enunciados de forma inteligível para o(s) leitor(es)?

  3. Como a teoria de base posiciona o(a) analista de discurso em relação à ideologia?

  4. Quão emancipado(a) o(a) pesquisador(a) se percebe perante aqueles inseridos do contexto do discurso analisado?

  5. A quem o(a) pesquisador(a) pretende emancipar: a si? Os sujeitos do contexto analisado? A comunidade acadêmica? Um grupo social mais amplo?

Esses questionamentos que norteiam uma AC-ED constituem um aparato meta-reflexivo que convida o(a) analista de discurso à autorreflexão que, muitas vezes, por estar engajado(a) na elaboração de uma crítica social, acaba não problematizando seu próprio discurso - não o submetendo aos mesmos critérios pelos quais opera suas análises. Assim, a AC-ED fomenta uma postura vigilante sobre quão emancipado(a) deseja/resume ser/estar na construção dos argumentos de uma análise, respostas que desencadeiam distintos procederes e lógicas interpretativas refletidas em sua postura.

Considerações finais do texto: por uma AC-ED contributiva ao debate do fazer científico

Os(As) analistas de discurso têm se revelado capazes de elaborar interpretações sobre o discurso de outrem, de organizações ou de contextos sociais amplos. Entretanto, em algumas situações, a postura do(a) pesquisador(a) é insuficiente para promover a emancipação a partir de seu próprio discurso de verdade. É nesse sentido que o aparato meta-reflexivo aqui apresentado pretende contribuir para o debate metodológico deste campo, a partir de uma proposta meta-analítica nominada AC-ED.

Além de permitir a construção de procederes metodológicos epistemologicamente orientados, mas evitando replicações procedurais ou o uso irreflexivo de etapas legitimadas pela prática da pesquisa acadêmica, o aparato meta-reflexivo da AC-ED é contributivo inclusive para outras epistemologias que se valem do método de Análise de Discurso com pretensões também emancipatórias. A partir dos aportes teóricos aqui tratados, buscamos fomentar constructos analíticos mais robustos para escrutinar a Análise de Discurso, indicando como a postura do(a) analista em relação ao discurso do outro se estabelece a partir de pressuposições da epistemologia assumida em seu quadro teórico de análise. Outra importante contribuição é que a AC-ED também revela para o(a) analista que seu próprio discurso científico é passível de viés ideológico, o que, por sua vez, irá determinar o sentido da emancipação que se obtém no processo.

Ancorada sob as hermenêuticas de Gadamer, de Ricoeur e em elementos epistemológicos do paradigma da linguagem compendiados por Lacan, a reflexão crítico-hermenêutica aqui tratada defende uma visão particular sobre a relação entre teoria, método e implicação social no fazer científico. Nesta perspectiva, assumimos que os procederes de análise de discurso de nosso campo sejam constantemente debatidos - tanto para formação de novos pesquisadores, quanto para o aprimoramento dos saberes entre aqueles que já são versados no método. Portanto, neste ensaio, o aparato meta-reflexivo proposto também serve para apreciar os desdobramentos que os diferentes sentidos para o termo emancipação causam na postura do(a) analista de discurso na relação com a ideologia e com o Real.

É justamente por isso que, entre as dimensões passíveis e necessárias no debate metodológico de Análise de Discurso, elegemos o alinhamento entre aspectos onto-epistêmico-metodológico na postura analítica do(a) pesquisador(a) como um ponto central na construção de discurso científico a respeito de uma realidade social. É neste alinhamento que se insere a reflexão sobre o significado do termo “emancipação”. Ou seja, na pesquisa social, quando se assume a postura crítico-emancipatória, deve-se ter em mente qual o sentido da emancipação do discurso científico: a intenção é emancipar a audiência? O(s) sujeito(s) de pesquisa? O(s) próprio(s) pesquisador(es)? Consideramos que pesquisadores precisam estar conscientes dessas nuances para melhor estabelecerem suas estratégias de pesquisa em função do alcance emancipatório desejado.

Nesse sentido, chamamos atenção para as situações de análise de discurso em que o constructo analítico não é desenvolvido às vistas da audiência. Mais precisamente, soa problemático quando o autor de base, a teoria ou o esquema de análise não é explicitado a partir de sua aderência ou aplicação contingente. É prudente se valer do próprio pressuposto das análises de discurso, de que a linguagem nem sempre é clara para o sujeito que a articula (Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.), razão de que um sujeito observador percebe sua estrutura em uso, de forma mais detalhada do que aquele pela qual o discurso se concretiza no ato de fala (Lacan, 1986Lacan, J. (1986). O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar ., 1999Lacan, J. (1999). O seminário: Livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .).

Ao considerar o problema da falta de clareza do sujeito em relação ao seu próprio discurso tal qual alertam alguns estudiosos do discurso (Dunker et al., 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.; Foucault, 2016Foucault, M. (2016). Subjetividade e verdade: Curso no collège de France (1980-1981). São Paulo, SP: Martins Fontes.; Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes.), reconhecemos em nosso ensaio que o sujeito do discurso científico é capaz apenas de expressar uma pretensão de verdade ou interpretação verdadeira (Gadamer, 1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .); por isso, a efetividade do pensamento científico se dá, antes, no entendimento intersubjetivo possível dentro de uma comunidade linguística, em poucas palavras, no debate e no consenso em relação ao argumento (Habermas, 1984Habermas, J. (1984). The theory of communicative action , volume I. Boston: Beacon.). Por esse motivo, nos mobilizamos para a busca de um refinamento dos procederes das pesquisas que se utilizam de uma estratégia metodológica fundada no rigor quanto a construção de uma consciência sobre o discurso, que abandona a disputa pela verdade do método. Promovendo uma abordagem de análise de discurso crítica que nos torna cientes dos problemas de ordem simbólica no fazer científico, ou seja, do campo semântico e da configuração do discurso que se produz na pesquisa, vislumbramos maior alcance do intento emancipatório, seja o sentido que for, conferido pelo paradigma articulado no estudo.

Assumindo a condição de sujeitos cuja consciência é construída pelo campo simbólico (ou seja, por linguagem) como o ponto de partida de qualquer análise social, consideramos que não se pode presumir que os sujeitos - pesquisadores e/ou pesquisados - são plenamente esclarecidos a respeito do discurso que simboliza o Real ou que mediam a experiência da realidade (Dunker et al., 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.; Lacan, 1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .). Com isso, estendemos a amplitude da análise de discurso ao discurso dos pesquisadores, questionando: quão emancipado pode ser um(a) pesquisador(a) em relação ao seu próprio discurso de verdade?

Para ajudar a encontrar caminhos para essa resposta é que ensaiamos a proposta de AC-ED. A partir do paradigma da linguagem, em especial, considerando os contributos das hermenêutica (Gadamer, 1999Gadamer, H.-G. (1999). Verdade e método (3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes .; Ricoeur, 2013Ricoeur, P. (2013). Interpretação e ideologias (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes .) e de elementos teóricos da obra lacaniana (Dunker et al., 2016Dunker, C. I. L., Paulon, C., & Milán-Ramos, G. (2016). Análise psicanalítica de discurso: perspectivas lacanianas (2a ed.). São Paulo, SP: Estação das Letras e Cores.; Lacan, 1986Lacan, J. (1986). O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar ., 1999; Lacan, 1998Lacan, J. (1998). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957) In Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .), construímos uma meta-reflexão remontando os paradigmas da produção, da razão e da emancipação, preservando suas tradições e campos semânticos pelos quais se sustentam. Sob o paradigma da linguagem, na direção das hermenêuticas, propomos uma nova perspectiva para apreciação das análises de discurso que não se limitam à verificação à aderência a protocolos procedurais como critério de validação, mas sim, sob a forma com que estes constructos teóricos/linguísticos se revelam no discurso do(a) analista de discurso, ou seja, como ele traduz suas afiliações em sua postura analítica.

Por essa via, atentamos para as análises de discurso em que o(a) pesquisador(a) articula termos técnicos de teorias às quais se afilia, sem, entretanto, expor como ele(a) as percebe ou como são aplicadas contingentemente em sua análise. Quando isso acontece, perdemos a capacidade de rastrear os elos interdiscursivos que conferem legitimidade ao constructo onto-epistêmico-metodológico do edifício analítico construído pelo(a) pesquisador(a). Desse modo, entendemos ser insuficiente que, numa Análise de Discurso, o(a) analista se limite a enunciar o autor, a teoria ou o protocolo metodológico sem, necessariamente, desenvolver uma lógica argumentativa sobre como se deu a construção do proceder da análise em torno da abordagem enunciada. Sustentamos que não devem ser omitidos os passos da construção da lógica da interpretação para que, desse modo, o leitor passa a ter condições de (tentar) se deslocar para aquele horizonte hermenêutico, permitindo que ele possa significar seus termos, constructos, análises e conclusões a partir de um lugar interpretativo mais próximo do autor.

Agradecimentos

Agradecemos aos pareceristas que, sob diálogos construtivos, contribuíram para com o refinamento dos saberes compartilhados nesse artigo. Também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo apoio via Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares/Capes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2018
  • Aceito
    04 Jun 2019
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