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Podemos Co-Construir um Campo de Gestão/Administração Engajado com a Maioria?

Resumo

Dinâmicas contrárias à vida da maioria, mobilizadas pelo capitalismo neoliberal neoimperial rumo ao populismo neofascista, ficaram virtualmente invisibilizadas para o campo da gestão/administração. Analisamos esse quadro de radicalização da colonialidade global em uma era de império e descolonização protagonizado pelo neoliberalismo contrarrevolucionário, enfrentando dinâmicas de desocidentalização e descolonização, a partir de um diálogo Sul-Norte entre Teoria/Opção Pensamento Decolonial e Realismo Crítico. Por meio da proposição de um framework transmoderno crítico/decolonial, desvelamos dinâmicas de invisibilização/visibilização contrárias à vida da maioria alimentadas por dinâmicas de negação e apropriação-contenção de materialidades e epistemes sulistas, lideradas e invisibilizadas pelo discurso dominante de mercado livre que vem sendo reproduzido e contestado pela universidade liberal e suas escolas de negócios/gestão. Ao final, propomos a recuperação da relevância ampliada da “administração/gestão” engajada com a maioria, por meio de dinâmicas de reapropriação para a de-subalternização do invisibilizado engajado com a práxis transmoderna de libertação-emancipação e “des-celebração” do mercado livre.

pensamento decolonial; realismo crítico; transmodernidade; neoliberalismo; colonialismo

Abstract

Dynamics contrary to the life of the majority mobilized by neo-imperial neo-liberal capitalism evolving toward neo-fascist populism has become virtually invisible to the field of Management/Administration, which is driven by dynamics of appropriation-contention focused on alternatives and transmodern epistemes of the emerging South-East. We analyze this picture of radicalization of global coloniality within the context of counterrevolutionary neoliberalism facing dynamics of dewesternization and decoloniality from a South-North dialogue between Decolonial Theory/Option and Critical Realism. By proposing a critical/decolonial transmodern framework, we unveil dynamics of invisibilization/visibilization against the life of the majority, invisibilized by market sub-theorization and dominant discourse and by the liberal university and its business/management schools. In the end, we propose to recover the expanded relevance of “administration/management” engaged with the majority, through reappropriation dynamics based on de-subalternization of non-market and ‘de-celebration’ of free market.

decolonial theory; critical realism; transmodernity; neoliberalism; colonialism

Introdução

Pesquisadores, educadores e intelectuais do Sul Global engajados com dinâmicas decoloniais têm desafiado a cumplicidade do campo da gestão/administração na construção de uma hipermodernidade capitalista, que coloniza e ameaça a vida da maioria, compreendida como população heterogênea composta pelos que não ocupam espaços privilegiados de poder ( Davila, 1991Davila, C. (1991). The Evolution of Management Education and Development in Latin America. Journal of Management Development, 10 (6), 22-31. doi:10.1108/02621719110143543 ; Guerreiro-Ramos, 1981Guerreiro-Ramos, A. (1981). The New Science of Organizations: A Reconceptualization of the Wealth of Nations . Toronto: University of Toronto Press. ; Paes de Paula, 2008Paes de Paula, A. P. (2008). Maurício Tragtenberg: contribuições de um marxista anarquizante para os estudos organizacionais críticos. Revista de Administração Pública, 42 (5), 949-968. doi:10.1590/S0034-76122008000500007 ). Em resposta à ascensão do Sul/Leste em escala global a partir dos anos 1960-70, as seguidas crises do Capitalismo Neoliberal Global (CNG), em transição para autoritarismo populista neofascista, são acompanhadas pela radicalização da face racista/colonialista/patriarcal da modernidade capitalista ( Santos, 2018Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. ), que ao normalizar nossa impotência política ( Berardi, 2019Berardi, F. (2019). Futurability: The Age of Impotence and the Horizon of Possibility . New York: Verso. ), impulsiona alternativas e epistemes “outras”, mobilizadas em escala global por uma maioria “sulista” interconectada e invisibilizada (Santos).

Em resposta a ameaças supostamente essencialistas/separatistas geradas pelo Sul-Leste emergente, os âmbitos de pesquisa e educação em gestão/administração têm reproduzido dinâmicas neoimperiais de apropriação e contenção em escala global por meio do discurso de mercado livre ( Gills, 2014Gills, B. K. (2014). Interview: Barry K. Gills. Globalizations, 11 (4), 561-572. doi:10.1080/14747731.2014.951230 ). Esse, por sua vez, é um dos artefatos principais da contrarrevolução neoliberal da hipermodernidade capitalista ( Santos, 2018Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. ), comandada pelo capital transnacional e elites privilegiadas dos Estados Unidos ( Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press. ). Impulsionado pela virada cultural-discursiva e teorias pós-modernas reproduzidas pela universidade neoliberal e suas escolas de gestão/negócios ( Fırat & Dholakia, 2006Fırat, A. F., Dholakia, N. (2006). Theoretical and philosophical implications of postmodern debates: some challenges to modern marketing. Marketing Theory, 6 (2), 123-162. doi:10.1177/1470593106063981 ), associadas a um sistema nortista de think tanks e mídia corporativa mobilizado por uma rede elitista de conhecimento ( Parmar, 2019)Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 , esse discurso contrarrevolucionário apropria capital e poder da maioria e redistribui para uma minoria privilegiada. Esses discursos e materialidades correspondentes invisibilizam e demonizam as ideias de liberdade mobilizadas cotidianamente por movimentos antirracismo, anticolonialismo e antissexismo e por teorizações-práticas sulistas correspondentes vinculadas a comunitarismo, pós-capitalismo e socialismo, por meio de dinâmicas neoimperiais de apropriação e contenção que visibilizam os discursos de mercado livre como única alternativa em escala global para derrotar o Estado eurocêntrico opressor e insurgências essencialistas ou separatistas. Tais dinâmicas de visibilização/invisibilização ajudam a promover apropriação e contenção de desenvolvimentos decoloniais heterogêneos do Sul-Leste emergente, gerados a partir de dinâmicas transmodernas de reapropriação solidária ( Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On The Coloniality of Being. Cultural Studies, 21 (2-3), 240-270. doi:10.1080/09502380601162548 ; Reiter, 2018)Reiter, B. (Ed.). (2018). Constructing the pluriverse: the geopolitics of knowledge. Durham: Duke University Press. .

Os discursos supremacistas pró-liberdade, que apropriam teorias-práticas de emancipação no Norte e de libertação no Sul, têm sido radicalmente renovados em oposição a dinâmicas de desocidentalização e descolonização informadas pela emergência/ressurgência de “invisibilizados”, acompanhadas de vasta ecologia de conhecimentos mobilizada pela maioria em escala global, dentro e fora da academia ( Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ; Santos & Meneses, 2014)Santos, B. S., Meneses, M. P. (2014). Epistemologias do Sul . São Paulo, SP: Cortez. . Esse quadro informa o combate civilizatório à ascensão de um sul “hostil”, as respostas radicais à surpreendente e “ameaçadora” globalização da Revolução Zapatista em Chiapas, e a ressurgência correspondente de alternativas transmodernas e epistemes solidárias de emancipação-libertação, contrárias à radicalização opressiva do capitalismo/racismo/patriarcado ( Santos, 2018)Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. . Ao desafiarem a radicalização neoliberal contrária à vida em escala global ( Higgins, 2004)Higgins, N. P. (2004). Understanding the Chiapas Rebellion: modernist visions and the invisible Indian . Austin: University of Texas Press. , esses movimentos são, então, classificados como “essencialismo/separatismo” e submetidos a novos mecanismos de extermínio, vigilância militarizada e dinâmicas de invisibilização-visibilização e apropriação-contenção, protagonizadas pelo sistema dominante de conhecimento liderado pela academia neoliberal ( Giroux, 2014)Giroux, H. A. (2014). Neoliberalism’s War on Higher Education . Chicago: Haymarket Books. .

O campo da gestão/administração mobiliza em escala global tais dinâmicas de apropriação-contenção, de classificação anti-essencialismo de epistemes “outras” acompanhadas de visibilização-invisibilização contrárias à vida da maioria ( Stivers, 2007Stivers, C. (2007). “So poor and so black”: hurricane Katrina, public administration, and the issue of race. Public Administration Review, 67 , 48-56. doi:10.1111/j.1540-6210.2007.00812.x ). Por exemplo, o discurso neoimperial de mercado livre tem sido mobilizado para descolonizar seletivamente a contestada, heterogênea e subalternizada área de administração pública em diversos cantos do mundo ( Farazmand, 1999Farazmand, A. (1999). Globalization and Public Administration. Public Administration Review, 59 (6), 509. doi:10.2307/3110299 ), e apropriar-conter e invisibilizar desenvolvimentos críticos/descoloniais sulistas, engajados com a maioria e com um sentido de relevância pública que vai além da conceituação nortista dominante de “administração pública” (e. g. Couto & Carrieri, 2018Couto, F. F., Carrieri, A. P. (2018). Enrique Dussel e a Filosofia da Libertação nos Estudos Organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 16 (4), 631-641. doi:10.1590/1679-395169213 ; Ehrnström‐Fuentes, 2016Ehrnström‐Fuentes, M. (2016). Delinking legitimacies: A pluriversal perspective on political CSR. Journal of Management Studies, 53 (3), 433-462. doi:10.1111/joms.12173 ; Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 ; Nkomo, 2015)Nkomo, S. M. (2015). Challenges for Management and Business Education in a “Developmental” State: The Case of South Africa. Academy of Management Learning & Education, 14 (2), 242‑258. doi:10.5465/amle.2014.0323 . O binarismo Norte-Sul é rearticulado em escala global por meio de dinâmicas de descolonização-recolonização, visibilização-invisibilização e apropriação-contenção, contrárias à vida da maioria e viabilizadas por projetos neoimperiais em nome da liberdade.

O discurso de mercado livre vem sendo contestado em escala global por pesquisadores sulistas de diversas áreas do campo, tais como marketing (e.g. Fırat, 2010Fırat, A. F. (2010). Commentaries on the state of journals in marketing. Marketing Theory, 10 (4), 437-455. doi:10.1177/1470593110382827 ; Vieira, 2003Vieira, F. G. D. (2003). A soberania do consumidor como um mito perante situações de redução de embalagens no mercado brasileiro . Artigo apresentado no 27o Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Atibaia, SP. ), gestão estratégica (Faria, Imasato, & Guedes, 2014; Frynas, Child, & Tarba, 2017) e administração pública (e.g. Abdalla & Faria, 2019Abdalla, M. M., Faria, A. (2019). Local development versus neoliberal globalization project: reflecting on market-oriented cities. Revista de Administração Pública, 53 (1), 84-100. doi:10.1590/0034-761220170088 ; Candler, 2014Candler, G. G. (2014). The Study of Public Administration in India, the Philippines, Canada and Australia: the Universal Struggle Against Epistemic Colonization, and Toward Critical Assimilation. Revista de Administração Pública, 48 (5), 1073-1092. doi:10.1590/0034-76121716 ; Paes de Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas, 45 (1), 36-49. doi:10.1590/S0034-75902005000100005 ; Silva & Abdalla, 2020)Silva, A. O., Abdalla, M. M. (2020). Desenvolvimento? Para Quem? Relações Estratégicas entre Empresa e Sociedade: o lado obscuro da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Revista Eletrônica de Administração, 26 (1), 49-80. doi:10.1590/1413-2311.276.95590 . Autores criticam a cumplicidade desse discurso com o aprofundamento de desigualdades discriminatórias, mas virtualmente ignoram as dinâmicas neoimperiais contrarrevolucionárias de visibilização-invisibilização e apropriação-contenção contrárias à vida da maioria, com foco em desenvolvimentos transmodernos solidários em gestão/administração que vão além do duradouro binarismo Norte-Sul e do próprio campo como o conhecemos.

As ideias contrarrevolucionárias de mercado, hipervisibilizadas por discursos neoliberais, invisibilizam tanto a radicalização em escala global do lado mais sombrio da hipermodernidade capitalista quanto o lado libertador das dinâmicas de desocidentalização e de decolonização, que informa desenvolvimentos transmodernos sulistas no Norte e Sul geográficos ( Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ). Esse quadro é informado não apenas pela radicalização da geopolítica do capitalismo e do conhecimento, mas também pela escassez de diálogos Sul-Norte, engajados com a maioria, que desafiem esse complexo epistêmico-cognitivo-material neoimperial ( Parmar, 2019Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 ; Santos, 2018)Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. e reapropriem práticas-teorias transmodernas de conhecimentos negados, apropriados e contidos em nome da liberdade de todos. Dentre movimentos e conceituações teórico-práticas que recuperam um senso público de relevância ampliada no campo, destacamos administração popular, auto-organização, autogestão e autodesenvolvimento ( Paes de Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas, 45 (1), 36-49. doi:10.1590/S0034-75902005000100005 ; Parker, Cheney, Fournier, & Land, 2014), assim como comunitarismo, sociologia pública e universidade descolonizada ( Burawoy, 2005Burawoy, M. (2005). For Public Sociology. American Sociological Review, 70 (1), 4-28. doi:10.1177/000312240507000102 ; Mbembe, 2016Mbembe, A. J. (2016). Decolonizing the university: New directions. Arts and Humanities in Higher Education, 15 (1), 29-45. doi:10.1177/1474022215618513 ; Souza, 2001)Souza, C. (2001). Participatory budgeting in Brazilian cities: limits and possibilities in building democratic institutions. Environment and Urbanization, 13 (1), 159-184. doi:10.1177/095624780101300112 .

Com base em diálogo transmoderno Sul-Norte engajado com a maioria, protagonizado neste artigo por Realismo Crítico (RC) e Pensamento Decolonial (PD), investigamos esse quadro complexo de colonialidade em escala global, impulsionado por dinâmicas de visibilização/invisibilização e apropriação-contenção, por meio de duas questões: como dinâmicas neoimperiais contrárias à maioria em escala global foram virtualmente invisibilizadas em gestão/administração? Como a recuperação de diálogos transmodernos Sul-Norte pode promover condições para a co-construção de um campo mais público de Gestão/Administração engajado com a maioria? Desvelamos dinâmicas contrarrevolucionárias invisibilizadas por discursos hegemônicos visibilizados pelo CNG para propor a reapropriação da relevância ampliada do campo, por meio de de-subalternização do não-mercado e “des-celebração” do mercado livre.

Um diálogo transmoderno Sul-Norte via pensamento decolonial e realismo crítico

A revolução neoliberal inaugurada nos EUA nos anos 1960-70, em um contexto de processos de descolonização sem precedentes na África e Ásia – conectados a dinâmicas de desocidentalização do capitalismo e de radicalização de movimentos de direitos civis e antirracismo nos EUA –, prometeu liberdade e direitos para todos via radicalização da democracia de mercado. Dentro e fora da contestada universidade predominantemente branca/ocidentalizada em transformação ( Joseph, 2006Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. ), discursos neoliberais contrarrevolucionários foram mobilizados e hipervisibilizados por oligarquias privilegiadas, pela mídia corporativa e pelo capital transnacional ( Parmar, 2019Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 ), que apropriaram discursos, capital, poderes, lutas e teorias-práticas mobilizados pela (e para a) maioria e ajudaram a invisibilizar a violenta realidade vivida por uma crescente população engajada em lutas solidárias cotidianas correspondentes, em particular contra a crescente desigualdade discriminatória no Norte Global. Em resposta à ascensão do Sul e dinâmicas continuadas de descolonização dentro e fora da universidade neoliberal cada vez menos pública ( Ehrnström‐Fuentes, 2016Ehrnström‐Fuentes, M. (2016). Delinking legitimacies: A pluriversal perspective on political CSR. Journal of Management Studies, 53 (3), 433-462. doi:10.1111/joms.12173 ), as seguidas crises do CNG em transição para uma era de autoritarismo populista neofascista são informadas pela regeneração continuada desse discurso supremacista de mercado livre, acompanhada de dinâmicas de descolonização/recolonização seletiva focadas em epistemes transmodernas alternativas, engajadas com a maioria.

Segundo autores decoloniais, o campo da gestão/administração em expansão territorial sem precedentes é um artefato estratégico da colonialidade global ( Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 ). Este vem sendo mobilizado pelo CNG, em resposta contrarrevolucionária a epistemes engajadas com a maioria, impulsionadas por praxes transmodernas de reapropriação solidária e dinâmicas de desocidentalização/descolonização ( Ibarra-Colado, 2011Ibarra-Colado, E. (2011). Introduction: Critical Approaches to Comparative Studies in Organizations: From Current Management Knowledge to Emerging Agendas. Canadian Journal of Administrative Sciences, 28 (2), 154-159. doi:10.1002/cjas.212 ). Múltiplos movimentos decoloniais impulsionam não apenas dinâmicas de libertação e emancipação engajadas com a maioria no Sul e Norte, mas também dinâmicas “defensivas” de descolonização-recolonização. Por exemplo, a subalternizada, contestada e heterogênea área de administração pública ( Farazmand, 1999Farazmand, A. (1999). Globalization and Public Administration. Public Administration Review, 59 (6), 509. doi:10.2307/3110299 ; Painter & Peters, 2010Painter, M., Peters, B. (2010). Tradition and Public Administration . Basingstoke: Springer. ) continua sendo simultaneamente “des-colonizada” e “re-colonizada” por poderes privilegiados, que usam para expansão ‘defensiva’ epistemes decoloniais impulsionadas pela transmodernidade em um mundo pluriversal em que diversos mundos coexistem (Dussel, 2013a).

Invisibilizada pelos discursos supremacistas da “boa governança”, a área vem sofrendo ataques econômico-político-militares profundos, dentro e fora da universidade cada vez menos pública, primeiro no Sul e depois no Norte a partir do final dos anos 1960 ( Kamola, 2019Kamola, I. (2019). The Long ’68: African Anticolonialism and the Emergence of a World University System. Cultural Politics, 15 (3), 303-314. doi:10.1215/17432197-7725451 ). Esses ataques demonizam e apropriam a face socialista/não-capitalista/pós-capitalista/pós-socialista da realidade global em transição, mobilizada por diversas tradições de “administração pública” e pela igualmente contestada sub-área de administração do desenvolvimento ( Hirschmann, 1981Hirschmann, D. (1981). Development or underdevelopment administration? A further ‘deadlock’. Development and Change, 12 (3), 459-479. doi:10.1111/j.1467-7660.1981.tb00809.x ; Puppim de Oliveira, Jing, & Collins, 2015). Nos EUA, essa radicalização da hipermodernidade/colonialidade capitalista impulsionou dinâmicas de subalternização anti-separatismo, nos anos 1970, de progressivismos alternativos em administração pública ( Miller, 1994)Miller, H. T. (1994). Post-progressive public administration: Lessons from policy networks. Public Administration Review, 54 (4), 378-386. doi:10.2307/977386 , particularmente aqueles informados por desenvolvimentos solidários, recuperados pelo movimento Black Power Civil Rights e pela transmodernidade impulsionada por dinâmicas de decolonização/desocidentalização em escala global ( Joseph, 2006)Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. . Essa face patriarcal-colonial-racista da contrarrevolução neoliberal continua moldando teorias-práticas “globalmente inclusivas” no campo da gestão/administração, e impulsionando a visibilização de discursos neoimperiais que reproduzem a ideia ocidentalista de democracia liberal e invisibilizam a maioria e suas respectivas lutas e epistemes transmodernas de libertação-emancipação. Tais discursos resultam de apropriações-contenções invisibilizadas pelo sistema neoliberal de universidades comandado pelo Norte, com suporte de aliados do Sul ( Parmar, 2019Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 . Historiografias que reforçam tais dinâmicas contrarrevolucionárias continuam sendo contestadas por historiografias informadas pela práxis transmoderna, que são, então, apropriadas-contidas e classificadas como “essencialismos” sulistas contrários à liberdade, tais como aquelas protagonizadas por autores Afro-Americanos nos EUA ( Allen, 2001Allen, R. L. (2001). The Globalization of White Supremacy: Toward a Critical Discourse on the Racialization of the World. Educational Theory, 51 (4), 467-485. doi:10.1111/j.1741-5446.2001.00467.x ; Joseph, 2006Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. ; Robinson, 2000)Robinson, C. J. (2000). Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition . Chapell Hill: University of North Carolina Press. .

Esse mercadocentrismo supremacista, transformado em pensamento único pela nova direita radical contrarrevolucionária durante as administrações republicanas de Ronald Reagan, criou condições para que a “administração pública”, cada vez menos pública, promovesse a contestada neoliberalização da universidade pública e transformasse investimentos de grandes corporações em constituintes centrais da política externa neoimperial, protegida por aparatos militares e epistêmicos ( Rogin, 1990Rogin, M. (1990). "Make My Day!": Spectacle as Amnesia in Imperial Politics. Representations, 29 , 99-123. doi:10.2307/2928420 ). Ao promover a decolonização-colonização seletiva da área de administração pública no Sul e no Norte, o campo impôs uma versão contrarrevolucionária de relevância acadêmica suportada por mecanismos radicais de controle, mensuração e surveillance dos “separatistas incorrigíveis e sedutores” dentro da universidade, crescentemente corporatizada e militarizada ( Lorenz, 2012Lorenz, C. (2012). If you’re so smart, why are you under surveillance? Universities, neoliberalism, and new public management. Critical inquiry, 38 (3), 599-629. doi:10.1086/664553 ). Isso ajuda a invisibilizar tanto a precária realidade vivida por uma crescente e heterogênea maioria quanto as dinâmicas de apropriação-contenção de epistemes transmodernas, impulsionadas por dinâmicas políticas/econômicas/culturais de desocidentalização e descolonização.

Por exemplo, autores críticos e progressistas que agora admitem a cumplicidade do campo com o neoliberalismo neoimperial na geração de desigualdade econômica contrária à maioria no “coração” do Norte/Oeste ( Fotaki & Prasad, 2015Fotaki, M., Prasad, A. (2015). Questioning Neoliberal Capitalism and Economic Inequality in Business Schools. Academy of Management Learning & Education, 14 (4), 556-575. doi:10.5465/amle.2014.0182 ; Khurana, 2010Khurana, R. (2010). From higher aims to hired hands: The social transformation of American business schools and the unfulfilled promise of management as a profession . Princeton: Princeton University Press. ; Murphy & Willmott, 2015)Murphy, J., Willmott, H. (2015). The Rise of the 1%: An Organizational Explanation. Elites on Trial, 43 , 25-53. doi:10.1108/S0733-558X20150000043013 , ainda negam as críticas transmodernas “libertadoras” do Sul à cumplicidade do campo na reprodução do lado racialista/colonialista da modernidade capitalista em escala global ( Ibarra-Colado, 2006)Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 ao apropriarem e conterem desenvolvimentos transmodernos correspondentes de libertação-emancipação engajados com a maioria. Dinâmicas contrarrevolucionárias promovem a radicalização da desigualdade discriminatória porque tais desenvolvimentos solidários, que recuperam e expandem a práxis de reapropriação, vêm sendo “perigosamente” enunciados dentro da contestada universidade neoliberal e suas escolas de negócios também no Norte (e.g. Dar, Liu, Martinez Dy, & Brewis, 2020; Prasad, Prasad, Mills, & Mills, 2015).

Impactados por colonialismo/racismo/patriarcado estrutural, regenerado pelas dinâmicas contrarrevolucionárias de descolonização-recolonização, pesquisadores decoloniais engajados com a maioria enfrentam acusações visibilizadas de serem promotores de essencialismo separatista ( Cornelissen & Höllerer, 2020Cornelissen, J., Höllerer, M. A. (2020). An Open and Inclusive Space for Theorizing: Introducing Organization Theory. Organization Theory, 1 (1), 263178771988798. doi:10.1177/2631787719887980 ). Em nome da democracia epistemológica no campo ainda comandado por um Norte/Oeste cada vez mais desigual, heterogêneo e discriminatório ( Boatcă, 2015)Boatcă, M. (2015). Global inequalities beyond occidentalism . Burlington: Ashgate. , pesquisadores privilegiados renovam a racialização da episteme decolonial e promovem a rearticulação reocidentalizante de dinâmicas de recolonização-descolonização seletiva em escala global, por meio da imposição anti-essencialismo da teoria pós-colonial eurocêntrica como “única alternativa” democrática para um mundo “global” efetivamente pós-colonial, que reafirma as dicotomizações Norte-Sul e teoria-prática contrária à vida da maioria. Por meio de um diálogo transmoderno Sul-Norte entre PD e RC, argumentamos que o campo de Gestão/Administração deve não apenas ser descolonizado a partir do Sul, mas promover reengajamento com a maioria invisibilizada , tanto no Norte quanto no Sul, por meio da recuperação solidária da práxis da transmodernidade e do senso público de relevância ampliada.

O PD, enunciado por pesquisadores do Sul Global ( Grosfoguel, 2008Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80 , 115‑147. doi:10.4000/rccs.697 , 2012Grosfoguel, R. (2012). Descolonizar as esquerdas ocidentalizadas: para além das esquerdas eurocêntricas rumo a uma esquerda transmoderna descolonial. Contemporânea, 2 (2), 337‑362. Retrieved from https://bit.ly/3o3qDET
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; Mignolo, 2011a), tem obtido crescente interesse no Norte de pesquisadores críticos mais sujeitos à radicalização da colonialidade em escala global (e.g. Prasad et al., 2015Prasad, A., Prasad, P., Mills, A. J., Mills, J. H. (Eds.). (2015). The Routledge Companion to Critical Management Studies . London: Routledge. ), mas não ainda pelo RC ( Fleetwood, 2005Fleetwood, S. (2005). Ontology in Organization and Management Studies: A Critical Realist Perspective. Organization, 12 (2), 197-222. doi:10.1177/1350508405051188 ; Reed, 2005Reed, M. (2005). Reflections on the “Realist Turn” in Organization and Management Studies. Journal of Management Studies, 42 (8), 1621-1644. doi:10.1111/j.1467-6486.2005.00559.x ). Uma das razões é que, no mundo acadêmico do Norte, o RC é discriminado ao ser classificado, por um lado, como positivismo e realismo ingênuo pelas teorias pós-modernistas e pós-estruturalistas (Fleetwood), as quais ajudam a estabelecer uma posição antirrealismo no mundo da teoria crítica ( Reed, 2005Reed, M. (2005). Reflections on the “Realist Turn” in Organization and Management Studies. Journal of Management Studies, 42 (8), 1621-1644. doi:10.1111/j.1467-6486.2005.00559.x ) e a constituir e a regenerar a contrarrevolução neoliberal ( Gill, 1995Gill, S. (1995). Globalisation, market civilisation, and disciplinary neoliberalism. Millennium, 24 (3), 399-423. doi:10.1177/03058298950240030801 ); por outro lado, RC é visto por autores decoloniais como mais uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo ( Mignolo, 2012Mignolo, W. D. (2012). Local histories/global designs: coloniality, subaltern knowledges, and border thinking (Paperback) . Princeton: Princeton University Press. ) e, por conseguinte, constituinte nortista das dinâmicas de radicalização do lado mais obscuro do eurocentrismo, que continua sendo negado e invisibilizado pela modernidade/colonialidade. Por sua vez, impulsionados pela radicalização “defensiva” do binarismo Norte-Sul tanto RC quanto o pós-modernismo tendem a classificar o PD como episteme essencialista/separatista. Abraçamos então a transmodernidade engajada com a maioria desde 1492 a partir do Sul ( Dussel, 1993Dussel, E. (1993). 1492: O encobrimento do Outro (A origem do “mito da modernidade”) . Petrópolis, RJ: Vozes. ; Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On The Coloniality of Being. Cultural Studies, 21 (2-3), 240-270. doi:10.1080/09502380601162548 ), que continua impulsionando diversos movimentos solidários de libertação-emancipação e epistemes alternativas também no Norte (Maldonado-Torres), tais como os movimentos antirracismo por direitos civis nos EUA, dentro e fora da universidade eurocêntrica ( Grosfoguel, 2012Grosfoguel, R. (2012). Descolonizar as esquerdas ocidentalizadas: para além das esquerdas eurocêntricas rumo a uma esquerda transmoderna descolonial. Contemporânea, 2 (2), 337‑362. Retrieved from https://bit.ly/3o3qDET
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). Em anos recentes, a transmodernidade decolonial foi reativada pelo filósofo argentino Enrique Dussel (2013), por meio de uma perspectiva global pró-maioria e invisibilizados que vai além do projeto decolonial latino-americanista baseado na ideia de desprendimento do eurocentrismo que virtualmente ignora o lado mais sombrio da própria decolonialidade ( Domingues, 2009Domingues, J. M. (2009). Global Modernization, ‘Coloniality’ and a Critical Sociology for Contemporary Latin America. Theory, Culture & Society, 26 (1), 112-133. doi:10.1177/0263276408099018 ; Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On The Coloniality of Being. Cultural Studies, 21 (2-3), 240-270. doi:10.1080/09502380601162548 ).

Em oposição ao mito de modernidade autogerada e indo para além da contestada conceituação decolonial de desprendimento da matriz de dominação colonial eurocêntrica (ver Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ), defensores e praticantes da transmodernidade decolonial ressaltam que desenvolvimentos relevantes da “modernidade” são amálgamas de conhecimentos, tradições, movimentos e lutas que foram e são apropriadas e contidas e subalternizadas e cooptadas pela geopolítica do conhecimento eurocêntrico desde a descoberta/conquista das Américas em 1492 ( Dussel, 2011Dussel, E. (2011). From critical theory to the philosophy of liberation: Some themes for dialogue. Transmodernity: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1 (2), 2-28. Retrieved from https://bit.ly/3etKjyJ
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; 2005). Recuperamos então uma perspectiva teórico-prática do PD para promover em gestão/administração praxes a práxis transmoderna engajada com a maioria que permite reapropriação solidária para um mundo transmoderno outro ( Faria & Hemais, 2020)Faria, A., Hemais, M. (2020). Transmodernizing Management Historiographies of Consumerism for the Majority. Journal of Business Ethics , 1-19. doi:10.1007/s10551-020-04528-y . A partir do Sul que existe tanto no Sul quanto no Norte ( Mignolo & Walsh, 2018)Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. , dialogamos criticamente com a modernidade eurocêntrica sob uma perspectiva práxica que vai além de rejeição ou discriminação ( Dussel, 2005Dussel, E. (2005). Filosofia da Libertação: Crítica à Ideologia da Exclusão (3a ed.). São Paulo, SP: Paulus. ; Grosfoguel, 2008, 2012)Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80 , 115‑147. doi:10.4000/rccs.697 , 2012Grosfoguel, R. (2012). Descolonizar as esquerdas ocidentalizadas: para além das esquerdas eurocêntricas rumo a uma esquerda transmoderna descolonial. Contemporânea, 2 (2), 337‑362. Retrieved from https://bit.ly/3o3qDET
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). Em resumo, a transmodernidade decolonial informa nosso diálogo Sul-Norte entre PD e RC com o objetivo de “tornar visível o invisível e analisar os mecanismos que produzem tal invisibilidade ou visibilidade distorcida à luz de um grande estoque de ideias que devem necessariamente incluir as reflexões críticas das próprias pessoas “invisíveis”” ( Maldonado-Torres, 2007, pMaldonado-Torres, N. (2007). On The Coloniality of Being. Cultural Studies, 21 (2-3), 240-270. doi:10.1080/09502380601162548 , p. 262, tradução nossa).

Abraçamos o RC universalista (Bhaskar et al., 1998) sob uma perspectiva pluriversal de reapropriação, que vai além dos binarismos universalistas Norte-Sul ou colonizado-colonizador estabelecidos pela modernidade capitalista sem, no entanto, dissolvê-los. Desenvolvido no mundo anglo-europeu como programa de pesquisa emancipatório no contestado âmbito de filosofia de ciências sociais, o RC ressalta que, para ser real, uma entidade “tem eficácia causal; tem efeito sobre comportamento; faz uma diferença” ( Fleetwood, 2005Fleetwood, S. (2005). Ontology in Organization and Management Studies: A Critical Realist Perspective. Organization, 12 (2), 197-222. doi:10.1177/1350508405051188 , p. 199). Em resposta aos muitos críticos de RC que argumentam que “é usualmente difícil saber o que [seu principal autor, Roy Bhaskar] pensa” ( Magill, 1994Magill, K. (1994). Against critical realism. Capital & Class, 18 (3), 113-136. doi:10.1177/030981689405400106 , p. 116), buscamos inspiração na metáfora do iceberg , usada para tornar o RC menos abstrato e inacessível ( Hartwig, 2015Hartwig, M. (Ed.). (2015). Dictionary of critical realism . London: Routledge. ), para ressaltarmos simplificadamente que a maioria das dinâmicas do real estratificado é invisível ou tem sido invisibilizada por poderes hegemônicos ( Faria, 2011Faria, A. (2011). Repensando Redes Estratégicas. Revista de Administração Contemporânea, 15 (1), 84-102. doi:10.1590/S1415-65552011000100006 ). Em síntese, a ontologia/epistemologia do RC afirma que a realidade existe e que esta independe, não totalmente, de conhecimento, interpretação ou observação – enfim, de identificação pelos sujeitos cognoscentes (Fleetwood).

Como episteme universalista também constituída por dinâmicas de apropriação-contenção de epistemes transmodernas protagonizadas pela modernidade/colonialidade, RC desafia os cânones eurocêntricos da ciência moderna para, então, definir a pesquisa social, dentro ou fora da academia, como aquela “que visa a descobrir, por meio de uma mistura de experimentação e razão teórica, as entidades, estruturas, mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo” (Bhaskar et al., 1998, p. 322). Evidenciar o invisível além do visível ou aparente exige do pesquisador social ou socialista a busca de transparência, precisão e clareza nos processos de mobilização de premissas, modelos, ou crenças ilusórias que são inevitavelmente mediados pela realidade estratificada e respectivos mecanismos de causalidade ( Mir & Watson, 2001Mir, R., Watson, A. (2001). Critical realism and constructivism in strategy research: toward a synthesis. Strategic Management Journal, 22 (12), 1169-1173. doi:10.1002/smj.200 ). O diálogo Norte-Sul entre RC e PD merece cuidados. Por um lado, realistas críticos se afastam do PD porque não problematizam ou negam o longue durée de dimensões racialistas/colonialistas que constituem aquilo que modernidade eurocêntrica define como “ciência”, “crítica”, “socialismo”, ou “pesquisa social” sob perspectiva universalista ( Mignolo & Walsh, 2018)Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ; por outro lado, a dimensão intransitiva do RC ( Bhaskar, 2008)Bhaskar, R. (2008). A Realist Theory of Science . London: Routledge. dialoga com PD ao ressaltar que as estruturas patriarcais, de classe, e de gênero/raça da longa duração que constituem a modernidade capitalista, e correspondentes dinâmicas contrárias à maioria que resiste por meio de epistemes transmodernas no Sul e no Norte, não precisam ser identificadas para existirem.

RC e PD então permitem um diálogo transmoderno para a recuperação solidária de uma episteme teórico-prática engajada com a maioria que vai além do binarismo Norte-Sul. Com essa epistemologia, pesquisadores e invisibilizados no Sul e no Norte podem (a) des-cobrir estruturas opressoras da modernidade para fomentar emancipação individual e de uma forma de socialismo “que não é nem uma economia de mercado, nem uma economia de comando, nem uma mistura das duas, mas uma verdadeira extensão da democracia pluralista na vida econômica” (Bhaskar et al. 1998, p. 392, tradução nossa), e (b) des-velar o lado colonialista da modernidade eurocêntrica para fomentar libertação e engajamento de coletividades com uma “outra história que está vindo à tona, em que o pensamento decolonial planetário e pluriversal vem crescendo desde o momento fundamental – século XVI – e conduziria a um futuro não capitalista e imperial/colonial ” (Mignolo, 2011b, p. 51, tradução nossa). Sob essa perspectiva transmoderna, PD dialoga com RC para superar mecanismos universalistas de apropriação de epistemes pluriversalistas e materialidades correspondentes, que vêm sendo tanto radicalmente invisibilizados pela modernidade capitalista e respectivos discursos anti-essencialismo/separatismo, incluindo o lado mais sombrio de RC, quanto visibilizados pelo projeto de decolonialidade pluriversal que avança em escala global, apesar de crescentes riscos à vida enfrentados por “invisibilizados” (Dussel, 2013a).

A realidade estratificada a ser investigada pelo pesquisador social ou socialista engajado com RC para promoção de mudanças no Norte e no Sul ( Faria, 2004Faria, A. (2004). Theorising networks from a critical realist standpoint. In S. Fleetwood, S. Ackroyd (Eds.) , Critical Realist Applications in Organisation and Management Studies (pp. 211‑233). London: Routledge. ) é constituída por três níveis do real – (a) empírico, observável por seres humanos; (b) eventos, manifestações no tempo e no espaço que podem acontecer ou não no nível do virtual, dependendo das contraposições de mecanismos do real; e (c) real ou profundo, constituído de poderes frequentemente não observáveis, mas eficazes em termos de causalidade (Bhaskar et al., 1998). A des-coberta da realidade (portanto, distinta do real) demanda a visibilização das estruturas mais profundas e remotas, negadas pelo positivismo realista e pela ciência moderna, que governam a realidade visível, majoritariamente a despeito da capacidade de identificação pelos atores sociais ( Fleetwood, 2005Fleetwood, S. (2005). Ontology in Organization and Management Studies: A Critical Realist Perspective. Organization, 12 (2), 197-222. doi:10.1177/1350508405051188 ). Indivíduos são influenciados por tais estruturas que os antecedem, mas não todos da mesma forma ( Archer, 1982Archer, M. S. (1982). Morphogenesis versus structuration: on combining structure and action. The British Journal of Sociology, 33 (4), 455-483. doi:10.2307/589357 ). Agentes primários, por exemplo, ao desconhecerem a existência de estruturas, são inconscientemente influenciados e, em suas ações cotidianas, reforçam tais estruturas. Agentes corporativos, estando cientes ou não dessas estruturas, podem reforçar ( morphostasis ) ou elaborar ( morphogenesis ) essas estruturas profundas por meio de suas ações.

Diferentemente do proposto pela sociologia da estruturação de Giddens abraçada também pelo campo no Norte ( Whittington, 1992Whittington, R. (1992). Putting Giddens Into Action: Social Systems and Managerial Agency. Journal of Management Studies, 29 (6), 693-712. doi:10.1111/j.1467-6486.1992.tb00685.x ), RC argumenta que agentes e estruturas, assim como mente e matéria, detêm propriedades e poderes ontologicamente distintos e irredutíveis (Bhaskar et al., 1998). RC dialoga com PD ao rejeitar a conflação estrutura-agência endossada por teorias dominantes do pós-modernismo e pós-colonialismo que negam e invisibilizam totalidades e materialidades da modernidade capitalista radicalizada por dinâmicas neoimperiais do CNG. Apesar de ignorar que os conceitos universalistas de agência e estrutura reproduzem a diferença colonial negada pela modernidade/colonialidade, mas vivida pela maioria também no Norte Global, RC valida a crítica da PD a teoria pós-colonial universalista que conceitua colonialismo como contingente ao invés de constitutivo da modernidade. Segundo RC, estrutura e agência não são necessariamente mutuamente constitutivas, assim como para PD, colonizado e colonizador não detêm agência para superar colonialismo, visto que não há modernidade sem colonialidade. Em suma, o diálogo RC-PD permite a legitimação da práxis transmoderna de reapropriação solidária engajada com a maioria tanto no Norte quanto no Sul.

Assim como outros movimentos emancipatórios ou libertadores no Sul e no Norte, decolonialidade pode ser mobilizada por estruturas da realidade estratificada ressaltadas pelo RC para desestabilizar e reafirmar dinâmicas opressoras, discriminatórias vividas pela maioria, mais particularmente por invisibilizados, mesmo que seus proponentes acadêmicos não percebam. Discursos neoimperiais de mercado livre, juntamente com decoloniais e críticos, vêm sendo mobilizados por agentes privilegiados da contrarrevolução neoliberal para “descolonizar” seletivamente o campo da administração/gestão, por meio de dinâmicas reocidentalistas de recolonização mercadocêntrica. Em outras palavras, o diálogo transmoderno PD-RC permite o reconhecimento pela maioria no Sul e no Norte de que agentes privilegiados, em uma realidade cada vez mais estratificada, podem e costumam mobilizar decolonialidade para recolonizar de forma voluntária ou não. Assim como dinâmicas contra-hegemônicas e alter-hegemônicas são mobilizadas por dinâmicas contrarrevolucionárias no Sul Global de países emergentes influenciados pela China com pretensões imperiais ( Amin, 2013Amin, S. (2013). China 2013. Monthly Review, 64 (10), 14. Retrieved from https://bit.ly/3fgjltF
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; Lipton, 2017Lipton, M. (2017). Are the BRICS reformers, revolutionaries, or counter-revolutionaries? South African Journal of International Affairs, 24 (1), 41-59. doi:10.1080/10220461.2017.1321039 ), a agenda decolonial pode contribuir para recolonização ( Mbembe, 2016Mbembe, A. J. (2016). Decolonizing the university: New directions. Arts and Humanities in Higher Education, 15 (1), 29-45. doi:10.1177/1474022215618513 ; Santos, 2018Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. ) e consequente regeneração da contrarrevolução neoliberal em escala global ( Crouch, 2011Crouch, C. (2011). The Strange Non-Death of Neoliberalism . Cambridge: Polity Press. ; Santos, 2018Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. ).

A metáfora do iceberg ( Faria, 2011Faria, A. (2011). Repensando Redes Estratégicas. Revista de Administração Contemporânea, 15 (1), 84-102. doi:10.1590/S1415-65552011000100006 ) ajuda a des-invisibilizar o descasamento entre o que é conhecido e “visibilizado-invisibilizado” por diferentes tipos de conhecimento e conhecedores (parte visível do iceberg ) informados por PD ou RC no Sul e no Norte; e a parte invisível do iceberg , representado por dimensões e dinâmicas profundas do real estratificado vividas pela maioria, que foram “ invisibilizadas ” pela ciência moderna e mecanismos reprodutores/regeneradores da colonialidade (incluindo RC e PD). A parte invisível equivale às “. . . práticas que passam “despercebidas” aos olhos da gestão/administração, incluindo o olhar de acadêmicos. Esse “despercebido” foi, geralmente, reprimido, violentado, calado, marginalizado e demarcado como “outro”, e, por isso, tido como sub-científico pela modernidade radicalizada” ( Carrieri & Correia, 2020Carrieri, A. P., Correia, G. F. A. (2020). Estudos organizacionais no Brasil: construindo acesso ou replicando exclusão? Revista de Administração de Empresas, 60 (1), 59-63. doi:10.1590/s0034-759020200107 , p. 61). Essa observação transmoderna é importante porque segundo a conceituação decolonial dominante RC promove a visibilização da realidade estratificada por meio de um critério intersubjetivo de plausibilidade, informado pela ideia “edutora” de emancipação universalista, enquanto o PD promove libertação pluriversalista ao “des-velar” o longue durée de rearticulações da colonialidade – i.e., o lado mais obscuro e constitutivo da modernidade eurocêntrica –, que são sistematicamente negadas e invisibilizadas pela modernidade/colonialidade em geral, e pelo conhecimento crítico (incluindo o lado mais obscuro de RC) (Mignolo, 2011a).

A invisibilização da práxis transmoderna de re-apropriação solidária mobilizada (potencial e efetivamente) pela maioria tem sido impulsionada pela distinção conceitual (não práxica ) que PD faz entre libertação e emancipação. RC ressalta que a preferência da ciência por conceituações analíticas impacta a agência do pesquisador, no sentido de promover reprodução não-intencional da realidade estratificada ( Archer, 1982Archer, M. S. (1982). Morphogenesis versus structuration: on combining structure and action. The British Journal of Sociology, 33 (4), 455-483. doi:10.2307/589357 ). Pesquisadores decoloniais oprimidos pela conceituação de libertação, sob uma perspectiva “nós” versus “eles” ou “Sul” versus “Norte” ( Domingues, 2009Domingues, J. M. (2009). Global Modernization, ‘Coloniality’ and a Critical Sociology for Contemporary Latin America. Theory, Culture & Society, 26 (1), 112-133. doi:10.1177/0263276408099018 ) apropriam e invisibilizam dinâmicas transmodernas de apropriação solidária mobilizadas cotidianamente por invisibilizados em escala global que hibridizam libertação e emancipação. A prevalência da contestada conceituação analítica sobre a práxis decolonial ajuda a reforçar no Norte Global a classificação de epistemes decoloniais como essencialismo/separatismo, e consequente invisibilização das dinâmicas práxicas de emancipação/libertação mobilizadas pela maioria em escala global: em suma, “o que está vindo é uma nova civilização transmoderna , e por conseguinte transcapitalista , para além do liberalismo e do socialismo real , em que o poder era um tipo de exercício da dominação , em que a política se reduz a uma administração burocrática” (Dussel, 2013b, p. 14) [itálicos no original] [nossa tradução]. A episteme transmoderna proposta neste artigo permite que acadêmicos e invisibilizados reconheçam que tanto as conceituações analíticas de PD e de RC podem ser usadas na prática pelo capitalismo neoliberal evoluindo para populismo neofacista para rearticular dinâmicas neoimperiais contrárias à maioria e à vida em escala global.

Engajados com a maioria no Sul e Norte e com a visibilização de dinâmicas de libertação-emancipação permitidas pela práxis transmoderna de re-apropriação solidária, investigamos como dinâmicas neoimperiais foram virtualmente invisibilizadas no campo de gestão/administração e como recuperar condições para um campo de relevância mais pública, engajado com a maioria. Antes da investigação descrita nas próximas seções, apresentamos no Quadro 1 uma visão simplificada desse framework transmoderno PD-RC.

Tabela 1
: Framework decolonial-realista crítico transmoderno PD-RC

Dinâmicas contrarrevolucionárias de visibilização/invisibilização

Impulsionada por dinâmicas reocidentalizantes contrárias a essencialismos, e de apropriação-contenção focadas em dinâmicas de desocidentalização e descolonização mobilizadas pelo Sul emergente tido como globalmente ameaçador, a literatura pós-moderna contemporânea argumenta que objetos ou fenômenos sociais anteriormente colonizados por teorizações modernistas, tais como “organização” ou “mercado”,

. . . não são fenômenos naturais existentes no âmbito do real. Ao contrário, eles são um produto de nosso próprio “desejo inconsciente de ordenar” . . . a ideia de que realidade, como nós a conhecemos, é socialmente construída tornou-se um argumento comumente aceito. . . realidade social é sistematicamente construída, sustentada e modificada. ( Chia, 2009Chia, R. (2009). Ontology: Organization as world-making. In R. Westwood, S. Clegg (Eds.), Debating Organization: Point-Counterpoint in Organization Studies (pp. 98-113). Hoboken: Blackwell. , p. 111)

Essa virada pós-moderna não nos conta que o neoliberalismo neoimperial e seu discurso contrarrevolucionário de mercado livre são construções re-ocidentalizantes contrárias não apenas à ascensão “irresponsável” do Terceiro Mundo e sociedades emergentes do Sul Global, mas também à ressurgência solidária de uma maioria heterogênea de discriminados/racializados, que são visibilizados como “insurgentes” ou “sub-científicos” para serem então invisibilizados/subalternizados. Esse quadro é ilustrado pela invisibilização promovida pela universidade neoliberal do movimento Black Power Civil Rights nos EUA, impulsionado por movimentos anticoloniais de libertação na África e de emancipação solidária de “minorias políticas” também dentro e fora da universidade eurocêntrica, predominantemente branca ( Joseph, 2006Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. ).

Esses movimentos solidários e epistemes transmodernas correspondentes foram apropriados-contidos e violentamente interrompidos nos anos 1970, nos EUA, por meio de dinâmicas contrarrevolucionárias de neoliberalização da universidade, cada vez menos pública, com o objetivo de “eliminar a promessa da universidade como local de transformação radical e anticolonial” no Sul e no Norte ( Kamola, 2019Kamola, I. (2019). The Long ’68: African Anticolonialism and the Emergence of a World University System. Cultural Politics, 15 (3), 303-314. doi:10.1215/17432197-7725451 , p. 303). Essa promessa foi visibilizada pela “revolução mundial de 1968” ( Wallerstein, 2009Wallerstein, I. (2009). Reading Fanon in the 21st century. New Left Review, 57 , 117-125. , p. 118), suportada por múltiplos conhecimentos/epistemes transmodernas que continuam libertando-emancipando coletividades e invisibilizados em escala global ( Connell, 2007Connell, R. (2007). Southern theory: The global dynamics of knowledge in social science . Cambridge: Polity Press. ; Santos, 2018Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. ). Os mecanismos contrarrevolucionários de neoliberalização da universidade pública e hipervisibilização da universidade neoliberal orientada para o mercado como universidade anti-essencialismo continuam ajudando a invisibilizar dinâmicas decoloniais e desocidentalizantes na direção de um futuro transmoderno não-capitalista ou socialista ( Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ). Podemos destacar os movimentos Occupy, e Black Lives Matter , ambos conectados à Revolução Zapatista dos anos 1990 em Chiapas, sul do México ( Higgins, 2004)Higgins, N. P. (2004). Understanding the Chiapas Rebellion: modernist visions and the invisible Indian . Austin: University of Texas Press. , que promoveram no Norte a regeneração das lutas decoloniais e desenvolvimentos transmodernos, inaugurados com a descoberta-invasão das Américas por conquistadores europeus a partir de 1492 ( Dussel, 1993)Dussel, E. (1993). 1492: O encobrimento do Outro (A origem do “mito da modernidade”) . Petrópolis, RJ: Vozes. .

No contexto da Guerra Fria em uma contestada era de descolonização e império, os discursos anticomunismo de consumidor soberano e livre mercado contrários ao Estado opressor, às teorizações euro-estadocêntricas e a corpos insurgentes-dissidentes no Sul e Norte constituíram a revolução neoliberal. Liderada pela supremacia branca estadunidense para conter a ascensão de “múltiplas minorias” de invisibilizados, que ocuparam e transformaram a universidade – que estava sendo parcialmente decolonizada no coração do império capitalista/patriarcal/racista ( Joseph, 2006Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. ) – essa contrarrevolução buscou a retomada a hegemonia global dos EUA, perdida durante os anos 1960-70 com a ascensão de dinâmicas de desocidentalização e decolonização em escala global ( Steger & Roy, 2010Steger, M. B., Roy, R. K. (2010). Neoliberalism: A very short introduction . Oxford: Oxford University Press. ). Como uma das principais instituições de dinâmicas de invisibilização-visibilização via discursos de mercado livre, escolas de negócios e escolas de governo universalizaram o discurso supremacista de que cabia aos EUA mobilizar todos os meios para conter, dentro do país e no exterior, a expansão do império comunista e estatismos e desenvolvimentismos vinculados ao Terceiro Mundo e suas agendas essencialistas/separatistas ( van Elteren, 2003)van Elteren, M. (2003). U.S. Cultural Imperialism: Today Only a Chimera. SAIS Review, 23 (2), 169-188. doi:10.1353/sais.2003.0038 .

Esse discurso étnico-nacionalista de mercado livre, mobilizado por um vasto complexo epistêmico-militar elitista ( Parmar, 2019Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 ), visibiliza o combate a “inimigos” específicos (da democracia, da liberdade individual etc.) – i.e., o “Estado autoritário” e forças/teorias eurocêntricas opressoras correspondentes –, por meio de invisibilização de dinâmicas de apropriação-contenção de epistemes e materialidades contrárias à maioria que seduzem a muitos em escala global (Plehwe, Walpen, & Neunhöffer, 2007). Ao reproduzir e hipervisibilizar esse discurso contrarrevolucionário dentro e fora da universidade neoliberal corporatizada, o campo de gestão/administração ajuda a invisibilizar desenvolvimentos transmodernos baseados na práxis de reapropriação e estruturas de radicalização da colonialidade contrária a maioria no Sul e Norte, com especial foco em acadêmicos sulistas que são submetidos à radicalização das forças de colonialidade epistêmica ( Ibarra-Colado, 2006)Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 . A visibilização simultânea do “mercado” e do “inimigo” viabilizou a institucionalização da lógica do império benevolente em múltiplas frentes, ajudando a substituir a consciência histórica crítica nos EUA que havia sido reativada por movimentos transmodernos dos anos 1960-70 no coração do império, tais como o Black Power Civil Rights ( Joseph, 2006)Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. , e reafirmar a supremacia do positivismo na universidade neoliberal cada vez menos pública ( Giroux, 2011)Giroux, H. A. (2011). On critical pedagogy. Nova Iorque: Continuum. . A gestão é então visibilizada como teoria-prática voluntarista, vinculada à democracia e à liberdade do indivíduo, radicalmente contrária às forças antiamericanas.

A historiografia do neoliberalismo produzida pela universidade neoliberal em uma suposta sociedade pós-moderna e pós-colonial virtualmente apaga da memória coletiva as teorias-práticas do anticolonialismo e antirracismo para/pela maioria, mobilizadas por sociedades emergentes do Sul que reativam a práxis transmoderna de reapropriação solidária; esta vai além dos binarismos teoria versus prática, branco versus preto, e Primeiro versus Terceiro Mundo, com suporte de dinâmicas neo-imperiais de apropriação-contenção de materialidades e epistemes emergentes no Sul e no Norte que foram impulsionadas nos EUA a partir da incorporação das teorias pós-moderna e pós-colonial pela universidade neoliberal ( Young, 2001Young, R. J. C. (2001). Postcolonialism: An historical introduction. Critical Ethnic Studies, 1 (1), 56-67. ). Essa sub-teorização do mercado impulsionada por uma estrutura colonialista-racista-patriarcal da realidade estratificada também apropria e contém teorizações transmodernas estatistas de economia política, que viriam a ser denominadas de teorias da dependência da América Latina no contexto da revolução mundial dos anos 1960-70, primeiramente no Sul e, em seguida, no Norte ( Martins, 2011Martins, C. E. (2011). Globalização, Dependência e Neoliberalismo na América Latina . São Paulo, SP: Boitempo. ). Descolonizações contrarrevolucionárias seletivas foram mobilizadas pela universidade predominante branca ( Maldonado-Torres, 2008Maldonado-Torres, N. (2008). Against War: Views from the Underside of Modernity . Durham: Duke University Press. ) que protagonizava dinâmicas interseccionais e solidárias de emancipação-libertação transmoderna impulsionados pelo movimento Black Power Civil Rights negado pela história dominante ( Joseph, 2006Joseph, P. E. (2006). The Black Power Movement . London: Routledge. ). Visibilizados pela “história oficial” como essencialismo/separatismo esses movimentos prático-teóricos de libertação-emancipação transmoderna que criaram condições para co-construção de um campo engajado com a maioria que vai além dos binarismos segregadores, ecoavam dinâmicas de decolonização dentro e fora da universidade na Cuba Revolucionária ( Guevara & Waters, 2000Guevara, E., Waters, M. A. (2000). Che Guevara Talks to Young People . College Park: Pathfinder. ), na África do Sul ( Oyedemi, 2018)Oyedemi, T. (2018). (De)coloniality and South African academe. Critical Studies in Education, 61 (4), 1-17. doi:10.1080/17508487.2018.1481123 , e na América Latina ( Tavares & Gomes, 2020)Tavares, M., Gomes, S. (2020). Epistemologias Contra-Hegemônicas: Desafios para a Educação Superior . Curitiba, PR: Appris. e em outros países do Sul Global ( Young, 2001)Young, R. J. C. (2001). Postcolonialism: An historical introduction. Critical Ethnic Studies, 1 (1), 56-67. .

Com o propósito anunciado de libertar populações de estados autoritários, pobreza e teorias opressoras, promotores do CNG e do discurso contrarrevolucionário de mercado livre na universidade neoliberal, e suas escolas de gestão/negócios crescentemente corporatizadas, visibilizaram e institucionalizaram ideias de teóricos até então virtualmente desconhecidos, como von Mises e Milton Friedman ( Khurana, 2010Khurana, R. (2010). From higher aims to hired hands: The social transformation of American business schools and the unfulfilled promise of management as a profession . Princeton: Princeton University Press. ; Murphy & Willmott, 2015Murphy, J., Willmott, H. (2015). The Rise of the 1%: An Organizational Explanation. Elites on Trial, 43 , 25-53. doi:10.1108/S0733-558X20150000043013 ). A contrarrevolução invisibilizada foi visibilizada como uma revolução “no campo das ideias” que resulta, segundo relatos reproduzidos pelo campo de gestão e administração, na “vitória de um movimento intelectual desinteressado sobre seus adversários” ( Murphy & Willmott, 2015, pMurphy, J., Willmott, H. (2015). The Rise of the 1%: An Organizational Explanation. Elites on Trial, 43 , 25-53. doi:10.1108/S0733-558X20150000043013 , p. 36). O lado invisível da contrarrevolução que impulsionou essa contestada institucionalização no campo predominantemente contrário à maioria foi mobilizado principalmente por corporações do setor financeiro e da mídia, suportadas pelo poderio militar-econômico neoimperial liderado pelos EUA ( Duménil & Lévy, 2007)Duménil, G., Lévy, D. (2007). Neoliberalismo: neo-imperialismo. Economia e Sociedade, 16 (1), 1‑19. doi:10.1590/S0104-06182007000100001 , dinâmicas epistêmicas multiculturais no Sul e no Norte ( van Elteren, 2003)van Elteren, M. (2003). U.S. Cultural Imperialism: Today Only a Chimera. SAIS Review, 23 (2), 169-188. doi:10.1353/sais.2003.0038 , e mecanismos de cooptação radical de alternativas e epistemes transmodernas no Sul e no Norte ( Hong, 2015)Hong, G. K. (2015). Neoliberalism. Critical Ethnic Studies, 1 (1), 56. doi:10.5749/jcritethnstud.1.1.0056 .

Tais dinâmicas de invisibilização-visibilização, impulsionadas por dinâmicas contrarrevolucionárias de apropriação-contenção, informam a extraordinária capacidade de regeneração neoimperial do neoliberalismo, que pesquisadores no Norte continuam sem compreender ( Crouch, 2011Crouch, C. (2011). The Strange Non-Death of Neoliberalism . Cambridge: Polity Press. ). Ao visibilizar o Estado neoliberal orientado para o mercado em nome da boa governança democrática, o discurso mercadocêntrico invisibilizou as múltiplas facetas da administração pública nos EUA, e também no Sul-Leste emergente ( Farazmand, 1999Farazmand, A. (1999). Globalization and Public Administration. Public Administration Review, 59 (6), 509. doi:10.2307/3110299 ; Guerreiro-Ramos, 1981Guerreiro-Ramos, A. (1981). The New Science of Organizations: A Reconceptualization of the Wealth of Nations . Toronto: University of Toronto Press. ; Kipping, Engwall, & Üsdiken, 2008), com destaque para o estado socialista chinês, orientado para o mercado ( Zhang & Ong, 2015)Zhang, L., Ong, A. (Eds.). (2015). Privatizing China: socialism from afar . Ithaca: Cornell University Press. . Segundo a crítica neomarxista de David Harvey, o estado neoliberal liderado pelos EUA mobiliza um complexo aparato invisibilizado pelo discurso neoimperial de “estado mínimo”, cuja missão fundamental é então “facilitar as condições para acumulação lucrativa de capital pelo capital estrangeiro e pelo capital doméstico” (Harvey, 2007, p. 7). Com a distinção conceitual entre os propósitos de emancipação e libertação rearticulada pela universidade neoliberal contrarrevolucionária, crescentemente hierarquizada e fragmentada, autores críticos do Norte no campo da gestão (e.g. Alvesson & Willmott, 1992)Alvesson, M., Willmott, H. (1992). On the idea of emancipation in management and organization studies. Academy of Management Review, 17 (3), 432-464. doi:10.2307/258718 mantiveram invisibilizada no Norte a face colonialista/racista/patriarcal do neoliberalismo, mobilizado pela supremacia branca masculinista ( Allen, 2001)Allen, R. L. (2001). The Globalization of White Supremacy: Toward a Critical Discourse on the Racialization of the World. Educational Theory, 51 (4), 467-485. doi:10.1111/j.1741-5446.2001.00467.x , que vem sendo então visibilizada por autores decoloniais no Sul e do Norte, submetidos à radicalização de mecanismos anti-separatismo ( Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 ; Prasad et al., 2015)Prasad, A., Prasad, P., Mills, A. J., Mills, J. H. (Eds.). (2015). The Routledge Companion to Critical Management Studies . London: Routledge. .

Segundo a literatura decolonial, esse quadro materializa a radicalização em escala global da colonialidade eurocêntrica inaugurada em 1492, quando a América (imposição a Abya Ayala ) foi “descoberta” e “conquistada” por europeus em nome da salvação dos povos sem história e nativos sub-humanos sem alma ( Dussel, 1993Dussel, E. (1993). 1492: O encobrimento do Outro (A origem do “mito da modernidade”) . Petrópolis, RJ: Vozes. ). Como foco no estado eurocêntrico autoritário, a contrarrevolução neoliberal parcialmente incentiva e apropria a episteme decolonial teórica predominantemente elitista, tida como “insurgente” e “identitária”, por meio de agentes e instituições privilegiadas que rearticulam o binarismo Norte-Sul e supostamente engajam a maioria para reforçar, reelaborar e reproduzir estruturas profundas e estratificantes contrárias à maioria ( Archer, 1982Archer, M. S. (1982). Morphogenesis versus structuration: on combining structure and action. The British Journal of Sociology, 33 (4), 455-483. doi:10.2307/589357 ). Em resumo, o neoliberalismo mercadocêntrico contrarrevolucionário subalterniza e incentiva a decolonialidade teórica, por meio de radicalização de dinâmicas históricas de apropriação-contenção e descolonização-recolonização simultaneamente no Sul e Norte. No século XIX, França e Inglaterra apropriaram e contiveram epistemes transmodernas solidárias, que eram mobilizadas por europeus e “nativos” em contextos interconectados de práxis de libertação-emancipação na colônia e na metrópole ( Faria & Hemais, 2020Faria, A., Hemais, M. (2020). Transmodernizing Management Historiographies of Consumerism for the Majority. Journal of Business Ethics , 1-19. doi:10.1007/s10551-020-04528-y ), para promoverem a descolonização das colônias portuguesas e espanholas e colonialismos internos nesses dois países, simultaneamente à rearticulação de mecanismos de recolonização nas colônias e nas metrópoles lideradas por França, Alemanha e Inglaterra. No século XX, os EUA protagonizaram dinâmicas pós-eurocêntricas de descolonização-recolonização de colônias inglesas e francesas (Mignolo, 2011a, pp. 51-52), incluindo as dramáticas intervenções simultâneas no Vietnam e EUA, contrárias a uma crescente maioria solidária, supostamente subordinada a princípios essencialistas/separatistas ( Statler, 2007)Statler, K. (2007). Replacing France: The Origins of American Intervention in Vietnam . Lexington: University Press of Kentucky. .

O emblemático “11 de setembro” chileno, em 1973, protagonizado pelo golpe militar chefiado por Augusto Pinochet, marcou a recolonização neoliberal pós-eurocêntrica da América Latina, com a experimentação na região da contrarrevolução neoliberal fomentada e financiada secretamente por elites locais e operada militarmente pelos EUA ( Harvey, 2006Harvey, D. (2006). Neo‐liberalism as creative destruction. Geografiska Annaler: Series B, Human Geography, 88 (2), 145-158. doi:10.1111/j.0435-3684.2006.00211.x ). O golpe anticomunismo operou uma resposta antiestatismo de contenção, com repercussões domésticas, à ascensão do Sul em escala global, impulsionada não apenas pela globalização socialista apropriada e comandada principalmente pela União Soviética ( Sklair, 2011Sklair, L. (2011). The transition from capitalist globalization to socialist globalization. Journal of Democratic Socialism , 1 (1), 1-14. Retrieved from https://bit.ly/3usnykg
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), mas também pela globalização oriental ( Pieterse, 2004Pieterse, J. N. (2004). Globalization or empire? London: Routledge. ) e pela globalização decolonial ( Márquez & Rana, 2017Márquez, J. D., Rana, J. (2017). Black Radical Possibility and the Decolonial International. South Atlantic Quarterly, 116 (3), 505-528. doi:10.1215/00382876-3961461 ).

No Chile, por meio de Pinochet e dos Chicago Boys, a partir de um acordo de trocas assinado entre a Universidade Católica do Chile e a Universidade de Chicago em 1956, foram criados discursos e práticas militarizadas, transformadas em teorias acadêmicas para combater uma “perigosa” essencialização do eurocentrismo comunista no (e a partir do) sul do continente americano. Um campo de administração “pública” engajado com a maioria, informado por teorizações-práticas marxistas, populares e decoloniais, foi seletivamente decolonizado a partir da violenta neoliberalização da universidade no Chile ( Mandiola & Varas, 2018Mandiola, M., Varas, A. (2018). “Educar es gobernar” Explorando los inicios del managerialismo masculino en la academia chilena. Revista de Ciencias Sociales, 31 (43), 57-78. doi:10.26489/rvs.v31i43.3 ), durante o período mais crítico da chamada Guerra Fria Inter-Americana que deslocou o eixo das tensões geopolíticas ( Harmer, 2011)Harmer, T. (2011). Allende’s Chile and the Inter-American Cold War . Chapell Hill: University of North Carolina Press. . Os discursos de mercado livre visibilizaram uma pretensa democracia anti-estatismo e anti-comunitarismo, impulsionada pelo milagre neoliberal da “orientação para o mercado” sem restrições, como progresso social em um país sulista do continente americano supostamente sem história, de acordo com as palavras de Henry Kissinger, e invisibilizaram o crescimento da violência, racismo, censura e desigualdade social contrária à vida da maioria no Sul e no Norte. Os Chicago Boys lideraram então um “projeto revolucionário a partir da sociedade civil” ( Clark, 2017, pClark, T. (2017). Rethinking Chile’s ‘Chicago Boys’: Neoliberal technocrats or revolutionary vanguard? Third World Quarterly, 38 (6), 1350-1365. doi:10.1080/01436597.2016.1268906 , p. 7), baseado em dinâmicas violentas e de apropriação-contenção que informaram a decolonização seletiva de campos diversos, tais como economia, administração pública e administração do desenvolvimento. Esses campos interconectados emergiram na América Latina, impulsionados por teorizações transmodernas da dependência parcialmente engajadas com a maioria e informadas por dinâmicas elitistas de apropriação-contenção e visibilização-invisibilização, que ganharam o mundo a despeito de ataques profundos ( Larrain, 1991)Larrain, J. (1991). Theories of development: Capitalism, colonialism and dependency . Hoboken: John Wiley & Sons. , e por um contestado socialismo decolonial democrático na região ( Mandiola & Varas, 2018)Mandiola, M., Varas, A. (2018). “Educar es gobernar” Explorando los inicios del managerialismo masculino en la academia chilena. Revista de Ciencias Sociales, 31 (43), 57-78. doi:10.26489/rvs.v31i43.3 .

Essa intervenção material-discursiva no Sul Global radicalizou a invisibilização de estruturas governamentais neo-imperiais no mercado, que eram então visibilizadas e contestadas por teorizações transmodernas da dependência que desafiavam e reproduziam a realidade estratificada da região ( Santos, 1970Santos, T. (1970). The Structure of Dependence. The American Economic Review, 60 (2), 231-236. Retrieved from https://bit.ly/2QTeMxd
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). Essas dinâmicas visibilizadas pelo framework PD-RC informam não somente as contradições do PD e do RC como projetos acadêmicos de emancipação-libertação, mas também tanto a viabilidade cotidiana quanto a radical inviabilização de um campo de gestão/administração engajado com a maioria em escala global. Elas também informam a expansão do pós-eurocentrismo neoliberal por meio da rearticulação neoimperial do positivismo, e suas variantes em gestão, nos EUA em geral e, em particular, pelas áreas de marketing e gestão estratégica; correspondentemente, também informam as contínuas rearticulações neoimperiais do New Public Management (NPM), impulsionadas por dinâmicas de contenção-apropriação contrárias à vida da maioria e à possibilidade de um sentido de relevância pública que vá além do próprio campo como nós o conhecemos ( Pollitt, 2016Pollitt, C. (2016). Managerialism Redux? Financial Accountability & Management, 32 (4), 429-447. doi:10.1111/faam.12094 ). Em uma realidade global cada vez mais estratificada e desigual, dinâmicas de descolonização e desocidentalização ajudam a tornar o NPM mais heterogêneo, ou diversificado, por meio de apropriação-contenção de teorias-práticas transmodernas “locais” impulsionadas pela práxis da reapropriação solidária no Sul-Leste emergente e correspondentes dinâmicas contrarrevolucionárias de descolonização-recolonização ( Pollitt, 2016Pollitt, C. (2016). Managerialism Redux? Financial Accountability & Management, 32 (4), 429-447. doi:10.1111/faam.12094 ; Terry, 1998Terry, L. D. (1998). Administrative Leadership, Neo-Managerialism, and the Public Management Movement. Public Administration Review, 58 (3), 194-200. doi:10.2307/976559 ). A hipervisibilização do mercado livre no campo da gestão ajuda a invisibilizar tanto a apropriação da transmodernidade solidária em busca de emancipação-libertação, quanto o crescimento de uma população de invisibilizados no Sul e Norte que resistem e lutam contra agentes privilegiados e uma realidade cada vez mais estratificada que é desafiada e reproduzida por PD e RC. Essas dinâmicas contrarrevolucionárias, mais especificamente, essa surpreendentemente exitosa agenda de sub-teorização contrária a um campo de gestão engajado com a maioria e, em especial com a transmodernização da administração pública, são ilustradas pela aberrante ascensão dos conceitos de orientação para o mercado (OPM) em marketing e de não-mercado em gestão estratégica, conforme tratado no próximo tópico.

Contenção radical da gestão/administração engajada com a maioria

Por meio da radicalização invisibilizada de dinâmicas de apropriação-contenção contrárias à possibilidade de reapropriação e co-construção de um campo de gestão/administração engajado com a maioria, o mercadocentrismo neoimperial promove reformas contrarrevolucionárias em diferentes organizações, principalmente na universidade corporatizada cada vez menos pública e suas escolas de negócios. A face militarizada do neoliberalismo foi invisibilizada pelo discurso anti-comunismo e anti-socialismo de mercado livre a partir dos anos 1970, e promoveu dinâmicas de descolonização-recolonização em nome de uma universidade anti-essencialismo orientada para o mercado, que garantiria então a liberdade individual e a segurança nacional/global. Escolas de negócios foram então apropriadas pelo populismo mercadocêntrico, que igualou mercado a democracia ( Kotler, 1972Kotler, P. (1972). What consumerism means for marketers. Harvard Business Review, 50 (3), 48-57. ), e impulsionaram a grande ofensiva estrutural do capital contrária à e engajada com dinâmicas desocidentalizantes e descoloniais no Sul-Leste emergente. Como uma das mais importantes disciplinas da ofensiva anticomunista dos EUA durante a Guerra Fria no país e no exterior ( Tadajewski & Saren, 2008Tadajewski, M., Saren, M. (2008). The past is a foreign country: amnesia and marketing theory. Marketing Theory, 8 (4), 323-338. doi:10.1177/1470593108096539 ), a área de marketing abraçou o mercadocentrismo contrarrevolucionário institucionalizado pelas estratégias pacificadoras de soft power do império benevolente e pelo Consenso de Washington, e ajudou a apagar da memória coletiva a possibilidade de um campo de gestão/administração engajado com a maioria.

A área de marketing reafirmou no início dos anos 1990 um papel geo-histórico crucial em dinâmicas de amnésia estrutural, inaugurado durante a Guerra Fria ( Tadajewski & Saren, 2008Tadajewski, M., Saren, M. (2008). The past is a foreign country: amnesia and marketing theory. Marketing Theory, 8 (4), 323-338. doi:10.1177/1470593108096539 ). A supreendente ascensão do conceito de OPM liderada pelos EUA ( Henderson, 1998)Henderson, S. (1998). No such thing as market orientation – a call for no more papers. Management Decision, 36 (9), 598-609. doi:10.1108/00251749810239487 , acompanhada de hiper-invisibilização do êxito alcançado pelo neoliberalismo orientado para o mercado com características chinesas ( Harvey, 2007)Harvey, D. (2007). A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press. , ajudou a visibilizar e universalizar a representação contrarrevolucionária do mercado como única interpretação da realidade dentro e fora das escolas e universidades. Enunciado como antídoto definitivo aos inimigos da democracia de mercado, esse conceito notavelmente sub-teorizado pavimentou uma trajetória manufaturada e aberrante de ascensão meteórica sem precedente na história da disciplina (e.g. Day, 2001Day, G. S. (2001). A Empresa Orientada para o Mercado: Compreender, Atrair e Manter Clientes Valiosos . Porto Alegre, RS: Bookman. ; Deshpandé, Farley, & Webster, 1993). Impulsionados pelo contestado conceito supremacista de “fim da história” ( Fukuyama, 1989)Fukuyama, F. (1989). The End of History? The National Interest, 16 , 3-18. Retrieved from https://bit.ly/3eqU7cE
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, autores e instituições influentes argumentaram que OPM levou a área de marketing ao apogeu em termos de teoria e prática, em paralelo ao igualmente surpreendente avanço do conceito de não-mercado em gestão estratégica ( Faria & Abdalla, 2014)Faria, A., Abdalla, M. M. (2014). O que é (estratégia de) não mercado? Organizações & Sociedade, 21 (69), 315-333. doi:10.1590/S1984-92302014000200007 . Em conjunto, esses dois conceitos impulsionaram dinâmicas contrarrevolucionárias de descolonização-recolonização neoliberal em gestão e administração pública, tanto no Norte quanto no Sul. Ambos promoveram a invisibilização da radicalização das interconexões constitutivas entre público e privado, promovidas e demandadas pelo CNG, visibilizadas desde os anos 1950 por movimentos práxicos de libertação-emancipação acompanhados por diversas teorias-práticas transmodernas vinculadas ao nacionalismo, desenvolvimentismo, terceiro mundismo e socialismo, tanto no Terceiro Mundo ( Furtado, 1959)Furtado, C. (1959). Formação Econômica do Brasil . São Paulo, SP: Companhia das Letras. quanto nos EUA ( Mills, 1956)Mills, C. W. (1956). The Power Elite . Oxford: Oxford University Press. .

A visibilização do lado emancipatório/revolucionário do mercado, em nome da maioria e ao mesmo tempo contrário a esta, ancoraram-se, dentre outras coisas, na literatura hiper-gerencialista, que transpirava a euforia americanista de vitória na Segunda Guerra e na Guerra Fria. O hiper-gerencialismo reativa em escolas de gestão/negócios o projeto anticomunismo de sub-teorização ideológica na Guerra Fria, liderado pela área de marketing. A ideia propagada pelo campo de gestão de que uma “OPM sem limites” corrigiria o não-mercado remanescente foi primeiramente hipervisibilizada por líderes políticos do fundamentalismo de mercado na esfera política – em especial Margareth Thatcher e Ronald Reagan –, que decretaram a falência de Estado, sociedade e comunidade, juntamente com representações de minorias vinculadas a essencialismo/separatismo, que informam ideias “dissidentes” em um campo de administração pública que mesmo nos EUA continua tentando engajar com a maioria ( Stivers, 2007Stivers, C. (2007). “So poor and so black”: hurricane Katrina, public administration, and the issue of race. Public Administration Review, 67 , 48-56. doi:10.1111/j.1540-6210.2007.00812.x ). Os trabalhos notavelmente superficiais em OPM de autores como Kohli, Jaworski, Narver e Slater reafirmam o comando contrarrevolucionário ao empoderar muitos acadêmicos na universidade neoliberal orientada-para-o-mercado, cada vez menos pública e sem amarras do passado, hipervisibilizando assim, em escolas de negócios, a ideia supremacista de que mercado e indivíduos ficaram “livres” do Estado autoritário opressor e ineficiente após a vitória dos EUA contra o imperialismo comunista – i.e., o fim da história.

A partir dos anos 1990, conceitos ideológicos como OPM vêm sendo mobilizados pela universidade neoliberal e suas escolas de negócios para um combate ainda mais radical, hipervisibilizado pela ideia de que o Norte/Oeste passou a viver não o fim da história, mas um “inevitável” e sem precedentes choque das civilizações, impulsionado pela ascensão do Sul-Leste dissidente e ameaçador em escala global ( Huntington, 1993Huntington, S. P. (1993). The Clash of Civilizations? Foreign Affairs, 72 (3), 22-49. doi:10.2307/20045621 ). Em suma, os conceitos de OPM e não-mercado mobilizados por um campo da gestão contrário à maioria constituem respostas contrarrevolucionárias radicais da supremacia branca americanista a ameaças essencialistas/bárbaras sulistas, dentro e fora da universidade, impulsionadas pela ressurgência de epistemes decoloniais e reativação da práxis transmoderna de reapropriação solidária em escala global a partir dos anos 1990 ( Grosfoguel, 2008Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80 , 115‑147. doi:10.4000/rccs.697 ).

Os dois conceitos legitimam a minimização das dimensões de emancipação-libertação da administração pública, essenciais para a maioria racializada nos EUA ( Marable, 2015Marable, M. (2015). How Capitalism Underdeveloped Black America: Problems in Race, Political Economy, and Society . Chicago: Haymarket Books. ), e para lutas anti-imperialistas de países e sociedades do Sul-Leste ( Harvey, 2006Harvey, D. (2006). Neo‐liberalism as creative destruction. Geografiska Annaler: Series B, Human Geography, 88 (2), 145-158. doi:10.1111/j.0435-3684.2006.00211.x , 2013bHarvey, D. (2013b). O novo imperialismo (7a ed.). São Paulo, SP: Loyola. ). A academia de gestão disseminou em escala global, com suporte dos proponentes do contestado Consenso de Washington, a crença travestida de ciência positivista em gestão de que o não-mercado é anomalia abundante em países emergentes, ex-comunistas e ex-Terceiro Mundo, que ainda seguem políticas estatistas, com especial destaque para a China e suas incursões geopolíticas via socialismo de mercado ou capitalismo de estado na Ásia, África, América Latina e EUA ( Barney, 2005Barney, J. B. (2005). Should Strategic Management Research Engage Public Policy Debates? Academy of Management Journal, 48 (6), 945-948. doi:10.5465/amj.2005.19573092 ; Burton, 2005Burton, D. (2005). Marketing Theory Matters. British Journal of Management, 16 (1), 5-18. doi:10.1111/j.1467-8551.2005.00432.x ; Doh, Lawton, & Rajwani, 2012). Como resposta contrarrevolucionária focada em dinâmicas de desocidentalização/decolonização e alternativas epistêmico-materiais na constituição de uma ordem mundial pós-imperial ( Wade, 2010)Wade, R. (2010). After the Crisis: Industrial Policy and the Developmental State in Low-Income Countries. Global Policy, 1 (2), 150-161. doi: 10.1111/j.1758-5899.2010.00036.x ou pluriversal ( Mignolo & Walsh, 2018)Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. , e à popularização do discurso de que esses países e seus correspondentes estatismos representariam uma séria ameaça ao capitalismo de mercado global ( Faria, 2015Faria, A. (2015). Promovendo (De)crescimento em/dos Estudos Organizacionais e de Gestão. Revista de Administração Contemporânea, 19 (1), 149-159. doi:10.1590/1982-7849rac20158122 ; Glosny, 2010)Glosny, M. A. (2010). China and the BRICs: A Real (but Limited) Partnership in a Unipolar World. Polity, 42 (1), 100-129. doi:10.1057/pol.2009.14 , dinâmicas de descolonização-recolonização focados na “administração pública” radicalizaram a partir da crise global de 2007-2008, protagonizada por oligarquias populista-discriminatórias, conectadas às ideias de “mercado” radicalmente contrárias à maioria, impostas e endossadas pelo complexo de Wall Street .

Segundo a área de gestão estratégica, o conceito de não-mercado é subordinado ao mercado, descrito como esfera de atores (principais e coadjuvantes) que interagem em processos de trocas econômicas e não-econômicas (Baron, 1995a, 1995b, 2013). Essa literatura contrarrevolucionária atribui o não-mercado ao não-econômico ou ao “estatismo popular” ameaçador – i.e., estatismos autoritários disfarçados e com pretensões imperiais à espreita, ilustrado por países dos BRICS, liderados pela China, nos quais líderes irresponsáveis supostamente “abraçaram o sistema capitalista para maximizar o desempenho econômico em seus países e assim viabilizaram a promoção de seus objetivos políticos e dominância política” ( Bremmer, 2010Bremmer, I. (2010). Article Commentary: The End of the Free Market: Who wins the war between States and Corporations? European View, 9 (2), 249-252. doi:10.1007/s12290-010-0129-z , p. 249), dentro e fora de seus países. Em resposta, a gestão estratégica do não-mercado por grandes corporações é prescrita para subalternização de agências estatais, comunidades, governos, além da administração pública, por meio de dinâmicas permanentes de apropriação-contenção a favor da gestão mercadocêntrica democrática em todos os tipos de organização no Sul e no Norte ( Bach & Allen, 2010Bach, D., Allen, D. B. (2010). What Every CEO Needs to Know About Nonmarket Strategy. MIT Sloan Management Review, 51 (3), 40-49. Retrieved from https://bit.ly/3xXsCzk
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; Boddewyn, 2003)Boddewyn, J. J. (2003). Understanding and Advancing the Concept of ‘Nonmarket’. Business & Society, 42 (3), 297-327. doi:10.1177/0007650303257504 . Essa conceituação de não-mercado , com grafia e semântica precedida de negação, sinaliza uma dinâmica dupla de apropriação-contenção e subalternização de invisibilizados, fomentada pela contrarrevolução neoliberal em suas renovadas versões. O prefixo de negação carrega a semântica de contrário às possibilidades libertadoras e emancipatórias do mercado e, consequentemente, a outros termos tidos como insurgentes ou separatistas, preferidos por “poderes emergentes” e “invisibilizados”, que constituem uma maioria (efetiva e potencialmente ameaçadora), tais como anti-capitalismo, anti-americanismo ou anti-ocidentalização . Essa conceituação neoimperial do não-mercado em gestão/administração radicaliza a invisibilização da maioria em escala global.

Essa radicalização em gestão-administração tornou-se uma das condições para as sucessivas crises do CNG. O campo continua tendo que ajudar a conter teorizações alternativas de mercado mobilizadas por países do Sul-Leste emergente, mais especificamente a China ( Arrighi, 2009Arrighi, G. (2009). Adam Smith in Beijing: Lineages of the 21st Century . New York: Verse. ), e pela crescente maioria de invisibilizados potencialmente engajados com reapropriação transmoderna também no Norte Global, ilustrado pelos movimentos Occupy e Black Lives Matter ( Rickford, 2016Rickford, R. (2016). Black Lives Matter. New Labor Forum, 25 (1), 34-42. doi:10.1177/1095796015620171 ). Além disso, o campo continua tendo que ajudar na invisibilização da mobilização radical de hard power – i.e., poder baseado na coerção e em incentivos econômicos ( Nye, 2004Nye, J. (2004). Soft Power: The Means to Success in World Politics . New York: Public Affairs. ) –, impulsionada pela ascensão e normalização do unilateralismo dos EUA após os eventos de 11 de setembro de 2001 e da invasão do Iraque em 2003 e, correspondentemente, a radical militarização do “mercado” em escala global ( Harvey, 2006Harvey, D. (2006). Neo‐liberalism as creative destruction. Geografiska Annaler: Series B, Human Geography, 88 (2), 145-158. doi:10.1111/j.0435-3684.2006.00211.x , 2007Harvey, D. (2007). A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press. ). Apesar da suposta minimização do Estado, do governo e, por conseguinte, da administração pública e do escopo da relevância no campo de gestão/administração, é notória a proteção institucional do Estado imperial aos “mercados” de armamentos bélicos convencionais e nucleares ( Barley, 2010Barley, S. R. (2010). Building an Institutional Field to Corral a Government: A Case to Set an Agenda for Organization Studies. Organization Studies, 31 (6), 777-805. doi:10.1177/0170840610372572 ), invisibilizada devido ao número crescente de “inimigos invisíveis” a partir do 11 de setembro e a correspondente institucionalização da guerra global ao terror, dentro e fora da academia ( Rajagopal, 2004Rajagopal, A. (2004). America and its others. Interventions, 6 (3), 317-329. doi:10.1080/1369801042000280998 ).

Como sugerido pelo framework PD-RC, tornar visível em pesquisa ou conhecimento decolonial, social ou socialista o que está por trás dos discursos de soberania do consumidor e do mercado livre no Atlântico Norte é inviável para muitos, especialmente para acadêmicos da universidade neoliberal crescentemente corporatizada, vigiada e controlada. A visibilização de tais estruturas – i.e., o lado mais obscuro da modernidade sistematicamente negada pela modernidade ( Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization Studies and Epistemic Coloniality in Latin America: Thinking Otherness from the Margins. Organization, 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851 ), que informa a contestada hegemonia do currículo branco/colonialista em gestão ( Contu, 2019Contu, A. (2019). Answering the crisis with intellectual activism: Making a difference as business schools scholars. Human Relations, 73 (5), 737-757. doi:10.1177/0018726719827366 ) e permanência do racismo constitutivo nas escolas de negócios do Norte Global (Dar et al, 2020) – com o propósito de reengajar a maioria em gestão/administração pode ser tida não como boa ciência, mas exemplarmente como rebeldia/desobediência epistêmica sulista. Carrieri e Correia (2020)Carrieri, A. P., Correia, G. F. A. (2020). Estudos organizacionais no Brasil: construindo acesso ou replicando exclusão? Revista de Administração de Empresas, 60 (1), 59-63. doi:10.1590/s0034-759020200107 reafirmam tais argumentos ao criticarem os processos de exclusão e silenciamento impostos à maioria por uma minoria, por meio de formas legítimas de comunicação, incluindo a própria academia.

Na Inglaterra, Henderson (1998)Henderson, S. (1998). No such thing as market orientation – a call for no more papers. Management Decision, 36 (9), 598-609. doi:10.1108/00251749810239487 ousou enunciar uma crítica isolada à óbvia superficialidade nas relações de causalidade entre OPM e desempenho nas corporações nos EUA. Em vez de questionar em profundidade a sub-teorização do mercado em gestão, o autor defendeu a interrupção de pesquisas em OPM. Em um Norte Global crescentemente desigual, heterogêneo e discriminatório, no qual ativismo intelectual na universidade neoliberal e suas escolas de gestão torna-se virtualmente impossível e cumplicidade de acadêmicos com contradições é institucionalizada ( Rhodes et al., 2018Rhodes, C., Wright, C., Pullen, A. (2018). Changing the world? The politics of activism and impact in the neoliberal university. Organization , 25 (1), 139-147. doi:10.1177/1350508417726546 ), a ressurgência de diálogos Sul-Norte informados por uma agenda teórico-prática de emancipação-libertação engajada com a maioria torna-se um elemento ameaçador ao mundo eurocêntrico, supostamente rumo a um apogeu pós-colonialista capaz de impedir a ressurgência de essencialismos/separatismos sulistas ( Cornelissen & Höllerer, 2020Cornelissen, J., Höllerer, M. A. (2020). An Open and Inclusive Space for Theorizing: Introducing Organization Theory. Organization Theory, 1 (1), 263178771988798. doi:10.1177/2631787719887980 ). Henderson manteve silêncio ou foi silenciado devido a essa radicalização “invisibilizada” da colonialidade no Norte a partir dos anos 1990 (Dussel, 2013a), impulsionada pela contrarrevolução neoliberal baseada na ideia supremacista de “orientação para o mercado”, reafirmada e contestada em diferentes partes do Norte e Sul ( Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., Walsh, C. E. (2018). On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis . Durham: Duke University Press. ; Santos, 2018)Santos, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: The coming of age of epistemologies of the South . Durham: Duke University Press. . Essa contenção radical de uma gestão/administração engajada com a maioria promove a marginalização no Norte de epistemes “socialistas” como o RC e justifica a invisibilização não apenas de alternativas e epistemes transmodernas no Norte, mas em especial desse “outro” subalterno de quem vem sendo tirado o direito de existir e de pertencer a e de reapropriar o campo sob uma perspectiva pública de relevância ampliada. A des-subalternização desse invisibilizado outro é tratada no tópico a seguir.

“Des-subalternização” de invisibilizados e expansão de diálogos Sul-Norte

Para os proponentes do neoliberalismo contrarrevolucionário, não é suficiente moldar campos de conhecimento contrários a uma crescente e heterogênea maioria engajada com diversas alternativas que coexistem com capitalismo heteropatriarcal moderno – tais como não-capitalismo, pós-capitalismo, comunitarismo, socialismo, pós-socialismo e respectivas epistemes e materialidades. Para sua expansão por meio de dinâmicas extrativas de apropriação-contenção, é também necessário subalternizar o invisibilizado outro, historicamente envolvido em lutas e epistemes libertadoras no Sul e Norte – i.e., o indesejável outro cuja “vida pode ser não permitida até sua morte” ( Melamed, 2006Melamed, J. (2006). The Spirit of Neoliberalism: From Racial liberalism to neoliberal multiculturalism. Social Text, 24 (4 (89)), 1-24. doi:10.1215/01642472-2006-009 ) –, e então dividir a maioria continuamente.

Por exemplo, a partir dos aprendizados adquiridos no Chile, a área de administração pública cada vez menos pública promoveu reformas contrarrevolucionárias radicais nos EUA, impulsionadas pelo discurso neoimperial do NPM contra “separatistas” no contexto da Guerra Fria Inter-Americana. Dentro e fora da universidade sulista cada vez menos pública, reformas de cima para baixo promoveram apropriação e contenção de epistemes e materialidades mobilizadas por invisibilizados em geral, e em particular por “bárbaros” Mapuches, também chamados de araucanos pelos colonizadores espanhóis ( Richards, 2010Richards, P. (2010). Of Indians and terrorists: how the state and local elites construct the Mapuche in neoliberal multicultural Chile. Journal of Latin American Studies, 42 (1), 59-90. doi:10.1017/S0022216X10000052 ) – o equivalente no Chile do “outro” mais fraco, mais pobre e mais escuro nos EUA ( Rodríguez, 2011Rodríguez, D. (2011). Multiculturalist White Supremacy and the Substructure of the Body. In M. J. Casper, P. Murrah (Eds.), Corpus (pp. 39-60). New York: Palgrave Macmillan. ) radicalmente subalternizado pelo neoliberalismo multicultural do império benevolente que rearticula a estratégia de dividir-para-reinar aplicada a Indígenas Americanos e Afro-Americanos (King, Navarro, & Smith, 2020) por meio de apropriação de epistemes libertadoras, que justifica e invisibiliza dinâmicas interconectadas no Sul e no Norte de descolonização-recolonização comandadas pelo capital transnacional e mobilizadas por elites intelectuais. Essa faceta transnacional/multicultural da contrarrevolução neoliberal dividir-para-reinar, reproduzida por escolas de negócios ( Dar et al., 2020)Dar, S., Liu, H., Martinez Dy, A., & Brewis, D. N. (2020). The business school is racist: Act up! Organization , 1350508420928521. doi:10.1177/1350508420928521 e na educação em gestão, nega diferenciações coloniais e racistas ( Nkomo, 1992)Nkomo, S. M. (1992). The emperor has no clothes: Rewriting “race in organizations”. Academy of Management Review, 17 (3), 487-513. doi:10.2307/258720 , e reafirma a ideia racista/colonialista/sexista de que o invisibilizado outro, preso ao monoculturalismo identitário ou outras deficiências histórico-culturais ( Melamed, 2006)Melamed, J. (2006). The Spirit of Neoliberalism: From Racial liberalism to neoliberal multiculturalism. Social Text, 24 (4 (89)), 1-24. doi:10.1215/01642472-2006-009 , é não apenas inferior, mas também uma ameaça para a maioria que supostamente constitui a sociedade pós-colonial pós-racista multicultural. Em resposta às tentativas da administração pública no Sul de engajamento com a maioria para, então, rejeitar a “adoção acrítica do receituário internacional em prol da NPM” (Peci, Pieranti, & Rodrigues, 2008, p. 52), o neoliberalismo multicultural contrarrevolucionário rearticula a subalternização do invisibilizado outro por meio da globalização de discursos de NPM cada vez mais heterogêneos ( Pollitt, 2016)Pollitt, C. (2016). Managerialism Redux? Financial Accountability & Management, 32 (4), 429-447. doi:10.1111/faam.12094 e de outros artefatos vinculados ao projeto de gestão da diversidade liderado pelos EUA ( Nkomo & Hoobler, 2014)Nkomo, S., Hoobler, J. M. (2014). A historical perspective on diversity ideologies in the United States: Reflections on human resource management research and practice. Human Resource Management Review, 24 (3), 245-257. doi:10.1016/j.hrmr.2014.03.006 .

Enquanto o “pobre” subalternizado no Atlântico Norte é invisibilizado por discursos e reformas do neoliberalismo multicultural benevolente, que objetivam disciplinar domesticamente esse outro racializado “separatista” (Soss, Fording, Schram, & Schram, 2011) e permitir intervenções benevolentes no exterior, o discurso contrarrevolucionário de mercado e não-mercado visibiliza o “pobre” como “inferior/ameaçador” em regiões do Sul, e invisibiliza as alternativas sulistas – tidas como potencialmente insurgentes, ou mesmo terrorismo global ( Lawton & Rajwani, 2015)Lawton, T., Rajwani, T. (Eds.). (2015). The Routledge companion to non-market strategy . London: Routledge. . Questões que eram cruciais para o Estado, e para esse invisibilizado e suas teorias-práticas transmodernas, são apropriadas e visibilizadas pela universidade neoliberal e suas escolas de negócios-gestão como questões “de não-mercado”, a serem gerenciadas por ativismo corporativo e política privada, necessárias para conter a ascensão de países emergentes por meio do mercadocentrismo supremacista, fornecido pelo império benevolente via conhecimento “global” de gestão estratégica (e. g. Baron, 2013)Baron, D. P. (2013). Business and its environment (7th ed.). New York: Pearson Education. .

Segundo essa literatura de gestão estratégica em ascensão comandada pelos EUA, não-mercado e pobreza continuaram abundantes em países emergentes e em transição ainda colonizados por estatismos autoritários/essencialistas, engajados com multiculturalismo ruim e com uma gestão populista do pobre baseada em discursos anti-imperialistas e decoloniais contrarrevolucionários ( Lipton, 2017Lipton, M. (2017). Are the BRICS reformers, revolutionaries, or counter-revolutionaries? South African Journal of International Affairs, 24 (1), 41-59. doi:10.1080/10220461.2017.1321039 ); o que a literatura mercadocêntrica classifica como “não-mercado” é, portanto, um mal necessário e perigoso para o Ocidente, que tem que ser substituído, de um modo ou de outro, pelo mercado livre ( Faria & Abdalla, 2014Faria, A., Abdalla, M. M. (2014). O que é (estratégia de) não mercado? Organizações & Sociedade, 21 (69), 315-333. doi:10.1590/S1984-92302014000200007 ). É assim justificada a exportação para o Sul de teorias de gestão produzidas pelo império multicultural benevolente em nome da diversidade ( Walsh, 2015)Walsh, J. P. (2015). Organization and management scholarship in and for Africa… and the world. Academy of Management Perspectives, 29 (1), 1-6. doi:10.5465/amp.2015.0019 , que reafirmam em escala global a contestada impossibilidade da universidade como uma esfera pública democrática ( Giroux, 2014)Giroux, H. A. (2014). Neoliberalism’s War on Higher Education . Chicago: Haymarket Books. e “um local de transformação anticolonial radical” ( Kamola, 2019, pKamola, I. (2019). The Long ’68: African Anticolonialism and the Emergence of a World University System. Cultural Politics, 15 (3), 303-314. doi:10.1215/17432197-7725451 , p. 303).

A partir da institucionalização da ideia contrarrevolucionária de que “o negócio da sociedade é negócio” ( Sklair, 1997Sklair, L. (1997). Social Movements for Global Capitalism: The Transnational Capitalist Class in Action. Review of International Political Economy, 4 (3), 514-538. doi:10.1080/096922997347733 , p. 519, tradução nossa) mobilizada por escolas de gestão/administração, o campo radicaliza a mobilização de dinâmicas contrarrevolucionárias multiculturais em escala global, focadas na crescente população heterogênea de invisibilizados, engajada com alternativas separatistas de “não-mercado” impulsionadas por apropriações bárbaras da modernidade pós-colonial global que vai além das divisões do passado, presente ainda no Norte Global cada vez mais desigual, heterogêneo e discriminatório ( Boatcă, 2015Boatcă, M. (2015). Global inequalities beyond occidentalism . Burlington: Ashgate. ).

Por meio da criação e controle do conceito de não-mercado, a área de gestão estratégica cada vez mais “global” ou “internacional” (Baron, 1995a, 1995b, 2013) ajuda a invisibilizar alternativas conectadas ao pós-capitalismo, não-capitalismo, socialismo e pós-socialismo, ao visibilizar o não-mercado como uma categoria “guarda-chuva” em países emergentes do sul com pretensões imperiais; mais importante, a área invisibiliza tanto a existência de uma “gestão estratégica” alternativa engajada com a maioria informada por praxes transmodernas quanto intervenções neoimperiais mercadocêntricas via gestão do “não-mercado” protagonizadas por grandes corporações, capital transnacional e supremacia masculina branca ( Doh et al., 2012Doh, J. P., Lawton, T. C., Rajwani, T. (2012). Advancing Nonmarket Strategy Research: Institutional Perspectives in a Changing World. Academy of Management Perspectives, 26 (3), 22-39. doi:10.5465/amp.2012.0041 ; Parmar, 2019Parmar, I. (2019). Transnational elite knowledge networks: Managing American hegemony in turbulent times. Security Studies, 28 (3), 532-564. doi:10.1080/09636412.2019.1604986 ). Impulsionados por dinâmicas de desocidentalização e decolonização invisibilizadas pelo campo de gestão/administração, pesquisadores do Sul recuperam a práxis transmoderna de reapropriação solidária para visibilizar e des-subalternizar essa crescente população de “invisibilizados outros”, engajada cotidianamente com alternativas ao neoliberalismo neoimperial (Carrieri, Papadopoulos, Quaresma Júnior, & Silva, 2021; Quelha de Sá & Costa, 2019)Quelha de Sá, R. G., & Costa, A. S. M. (2019). In search of transparency: ANTi-History, memorials and resistance. Journal of Management History, 25 (4), 493-515. doi:10.1108/JMH-02-2018-0012 .

Essa subalternização radical do invisibilizado outro em escala global tem sido impulsionada pela incontrolável ascensão do neoliberalismo socialista com características chinesas, orientado para o mercado ( Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press. ; Zhang & Ong, 2015Zhang, L., Ong, A. (Eds.). (2015). Privatizing China: socialism from afar . Ithaca: Cornell University Press. ), de e dinâmicas correspondentes de globalização contra-hegemônica do socialismo ( Sklair, 2011)Sklair, L. (2011). The transition from capitalist globalization to socialist globalization. Journal of Democratic Socialism , 1 (1), 1-14. Retrieved from https://bit.ly/3usnykg
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e decolonização/desocidentalização igualmente incontroláveis e ameaçadoras. A estratégia belicosa contra a maioria e o invisibilizado outro engajado com o “não-mercado” tem sido sustentada por dinâmicas de institucionalização epistêmico-material do consumerismo ideológico-cultural, reforçadas pela normalização da indiferença do indivíduo como consumidor soberano em relação às necessidades, sofrimentos e direito de viver dos invisibilizados outros.

A co-construção de um campo engajado com a maioria em geral e “invisibilizados outros” em particular demanda recuperarmos a solidariedade dentro e fora das instituições do conhecimento contra a celebração institucionalizada “da liberdade de cada um buscar seus próprios interesses e bem-estar, sem responsabilidade com os interesses ou bem-estar de qualquer outro indivíduo” ( Giroux, 2014Giroux, H. A. (2014). Neoliberalism’s War on Higher Education . Chicago: Haymarket Books. , p. 3). Essa des-subalternização solidária do invisibilizado outro requer o reforço de dinâmicas contra a normalização de “uma política de desengajamento e uma cultura de irresponsabilidade” (p. 6), também liderada pelos EUA, que alimenta a “impotência política da subjetividade contemporânea” ( Berardi, 2019Berardi, F. (2019). Futurability: The Age of Impotence and the Horizon of Possibility . New York: Verso. , p. 9) e, por conseguinte, fragmenta e polariza a maioria em escala global.

Desenvolvimentos transmodernos têm justificado dinâmicas contrarrevolucionárias de apropriação-contenção acadêmica contrárias à maioria em escala global – especialmente contra a vida de “invisibilizados outros”. Correspondentemente, a recuperação da práxis da transmodernidade solidária por autores decoloniais deve ser “cautelosa” e não-extrativista, visto que esse arsenal de dinâmicas belicosas contrárias à vida da maioria tem sido fomentado pela ofensiva radical do capital transnacional e do militarismo liderado pelos EUA, com participação voluntária ou não de elites anticoloniais nacionalistas ( White, 2002White, S. (2002). Thinking race, thinking development. Third World Quarterly, 23 (3), 407-419. doi:10.1080/01436590220138358 ) e pós-comunistas (Eyal, Szelényi, & Townsley, 1997). A recuperação cautelosa da práxis transmoderna de reapropriação solidária, conjuntamente com a des-subalternização radical do invisibilizado outro, requer a expansão do diálogo Sul-Norte proposto neste artigo. Sugerimos então a promoção de diálogos com outras teorias-práticas do Norte cujos respectivos comprometimentos com libertação e emancipação permanecem invisibilizados. Diversos campos de conhecimento no Norte impulsionados por dinâmicas eurocêntricas de apropriação-contenção reproduzem um padrão incompleto de negação anti-essencialismo/separatismo de desenvolvimentos transmodernos; por exemplo, sociologia econômica, economia política e geografia vêm promovendo debates críticos em torno das conceituações neoliberais de mercado livre que são também decoloniais e informados pela práxis transmoderna de libertação-emancipação (e.g., Arrighi, 2009Arrighi, G. (2009). Adam Smith in Beijing: Lineages of the 21st Century . New York: Verse. ; Fligstein, 2002Fligstein, N. (2002). The Architecture of Markets: An Economic Sociology of Twenty-First-Century Capitalist Societies . Princeton: Princeton University Press. ; Harvey, 2013a; Peck, 2005)Peck, J. (2005). Economic Sociologies in Space. Economic Geography, 81 (2), 129-175. doi:10.1111/j.1944-8287.2005.tb00263.x .

Essas literaturas visibilizam relações sociopolíticas invisibilizadas pelo discurso dominante e materialidades discriminatórias que são vividas por invisibilizados outros, em lutas cotidianas de libertação-emancipação informadas por praxes transmodernas. Estados, governos, legisladores, administração pública, ONG, comunidades e cidadãos são tidos como atores ativos, com diferentes níveis de agência individual ou coletiva ( Fligstein, 2002Fligstein, N. (2002). The Architecture of Markets: An Economic Sociology of Twenty-First-Century Capitalist Societies . Princeton: Princeton University Press. ) e mercado não é distinguido do não-mercado, sendo ambos constituídos dinamicamente por atores e estruturas, processos e relações sociais (Levy, Alvesson, & Willmott, 2003). O framework PD-RC proposto neste artigo permite o reconhecimento de que essas literaturas desafiam os pressupostos contrarrevolucionários anti-público/anti-popular – em nome de todos e contra uma crescente maioria – impostos em escala global pelo CNG em transição para populismo neofascista. A reapropriação estratégica desse conjunto de teorias-práticas marginalizadas pelo mercadocentrismo contrarrevolucionário no Norte é, portanto, necessária para que a maioria no Sul e no Norte supere rearticulações anti-essencialismo/separatismo, mobilizadas pelo neoliberalismo multicultural neoimperial, suportado pelo discurso hegemônico de combate à desigualdade e acompanhado de dinâmicas cada vez mais radicais de visibilização-invisibilização e apropriação-contenção contrárias à vida da maioria.

Discussão e considerações conclusivas

Em resposta à radicalização de desigualdades e discriminações em escala global, mobilizada pela contrarrevolução neoliberal da hipermodernidade capitalista em transição para populismo neofascista, argumentamos neste artigo que a co-construção de um campo de gestão/administração engajado com a maioria demanda a recuperação práxica de diálogo entre epistemes e materialidades comprometidas com libertação decolonial e emancipação crítico-realista, dentro e fora da universidade e suas escolas de negócios-gestão.

Por meio do framework PD-RC engajado com a maioria, que vai além dos binarismos Norte-Sul e teoria-prática, esse artigo sugere que emancipação e libertação não são conceitos opostos, mas sim teorias-práticas coexistentes, mobilizadas (efetiva e potencialmente) pela maioria heterogênea no Sul e no Norte. Dinâmicas contrarrevolucionárias de visibilização-invisibilização e apropriação-contenção baseadas no discurso neoliberal de mercado livre, normalizados pela radicalização da modernidade/colonialidade eurocêntrica, ajudam a subalternizar invisibilizados outros engajados com alternativas e epistemes transmodernas em escala global, as quais são também invisibilizadas e classificadas como separatismo/essencialismo. Em resposta, agentes e instituições privilegiados radicalizam a mobilização de dinâmicas contrarrevolucionárias de visibilização-invisibilização e apropriação-contenção contrárias à maioria, por meio de discurso neoimperial de mercado livre, que rearticula o binarismo Norte-Sul e a duradoura divisão da maioria.

Este artigo sugere que um campo invisibilizado de gestão/administração engajado com a maioria coexiste historicamente com um campo hipervisibilizado predominantemente contrário à vida da maioria, este último impulsionado por dinâmicas capitalistas anti-essencialismo/separatismo contrárias a alternativas mobilizadas pela maioria engajada (efetiva e potencialmente) com não-capitalismo, pós-capitalismo, comunitarismos, socialismo e pós-socialismo. Essas dinâmicas invisibilizadas e sub-investigadas pelo campo liderado por um Norte cada vez mais desigual, heterogêneo e discriminatório têm ajudado a reafirmar a contestada impossibilidade de que a universidade e suas escolas de negócios-gestão sejam constituintes da esfera pública democrática e de dinâmicas libertadoras contra colonialidade, racismo e patriarcado. A partir da investigação e visibilização dessas dinâmicas, por meio de um framework Sul-Norte que recupera a práxis transmoderna de reapropriação solidária, sugerimos que a co-construção de um campo engajado com a maioria deve priorizar a des-subalternização do invisibilizado engajado com o “não-mercado” marcado por movimentos de libertação-emenacipação e a des-celebração do discurso do “mercado livre”.

A co-construção cotidiana de um campo engajado com a maioria requer de acadêmicos a promoção cautelosa, mas radical, da práxis de reapropriação transmoderna dentro e fora de organizações e da academia. Em um contexto cada vez mais complexo, desigual e violento, é crucial que a universidade neoliberal contrarrevolucionária e suas escolas de negócios/gestão vão além da estratégia de continuar tratando problemas sociais como irrelevantes ou inexistentes ( Giroux, 2015Giroux, H. A. (2015). The University in Chains: Confronting the Military-Industrial-Academic Complex . London: Routledge. ) e institucionalizando a impotência política individualista, que fragmenta e polariza a maioria ( Berardi, 2019Berardi, F. (2019). Futurability: The Age of Impotence and the Horizon of Possibility . New York: Verso. ). Uma perspectiva mais pública de relevância em gestão/administração por meio da des-subalternização do outro invisibilizado é então necessária para que a maioria solidária supere a intensificação de estratégias dividir-para-reinar anti-essencialismo/separatismo, que buscam expandir e dividir a maioria, e a radicalização de dinâmicas extrativas de apropriação-contenção de epistemes e materialidades transmodernas no Sul e Norte. Esse campo “outro” deve ser recuperado e renovado por meio de co-construção cotidiana “com” invisibilizados, em vez de “para” ou “sobre” invisibilizados, vivendo lutas solidárias contra dominação capitalista, patriarcal e colonialista.

Tornar visível uma gestão/administração outra e des-subalternizar o invisibilizado outro significa não substituir a modernidade eurocêntrica universalista pela decolonialidade pluriversalista, mas principalmente a recuperação de práxis transmoderna solidária que vai além dos binarismos Sul-Norte e teoria-prática, e des-invisibilização de transformações emancipatórias-libertadoras cotidianas, inauguradas em 1492, que constituem tanto essa administração-gestão “outra” quanto o campo que a nega, apropria e contém. Em resposta contrarrevolucionária a movimentos não-dialógicos de descolonização do campo, impulsionados por dinâmicas de descolonização e desocidentalização cada vez menos governáveis por poderes hegemônicos, este artigo aponta para a radicalização de dinâmicas de apropriação-contenção da pluriversidade transmoderna em escala global por dinâmicas universalistas contrárias à maioria, em especial contra a vida de invisibilizados outros, protagonizadas por uma universidade neoliberal cada vez menos pública e cada vez mais corporatizada-militarizada e suas escolas de negócios-gestão.

A universalidade contrarrevolucionária impulsionada por tais dinâmicas de visibilização-invisibilização e apropriação-contenção com foco na práxis transmoderna é uma dimensão constitutiva da universidade neoliberal ; esse quadro, inaugurado em 1492, é ilustrado nos dias atuais pelas dinâmicas que permitem que as teorias pós-moderna e pós-colonial dominantes informem o discurso mercadocêntrico contrarrevolucionário impulsionado pelo capital transnacional, cada vez mais ofensivo, e a regeneração reocidentalizante do neoliberalismo multicultural benevolente. A recuperação de diálogos transmodernos engajados com a maioria permite que acadêmicos no Sul-Leste e no Norte-Oeste reconheçam que o RC é uma episteme-materialidade, marginalizada por incorporar teorias-práticas de libertação decolonial e emancipação crítica que não podem ser visibilizadas em um Norte/Oeste cada vez mais desigual, heterogêneo e discriminatório, e que o PD não é uma totalidade não-contraditória libertadora para todos; em um mundo em que diversos mundos coexistem, colidem e coalescem, as dinâmicas de apropriação-contenção e visibilização-invisibilização que vão além das conceituações acadêmicas, que ajudam a fragmentar e dividir a maioria, constituem tanto a modernidade capitalista heteropatriarcal quanto transmodernidade pluriversal decolonial.

Ao desafiarmos e reproduzirmos a eventual romanticização/colonização da “maioria” e do “invisibilizado outro” neste artigo e nos reconhecermos como parte constitutiva de dinâmicas contrárias à vida da maioria aqui visibilizadas, esperamos que esta modesta contribuição, a ser lida por uma minoria acadêmica privilegiada que constitui a maioria heterogênea sob risco, seja reapropriada como inspiração emancipatória-libertadora coletiva, para recuperarmos, renovarmos e reafirmarmos no Sul e no Norte a viabilidade da co-construção cotidiana de um campo engajado com a maioria e com a vida, que coexiste com um campo ainda predominantemente contrário à vida dessa maioria.

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  • Financiamento: Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Editado por

Editora Associada: Cintia Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2019
  • Aceito
    17 Jul 2020
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