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Renormalizações do trabalho e infidelidades do meio na indústria vidreira: uma análise ergológica

Labor renormalizations and workplace infidelities in the glass industry: an ergological analysis

Resumo

Fundamentando-se em uma abordagem ergológica para se compreender as relações de trabalho, este artigo tem como objetivo analisar as dramáticas envolvidas nos processos de renormalização em situações de trabalho em uma empresa beneficiadora de vidros. Foi realizada uma triangulação metodológica para a produção dos dados via pesquisa documental, observação direta e entrevistas semiestruturadas. Desenvolveu-se uma análise de conteúdo sobre o material produzido, com três categorias definidas a posteriori, sendo elas: (1) para além da prescrição: os usos de si no trabalho e o reconhecimento; (2) gerência hierarquizada: a falta de valorização dos saberes operários; e (3) dramáticas: em busca das metas de produção e de perdas. As análises evidenciaram gestão dos usos de si por parte dos operadores, que renormalizam suas atividades baseados em valores individuais e do meio, e nos saberes coletivos desse meio. Tais renormalizações envolvem dramáticas, por conta dos enfrentamentos vivenciados na busca de se atingir as metas de produção e de redução das perdas processuais num meio infiel, no qual a organização do trabalho se pauta pela hierarquia, com a valorização do cumprimento de ordens envoltas de pouca comunicação entre os níveis hierárquicos ou de reconhecimento dos saberes dos operários.

Palavras-chave:
Renormalizações do Trabalho; Dramáticas; Ergologia; Usos de Si; Saberes

Abstract

Based on an ergological approach to labor relations, this article analyzes the “dramatics” involved in the processes of renormalization in work situations in a glass processing company. For data analysis, a methodological triangulation was performed through documentary survey, direct observation of work, and semi-structured interviews. We used content analysis, with categories-defined post analysis, namely: (1) In addition to prescription: the use of self at work and recognition; (2) Hierarchical management: the lack of valorization of workers’ knowledge; and (3) Dramatics: in pursuit of production goals and losses. Analysis showed that the management of uses of the self by operators from the three production lines renormalize their activities based on individual values and the environment and on the collective knowledge of this workplace. Such renormalizations involve dramatic, due to the confrontations experienced in the pursuit of the goals of production and reduction of procedural losses in an infidel environment, where the organization of work is guided by hierarchical values, with the valuation of compliance with orders involved in poor communication between levels or the recognition of workers’ knowledge.

Keywords:
Renormalizations of Work; Dramatics; Ergology; Uses of Self; Knowledge

Introdução

A partir da década de 1970 e suas grandes transformações políticas e econômicas no cenário mundial (Harvey, 2017Harvey, D. (2017). A condição pós-moderna (27a ed.). São Paulo, SP: Loyola.) surgem máquinas sofisticadas, robôs e novas ferramentas de gestão da qualidade, estas oriundas de empresas japonesas, aliadas ao just in time e kanban (Dollé, Nouroudine, Jean, & Durrive, 2010Dollé, F., Nouroudine, A., Jean, R., & Durrive, L. (2010). As técnicas e a experiência dos humanos. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 111-128). Niterói, RJ: EdUFF .), implicando mudanças de paradigma na organização do trabalho (Alves, 2008Alves, G. (2008). O espírito do toyotismo: Reestruturação produtiva e “captura” da subjetividade do trabalho no capitalismo global. Confluências, 10(1), 97-121. Recuperado de https://bit.ly/2WMh68S
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; Pinto, 2013Pinto, G. A. (2013). A organização do trabalho no século XX: Taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo, SP: Expressão Popular.), buscando maior prevenção nos processos e redução de não conformidades (Cerqueira & Martins, 1998Cerqueira, J. P., & Martins, M. C. (1998). Formação de auditores internos da qualidade. São Paulo, SP: Pioneira.; Paladini, 2008Paladini, E. P. (2008). Gestão da qualidade: Teoria e prática. São Paulo, SP: Atlas .).

No entanto, a indiferença existente com a atividade singular dos trabalhadores dentro das empresas trouxe uma inquietação e fez surgir novos estudos focados nos atos de trabalho, dando origem à ergonomia (Chung & Willianson, 2018Chung, A. Z. Q., & Willianson, A. (2018). Theory versus practice in the human factors and ergonomics discipline: Trends in journal publications from 1960 to 2010. Applied Ergonomics, 66, 41-51. doi:10.1016/j.apergo.2017.07.003
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; Daniellou, Terssac, & Schwartz, 2004Daniellou, F., Tersssac, G., & Scwhartz, Y. (2004). Alain Wisner et les tâches du présent: La bataille du travail réel. Toulouse: Octarès Editions.). Esses estudos trouxeram uma contribuição importante ao mostrar a diferença entre o trabalho prescrito e o trabalho real (Telles & Alvarez, 2004Telles, A. L., & Alvarez, D. (2004). Interfaces ergonomia-ergologia: Uma discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. InM. Figueiredo , M. Athayde , J. Brito , & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 63-90). Rio de Janeiro, RJ: DP&A .). Apesar das importantes contribuições da ergonomia francófona para a análise do trabalho sob o ponto de vista da atividade, na década de 1980, Yves Schwartz e seus colaboradores problematizaram novas questões e apresentaram a abordagem ergológica com a intenção de transformar o trabalho (Athayde & Brito, 2010Athayde, M., & Brito, J. (2010). Introdução à edição brasileira: Ergologia é um livro-ferramenta, uma tecelagem que se propaga. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF., 2011Athayde, M., & Brito, J. (2011). Ergologia e clínica do trabalho. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 258-281). São Paulo, SP: Atlas.; Schwartz, 2010aSchwartz, Y. (2010a). A dimensão coletiva do trabalho e as entidades coletivas relativamente pertinentes (ECRP). In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 149-164). Niterói, RJ: EdUFF .).

Ressalta-se a relevância dos estudos ergológicos para a compreensão do trabalho humano, esses ainda pouco explorados pela área de administração, como mostrou uma busca recente na base SciELO (período 2013 a 2018) pelo termo “ergologia” no resumo em língua portuguesa, encontrando-se apenas um artigo publicado na grande área de ciências sociais aplicadas. A ergologia apresenta conceitos próprios para o entendimento do trabalho como atividade. Um dos conceitos que embasam essas análises é renormalização, ou seja, os sujeitos com seus saberes e valores não executam algo, mas fazem história ao agir e criar ou modificar as normas instituídas. Neste sentido, o meio está sempre sujeito a variabilidades, sejam elas provenientes do social ou do técnico, tornando os meios de trabalho infiéis (Schwartz, 2004bSchwartz, Y. (2004b). Trabalho e gestão: Níveis, critérios, instâncias. In M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 23-36). Rio de Janeiro, RJ: DP&A.; Schwartz & Durrive, 2015Schwartz, Y., & Durrive, L. (Org.). (2015). Trabalho e ergologia II: Diálogos sobre a atividade humana. Belo Horizonte: Fabrefactum.).

Portanto, fundamentando-se na abordagem ergológica, este artigo tem como objetivo analisar as dramáticas envolvidas nos processos de renormalização vivenciados em situações de trabalho em uma empresa beneficiadora de vidros. Propondo-se a entender o trabalho como uma relação entre técnicas e ação humana, este artigo visa propiciar contribuições relevantes aos estudos sobre a organização do trabalho desenvolvidos na área de administração, pois possibilita, através de um olhar ergológico, compreender as situações de trabalho, a gestão envolvida nos usos de si por si e pelos outros, as renormalizações e as dramáticas de usos de si, em um setor produtivo e organizacional que luta incessantemente para atingir as metas de produção e reduzir as não conformidades.

Acredita-se também, em concordância com Barley e Kunda (2001Barley, S. R., & Kunda, G. (2001). Bringing work back in. Organization Science, 12(1), 76-95. doi:10.1287/orsc.12.1.76.10122
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), na importância para os teóricos das organizações de se colocar o trabalho mais claramente em foco nos estudos organizacionais. Ao longo dos anos, até a década de 1950, a maioria das teorias organizacionais esteve fortemente ligada aos estudos do trabalho. Administração científica, movimento de relações humanas, assim como a “sociologia industrial dos anos 50, que elaborou a Teoria da burocracia de Weber e deu à luz a moderna Teoria organizacional, também foram construídas sobre observações do trabalho” (p. 80, tradução nossa). Dos anos 1960 e 1970 em diante que isso passou a mudar, incluindo-se nas pesquisas maiores níveis de abstração em busca de conceitos mais generalizáveis, e com crescente especialização dos alunos, contribuindo para o desaparecimento dessa orientação pautada no estudo do trabalho. Para os autores, tal situação perdurou na década de 1990, e o retorno aos estudos in situ é ainda relativamente raro. Neste sentido, a escassez de dados sobre o que as pessoas realmente fazem - as habilidades, conhecimentos e práticas que compõem seu trabalho rotineiro - pode conduzir os pesquisadores para teorias cada vez mais anacrônicas e imagens desatualizadas do trabalho e como este é organizado; por outro lado, também é opinião dos autores que preencher tais lacunas poderá contribuir para a construção de uma teoria organizacional “pós-burocrática”.

Em busca de resgatar certos propósitos, esse artigo está organizado em tópicos: primeiramente debate sobre a ergologia, sua base e démarche conceitual. Em seguida se discutem os principais conceitos ergológicos utilizados, focando-se principalmente em renormalização, usos de si por si e pelos outros, e dramáticas dos usos de si. Posteriormente se apresentam os aspectos metodológicos da pesquisa empírica realizada. Por fim, são realizadas as análises e discussão dos dados produzidos e apresentadas as considerações finais.

Ergologia: base e démarche conceitual

Em busca de melhor conhecer o trabalho do ponto de vista dos trabalhadores e as situações de trabalho para transformá-las, o filósofo francês Yves Schwartz e seus colaboradores na década de 1980 apresentam a abordagem ergológica. A ergologia é o estudo do trabalho humano real com base na atividade que busca conhecer as pressões, os desafios e as dificuldades às quais os trabalhadores estão sujeitos e enfrentam em suas atividades de trabalho (Athayde & Brito, 2010Athayde, M., & Brito, J. (2010). Introdução à edição brasileira: Ergologia é um livro-ferramenta, uma tecelagem que se propaga. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF., 2011Athayde, M., & Brito, J. (2011). Ergologia e clínica do trabalho. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 258-281). São Paulo, SP: Atlas.; Bendassolli & Soboll, 2011Bendassolli, P. F., & Soboll, L. A. P. (Orgs.). (2011). Introdução às clínicas do trabalho: Aportes teóricos, pressupostos e aplicações. In Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 3-21). São Paulo, SP: Atlas .; Schwartz, 2010aSchwartz, Y. (2010a). A dimensão coletiva do trabalho e as entidades coletivas relativamente pertinentes (ECRP). In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 149-164). Niterói, RJ: EdUFF .), já que, de algum modo, os trabalhadores “criam o que a norma não prescreve e recriam o que a prescrição, de fato, não prevê e não conhece da situação real” (Bianco, 2014bBianco, M. F. (2014b). Ergologia: uma perspectiva analítica para o trabalho humano. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: Uma abordagem teórico-conceitual (pp. 275-293). Vitória, ES: EDUFES., p. 291).

Diferentemente do que propunham os modelos taylorista e fordista, a perspectiva ergológica busca compreender a atividade humana nas dimensões micro e macro do trabalho, para então transformá-las. Para isso, no entender dos principais autores, é necessário conhecer o trabalho de perto, pois a atividade de trabalho resulta dos debates de normas e de valores em interação nos diferentes meios (Bendassolli & Soboll, 2011Bendassolli, P. F., & Soboll, L. A. P. (Orgs.). (2011). Introdução às clínicas do trabalho: Aportes teóricos, pressupostos e aplicações. In Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 3-21). São Paulo, SP: Atlas .; Durrive & Jacques, 2010Durrive, L., & Jacques, A. M. (2010). O formador ergológico ou “Ergoformador”: Uma introdução à ergoformação. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 295-307). Niterói, RJ: EdUFF .; Holz & Bianco, 2014Holz, E. B., & Bianco, M. F. (2014). Ergologia : Uma abordagem possível para os estudos organizacionais sobre trabalho. Cad. EBAPE.BR, 12(ed. esp.), 494-512. Recuperado de https://bit.ly/2ZNdzZQ
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; Schwartz, Duc, & Durrive, 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010dSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010d). Trabalho e ergologia. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 25-36). Niterói, RJ: EdUFF .; Trinquet, 2010Trinquet, P. (2010). Trabalho e educação: O método ergológico. Revista HISTEDBR On-line, 10(38e), 93-113. doi:10.20396/rho.v10i38e.8639753
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). Assim, a ergologia é definida como “um projeto de melhor conhecer e, sobretudo, de melhor intervir sobre as situações de trabalho, para transformá-las” (Schwartz et al. 2010dSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010d). Trabalho e ergologia. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 25-36). Niterói, RJ: EdUFF ., p. 27). Tal perspectiva analisa e entende o trabalho como uma atividade humana e, portanto, transformadora da realidade (Belliès, Efros, & Schwartz, 2013Belliès, L., Efros, D., & Schwartz, Y. (2013). Héritages du passé, travail et urgences actuelles: La mise à l’étude annuelle des “tâches du présent”. Recuperado de https://bit.ly/2CTyNfI
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).

Outra característica da ergologia é o fato de ela buscar compreender a relação homem-trabalho e a diferença existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real (Bianco, 2014bBianco, M. F. (2014b). Ergologia: uma perspectiva analítica para o trabalho humano. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: Uma abordagem teórico-conceitual (pp. 275-293). Vitória, ES: EDUFES.; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). Sabe-se que qualquer situação de trabalho é regulada por prescrições, que têm como objetivo único antecipar as atividades que serão executadas pelo trabalhador (Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). Deste ponto de vista, é possível afirmar que o trabalho humano real a todo o momento é diferente do trabalho prescrito, e que uma atividade não é puramente execução de métodos e técnicas (Bendassolli & Soboll, 2011Bendassolli, P. F., & Soboll, L. A. P. (Orgs.). (2011). Introdução às clínicas do trabalho: Aportes teóricos, pressupostos e aplicações. In Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 3-21). São Paulo, SP: Atlas .; Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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; Croce, 2017Croce, C. (2017). Les concepts du pragmatisme ont-ils un intérêt pour la démarche ergologique? Ergologia, (17), 53-78. Recuperado de https://bit.ly/3fU9CrR
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). Portanto, quando as normas e as prescrições não conseguem prever certas variabilidades nas situações de trabalho, o trabalhador se coloca à frente das normas técnicas, prescrições e valores que lhes são impostos em seus ambientes de trabalho, para reconfigurar o meio como seu próprio meio, pois uma atividade é executada por um ser humano presente, portador de história e saberes. Como as normas não são capazes de tudo antecipar, o trabalhador faz a gestão dos usos de si para intervir de maneira cuidadosa nos problemas gerados nos processos de produção, buscando transformá-los (Moraes & Schwartz, 2017Moraes, T. D., & Schwartz, Y. (2017). Ergological perspectives for the use of driving simulators. Temas em Psicologia, 25(4), 1589-1604. doi:10.9788/tp2017.4-06pt
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A diferença existente entre o trabalho prescrito e real é bastante capaz de contribuir para a discussão das condições de trabalho, já que é possível observar as variabilidades a que o trabalhador está sujeito nos processos de trabalho e as adaptações que deve fazer para conseguir atingir os objetivos esperados pelas chefias (Salerno, 2000Salerno, M. S. (2000). Análise ergonômica do trabalho e projeto organizacional: Uma discussão comparada. Produção, 9(n. esp.), 45-60. doi:10.1590/S0103-65131999000400003
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). De um modo geral, visando controlar as variabilidades dos processos de trabalho são impostas às empresas normas operacionais (Schwartz, 2015aSchwartz, Y. (2015a). Conhecer e estudar o trabalho. Trabalho & Educação, 24(3), 83-89. Recuperado de https://bit.ly/3jziRjE
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), as quais os operadores devem respeitar, já que este é o princípio básico da conformidade (Zarifian, 2001Zarifian, P. (2001). Mutação dos sistemas produtivos e competências profissionais: A produção industrial de serviço. In M. Salerno (Org.), Relação de serviço: Produção e avaliação (pp. 69-149). São Paulo, SP: Senac.). Entretanto, quando as especificações técnicas, por algum motivo, não são atendidas, acabam gerando variabilidades específicas de processo (NBR ISO 9000 - Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2005Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2005). NBR ISO 9000: Sistemas de gestão da qualidade: Fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro: Autor. ), ou seja, geram uma não conformidade (NBR ISO 9001 - Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2008Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2008). NBR ISO 9001: Sistemas de gestão da qualidade. Rio de Janeiro: Autor .) ou perdas. As variabilidades que influem nos processos são de diferentes naturezas e níveis de importância, mas são fruto do contexto macro/micro-organizacional e das diferentes interações entre os sistemas técnicos, as máquinas, as regras ou normas formais e não formais vigentes, e o homem. Seguindo esse ponto de vista, fica impossível tentar compreender uma situação de trabalho sem levar em conta os problemas existentes dentro da organização e fora dela também (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .).

Sendo assim, numa organização atual em um contexto capitalista e quando as condições de trabalho são minimamente adequadas ao homem, os empresários esperam que os trabalhadores assalariados se engajem e deem o melhor de si para que os indicadores de produtividade e eficiência permaneçam em conformidade. E o trabalhador tenta responder a essa demanda, ao que se espera dele, só que a partir do momento em que o trabalhador se posiciona diante das discrepâncias de normas existentes, ele faz uso de si por meio dos debates de normas com seus conhecimentos e valores, ou seja, o trabalhador se engaja mesmo que instintivamente a partir do momento que a sua história se infiltra no meio em que ele trabalha (Durrive & Jacques, 2010Durrive, L. (2010). Pistas para o ergoformador animar os encontros sobre o trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Org.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 309-318). Niterói, RJ: EdUFF .; Noel, Revuz, & Durrive, 2010Noel, C., Revuz, C., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o sujeito. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 223-243). Niterói, RJ: EdUFF .). Com isso entende-se a importância de se acompanhar e observar o trabalho de perto, para conhecer as dificuldades e problemas enfrentados pelos trabalhadores, pois em um posto de trabalho cada indivíduo é único e carrega consigo suas histórias, suas experiências passadas e expectativas (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz, 1996Schwartz, Y. (1996). Trabalho e valor. Tempo social, 8(2), 147-158. doi:10.1590/ts.v8i2.86429
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, 2004aSchwartz, Y. (2004a). Circulações, dramáticas, eficácias da atividade industriosa. Trabalho, educação e saúde, 2(1), 33-55. doi:10.1590/S1981-77462004000100004
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, 2004bSchwartz, Y. (2004b). Trabalho e gestão: Níveis, critérios, instâncias. In M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 23-36). Rio de Janeiro, RJ: DP&A.). No fundo, o trabalho só funciona porque “as pessoas vão além do que lhes é simplesmente pedido” (Noel et al., 2010Noel, C., Revuz, C., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o sujeito. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 223-243). Niterói, RJ: EdUFF ., p. 223). Para entender melhor este processo se faz necessário utilizar os conceitos ergológicos de renormalização, usos de si por si e pelos outros e dramáticas dos usos de si, que serão apresentados a seguir.

Renormalização, usos de si por si e pelos outros e dramáticas

Conforme abordado, os termos “trabalho prescrito” e “trabalho real” são comumente usados na ergonomia para analisar as diferenças existentes entre as normas e as condições reais de trabalho, enquanto a ergologia propõe para esse mesmo debate os conceitos “normas antecedentes” e “renormalizações” (Telles & Alvarez, 2004Telles, A. L., & Alvarez, D. (2004). Interfaces ergonomia-ergologia: Uma discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. InM. Figueiredo , M. Athayde , J. Brito , & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 63-90). Rio de Janeiro, RJ: DP&A .). Atualmente qualquer situação de trabalho é regulada por normas técnicas, científicas, econômicas, por regras de gestão, prescrições, regulamentos e também por novas tecnologias. Esse combinado de conceitos e normas tem como objetivo único antecipar qualquer que seja a atividade que será executada pelo trabalhador em um ambiente organizacional. Na ergologia, essa busca pela antecipação das situações de trabalho é conhecida como normas antecedentes (Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Schwartz, 2010aSchwartz, Y. (2010a). A dimensão coletiva do trabalho e as entidades coletivas relativamente pertinentes (ECRP). In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 149-164). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010dSchwartz, Y. (2010d). Uso de si e competência. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 205-221). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010bSchwartz, Y. (2010d). Uso de si e competência. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 205-221). Niterói, RJ: EdUFF .).

Em qualquer situação de trabalho sempre haverá a aplicação de normas antecedentes; entretanto, a qualquer tempo haverá também decisões parcialmente não antecipáveis. Mesmo com todas as prescrições, sabe-se que as empresas não conseguem fazer com que os procedimentos e as normas prescritas sejam seguidos à risca, pois esse distanciamento sempre existirá e jamais poderá ser previsto (Chanlat, 2011Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas .). Sendo assim, o trabalhador renormaliza suas atividades, recriando e remodelando a história, e investindo seus saberes de forma pessoal, única e singular, de modo que toda e qualquer atividade é sempre uma ressingularização ou renormalização em torno do trabalhador, ou seja, em torno de si (Durrive, 2002Durrive, L. (2002). Formação, trabalho, juventude: Uma abordagem ergológica. Pro-posições, 13(3), 19-30. Recuperado de https://bit.ly/3hue6Gb
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, 2010Durrive, L. (2010). Pistas para o ergoformador animar os encontros sobre o trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Org.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 309-318). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz, 2010dSchwartz, Y. (2010d). Uso de si e competência. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 205-221). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). No ambiente organizacional, as normas e as prescrições só dariam conta do trabalho por completo, a fim de evitar uma variabilidade, se houvesse um ambiente ideal, em que todos os processos fossem totalmente idealizados, fechados e controlados. Entretanto, no mundo real tais ambientes não existem, uma vez que é impossível se controlar tudo. Assim, o ambiente organizacional fica refém das variabilidades.

Portanto, por conta da introdução do trabalhador nesse ambiente propício às falhas, entende-se que as normas antecedentes têm relação com o agir humano, nos encontros a gerir, pois leva em conta as construções históricas do trabalhador ao fazer uso de suas próprias capacidades, saberes, decisões e valores criados nas situações de trabalho (Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Hassard, 2012Hassard, J. S. (2012). Rethinking the Hawthorne studies: The Western Electric research in its social, political and historical context. Human Relations, 65(11), 1431-1461. doi:10.1177/0018726712452168
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; Schwartz et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF .; Telles & Alvarez, 2004Telles, A. L., & Alvarez, D. (2004). Interfaces ergonomia-ergologia: Uma discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. InM. Figueiredo , M. Athayde , J. Brito , & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 63-90). Rio de Janeiro, RJ: DP&A .). Os trabalhadores “tomam decisões e fazem micro escolhas nas situações reais de trabalho” (Bianco & Holz, 2015Bianco, M. F., & Holz, E. B. (2015). Trabalho e competência industriosa: Uma cartografia ergológica no setor de rochas ornamentais no Brasil. Ergologia, (14), 47-72. Recuperado de https://bit.ly/334CEkP
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, p. 64). Portanto, o trabalhador reinterpreta, repensa e formata as normas e procedimentos que lhes são impostos em função dele e de sua história (Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .). Esse processo de transformação das normas através de processos cognitivos e microescolhas, em que o trabalhador repensa, é usado para tentar reconfigurar o meio como seu próprio meio (Schwartz et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF .). Na ergologia esse processo de alteração das normas antecedentes é chamado de renormalização (Bendassolli & Soboll, 2011Bendassolli, P. F., & Soboll, L. A. P. (Orgs.). (2011). Introdução às clínicas do trabalho: Aportes teóricos, pressupostos e aplicações. In Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 3-21). São Paulo, SP: Atlas .; Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Durrive, 2010Durrive, L. (2010). Pistas para o ergoformador animar os encontros sobre o trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Org.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 309-318). Niterói, RJ: EdUFF .; Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Telles & Alvarez, 2004).

As renormalizações acontecem porque o ambiente de trabalho é um lugar de relações pessoais e profissionais constituído por pessoas com diferentes culturas, valores e questões sociais. Ou seja, o trabalho é constituinte de um sujeito trabalhador que age e decide de forma singular ao confrontar as normas, seguindo seus princípios e valores (Croce, 2017Croce, C. (2017). Les concepts du pragmatisme ont-ils un intérêt pour la démarche ergologique? Ergologia, (17), 53-78. Recuperado de https://bit.ly/3fU9CrR
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; Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Maggi, 2016Maggi, B. (2016). De l’agir organisationnel: Un point de vue sur le travail, le bien-être, l’apprentissage: Livre II: Régulation du travail et bien-être. Bologna: TAO Digital Library.; Ménégoz, 2015Ménégoz, L. (2015). Entre épistémologie et ergologie: En réaction au texte de Tlemcen. Ergologia, (13), 91-113. Recuperado de https://bit.ly/2CXlaw1
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; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .). Assim, organizações são ambientes com debates incessantes de normas e valores, com renormalizações e profundas transformações, pois na realização de uma atividade existe uma antecipação da tarefa e confrontação com as normas por parte do trabalhador; quer dizer, ele faz um debate de normas, seguindo seus princípios e valores (Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .; Silva & Borges, 2017Silva, E. A., & Borges, M. E. S. (2017). Os valores envolvidos no trabalho: Uma pesquisa com servidores de uma agência da Previdência Social. Ergologia, (17), 79-102. Recuperado de https://bit.ly/32L4SRu
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). Cada profissional vai lidar com as renormalizações de uma maneira diferente, pois não é possível padronizar a maneira de agir dos trabalhadores ante as variabilidades, além de que é impossível esperar que os trabalhadores tenham a mesma atitude nessas situações, pois cada um faz escolhas e usos de si de acordo com sua própria história, valores e meio que está inserido, ou seja, em cada situação o trabalhar é único (Durrive, 2002Durrive, L. (2002). Formação, trabalho, juventude: Uma abordagem ergológica. Pro-posições, 13(3), 19-30. Recuperado de https://bit.ly/3hue6Gb
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; Schwartz et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .).

Desta forma, quando as normas e as prescrições não conseguem prever algumas variabilidades nas situações de trabalho, espera-se que o trabalhador e suas singularidades entrem em ação (Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .). Qualquer que seja a atividade, o trabalhador age de maneira intelectual e não intelectual, mesmo que de forma involuntária. Assim, é possível afirmar que em toda atividade de trabalho o trabalhador faz usos: usos de si por si e pelos outros (Cunha, 2013Cunha, D. M. (2013). L’ergologie et la psychosociologie du travail: Inconfort intellectuel, intersections conceptuelles et travail en commun. Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15(1), 77-90. doi:10.3917/nrp.015.0077
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; Scherer, Pires, & Schwartz, 2009Scherer, M. D. A., Pires, D., & Schwartz, Y. (2009). Trabalho coletivo: Um desafio para a gestão em saúde. Revista de Saúde Pública, 43(4), 721-725. doi:10.1590/S0034-89102009000400020
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; Schwartz et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). Ou seja, o trabalhador faz “usos de si” em função dele próprio, já que qualquer atividade de trabalho compromete o “si”, faz “usos por si” de maneira singular e momentânea quando a prescrição da atividade não corresponde com o que será executado, e faz “usos por outros” em função do coletivo (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Holz & Bianco, 2014Holz, E. B., & Bianco, M. F. (2014). Ergologia : Uma abordagem possível para os estudos organizacionais sobre trabalho. Cad. EBAPE.BR, 12(ed. esp.), 494-512. Recuperado de https://bit.ly/2ZNdzZQ
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, 2004bSchwartz, Y. (2004b). Trabalho e gestão: Níveis, critérios, instâncias. In M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 23-36). Rio de Janeiro, RJ: DP&A., 2010dSchwartz, Y. (2010d). Uso de si e competência. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 205-221). Niterói, RJ: EdUFF ., 2014Schwartz, Y. (2014). Motivações do conceito de corpo-si: Corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, 49(3), 259-274. doi:10.15448/1984-7726.2014.3.19102
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; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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; Silva & Borges, 2017Silva, E. A., & Borges, M. E. S. (2017). Os valores envolvidos no trabalho: Uma pesquisa com servidores de uma agência da Previdência Social. Ergologia, (17), 79-102. Recuperado de https://bit.ly/32L4SRu
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). Assim, o trabalhador necessita fazer uso de si por si próprio e/ou por outros trabalhadores, de acordo com as normas antecedentes e as renormalizações (Athayde & Brito, 2011Athayde, M., & Brito, J. (2011). Ergologia e clínica do trabalho. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 258-281). São Paulo, SP: Atlas.).

O termo “uso de si” é expresso como uso e não como execução, pois qualquer trabalho necessita da singularidade de como o trabalhador faz uso de si e dos outros. Pelo fato de o trabalho se apoiar em uma dimensão subjetiva, o “si” também pode ser considerado um corpo, pois não existe uma situação de trabalho que não venha a comprometer o “si”. Isso acontece porque não é possível dissociar um corpo para o trabalho e um corpo para a vida pessoal, já que ambas as partes se comunicam permanentemente (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz, 1996Schwartz, Y. (1996). Trabalho e valor. Tempo social, 8(2), 147-158. doi:10.1590/ts.v8i2.86429
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). Todo trabalho é direcionado por normas e prescrições, e nessa dialética de uso de si o trabalhador, ao renormalizar uma norma por meio de seus saberes e valores, faz uso de si em função dele próprio e em função dos outros, pois em um posto de trabalho jamais se trabalha totalmente sozinho. Com isso, pressupõe-se que todo trabalho é também em função do coletivo, ou seja, “uso de si pelos outros”, em que os outros são considerados os colegas de trabalho próximos e também os trabalhadores responsáveis em fazer as prescrições do trabalho. Enfim, “os outros” são todos os trabalhadores que estão envolvidos na atividade, desde a elaboração à execução (Holz & Bianco, 2014Holz, E. B., & Bianco, M. F. (2014). Ergologia : Uma abordagem possível para os estudos organizacionais sobre trabalho. Cad. EBAPE.BR, 12(ed. esp.), 494-512. Recuperado de https://bit.ly/2ZNdzZQ
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; Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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, 2010dSchwartz, Y. (2010d). Uso de si e competência. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 205-221). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .).

O trabalhador faz usos de si por si e pelos outros quando percebe que as exigências para o cumprimento das tarefas são muito mais complexas do que as normas antecedentes e prescrições previam. Portanto, para alcançar os objetivos propostos pela organização o trabalhador vai além do que lhe é pedido, fazendo uma triangulação entre as técnicas organizacionais, seus conhecimentos, valores e limites (Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). Quer dizer, o “uso de si por si” é algo absolutamente singular e momentâneo, não consegue ser repetido por outra pessoa ou em outro momento. Corresponde a toda troca existente entre o trabalhador e seu trabalho em um espaço de tempo em que ele faz uso de todos os conhecimentos adquiridos em sua história, além de sua sensibilidade e sua forma corporal para a execução do trabalho, de forma espontânea (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .).

Logo, o trabalhador confronta e cria estratégias de ação de acordo com seus valores, buscando minimizar os desafios do seu ambiente de trabalho e se adequando ao seu meio, já que o meio sempre é gerido como um uso de si (Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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; Schwartz et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .). Ou seja, “trabalhar é arriscar, fazer uso de si” (Schwartz et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .e, p. 191). Ao fazer uma escolha, que do ponto de vista do trabalhador é a melhor, ele está assumindo riscos, pois a atitude pode vir a criar uma problemática maior ou simplesmente não agradar os superiores (Dejours, 1993Dejours, C. (1993). Inteligência operária e organização do trabalho: A propósito do modelo japonês de produção. In H. Hirata (Org.), Sobre o “modelo” japonês de automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho (pp. 281-309). São Paulo, SP: Edusp., 2011Dejours, C. (2011). Texto introductorio: Psicopatología del trabajo - psicodinámica del trabajo. Laboreal, 7(1), 13-16.; Schwartz et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .). E são essas possíveis tentativas fracassadas que remetem ao sofrimento (e não só) no trabalho, ou seja, às dramáticas de uso de si (Athayde & Brito, 2010Athayde, M., & Brito, J. (2010). Introdução à edição brasileira: Ergologia é um livro-ferramenta, uma tecelagem que se propaga. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF.), pois, numa organização, a atividade de trabalho aparece como uma tensão vinculada a escolhas, uma dramática (Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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).

Apesar de as microescolhas serem necessárias no ambiente de trabalho, o trabalhador se encontra sujeito a consequências, já que suas escolhas podem não agradar a organização e vir a aumentar as variabilidades nos processos produtivos (Dollé et al., 2010Dollé, F., Nouroudine, A., Jean, R., & Durrive, L. (2010). As técnicas e a experiência dos humanos. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 111-128). Niterói, RJ: EdUFF .; Noel et al., 2010Noel, C., Revuz, C., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o sujeito. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 223-243). Niterói, RJ: EdUFF .). As tentativas fracassadas podem fazer com que o trabalhador se sinta pressionado por seus superiores e tenha medo de errar em escolhas futuras. Desta forma, é possível afirmar que toda e qualquer atividade é uma problemática e comporta um drama para o sujeito trabalhador, já que aparece como uma tensão vinculada a escolhas, uma dramática de usos de si (Cunha, 2013Cunha, D. M. (2013). L’ergologie et la psychosociologie du travail: Inconfort intellectuel, intersections conceptuelles et travail en commun. Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15(1), 77-90. doi:10.3917/nrp.015.0077
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; Durrive & Schwartz, 2008Durrive, L., & Schwartz, Y. (2008). Revisões temáticas: Glossário da ergologia. Laboreal , 4(1), 23-28. Recuperado de https://bit.ly/32LaVFY
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; Schwartz, 2015aSchwartz, Y. (2015a). Conhecer e estudar o trabalho. Trabalho & Educação, 24(3), 83-89. Recuperado de https://bit.ly/3jziRjE
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; Schwartz, Di Ruzza, & Le Bris, 2010Schwartz, Y., Di Ruzza, R., & Le Bris, R. (2010). Trabalho, emprego e cidadania. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 275-292). Niterói, RJ: EdUFF .).

Certamente, há sofrimento e tensões em um ambiente organizacional, só que de algum modo o trabalho pode ser também o responsável por aflorar o sentimento que qualquer trabalhador busca dentro de uma organização, o reconhecimento dos superiores, o prazer em realizar a atividade e a realização profissional individual e coletiva (Bendassolli, 2011Bendassolli, P. F. (2011). Crítica às apropriações psicológicas do trabalho. Psicologia & Sociedade, 23(1), 75-84. doi:10.1590/S0102-71822011000100009
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; Dejours, 1993Dejours, C. (1993). Inteligência operária e organização do trabalho: A propósito do modelo japonês de produção. In H. Hirata (Org.), Sobre o “modelo” japonês de automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho (pp. 281-309). São Paulo, SP: Edusp., 2011Dejours, C. (2011). Texto introductorio: Psicopatología del trabajo - psicodinámica del trabajo. Laboreal, 7(1), 13-16.). As dramáticas do uso de si são o debate de normas que os sujeitos vão encontrar em suas atividades, ou seja, é “tudo aquilo que é a confrontação em um momento particular, no qual tentamos encontrar uma solução, com toda a nossa história” (Schwartz, Duc et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF ., p. 89). As dramáticas estão relacionadas com os dramas que existem no trabalho, por conta das micro-histórias que cada trabalhador leva para o meio de trabalho. Os dramas remetem às escolhas que o trabalhador deve fazer; aos debates de normas; às dificuldades inerentes ao campo, em que se deve lidar com as variabilidades; ou a arbitrar valores diferentes e muitas vezes contraditórios (Athayde& Brito, 2011Athayde, M., & Brito, J. (2011). Ergologia e clínica do trabalho. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 258-281). São Paulo, SP: Atlas.).

Diante dessa concepção analítica, portanto, tem-se a necessidade de ver de perto o trabalho e sob o ponto de vista do trabalhador; conhecer as situações, as dificuldades inerentes ao campo, as variabilidades e as tensões, e assim entender os valores usados nos debates de normas que guiam esses trabalhadores.

Aspectos metodológicos da pesquisa: produção e análise dos dados

A empresa escolhida para esta pesquisa é uma empresa industrial do segmento de beneficiamento e transformação de vidros, sediada numa capital do Sudeste do Brasil, com atuação em toda essa região e partes de um estado nordestino. A empresa está entre as 80 maiores empresas do estado (Instituto Euvaldo Lodi, 2015Instituto Euvaldo Lodi. (2015). Anuário: 200 maiores empresas: Espírito Santo 2015. Brasília, DF: Autor. Recuperado de https://bit.ly/3jEAPBg
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), com cerca de 400 empregados. Foi realizada uma pesquisa qualitativa e, para maior coerência e fidelidade da pesquisa, foi efetuada uma triangulação metodológica para a produção dos dados: pesquisa documental, observação direta e entrevistas semiestruturadas com operadores da produção. Estas etapas serão explicadas a seguir.

Primeiramente se realizou uma pesquisa documental com o objetivo de entender o trabalho prescrito documentado. Em seguida se realizou observação direta das atividades no setor de máquinas automáticas com o propósito de compreender os aspectos de gestão envolvidos nas atividades operacionais, sabendo-se que cada indivíduo possui uma forma única e singular de agir (Durrive, 2010Durrive, L. (2010). Pistas para o ergoformador animar os encontros sobre o trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Org.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 309-318). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz, Duc et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .). Importante saber que no setor de máquinas automáticas havia cinco operadores para atender as três linhas de produção denominadas Forvet. A observação tem um papel importante no enriquecimento e construção dos saberes, pois essa técnica ajuda o pesquisador a observar e identificar fatos e comportamentos que o sujeito pesquisado faz instintivamente (Marconi & Lakatos, 2007Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2007). Metodologia científica. São Paulo, SP: Atlas .), além de aspectos cognitivos envolvidos. Neste estudo, as observações diretas (Becker, 1999Becker, H. S. (1999). Problemas de inferência e prova na observação participante. In Métodos de pesquisa em ciências sociais (pp. 47-64). São Paulo, SP: Hucitec.; Richardson, 2015Richardson, R. J. (2015). Pesquisa social: Métodos e técnicas. São Paulo, SP: Atlas .) aconteceram em um período de dois meses, nos quais se ia a campo nas segundas, quartas e sextas-feiras. Nestes dois meses, foram feitas anotações em um diário de campo. O diário de campo trata-se de relatórios diários que possuem todas as manifestações, atitudes e ações por escrito do sujeito pesquisado, além das observações, reflexões e comentários das percepções do próprio pesquisador sobre fatos relevantes circunscritos a cada dia (Triviños, 2007Triviños, A. N. S. (2007). Pesquisa qualitativa. In Introdução à pesquisa em ciências sociais: A pesquisa qualitativa em educação (pp. 116-175). São Paulo, SP: Atlas .).

Ao final, todos os trabalhadores do setor de máquinas automáticas foram entrevistados com base no que foi observado nesse processo de imersão em campo. Cabe esclarecer que foi escolhido o setor de máquinas automáticas para o estudo por este apresentar o maior número de não conformidades nos processos de produção nessa empresa. A abordagem em entrevista visava que o trabalhador, além de responder questões, pudesse refletir sobre as atividades de trabalho e verbalizar aspectos esclarecedores dessas atividades, validando (ou não) o entendimento do pesquisador no processo. Realizaram-se seis entrevistas semiestruturadas individuais, sendo cinco com os operadores envolvidos nas linhas automáticas de produção Forvet e uma com o coordenador de produção. Pode-se dizer que a entrevista semiestruturada, quando realizada juntamente com a técnica de observação, permite uma maior aproximação entre o pesquisador e os sujeitos entrevistados, permitindo que estes se manifestem de forma livre sobre sua atividade, indo além das questões perguntadas (Bauer, 2017Bauer, M. W. (2017). Análise de conteúdo clássica: Uma revisão. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (pp. 189-218). Petrópolis, RJ: Vozes.; Triviños, 2007Triviños, A. N. S. (2007). Pesquisa qualitativa. In Introdução à pesquisa em ciências sociais: A pesquisa qualitativa em educação (pp. 116-175). São Paulo, SP: Atlas .).

Para as entrevistas foram elaborados dois roteiros. O roteiro para entrevistar o coordenador possuía 21 questões, enquanto para os operadores havia 28 questões. As entrevistas com os trabalhadores foram realizadas depois de dois meses de observação, no horário de almoço para o período matutino. Como o setor pesquisado trabalha com uma quantidade de trabalhadores enxuta, era inviável a parada de processo para as entrevistas. Ao trabalhador do noturno foi autorizada uma pausa para a entrevista no começo do turno. Por questões éticas, os nomes dos entrevistados são fictícios nos resultados apresentados. As entrevistas foram gravadas e totalizaram 4 horas e 36 minutos de gravação, sendo todas transcritas posteriormente para análise.

Como descrito, trata-se de uma pesquisa qualitativa, e neste estudo os dados produzidos foram analisados por meio da análise de conteúdo, que é muito utilizada em textos desenvolvidos nas ciências sociais empíricas (Bauer, 2017Bauer, M. W. (2017). Análise de conteúdo clássica: Uma revisão. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (pp. 189-218). Petrópolis, RJ: Vozes.). Trata-se de um método para o tratamento de dados, que permite ao pesquisador fazer um estudo minucioso do conteúdo adquirido, de forma objetiva, e extrair sua significação (Marconi & Lakatos, 2015Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2015). Metodologia do trabalho científico. São Paulo, SP: Atlas .). As categorias de análise foram definidas a posteriori e são: (1) para além da prescrição: os usos de si no trabalho e o reconhecimento; (2) gerência hierarquizada: a falta de valorização dos saberes operários; e (3) dramáticas: em busca das metas de produção e de perdas. O próximo item de análise e discussão segue a orientação das categorias. Ressalta-se que os excertos são provenientes do diário de campo e das entrevistas feitas com os trabalhadores.

As análises e discussão dos dados

As análises e discussão dos dados e resultados estão redigidas com base nas três categorias de análise geradas na etapa de tratamento dos dados, conforme esclarecido. Porém, antes dessa discussão, apresenta-se a Tabela 1 com o perfil dos participantes.

Tabela 1
Perfil dos trabalhadores das linhas de produção Forvet

Para além da prescrição: os usos de si no trabalho e o reconhecimento

Para compreender possíveis relações existentes entre os trabalhadores participantes, as equipes de trabalho das linhas de produção Forvet e a organização, é importante conhecer o ambiente de trabalho, suas regras, valores, modos de se organizar e as possíveis implicações desses sobre as situações de trabalho. Conforme a prescrição das tarefas, o operador, antes de iniciar o processo de lapidação das peças de vidro, deve medir todas as peças que chegam da máquina de corte com uma trena devidamente calibrada. O objetivo é verificar se a medida real está de acordo com a medida informada na etiqueta da peça.

Porém, segundo os operadores participantes, eles não o fazem, pois são raros os casos em que acontecem trocas de etiqueta ou um erro na dimensão das peças de vidro provenientes da máquina de corte. Na visão deles, se gastaria muito tempo para aferir a medida de todas as peças de vidro, e eles preferem confiar no trabalho da equipe do corte, antecedente. Apesar da norma, com base na experiência os trabalhadores criam uma norma antecedente que atende aos padrões de produtividade estabelecidos pelo coletivo, acreditando que não devem ficar “perdendo tempo” medindo as dimensões das peças de vidro.

Eu não costumo medir as peças de vidro, porque gasta muito tempo. Eu tenho que confiar no trabalho da equipe de corte, se eu for medir todas as peças, no final do dia minha produção vai lá embaixo. Às vezes o que eu faço é pegar umas peças aleatórias e fazer a medição. (Lucas, 2017)

Quando existe uma diferença pequena entre a etiqueta e a peça é difícil de pegar o erro a olho nu, mas quando a diferença é muito grande, a gente bate o olho e sabe que não condiz as dimensões, até porque, já são quase . . . anos fazendo o mesmo serviço… Eu sei que o que eu faço não é certo, mas eu não acho necessário medir todas as peças. (Antônio, 2017)

Conforme os relatos, nota-se que os operadores só conferem as medidas reais das peças com a etiqueta quando desconfiam que a peça esteja com uma dimensão diferente. Na maior parte das situações há renormalizações (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Ménégoz, 2015Ménégoz, L. (2015). Entre épistémologie et ergologie: En réaction au texte de Tlemcen. Ergologia, (13), 91-113. Recuperado de https://bit.ly/2CXlaw1
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), porque outra norma - a de produtividade do trabalho - fala mais alto, uma vez que os gerentes fixam os valores das metas e os operadores fazem de tudo para atingi-las, pois serão efetivamente cobrados. Portanto, o trabalhador, ao se confrontar com as normas antecedentes em uma situação de trabalho, realiza microdebates de normas que resultam muitas vezes nas renormalizações (Schwartz, 2014Schwartz, Y. (2014). Motivações do conceito de corpo-si: Corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, 49(3), 259-274. doi:10.15448/1984-7726.2014.3.19102
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; Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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). Ao fazer o debate de normas e, no caso, escolher não fazer a medição de todas as peças de vidro, o operador gere o seu trabalho e faz usos de si e dos outros de forma única e com base em valores individuais e coletivos (Schwartz, 2014Schwartz, Y. (2014). Motivações do conceito de corpo-si: Corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, 49(3), 259-274. doi:10.15448/1984-7726.2014.3.19102
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; Schwartz, Duc et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .).

Em outra parte do processo, vê-se que, apesar de a linha de produção Forvet possuir os normativos de operação, não existe nenhuma prescrição quanto ao avanço na lapidação das quatro cabeças das máquinas 1 e 2. A Forvet 3, por ser a máquina mais nova, tem seu valor de avanço na lapidação pré-estabelecido. As cabeças são responsáveis por lapidar e polir os filetes nas laterais das peças de vidro. Como os operadores das Forvet 1 e 2 devem escolher sobre o avanço que colocarão ao operar cada peça, cada um coloca o avanço que acredita trazer um acabamento melhor.

Cada operador coloca o parâmetro que acha melhor. Eu gosto de ver o filete da peça lisinha e brilhando, então, eu vejo o tanto que eu posso lapidar de cada lado da peça. Só tem que ficar de olho para não lapidar muito e a peça ficar menor que a dimensão que o cliente pediu. (José, 2017)

Depois das lapidações, o operador joga água nas ventosas da máquina. As ventosas servem para elevar a peça de vidro e equiparar com as cabeças lapidadoras. Essa prática de jogar água acontece também nas correias que transportam as peças de vidro entre a Chiara e a Francesca - as duas máquinas fazem parte da linha Forvet. O objetivo é limpar qualquer resíduo de pó de vidro que possa existir. Os trabalhadores não souberam responder sobre frequência com que jogam a água, uma vez que não existe uma norma, mas foram unânimes em dizer: “sempre que é lapidada uma peça grande”. O uso de si por si ocorre exatamente quando o trabalhador tem que se posicionar ao perceber que a prescrição da atividade não corresponde ao que de fato será executado. Assim, o trabalhador confronta e cria estratégias de acordo com seus valores e experiências, buscando se adequar ao seu meio (Durrive, 2002Durrive, L. (2002). Formação, trabalho, juventude: Uma abordagem ergológica. Pro-posições, 13(3), 19-30. Recuperado de https://bit.ly/3hue6Gb
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; Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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; Schwartz, Duc et al., 2010eSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010e). Trabalho e uso de si. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 189-204). Niterói, RJ: EdUFF .).

Os trabalhadores envolvidos na atividade foram enfáticos ao explicar que se não jogarem água com certa frequência, as peças futuras podem arranhar por conta do pó de vidro que fica grudado na máquina, o que acarretaria uma perda na operação. Os trabalhadores agem para além das prescrições, pois há os saberes da profissão ali envolvidos, provenientes da experiência e da história de vida de cada um e de todos no trabalho. Portanto, trabalhar é gerir, não é pura execução, é necessário fazer uso do intelectual, da inteligência, do corpo (Schwartz & Echternacht, 2007Schwartz, Y., & Echternacht, E. H. (2007). O trabalho e a abordagem ergológica: “Usos dramáticos de si” no contexto de uma central de tele-atendimento ao cliente. Informática na educação: Teoria & prática, 10(2), 9-24. doi:10.22456/1982-1654.6029
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) em busca da eficácia.

Os operadores, em conjunto, ao decidirem jogar água nas ventosas e nas correias transportadoras, tomaram uma decisão baseada no saber do meio (Saraceno, 2017Saraceno, M. (2017). Trois savants face à l’inconfort intellectuel, histoire d1une rencontre entre science et expérience du travail au début du XXème siècle. Ergologia, (17), 103-126. Recuperado de https://bit.ly/32L43YY
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) e criaram uma norma antecedente. O coletivo é a combinação de indivíduos singulares que reconfiguram o meio, dividem conhecimento e se ajudam de forma mútua, fazendo uso de si e dos outros (Bianco, 2014aBianco, M. F. (Org.). (2014a). A valorização dos saberes no trabalho de processamento industrial de rochas ornamentais. In Competências e gestão: Dialogando com o trabalho e decifrando suas conexões (pp. 15-37). Vitória, ES: UFES., 2014bBianco, M. F. (2014b). Ergologia: uma perspectiva analítica para o trabalho humano. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: Uma abordagem teórico-conceitual (pp. 275-293). Vitória, ES: EDUFES.; Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Scherer et al., 2009Scherer, M. D. A., Pires, D., & Schwartz, Y. (2009). Trabalho coletivo: Um desafio para a gestão em saúde. Revista de Saúde Pública, 43(4), 721-725. doi:10.1590/S0034-89102009000400020
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). Além das dificuldades e da complexidade encontrada no decurso das atividades de trabalho, os operadores reconhecem a profissão como estressante e perigosa. Mas há satisfação por terem sido escolhidos para trabalhar em um setor de máquinas automatizadas, isso traz sentido e significado para o trabalho deles, conforme os seguintes relatos mostram.

Eu gosto de trabalhar na empresa, e eu tenho orgulho em trabalhar na linha de produção Forvet. . . . Apesar de ser um trabalho estressante e perigoso, eu sinto falta quando estou longe. (José, 2017)

Trabalhar no “coração da empresa” é muito gratificante, apesar de ser cansativo e perigoso. Só quem trabalha na Forvet tem o sentimento de ver o vidro saindo com qualidade e com tanta rapidez. Quando eu vejo uma etiqueta da empresa fora do trabalho, em uma peça de vidro, eu fico pensando que aquela peça passou por mim e que agora vai ser usada na casa de alguém ou em um shopping. (Lucas, 2017)

A Forvet traz um conhecimento muito grande para todos nós, já que é uma máquina toda automatizada. E isso é um motivo de orgulho para mim, porque antes eu era ajudante de pedreiro e agora estou aqui operando uma máquina italiana que possui grande capacidade de produção. (Pedro, 2017)

As linhas Forvet, além de exigirem uma responsabilidade maior por parte dos operadores, despertam sentidos e valores que fazem com que eles tenham um sentimento de orgulho e satisfação com o seu trabalho nessas máquinas. Conforme relatos, isso se dá também pelo fato de acreditarem que, por conta do baixo nível de escolaridade que possuem, não lhes incumbiriam de operar uma máquina de tal dimensão tecnológica. Desse modo, o trabalho concebe significado e valores para a vida pessoal e profissional de cada trabalhador (Holz & Bianco, 2014Holz, E. B., & Bianco, M. F. (2014). Ergologia : Uma abordagem possível para os estudos organizacionais sobre trabalho. Cad. EBAPE.BR, 12(ed. esp.), 494-512. Recuperado de https://bit.ly/2ZNdzZQ
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; Schwartz, Duc et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .).

Gerência hierarquizada: a falta de valorização dos saberes operários

Parte do sucesso taylorista se deu pela busca por antecipar a atividade de trabalho humana. Mas o fracasso, pode-se dizer, se deu pela busca por predeterminar os postos de trabalho através de tempos e movimentos (Schwartz, 2010bSchwartz, Y. (2010b). A trama e a urdidura. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 103-109). Niterói, RJ: EdUFF .). Apesar da importância de um procedimento prescrito, não se pode desconsiderar que o real é sempre diferente do que foi antecipado (Bianco, 2014bBianco, M. F. (2014b). Ergologia: uma perspectiva analítica para o trabalho humano. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: Uma abordagem teórico-conceitual (pp. 275-293). Vitória, ES: EDUFES.). O real está ligado com o corpo, o meio, os saberes e a subjetividade do trabalho (Schwartz, Duc et al., 2010aSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010a). A linguagem em trabalho. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 131-148). Niterói, RJ: EdUFF .). Neste estudo, o desprezo ou a falta de valorização dos saberes operários por parte dos ocupantes de níveis superiores da empresa ficou evidente. Podem-se descrever algumas situações analisadas adiante.

Certo dia, o responsável em controlar e distribuir os insumos da empresa pediu para que os operadores da Forvet 3 testassem por um dia o uso de uma nova peça. O responsável pelos insumos se antecipou em dizer das inúmeras vantagens que o uso de tal peça traria, como o aumento na qualidade de lapidação, maior rapidez na hora da troca da peça e redução de desgaste da própria peça. A Forvet possui quatro cabeças que se movimentam para fazer o desgaste das quinas e dar polimento nas peças de vidro. Cada cabeça possui em média oito rebolos e são trocados sempre que se encontram desgastados. Essas trocas acontecem, normalmente, duas vezes ao dia e requerem desgastes físicos. Assim, os operadores se sentiram animados com as vantagens que a nova peça poderia trazer para eles e para o processo, e imediatamente pararam a máquina e fizeram a troca pela nova peça.

Passado o dia de teste, o responsável pelos insumos voltou ao setor e pediu para que os operadores parassem a máquina para ser retirada a peça de teste. A máquina foi parada e a peça retirada. Entretanto, em momento algum os operadores foram questionados se a peça realmente trouxera alguma vantagem ou dificuldade para o processo durante a operação. Ficou evidente que não há valorização dos saberes operários, aspecto que parece ser proveniente de uma cultura e forma de organização do trabalho de concepção taylorista. Nesta perspectiva, existem profissionais próprios para prescrição e outros para execução (Pinto, 2013Pinto, G. A. (2013). A organização do trabalho no século XX: Taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo, SP: Expressão Popular.; Schwartz, Duc et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF .). Apesar de existir uma distância reconhecida entre o que é prescrito e o realizado (Schwartz, 2010cSchwartz, Y. (2010c). Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 37-46). Niterói, RJ: EdUFF .), trabalhada pelos saberes disciplinares há décadas, nessa situação o responsável pelos insumos antecipou os resultados, dizendo que “tinha certeza que as vantagens seriam enormes” (Mário, 2017).

No caso, o responsável desconsiderou que o distanciamento entre o prescrito e o real é uma lacuna a ser preenchida com base nas características particulares do trabalho, envolvendo os operadores, sua história de vida, seu corpo, suas experiências vividas e expectativas, e o meio. Na atividade de trabalho há condições e há sempre valores que permeiam o meio (Chanlat, 2011Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas .; Hassard, 2012Hassard, J. S. (2012). Rethinking the Hawthorne studies: The Western Electric research in its social, political and historical context. Human Relations, 65(11), 1431-1461. doi:10.1177/0018726712452168
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; Schwartz, 2010cSchwartz, Y. (2010c). Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 37-46). Niterói, RJ: EdUFF .; Trinquet, 2010Trinquet, P. (2010). Trabalho e educação: O método ergológico. Revista HISTEDBR On-line, 10(38e), 93-113. doi:10.20396/rho.v10i38e.8639753
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). Ao ser questionado pelo pesquisador/observador sobre os seus modos de agir, o responsável então pergunta aos dois operadores, Antônio e Pedro, o que eles acharam da peça usada. Eles salientam que realmente a peça trará redução de tempo à atividade, uma vez que não precisarão parar a máquina com tanta frequência para fazer a troca dos rebolos. Entretanto, quando o responsável se retira do setor, os operadores enfatizam quanto se sentem sem voz ativa, excluídos das decisões que remetem às suas atividades.

Aqui na empresa se alguém achar que vai ser melhor fazer alguma mudança na máquina em que nós trabalhamos, eles vêm aqui e mudam. O problema é que nunca perguntam nossa opinião nem antes de realizar o projeto, e muito menos depois. Parece que nossa obrigação aqui é só o trabalho manual. (Pedro, 2017)

Não vou falar que eu não fico chateado quando eles vêm aqui e fazem alguma mudança sem nos perguntar, porque eu vou estar mentido. Tanto é que, às vezes, nós estamos dando uma ideia para solucionar um problema recorrente há meses, só que ninguém nos escuta. Aí passa um tempo, a máquina estraga, e eles vêm com a solução que estávamos dando há tempos. Infelizmente aqui dentro da empresa é assim, o operador não tem voz. (Antônio, 2017)

Quando Pedro e Antônio relatam que a opinião deles não é consultada ou que ninguém os escuta, eles ratificam que os operadores das linhas de produção Forvet são vistos pelos seus superiores como simples executores de tarefas. As informações provenientes dos saberes do chão de fábrica não são consideradas pelos ocupantes de cargos em níveis superiores porque sequer são ouvidas. Ou seja, normalmente as decisões são tomadas longe do chão de fábrica, sem qualquer interação para além de ordens entre o operador e a chefia, mesmo que a mudança proposta afete suas atividades (Chanlat, 2011Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas .; Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .) e, portanto, o resultado desse trabalho. Segundo Chanlat (2011)Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas ., quando os trabalhadores deixam de ser ausentes dentro das empresas e passam a ser reconhecidos pelos gestores, consequentemente alcançam visibilidade dentro do ambiente de trabalho. A seguir, alguns relatos dos operadores expressam o que seria o contrário dessa concepção, a indiferença.

Na verdade, eu tenho a sensação que estamos aqui só para produzir, parece que não somos humanos, que não merecemos reconhecimento, parece que isso aqui só se resume a números e perdas. Essa falta de reconhecimento acaba nos deixando desanimados. (Antônio, 2017)

Infelizmente, aqui na empresa nós não somos valorizados, e muito menos reconhecidos. Mas quando você está trabalhando, se quebrar uma peça, duas peças, na hora vai vir um superior aqui questionar sobre essas perdas, falar que temos que ser mais atentos, que isso não pode acontecer. Mas quando tem que dar os parabéns para um operador que alcançou a meta ninguém vem. (José, 2017)

É importante ser reconhecido pelos supervisores, quem não gosta de receber os parabéns? Isso alegra até nosso dia. Só que aqui isso não acontece. Ninguém sabe quem foi o responsável pelo recorde de produção, ou quando ele foi alcançado. Só sabemos que temos que produzir . . . . Se a gente fica longe da meta, somos cobrados, mas quando atingimos não somos valorizados. (João, 2017)

Como visto, a valorização dos saberes dos operadores da linha Forvet se encontra aquém do que os operadores esperam e mesmo do que preconiza a gestão contemporânea para a organização do trabalho (Chanlat, 2011Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas .; Pinto, 2013Pinto, G. A. (2013). A organização do trabalho no século XX: Taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo, SP: Expressão Popular.). Entretanto, apesar desses aspectos que remetem à gestão clássica, os operadores entendem que há um sentimento de grupo no ambiente de trabalho, que existe união, cooperação e determinação por parte de todos os operadores envolvidos no processo.

A gente sempre ajuda um ao outro porque estamos todos em prol do mesmo objetivo. Não adianta eu me ajudar e prejudicar outro. Então, ninguém tem vergonha em falar que está precisando de ajuda, que não está conseguindo. Eu dou uma força para o cara porque sei que, se fosse eu, ele também me daria. A gente sabe o quanto foi difícil chegar até aqui, e isso nos tornou uma equipe madura e fechada. (José, 2017)

Acaba que a gente cria uma amizade aqui dentro da empresa e leva para nossa vida lá fora também. Eu sempre que tenho alguma dúvida acabo mandando mensagem para os caras perguntando o que devo fazer, mesmo que isso seja fora do horário do serviço. Nossa equipe tem uma comunicação boa, e isso traz confiança e comprometimento. (Pedro, 2017)

Ao enfatizarem que existe confiança no coletivo e que no ambiente de trabalho são feitas trocas de conhecimentos e saberes, além de existir ajuda mútua ante as dificuldades reais enfrentadas nas situações de trabalho, eles reforçam a cooperação existente e o trabalho coletivo (Scherer et al., 2009Scherer, M. D. A., Pires, D., & Schwartz, Y. (2009). Trabalho coletivo: Um desafio para a gestão em saúde. Revista de Saúde Pública, 43(4), 721-725. doi:10.1590/S0034-89102009000400020
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; Schwartz, Duc et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF .). Segundo o relato de Pedro, a confiança depositada no outro é tão grande que os laços criados no trabalho, em alguns casos, ultrapassam esse ambiente, transcendem as fronteiras organizacionais.

Dramáticas: em busca das metas de produção e perdas

Em qualquer meio de trabalho existem momentos de sucesso e fracasso (Schwartz, Duc et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF .); entretanto, alguns ambientes de trabalho podem ser caracterizados como mais nocivos para os trabalhadores do que outros (Dejours, 2011Dejours, C. (2011). Texto introductorio: Psicopatología del trabajo - psicodinámica del trabajo. Laboreal, 7(1), 13-16.). Os operadores participantes das linhas de produção focadas no estudo, além de sofrerem com as pressões e tensões a que qualquer operador nessa organização está sujeito, são submetidos também a mais constrangimentos à ação (Maggi, 2016Maggi, B. (2016). De l’agir organisationnel: Un point de vue sur le travail, le bien-être, l’apprentissage: Livre II: Régulation du travail et bien-être. Bologna: TAO Digital Library.), uma vez que este setor é o único da empresa que possui um quadro de indicadores de produção e de perdas associadas, exibido no chão de fábrica. A perda (ou não conformidade) dos itens é sempre algo não desejado pela organização quando se trata de processos produtivos, pois as não conformidades podem gerar retrabalhos, perda de tempo, de material e de mão de obra investida. Por outra ótica, quer-se que os trabalhadores atuem com a visão no futuro, buscando sempre a prevenção (Paladini, 2008Paladini, E. P. (2008). Gestão da qualidade: Teoria e prática. São Paulo, SP: Atlas .) de defeitos. Na empresa, os produtos não conformes (Cerqueira & Martins, 1998Cerqueira, J. P., & Martins, M. C. (1998). Formação de auditores internos da qualidade. São Paulo, SP: Pioneira.) são conhecidos como “perdas”, ou seja, eles não seguem os requisitos especificados.

Nesse contexto, as dramáticas vividas no dia a dia pelos operadores da Forvet se pautam, principalmente, em atingir a meta de produção imposta e não ultrapassar a meta de perdas de peças desejável. Para calcular a meta de produção diária para cada máquina na linha, leva-se em consideração a capacidade de m² de operação da máquina com uma velocidade padronizada, em condições ideais e sem paradas, por seis dias por semana e oito horas por dia (para cada turno). Portanto, para que a meta de produção seja alcançada, é necessário que os operadores não parem a máquina para fazer manutenção, checklist, afiação das ferramentas e troca de rebolos; ou então, que eles aumentem a velocidade da máquina.

Como é de responsabilidade do trabalhador direto as ações e soluções para o não aparecimento das perdas e o aumento de produtividade, os operadores enfrentam uma busca incessante por atingir tais indicadores, visados principalmente pelos gerentes. Os operadores, a todo instante, dizem estar em busca da redução de perdas e do atingimento das metas de produção. Na visão deles, tais metas só não são atingidas por conta do modo como o cálculo é feito, quer dizer, sem considerar as horas paradas da máquina. Resta saber por que interessa determinar a meta dessa maneira, uma vez que certas práticas de gestão podem inibir ao invés de contribuir para o bem-estar no trabalho e, logo, para um resultado melhor (Chanlat, 2011Chanlat, J.-F. (2011). O desafio social da gestão: A contribuição das ciências sociais. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 110-129). São Paulo, SP: Atlas .).

Segundo Dejours (1993Dejours, C. (1993). Inteligência operária e organização do trabalho: A propósito do modelo japonês de produção. In H. Hirata (Org.), Sobre o “modelo” japonês de automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho (pp. 281-309). São Paulo, SP: Edusp.), todo trabalhador busca realizar sua tarefa da melhor forma possível e em consonância com as metas estipuladas pela organização, mas para o sucesso com as metas, estas devem ser coerentes com a realidade do ambiente de trabalho. Na visão do autor, caso as metas não sejam atingíveis, elas podem trazer desgaste, desmotivação e sofrimento para o operador. Pode-se refletir melhor por meio do relato de dois operadores:

É bom saber quanto estamos produzindo, qual é a meta diária, o índice de perda. Só que infelizmente nós todos sabemos que aqueles números não são reais. A gente tem horário de trabalho, meta de produção por hora, parada de processo, parada de manutenção, parada de limpeza, ida ao banheiro. E essas paradas não são contabilizadas no quadro, então aquilo não é real. Eu faço meu trabalho e todo dia busco alcançar a meta de produção, mas ela nunca vem. Isso acaba nos desmotivando, fica parecendo que a culpa é nossa, que estamos aqui fazendo corpo mole. (Antônio, 2017)

A gente fica chateado com os valores em vermelho, porque a gente trabalha com o objetivo de atingir a produção sem perder nenhuma peça. Como a gente trabalha feito louco, a gente sempre acha que conseguiu atingir a meta, mas no outro dia quando vamos olhar no quadro de indicadores vem a decepção. Isso é muito chato, porque fica parecendo que ficamos aqui o dia todo à toa, sem fazer nada, só olhando para o tempo, mas não é verdade. Nós sabemos o quanto estamos trabalhando… só falta os superiores enxergarem isso e calcular a meta com os tempos de parada da máquina. (Pedro, 2017)

Ao analisar os relatos percebe-se certa angústia pelo não alcance da meta, vê-se que os operadores vivem uma confrontação com o meio, em busca de soluções. Como o trabalho está ligado a valores e história, o operador se sente responsável pela atividade, logo, pelo cumprimento das metas propostas pela organização, e se depara com uma prescrição que ele, embora se esforce, considera inalcançável. As dramáticas do uso de si são “tudo aquilo que é a confrontação em um momento particular, no qual tentamos encontrar uma solução, com toda a nossa história” (Schwartz, Duc et al., 2010cSchwartz, Y., Duc, M., & Durrive, L. (2010c). Técnicas e competências. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 85-102). Niterói, RJ: EdUFF ., p. 89). Tais dramáticas podem se dar por conta das escolhas a serem feitas e dos debates de normas envolvidos em cada situação, exigindo se ajuizarem valores muitas vezes contraditórios (Athayde & Brito, 2011Athayde, M., & Brito, J. (2011). Ergologia e clínica do trabalho. In P. F. Bendassolli & L. A. P. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 258-281). São Paulo, SP: Atlas.), pois são essas possíveis tentativas fracassadas que remetem ao sofrimento (e não só) no trabalho, ou seja, às dramáticas de uso de si (Athayde & Brito, 2010Athayde, M., & Brito, J. (2010). Introdução à edição brasileira: Ergologia é um livro-ferramenta, uma tecelagem que se propaga. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF.; Cunha, 2013Cunha, D. M. (2013). L’ergologie et la psychosociologie du travail: Inconfort intellectuel, intersections conceptuelles et travail en commun. Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15(1), 77-90. doi:10.3917/nrp.015.0077
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), pois os trabalhadores necessitam fazer escolhas em suas atividades, mesmo que estas sejam feitas de maneira inconsciente e correndo riscos de errar (Durrive & Jacques, 2010Durrive, L., & Jacques, A. M. (2010). O formador ergológico ou “Ergoformador”: Uma introdução à ergoformação. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 295-307). Niterói, RJ: EdUFF .). O trabalho nunca é neutro, pois trabalhar é fazer escolhas, é gerir-se (Schwartz, 2004aSchwartz, Y. (2004a). Circulações, dramáticas, eficácias da atividade industriosa. Trabalho, educação e saúde, 2(1), 33-55. doi:10.1590/S1981-77462004000100004
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). Dramáticas permeadas de escolhas e valores estão presentes nas linhas Forvet, confirmando que “trabalhar é necessariamente correr um risco” (Durrive & Jacques, 2010Durrive, L., & Jacques, A. M. (2010). O formador ergológico ou “Ergoformador”: Uma introdução à ergoformação. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 295-307). Niterói, RJ: EdUFF ., p. 306).

Para os operadores, além de mudar a forma de calcular a meta de produção e de perdas, os superiores deveriam também levar em consideração o dia a dia, suas demandas, uma vez que atingir a meta de produção é mais fácil quando se processam peças grandes e sem recortes, e quando a máquina está em plenas condições de operar. Os extratos ilustram isso:

Eu fico chateado pelo esforço que eu faço, porque é um esforço muito grande. É um trabalho exigente, a gente faz o máximo, mas nem sempre o equipamento dá condições. Acho que quando os indicadores não são atendidos, os nossos superiores deveriam verificar o porquê . . . . Não adianta olhar só número, tem que analisar o que aconteceu. Se a peça é sem recorte e é grande, é mais fácil atingir a meta, mas quando são peças pequenas e com recortes, dificilmente a meta será atingida. (José, 2017)

Eu me sinto muito chateado com nossas condições aqui na empresa, porque nós passamos o problema da máquina, às vezes identificamos o problema, falamos com a manutenção, mas eles nunca buscam sanar o problema a fundo. Nossos superiores só nos cobram e não cobram a manutenção. . . . Aqui a gente briga para ver quem é o culpado, porque sempre recai para o operário da Forvet. Nós somos muito cobrados por redução de perdas, mas muitas vezes não depende só de nós, a máquina também tem que estar em boas condições. (Lucas, 2017)

Apesar de os operadores na maioria dos dias não conseguirem atingir nem as metas de produção nem as de perdas (não conformidades), no dia em que as metas são atingidas, o sentimento de satisfação para os operadores vem à tona. Ou seja, caso as metas prescritas fossem mais reais, poderia trazer mais mobilização e engajamento por parte deles. Consequentemente, traria mais vínculos positivos com o trabalho e com a empresa.

Hoje o quadro de indicadores consegue trazer as informações que precisamos. . . . ele nos mostra a quantidade que produzimos no dia e quanto de vidro perdemos. Ver o quadro de indicadores escrito com caneta vermelha me incomoda muito, pois parece que eu não estou dando meu melhor. Mas, quando o quadro de indicadores está escrito de caneta azul, ele reflete o meu trabalho, ele consegue mostrar a minha satisfação em forma de números. Ele, além de me fazer refletir e pensar o que fiz de errado no dia anterior, me faz pensar também o que fiz para que desse tudo certo. (Antônio, 2017)

Olhar para esse quadro todo vermelho me faz pensar no que eu errei, no que posso melhorar. Ah, mas quando eu vejo que os números estão escritos em caneta azul, que nós conseguimos atingir a meta de produção e de perda, eu me sinto o cara mais feliz dentro dessa fábrica. Apesar das dificuldades . . ., conseguir alcançar os números que são esperados por nossos superiores é gratificante. Eu sinto que meu dever foi cumprido. (João, 2017)

No período de observação viu-se quanto é difícil e pouco frequente o alcance das metas no setor: em dois meses de acompanhamento a meta de produção no setor só foi alcançada duas vezes. É possível ver que o trabalho é pautado em sofrimento e prazer (Dejours, 1993Dejours, C. (1993). Inteligência operária e organização do trabalho: A propósito do modelo japonês de produção. In H. Hirata (Org.), Sobre o “modelo” japonês de automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho (pp. 281-309). São Paulo, SP: Edusp.). O trabalhador se angustia ao confrontar-se com as metas impostas e mal-elaboradas, com problemas de gestão evidentes, como a falta de comunicação e escuta das reclamações dos que operam “o coração da empresa”, e com a pressão de certo modo desnecessária impostos pela gerência na organização. Esse sofrimento acaba trazendo um sentimento de frustração, que não beneficia os indicadores e, ainda, pode vir a comprometer a saúde mental. Porém, quando uma meta é alcançada, tudo parece melhor, e o trabalho é responsável também por trazer prazer (Bendassolli, 2011Bendassolli, P. F. (2011). Crítica às apropriações psicológicas do trabalho. Psicologia & Sociedade, 23(1), 75-84. doi:10.1590/S0102-71822011000100009
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; Dejours, 1993Dejours, C. (1993). Inteligência operária e organização do trabalho: A propósito do modelo japonês de produção. In H. Hirata (Org.), Sobre o “modelo” japonês de automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho (pp. 281-309). São Paulo, SP: Edusp., 2011Dejours, C. (2011). Texto introductorio: Psicopatología del trabajo - psicodinámica del trabajo. Laboreal, 7(1), 13-16.).

Neste artigo explorou-se pouco essa pauta de constrangimentos e sofrimento impostos pelo tipo de trabalho e setor por questão de espaço, no entanto há aspectos relacionados a saúde e segurança que impõem sofrimento, em que as dramáticas vividas são evidenciadas com clareza. O estudo mostrou que, na empresa, acontecem muitos cortes entre o punho e a mão, uma vez que é um membro muito utilizado para o transporte das peças de vidro. Nesse aspecto, alguns relatos podem ser destacados:

Eu fui carregar uma peça de vidro e acabei cortando a palma da mão e três dedos. Não foi nada sério, mas não quero passar por isso de novo. Até hoje sinto receio em segurar peças do tipo que me cortou. Toda vez que eu tenho que manusear esse tipo de peças de vidro, sinto que acontecerá um acidente de novo. (Pedro, 2017)

O trabalho é muito perigoso. A empresa disponibiliza os [equipamentos de proteção individual], mas eu faço minha análise de risco. Eu analiso o que eu posso fazer e o que eu não posso. Já tive experiências de acidentes e cheguei a entrar em depressão. Eu não pretendo passar por isso de novo, pois eu poderia ter sido mandado embora e me vi em uma situação sem amparo nenhum. (Antônio, 2017)

Além de seguirem as normas de segurança da empresa, usando os equipamentos de proteção individual, por conta do distanciamento existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real, os trabalhadores recriam as normas de segurança em busca de prevenção contra os acidentes de trabalho. E como jamais se trabalha totalmente sozinho, ao fazerem a renormalização, os operadores fazem usos de si por si e pelos outros (Schwartz, 2000Schwartz, Y. (2000). Trabalho e uso de si. Pro-posições , 5(32), 34-50. Recuperado de https://bit.ly/32L4GSk
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; Schwartz, Duc et al., 2010aSchwartz, Y. (2010a). A dimensão coletiva do trabalho e as entidades coletivas relativamente pertinentes (ECRP). In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 149-164). Niterói, RJ: EdUFF ., 2010cSchwartz, Y. (2010c). Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 37-46). Niterói, RJ: EdUFF .).

Na discussão realizada, pôde-se compreender a existência de normas antecedentes, que não são capazes de tudo antecipar, de debates de normas e de renormalizações em cada uma das diferentes situações de trabalho vivenciadas, além das dramáticas do corpo-si envolvidas.

Considerações finais

Buscou-se analisar as situações de trabalho envolvendo a operação nas linhas de produção automáticas Forvet de uma empresa beneficiadora de vidros. Para refletir sobre o trabalho e as situações escolheu-se a abordagem ergológica, que convida a ir ver o trabalho de perto. O material foi produzido por meio de análise documental, observação direta das atividades no chão de fábrica e entrevistas. Ao final, ficou evidente a marca de uma gestão autoritária exercida por parte dos superiores, pautada por uma concepção clássica taylorista de organização do trabalho e, portanto, distante do discurso contemporâneo de organização e gestão, que acaba por desvalorizar os saberes operários no setor organizacional estudado. Observou-se que sequer são ouvidas as informações pertinentes ao seu fazer repassadas pelos operadores do chão de fábrica aos superiores, nem mesmo quando esses possuem uma solução prática para os problemas emergentes nesse meio. Essa não valorização dos saberes operários faz com que os operadores se sintam menos humanos e “ausentes”, embora dentro e pressionados pelo meio e pelas metas impostas pela empresa, calculadas de modo quase amador ou baseadas em postura ideológica implícita.

O estudo mostrou as dramáticas vivenciadas pelos operadores ao fazer a gestão do seu trabalho, os usos de si em busca do atingimento das metas, mal calculadas, de produção e de perdas. Como as normas não são capazes de antecipar tudo, os trabalhadores realizam renormalizações do trabalho, buscando encontrar uma solução das demandas laborais diárias, fazendo usos de si por si e pelos outros. O trabalho nas linhas de produção Forvet é fonte de sofrimento e de prazer para estes operadores, produzindo dramáticas de usos de si, pois os trabalhadores sofrem devido à não valorização dos saberes operários, à falta de autonomia, à sujeição às metas mal-elaboradas e à pressão para o atingimento dessas metas. Entretanto, o trabalho é também pautado no prazer, devido à satisfação evidente demonstrada por todos os operadores quando as metas são atingidas, e pela satisfação por trabalharem em uma linha de produção automatizada, a eles confiada, linha que segundo todos “é o coração da empresa”, onde eles mesmos desenvolvem os saberes necessários para operá-la. A pesquisa buscou que os operadores envolvidos, além de participar na produção dos dados, refletissem sobre o seu trabalho e verbalizassem aspectos esclarecedores de suas atividades, estimulando o empoderamento de seus saberes.

Assim, entende-se que esta pesquisa se desenvolveu buscando o proposto pela ergologia, indo ver o trabalho de perto, para conhecer as dificuldades enfrentadas no ambiente de trabalho sob o ponto de vista de quem realiza as atividades e se posiciona diante das discrepâncias de normas existentes, fazendo usos de si por meio dos debates de normas com seus conhecimentos e valores (Duraffourg et al., 2010Duraffourg, J., Duc, M., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o ponto de vista da atividade. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 47-82). Niterói, RJ: EdUFF .; Durrive & Jacques, 2010Durrive, L., & Jacques, A. M. (2010). O formador ergológico ou “Ergoformador”: Uma introdução à ergoformação. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 295-307). Niterói, RJ: EdUFF .; Moraes & Schwartz, 2017Moraes, T. D., & Schwartz, Y. (2017). Ergological perspectives for the use of driving simulators. Temas em Psicologia, 25(4), 1589-1604. doi:10.9788/tp2017.4-06pt
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; Noel et al., 2010Noel, C., Revuz, C., & Durrive, L. (2010). O trabalho e o sujeito. In Y. Schwartz & L. Durrive (Orgs.), Trabalho & ergologia: Conversas sobre a atividade humana (2a ed., pp. 223-243). Niterói, RJ: EdUFF .; Schwartz, 1996Schwartz, Y. (1996). Trabalho e valor. Tempo social, 8(2), 147-158. doi:10.1590/ts.v8i2.86429
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, 2004bSchwartz, Y. (2004b). Trabalho e gestão: Níveis, critérios, instâncias. In M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (Orgs.), Labirintos do trabalho: Interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 23-36). Rio de Janeiro, RJ: DP&A.). Foi possível observar que os debates de normas e as renormalizações, além dos usos de si por si e por outros, são aspectos sem dimensão que interferem no mundo organizacional e fazem repensar sobre alguns conceitos e práticas enraizados na administração, pautados pela teoria clássica, que insistem em dominar o cenário em empresas que crescem e não profissionalizam e atualizam de fato as concepções de gestão. Tais análises, entende-se, podem contribuir para a reflexão de gestores atuais e futuros, e para o desenvolvimento da área.

Acredita-se que as ferramentas gerenciais devem se pautar pela normatização, mas os saberes contextualizados são relevantes e não podem ser ignorados. Há limitações das normas perante a imposição do viver, o qual renormaliza e cria para ajustar-se às complexidades do meio - micro e macro inter-relacionados. As contribuições da ergologia estão em evidenciar essas singularidades do viver para, aos poucos, ter mais reconhecimento enquanto analítica, ampliando sua visibilidade e a importância da interdisciplinaridade nos estudos organizacionais e do trabalho. Assim, pode abrir portas para o desenvolvimento e aprimoramento de instrumentos mais adequados e renovados, expondo problemas e desvendando soluções e melhoramentos a partir do que as pessoas realmente fazem.

Como limitações do estudo destaca-se o curto tempo de observação localizada num setor em conformidade com o que foi acordado com a organização. A observação de mais situações pertinentes ao tema traria, quem sabe, compreensão de aspectos mais gerais de toda a empresa. Para os estudos futuros sugere-se acompanhar os operadores buscando-se compreensões comparadas entre as situações de trabalho dos operadores da Forvet, com metas superdimensionadas e expressas em quadros, e outros setores com diferentes realidades; se possuem conhecimento das metas de produção, se e como as cumprem; quais aspectos envolvem a saúde dos trabalhadores de toda a empresa por conta do ambiente fabril na beneficiadora de vidros que, embora não discutido neste artigo, teve muitas críticas evidenciadas na pesquisa e pertinentes para futuras análises visando esse setor econômico.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Brasil - código de financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2018
  • Aceito
    10 Out 2019
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