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Bem-estar Animal e Inovação Social: Evidências a partir de um Estudo de Caso no Sul do Brasil

Resumo

Este estudo analisou o projeto Cão Terapia, desenvolvido por uma organização da sociedade civil, com o objetivo de verificar como ele gera inovação social a partir de práticas voltadas ao bem-estar animal. É um estudo de caso qualitativo, com abordagem exploratória e descritiva. Consiste em revisão de literatura, pesquisa documental, observação participante e entrevistas com voluntários e gestores da Organização Bem-Animal. Essa entidade busca promover o bem-estar de animais resgatados pelo governo após denúncias de abusos, atropelamentos e outras situações graves. Constatamos que as iniciativas dessa organização resultam em inovação social, sobretudo, por proporcionar ações sociais contrárias às mentalidades especista, instrumental e consumista; contribuindo para a vivência de preceitos éticos e para a consolidação dos direitos dos animais não humanos na sociedade.

organizações da sociedade civil; inovação social; preceitos éticos; direitos dos animais; geografia animal

Abstract

This study examined the Cão Terapia (Dog Therapy) project, developed by a civil society organization, in order to verify how it generates social innovation based on practices focused on animal welfare. It is a qualitative case study, with an exploratory and descriptive approach. It consists of literature review, documentary research, participant observation, and interviews with volunteers and managers of the Bem-Animal organization. Bem-Animal seeks to promote the welfare of animals rescued by the government after complaints of abuse, being run over, and other serious situations. We found that the initiatives of this organization result in social innovation, above all, by providing social actions contrary to the speciesist, instrumental, and consumerist mentalities. They contribute to an experience of ethical precepts and to the consolidation of rights for non-human animals within the society.

civil society organizations; social innovation; ethical precepts; animal rights; animal geographies

Introdução

Os efeitos colaterais das diferentes ações humanas afetam não apenas indivíduos de sua própria espécie, mas também uma grande proporção de animais não humanos (Menezes & Siena, 2010Menezes, D. S., Siena, O. (2010). Ambientalismo no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) na Amazônia Legal. Organizações & Sociedade , 17 (54), 479-498. doi:10.1590/S1984-92302010000300008
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). Questões dessa ordem às vezes são desconsideradas pelas pessoas, seja por sua visão essencialmente antropocêntrica, seja por não saberem que a sociedade é responsável por seus atos e que também pode ser prejudicada por eles. Em ambas as situações, existem implicações éticas.

Ao mesmo tempo, na sociedade atual, diversos fatores políticos, econômicos e culturais provocam a sobreposição de interesses meramente privados sobre os valores públicos. Como nos lembra Arendt, o desinteresse pela participação pública está relacionado aos fenômenos da modernidade e contemporaneidade, dentre os quais podemos citar a perda do poder de articulação na esfera social e nos rumos do Estado, a pulverização dos valores públicos, a crise dos ideais sociais, bem como a supervalorização do individualismo (Arendt, 1972; Arendt & Kohn, 2006Arendt, H., Kohn, J. (2006). Between past and future . London: Penguin.; Lafer, 2003Lafer, C. (2003). Hannah Arendt: Pensamento, persuasão e poder . São Paulo, SP: Paz e Terra.; Tenório, 2016)Tenório, F. G. (2016). Administração e a questão social: Entre o “robinsonismo” e o “étiennismo”. Organizações & Sociedade , 23 (78), 460-486. doi:10.1590/1984-92307867
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. Segundo Simmel e Bauman, aliados à sofisticação da tecnologia e à insensibilidade e volatilidade na vida urbana, esses fenômenos fazem com que a ação social e a prática ético-política que visam ao bem comum sejam, com certa frequência, desqualificadas em favor das questões exclusivamente privadas dos indivíduos orientados por valores essencialmente instrumentais e consumistas (Bauman, 2005, 2007, 2010; Simmel, 1990)Simmel, G. (1990). The philosophy of money . Abingdon: Routledge..

No entanto, há uma crescente preocupação de parte da sociedade civil com as questões que envolvem o bem-estar e os direitos de humanos e animais não humanos, enquanto a importância da dimensão pública dos direitos está ganhando espaço no debate político global. Nas últimas décadas, surgem experiências inovadoras e de impacto social, promovidas por setores organizados da sociedade, que têm como objetivos a valorização da vida e a legitimação de direitos. Especificamente relacionado ao tema aqui pesquisado, existem organizações constituídas na sociedade civil que se propõem a superar a barreira do especismo, atuando de forma inovadora para o bem-estar dos animais que vivem em situação de vulnerabilidade. Essas ações buscam garantir alguns direitos básicos aos animais, protegendo-os da fome, doenças e maus tratos, proporcionando adoções responsáveis ​​no caso de animais domésticos, ou minimizando os problemas gerados por sua superpopulação (Anastacio, Cruz Filho, & Marins, 2018; Avelino, Dumitru, Cipolla, Kunze, & Wittmayer, 2019; Gonsalves & Andion, 2019Gonsalves, A. K. R., Andion, M. C. M. (2019). Ação pública e inovação social: Uma análise do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente de Florianópolis-SC. Organizações & Sociedade , 26 (89). doi:10.1590/1984-9260892
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; Manzini, 2014Manzini, E. (2014). Making things happen: Social innovation and design. Design issues , 30 (1), 57-66. doi:10.1162/DESI_a_00248; Marquesan & Figueiredo, 2018Marquesan, F. F. S., Figueiredo, M. D. D. (2018). Do ecoambientalismo à sustentabilidade: Notas críticas sobre a relação organização-natureza nos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade , 25 (85), 264-286. doi:10.1590/1984-9250855
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; Santos, 2002Santos, B. S. (2002). Toward a new legal common sense: Law, globalization, and emancipation . Oxford: Butterworths.; Singer, 2011Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.; Vitale, Spécie, & Mendes, 2009).

Nesse contexto, destaca-se a Organização Bem-Animal (OBA!), uma organização da sociedade civil localizada em Florianópolis (SC). Essa entidade atua por meio de diversos projetos, dentre os quais se destaca o Cão Terapia, foco da pesquisa. O objetivo deste projeto é promover a interação dos membros da comunidade com os animais que foram resgatados pelo poder público por se encontrarem em situação de maus-tratos ou abandono. Depois de resgatados, os animais ficam confinados em baias durante a semana, sem a possibilidade de correr ou brincar ao ar livre. Porém, aos sábados, o projeto permite que os cães e gatos tenham momentos de interação com os voluntários, que fazem parte da comunidade, minimizando os traumas dos animais e reabilitando-os para que sejam recebidos em um novo lar. O projeto, além de acolher cães e gatos em situação de grande vulnerabilidade, promove a adoção. Portanto, o contato da comunidade com os animais é essencial para o sucesso da adoção consciente (Organização Bem-Animal, 2018).

Ao estudar o projeto, “novas camadas” foram percebidas. A partir do contato com os animais e suas histórias – quase sempre ligadas à violência, abuso e abandono – surge a possibilidade de gerar ações engajadas e conscientes que permitam aos participantes do projeto se contraporem aos excessos de certo antropocentrismo/especismo (que pode ter como efeito o uso instrumental dos animais pelos humanos, isto é, tratá-los como objetos ou coisas). Esse processo de desconstrução que permite erigir novos valores ético-sociais pode ser considerado, como será evidenciado, uma inovação social viabilizada por meio da participação no projeto Cão Terapia. Este artigo analisa uma experiência que visa ir além da atitude de promover medidas paliativas e superficiais que apenas gerem bem-estar pontual e momentâneo aos animais resgatados, sem provocar mudanças paradigmáticas no modo como os sujeitos individual e coletivamente se relacionam com a vida. Trata-se de investigar se as ações do projeto Cão Terapia se constituem como uma ferramenta socialmente inovadora capaz de enfrentar, por exemplo, o especismo: base para o comportamento violento contra animais não humanos.

Por intermédio de pesquisa documental, entrevistas e observação participante, este estudo investiga o projeto Cão Terapia, desenvolvido pela OBA!. Nesse contexto, nossa análise girou em torno da seguinte questão: Como o projeto Cão Terapia gera inovação social?

Os elementos empíricos que compõem este estudo vêm de uma única organização, o que é um fator limitante. Para pesquisas futuras, múltiplos estudos de caso devem ser conduzidos para estabelecer a interface com outras experiências desenvolvidas em organizações da sociedade civil.

Por fim, esta análise sobre práticas voltadas ao bem-estar animal desenvolvidas por uma organização da sociedade civil visa contribuir teoricamente para os estudos organizacionais, no que se refere ao reconhecimento de ações socialmente inovadoras e comprometidas com a valorização integral da vida. Dessa forma, a perspectiva crítica proposta ao longo do estudo pode auxiliar futuras análises e ações nas quais as inovações sociais estejam presentes, principalmente aquelas que abordam a questão dos animais não humanos.

Revisão de Literatura

A revisão da literatura aborda inicialmente as organizações da sociedade civil (OSC), que é a natureza do nosso objeto. A intenção aqui é mostrar que práticas promovidas por OSC como a OBA! correspondem a um processo de expansão e aprimoramento das ações da sociedade civil. Em seguida, são apresentados os preceitos que definem a inovação social. Por fim, em coerência com os propósitos de análise da experiência de uma OSC, abordam-se os imperativos éticos e a noção de direitos dos animais.

Organizações da sociedade civil

Uma questão da maior relevância para o mundo contemporâneo é o nível de participação da sociedade civil nas demandas que envolvem os interesses sociais. Há teóricos que advertem que, na transitoriedade entre a modernidade e a contemporaneidade, há um crescente desinteresse pela esfera política da vida, o que pode acarretar na sobreposição dos valores da esfera privada sobre os do âmbito público (Arendt, 1972Arendt, H. (1972). Crises of the republic: Lying in politics, civil disobedience on violence, thoughts on politics, and revolution (Vol. 219). Boston: Houghton Mifflin Harcourt., 2013Arendt, H. (2013). The human condition . Chicago: University of Chicago Press.; Arendt & Kohn, 2006Arendt, H., Kohn, J. (2006). Between past and future . London: Penguin.; Béhar, 2019Béhar, A. H. (2019). Meritocracy as a tool of managerial ideology in the capture of subjectivity and individualization of labor relations: A critical reflection. Organizações & Sociedade , 26 (89), 249-268. doi:10.1590/1984-9260893
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; Giaretta, Fernandes, & Philippi Jr., 2012). Isso se soma à insensibilidade quanto às diferenças e dificuldades dos outros humanos e das demais formas de vida que habitam nosso planeta (Bauman, 2005, 2007, Bauman, Z. (2005). Liquid life . Cambridge: Polity Press., 2007Bauman, Z. (2007). Consuming life . Cambridge: Polity Press., 2010Bauman, Z. (2010). Living on borrowed time: Conversations with Citlali Rovirosa-Madrazo . Cambridge: Polity Press., 2013Bauman, Z. (2013). Community: Seeking safety in an insecure world (themes for the 21st century) . Cambridge: Polity Press.; Simmel, 1990)Simmel, G. (1990). The philosophy of money . Abingdon: Routledge.. No entanto, ao passo que se questionam os pilares que sustentam os modelos tradicionais da política e democracia, a ação coletiva/pública e o papel da sociedade civil também são reconfigurados e ressignificados (Oliveira, Gómez, & Correia, 2018; Reale & Antiseri, 2018Reale, G., Antiseri, D. (2018). Filosofia: Idade contemporânea . São Paulo, SP: Paulus.; Santos, 2019)Santos, B. S. (2019). Knowledges born in the struggle: Constructing the epistemologies of the global south . Abingdon: Routledge.. Nessa perspectiva, dirão Andion e Serva:

Isso porque os espaços privilegiados . . . passam a ser aqueles construídos pela sociedade civil organizada, ou melhor, os espaços públicos de proximidade criados pelos cidadãos, nos quais as questões privadas são confrontadas em busca da formação de um sentido comum. Nessa perspectiva, coloca-se a importância da atuação da sociedade civil na atualidade. (Andion & Serva, 2004Andion, C., Serva, M. (2004). Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa. Revista Venezolana de Economía Social , 4 (7), 7-24. Retrieved from https://bit.ly/3c02z14
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, p. 4)

Pelo menos desde os estudos de Hegel no século XIX, com frequência o entendimento do que compreende a sociedade civil foi atrelado à dicotomia entre a sociedade e o Estado (Hegel, 2011; Hyppolite, 1996Hyppolite, J. (1996). Introduction to Hegel’s philosophy of history . Gainesville: University of Florida Press.; Timmermans, 2005Timmermans, B. (2005). Hegel . São Paulo, SP: Estação Liberdade.). No entanto, sobre a posição mais ativa e engajada da sociedade, destaque-se a distinção entre sociedade civil e Estado oferecida por Gramsci no século XX. Para ele, a sociedade civil seria correspondente a um estágio da sociedade sem a presença condicionante da estrutura estatal, ou do economicismo imposto pelo mercado e as grandes corporações (Gramsci, 1971, 1989, 2014). Gramsci acredita que a sociedade civil não se reduz à base material da sociedade. Diversamente, identifica-se com a esfera da superestrutura, na qual há o envolvimento de ideologias positivas e instituições públicas, numa relação extremamente dinâmica com a esfera estatal (Alves, 2004Alves, M. A. (2004). O conceito de sociedade civil: Em busca de uma repolitização. Organizações & Sociedade , 11 (Spe.), 141-154. doi:10.1590/1984-9110010
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; Baratta, 2004Baratta, G. (2004). As rosas e os cadernos: O pensamento dialógico de Antonio Gramsci . Rio de Janeiro, RJ: DP&A.; Bobbio, Matteucci, & Pasquino, 2007; Coutinho, 2011)Coutinho, C. N. (Org.). (2011). O leitor de Gramsci . Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.. Sobre a presença ativa dos sujeitos na sociedade civil Gramsciana, Semeraro (1999)Semeraro, G. (1999). Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação e Sociedade , 20 (66), 65-83. doi:10.1590/S0101-73301999000100004 explica:

A sociedade civil é o terreno onde indivíduos “privados” de sua dignidade e pulverizados em suas vidas podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, podem chegar a ser sujeitos quando, livre e criativamente organizados, se propõem a desenvolver, juntamente com as potencialidades individuais, suas dimensões públicas e coletivas. O percurso, nesse sentido, vai do ser privado ao ser social. (pp. 76-77)

Assim, o enfrentamento das fissuras sociais pressupõe uma ação unificada e a existência de espaços públicos/privados onde as questões políticas possam ser discutidas pelos atores sociais à luz das urgências da atualidade. Nessa perspectiva, o cidadão atua como representante legítimo da comunidade, articulando iniciativas de baixo para cima para o atendimento das necessidades básicas e acesso às políticas públicas. Além disso, articula-se para o desenvolvimento de inovações na sociedade ao mobilizar outros atores no âmbito dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil (Andion et al., 2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R. L., Gonsalves, A. K. R., Serafim, D., Brum, L. (2017). Civil society and social innovation in the public sphere: A pragmatic perspective . RAP: Revista Brasileira de Administração Pública , 51 (3). doi:10.1590/0034-7612143195
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; Anheier & Seibel, 2001Anheier, H. K., Seibel, W. (2001). The nonprofit sector in Germany: Between state, economy, and society (Vol. 9). Manchester: Manchester University Press.; Correia, Oliveira, & Gomez, 2016; Klerkx & Aarts, 2013Klerkx, L., Aarts, N. (2013). The interaction of multiple champions in orchestrating innovation networks: Conflicts and complementarities. Technovation , 33 (6-7), 193-210. doi:10.1016/j.technovation.2013.03.002
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; Murray, Caulier-Grice, & Mulgan, 2010).

Nesse contexto, as organizações da sociedade civil, especialmente aquelas de natureza não mercadológica, notabilizam-se por certa polissemia. A ação social organizada abrange um vasto campo que vai desde as reivindicações mais prosaicas até as grandes lutas sociais e movimentos de resistência envolvendo educação, saúde, justiça social, violência, discriminação, democracia, ecologia e meio ambiente, entre outros. As organizações da sociedade civil são hoje consideradas um caminho possível e viável para dar respostas satisfatórias a problemas sociais como a superpopulação de animais de rua ou a proliferação de doenças transmissíveis entre não humanos e humanos (zoonoses) (Crisp, Dall’Agnol, Savulescu, & Tonetto, 2018; Ferreira, 2002Ferreira, R. M. F. (2002). O desafio da colaboração: Práticas de responsabilidade social entre empresas e terceiro setor . São Paulo, SP: Gente.; Heck, 2011)Heck, J. (2011). Bioética: Autopreservação, enigmas e responsabilidade . Florianópolis, SC: Editora da UFSC..

No entanto, Bobbio et al. (2007)Bobbio, N., Matteucci, N., Pasquino, G. (2007). Dicionário de política . Brasília, DF: Editora UnB. apontam para a fragilidade da controversa ideia de que é na sociedade civil organizada que se encontra a solução integral para todos os problemas sociais. Sobre as questões que envolvem a oposição entre sociedade civil e Estado, os autores acrescentam:

A contraposição entre sociedade civil e Estado tem sido frequentemente utilizada com finalidades polêmicas, para afirmar, por exemplo, que a sociedade civil se move mais rapidamente do que o Estado, que o Estado não tem sensibilidade suficiente para detectar todos os fermentos que provêm da sociedade civil, que na sociedade civil forma-se continuamente um processo de deterioração da legitimidade que o Estado nem sempre tem condições de deter. (pp. 1210-1211)

Nessa perspectiva, ganha destaque um importante dilema vivenciado por algumas organizações da sociedade civil na atualidade: influenciar a elaboração e a execução de políticas públicas ou assumir determinados papéis do Estado e tornar-se sua extensão? Em diversos casos, essa fronteira é um tanto tênue, e a transferência direta de responsabilidades do Estado para a sociedade civil pode, muitas vezes, provocar uma precarização das condições de trabalho e tornar-se um efeito perverso da mudança do papel do Estado (Andion & Serva, 2004Andion, C., Serva, M. (2004). Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa. Revista Venezolana de Economía Social , 4 (7), 7-24. Retrieved from https://bit.ly/3c02z14
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; Andion et al., 2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R. L., Gonsalves, A. K. R., Serafim, D., Brum, L. (2017). Civil society and social innovation in the public sphere: A pragmatic perspective . RAP: Revista Brasileira de Administração Pública , 51 (3). doi:10.1590/0034-7612143195
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; Avritzer, Bignotto, Guimarães, & Starling, 2012; Baião, Peci, & Costa, 2015).

Contudo, um dos caminhos para as organizações da sociedade civil é se tornarem parceiras do Estado, não seu substituto. Também podem ser proveitosas as parcerias com o setor privado. As organizações da sociedade civil e o Estado não devem ser vistas como esferas que agem de forma totalmente isolada, mas que, em tantos momentos, podem se revitalizar conjuntamente na superestrutura e, assim, promover transformações sociais substantivas, o que se coaduna com um modelo de sociedade civil mais dinâmico, político, crítico, engajado e solidário (Assunção, Kuhn Jr., & Ashton, 2018; Bilbao & Vélez, 2015Bilbao, N. S., Vélez, A. L. L. (2015). Las competencias de emprendimiento social, COEMS: Aproximación a través de programas de formación universitaria en Iberoamérica. REVESCO. Revista de Estudios Cooperativos , (119), 159-182. doi:10.5209/rev_REVE.2015.n119.49066
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; Bobbio, 2000Bobbio, N. (2000). In praise of meekness: Essays on ethics and politics . Cambridge: Polity Press.; Coutinho, 2011Coutinho, C. N. (Org.). (2011). O leitor de Gramsci . Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.; Dagnino, 2014Dagnino, R. (2014). Tecnologia social: Contribuições conceituais e metodológicas . Florianópolis, SC: Insular.; Laville, 2016)Laville, J. L. (2016). Repensando o espaço público e a economia: Contribuição da economia solidária à teoria da democracia. Organizações & Sociedade , 23 (78), 369-377. doi:10.1590/1984-92307812
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.

Tendo indicado a relação entre o desenvolvimento e aperfeiçoamento da sociedade civil e a emergência de organizações da sociedade civil mais articuladas aos processos de participação consciente e transformação social, e as possibilidades de parceria com as esferas estatal e privada, discute-se a seguir a noção de inovação social.

Inovação social

A sociedade atual apresenta desafios que apontam para um processo de transformação social que requer mudanças profundas nas estruturas sociais e nos comportamentos individuais e coletivos (Bauman, 2010Bauman, Z. (2010). Living on borrowed time: Conversations with Citlali Rovirosa-Madrazo . Cambridge: Polity Press., 2013Bauman, Z. (2013). Community: Seeking safety in an insecure world (themes for the 21st century) . Cambridge: Polity Press.). Nesse contexto, as inovações sociais são uma oportunidade para renovar ações que visam o bem-estar e a resolução de problemas da sociedade (Correia et al., 2016Correia, S. É. N., Oliveira, V. M., Gomez, C. R. P. (2016). Dimensions of social innovation and the roles of organizational actor: The proposition of a framework. RAM. Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 102-133. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p102-133
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; Edwards-Schachter, Matti, & Alcántara, 2012; Hulgård & Ferrarini, 2010Hulgård, L., Ferrarini, A. V. (2010). Inovação social: Rumo a uma mudança experimental na política pública? Ciências Sociais Unisinos , 46 (3), 256-263.; Phillips, Lee, Ghobadian, O’Regan, & James, 2015).

As inovações sociais viabilizam processos de transformação pelos quais os sujeitos, individual e coletivamente, criam novos modos de se relacionar, não apenas entre si, mas também em relação à vida que os circunda (Brunstein, Rodrigues, & Kirschbaum, 2008; Cloutier, 2003Cloutier, J. (2003). Qu’est-ce que l’innovation sociale? Collection Études théoriques, n. ET0314. Retrieved from https://bit.ly/3vAPHpK
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; Gregoire, 2016Gregoire, M. (2016). Mulgan exploring various approaches of social innovation: A francophone literature review and a proposal of innovation typology. RAM Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 45-71. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p45-71; Mulgan, Tucker, Ali, & Sanders, 2007). Nessa perspectiva, é possível conceder, por exemplo, uma dimensão pedagógica e inovadora de experiências que fomentem a responsabilidade ética e social dos humanos em relação aos demais animais. Da mesma maneira, ações que visam o bem-estar dos animais não humanos fazem mais do que mudar sua realidade, pois também podem contribuir para a resolução de problemas humanos.

Sem deixar de lado o quadro geral, parte expressiva das pesquisas e experiências oriundas das inovações sociais têm se notabilizado por buscar inovar socialmente apresentando respostas concretas a problemas sociais diversos de nosso tempo (Dagnino, 2008Dagnino, R. (Org). (2008). Tecnologia social: Ferramenta para construir outra sociedade . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Manzini, 2014Manzini, E. (2014). Making things happen: Social innovation and design. Design issues , 30 (1), 57-66. doi:10.1162/DESI_a_00248; Rao-Nicholson, Vorley, & Khan, 2017; Rodrigues, 2007Rodrigues, A. L. (2007). Modelos de gestão e inovação social em organizações sem fins lucrativos: divergências e convergências entre nonprofit sector e economia social. Organizações & Sociedade , 14 (43), 111-128. doi:10.1590/S1984-92302007000400006
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; Van Wijk, Zietsma, Dorado, de Bakker, & Martí, 2019; Varadarajan, 2014)Varadarajan, R. (2014). Toward sustainability: Public policy, global social innovations for base-of-the-pyramid markets, and demarketing for a better world. Journal of International Marketing , 22 (2), 1-20. doi:10.1509/jim.13.0158.

Nesse sentido, o estudo sobre inovações sociais pode apresentar três dimensões: indivíduos, organizações e movimentos. A dimensão individual diz respeito às transformações sociais promovidas pelo indivíduo, que muitas vezes se materializam por meio do empreendedorismo social. Quando as atividades são coordenadas por duas ou mais pessoas, o foco é atribuído às organizações, que podem ser empresas privadas ou sociais, instituições públicas, entre outras. Por fim, o foco nos movimentos trata das relações sociais não institucionalizadas, a exemplo do ambientalismo, que surgiu como agente de transformação social radical. Além disso, uma inovação social deve (a) visar uma solução para um problema social específico; (b) procurar incluir todos os atores envolvidos; e (c) viabilizar soluções novas e duradouras para a comunidade (Assunção et al., 2018Assunção, D. M., Kuhn Junior, N., Ashton, M. S. G. (2018). Cidades criativas e Vila Flores: Convergências e semelhanças no modelo de gestão para a inovação social. Desenvolvimento em Questão , 16 (43), 291-321. doi:10.21527/2237-6453.2018.43.291-321
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; Avelino et al., 2019Avelino, F., Dumitru, A., Cipolla, C., Kunze, I., Wittmayer, J. (2019). Translocal empowerment in transformative social innovation networks. European Planning Studies , 28 (5), 955-977. doi:10.1080/09654313.2019.1578339
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; Bignetti, 2011Bignetti, L. P. (2011). As inovações sociais: Uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos , 47 (1), 3-14. doi:10.4013/1040
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; Nicholls, Simon, & Gabriel, 2015; Silva & Pacheco, 2018)Silva, K. D. V., Pacheco, A. S. V. (2018). Gestão social e inovação social: Convergências e divergências teóricas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração , 12 (2), 88-101. doi:10.12712/rpca.v12i1.12222
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.

Como será mostrado, a presença das diferentes dimensões e dos três pontos mencionados são observados no projeto Cão Terapia. Contudo, para melhor identificar seu caráter inovador, é preciso abordar os preceitos éticos que constituem sua ação.

Preceitos éticos

Bentham (2017)Bentham, J. (2017). An introduction to the principles of morals and legislation . Retrieved from https://bit.ly/3p0y3ck
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assevera que, “em sentido amplo, a ética pode definir-se como a arte de dirigir as ações do homem para a produção da maior quantidade possível de felicidade em benefício daqueles cujos interesses estão em jogo” (p. 143). Essa proposição utilitarista parte da tese de que somente a dor e o prazer podem indicar satisfatoriamente como se pode agir moralmente (Carvalho, 2007Carvalho, M. C. M. (2007). O utilitarismo em foco: Um encontro com seus proponentes e críticos . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Huisman, 2011Huisman, D. (2011). Dicionário dos filósofos . São Paulo, SP: Martins Fontes.; Oliveira, 2014Oliveira, M. A. (2014). Correntes fundamentais da ética contemporânea . Petrópolis, RJ: Vozes.; Shafer-Landau, 2012Shafer-Landau, R. (2012). The fundamentals of ethics . Oxford: Oxford University Press.).

Ao colocar a dor e o prazer como únicos fatores para avaliar uma conduta humana, Bentham (2017)Bentham, J. (2017). An introduction to the principles of morals and legislation . Retrieved from https://bit.ly/3p0y3ck
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define o princípio da utilidade como aquele “que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo” (p. 7). O mesmo princípio é estendido pelo autor à comunidade, ou seja, o interesse passa a ser a soma dos interesses de seus diversos membros. Assim, Jeremy Bentham erigiu as bases do utilitarismo moderno (Mill, 2015Mill, J. S. (2015). On liberty, utilitarianism and other essays . Oxford: Oxford University Press.; Mora, 2001Mora, J. F. (2001). Dicionário de filosofia . São Paulo, SP: Loyola.; Sidgwick, 2013Sidgwick, H. (2013). The methods of ethics . Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9781139136617
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; Vázquez, 2018Vázquez, A. S. (2018). Ética (38th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.).

Nas últimas décadas do século XX, Singer (2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press. apresentou um princípio similar ao utilitarismo de Bentham, mas que coloca a igualdade como fator determinante: o princípio da igual consideração de interesses. Singer afirma que esse princípio exige que o mesmo peso seja atribuído entre as ações pretendidas e os interesses de todos os afetados por essas ações (humanos e não humanos). A justificativa para a escolha do princípio da igualdade de Singer como preceito ético é que a prática da justiça, entendida como equidade, pode ser estendida aos animais não humanos (Felipe, 2014Felipe, S. T. (2014). Acertos abolicionistas: A vez dos animais . São José, SC: Ecoânima.; Garner, 2013Garner, R. (2013). A theory of justice for animals: Animal rights in a nonideal world . Oxford: Oxford University Press.; Heck, 2011Heck, J. (2011). Bioética: Autopreservação, enigmas e responsabilidade . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.).

No princípio de igualdade, um interesse é sempre e unicamente um interesse, não importando de quem seja. Assim, a igualdade pode ser considerada como a consequência desejada da equidade, que deve ser a base ética que norteia o processo decisório. A equidade, por sua vez, é o reconhecimento de necessidades diferentes, de sujeitos e vidas diferentes, para conquistar direitos iguais. Este é, portanto, o caminho da “ética prática” para a conquista de direitos, inclusive o direito à vida por parte dos animais não humanos (Costa & Garrafa, 2000Costa, S. I. F., Garrafa, V. (2000). A bioética no século XXI . Brasília, DF: Editora UnB.; Francione, 2013Francione, G. L. (2013). Introdução aos direitos animais . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Mackenzie, 2016Mackenzie, C. (2016). Vulnerability, needs and moral obligation. In C. Straehle (Ed.), Vulnerability, autonomy, and applied ethics (pp. 89-106). Abingdon: Routledge.; Sandel, 2010Sandel, M. (2010). Justice: What’s the right thing to do? New York: Farrar Straus Giroux.; Singer, 2009)Singer, P. (2009). Animal liberation: The definitive classic of the animal movement (Updated ed.). New York: Harper Perennial..

Singer (2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press. justifica a importância da ética quando afirma que ela está relacionada a maioria das decisões humanas. A concepção de vida, de acordo com seus valores éticos, está relacionada ao direito de conservar, de maneira sustentável, o modo de vida de cada comunidade/sujeito/ser. Desta forma, não se pode justificar um princípio ético parcial, pois a ética adota um ponto de vista universal e igualitário para cada unidade existente. Na prática, o princípio da igualdade implica que a preocupação com os “outros seres” e a presteza em considerar os seus interesses e direitos não devem ser condicionadas por aspectos físicos ou capacidades diversas (físicas, racionais, intelectuais, econômicas, etc.).

Em resumo, Singer defende a ampliação da comunidade moral aos animais não humanos, a fim de transpor os limites da espécie humana e superar o especismo, da mesma forma que se busca vencer o sexismo, o racismo e a miséria (Canto-Sperber, 2013Canto-Sperber, M. (Org.). (2013). Dicionário de ética e filosofia moral . São Leopoldo, RS: Editora Unisinos.; Di Napoli, 2015Di Napoli, R. B. (2015). Animais como pessoas? O lugar dos animais na comunidade moral. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN) , 20 (33), 47-78. Retrieved from https://bit.ly/3uuaf1Y
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; Felipe, 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.).

Os preceitos éticos sustentados por Singer conduzem à reflexão crítica e ao agir moral que põem em xeque o tratamento instrumental que humanos possam ter com os demais de sua espécie, como também com outras formas de vida que habitam nosso planeta. Em coerência com as asserções de Singer, e com a experiência organizacional analisada, a próxima seção irá apresentar o preceito dos direitos dos animais.

Direitos dos animais

Vários filósofos definiram o princípio da igual consideração de interesses como uma orientação moral fundamental, mas Bentham foi um dos poucos a perceber que os preceitos éticos podem transcender o espectro antropocêntrico. Dirá o pensador moderno (Bentham, 2017): “O problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; O verdadeiro problema é este: podem eles sofrer?” (p. 144).

Nesta passagem, Bentham assinala que a capacidade de sofrimento ou de felicidade é uma característica vital que confere a um ser o direito de uma igual consideração. Ao fazer essa afirmação, o teórico não exclui arbitrariamente quaisquer interesses de humanos e não humanos, como fazem aqueles que estabelecem uma fronteira com base na posse de razão ou capacidade de linguagem. Diametralmente oposto a ética Benthamiana, o tratamento desigual dado aos animais não humanos pode estar relacionado, em certa medida, aos exageros da visão antropocêntrica, que confere valor aos seres vivos e recursos naturais pela utilidade que têm para satisfazer as vontades humanas, sendo dominados e utilizados para atender às suas necessidades – uma visão eminentemente instrumental (Felipe, 2009Felipe, S. T. (2009). Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Páginas de Filosofia , 1 (1), 2 -30. doi:10.15603/2175-7747/pf.v1n1p2-30; Mulgan, 2014Mulgan, T. (2014). Understanding utilitarianism . Abingdon: Routledge.; Oliveira, 2014Oliveira, M. A. (2014). Correntes fundamentais da ética contemporânea . Petrópolis, RJ: Vozes.; Profice & Santos, 2017Profice, C. C., Santos, G. H. M. (2017). De grumetes a kunumys: Estilos de infâncias brasileiras. Revista História da Educação , 21 (53), 307-325. doi:10.1590/2236-3459/61054
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).

Como dito, uma visão que possui ligação bastante significativa com o antropocentrismo é o especismo. Como explicam Singer (2009Singer, P. (2009). Animal liberation: The definitive classic of the animal movement (Updated ed.). New York: Harper Perennial., 2011Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.) e Kowalski (2012)Kowalski, G. (2012). The souls of animals . Novato: New World Library., o especismo defende o maior valor das necessidades, interesses e atitudes de uma espécie (neste caso, a humana) em detrimento dos interesses de outras espécies, usando determinadas diferenças biológicas e a racionalidade como argumento legitimador para não aplicar o princípio ético da igualdade aos animais não humanos.

Em resumo, o especista indica que a inventividade e a linguagem dos humanos garantem sua superioridade, o que justificaria um tratamento desigual para com os outros animais. Rouanet (2018)Rouanet, L. P. (2018). Sobre a validade da distinção entre animais racionais e irracionais. In L. P. Rouanet, & Carvalho, M. C. M. (Orgs.), Ética e direitos dos animais (pp. 105-118). Florianópolis, SC: Editora da UFSC. argumenta que especismo “significa indiferença, ou até mesmo um comportamento deliberadamente cruel em relação a outras espécies” (p. 108). Regan (2006)Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press., por sua vez, assevera que, sob o ponto de vista moral, o especismo denota um preconceito equivalente ao racismo e ao sexismo.

São diversas as consequências da negação dos direitos dos animais e do especismo, dentre as quais estão o comércio de animais por meio da exploração de matrizes, a adoção irresponsável que culmina no abandono e, por fim, em outros tipos de maus-tratos como a agressão física (Felipe, 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.). Somente na cidade de Florianópolis, segundo os dados oficiais, foram realizados 382 resgates de animais em 2019, com base em 1.064 denúncias de maus-tratos (Diretoria de Bem-Estar Animal, 2020Diretoria de Bem-Estar Animal. (2020). Prefeitura de Florianópolis . Retrieved from https://bit.ly/2RS8Ip4
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). Não parece exagero considerar que a insensibilidade à violência com os animais seja também uma prática especista. Portanto, o silêncio ante o vilipêndio da vida animal revela o descaso com os direitos dos animais.

Para evitar os malefícios do especismo, Singer (2009)Singer, P. (2009). Animal liberation: The definitive classic of the animal movement (Updated ed.). New York: Harper Perennial. argumenta que é necessário compreender que os animais não humanos têm igual direito à vida. O combate ao especismo passa pelo questionamento ético quanto ao paradigma antropocêntrico/especista dominante, de modo que as pessoas reflitam sobre as consequências de suas ações e comportamentos no cotidiano. Ações que parecem inofensivas, como comprar um cachorro de determinada raça ou assistir a um rodeio com a família, podem sustentar práticas cruéis contra os animais não humanos, fortalecendo e camuflando os efeitos mais nefastos do especismo.

Outra questão importante diz respeito às distinções entre a visão que parte da sociedade tem entre animais de companhia, como cães e gatos, e animais de produção, a exemplo dos porcos, frangos e gado. Por que algumas espécies de animais não humanos são consideradas alimento e outras não? Joy (2010)Joy, M. (2010). Why we love dogs, eat pigs, and wear cows: An introduction to carnism . Newburyport: Conari Press., por exemplo, afirma que a resposta é uma questão de percepção. Dirá a autora: “Reagimos de maneira diferente a diferentes tipos de carne não porque há uma diferença física entre elas, mas porque nossa percepção sobre delas é diferente” (p. 12). As percepções são formuladas a partir de um complexo sistema de crenças e experiências que determinam, em grande medida, a compreensão da realidade. Embora boa parte da sociedade tenha uma relação de proximidade com animais domésticos (muitas vezes dentro de suas casas), pouco se relaciona com vacas, porcos e galinhas no dia a dia (muitas vezes o único contato com estes animais ocorre quando as pessoas os comem). Em outras palavras, por uma série de crenças e experiências que tiveram (ou não) ao longo da vida, as pessoas podem não perceber a transgressão moral contida no tratamento meramente instrumental usualmente oferecido aos animais não humanos (Joy).

Sem esgotar o tema ou negar as controvérsias que o cercam, vale ressaltar a potencialidade do projeto Cão Terapia. Promover a adoção dos animais resgatados e permitir que saiam das suas baias para correr e interagir de forma saudável com humanos pode, à primeira vista, ser confundido com medidas meramente paliativas, insuficientes para conter o especismo. Conforme indicado, as ações do projeto podem ir mais longe, uma vez que a interação com aqueles seres, tão marcados física e psicologicamente pelo abandono e violência, permite construir novos valores éticos quanto à convivência com animais não humanos em geral. Como parte de um processo pedagógico que visa superar seus próprios limites, o projeto Cão Terapia procura contrapor a cultura instrumental que marca a relação humana com outros animais, domésticos ou não.

Para garantir um tratamento mais igualitário entre humanos e não humanos, é preciso entender o que são os direitos dos animais. Sem aprofundar o tema o quanto seria necessário, destacam-se as posições divergentes no movimento em torno da causa dos direitos animais, como a abordagem bem-estarista e a abordagem abolicionista (Felipe, 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Naconecy, 2009Naconecy, C. (2009). Bem-estar animal ou libertação animal? Uma análise crítica da argumentação antibem-estarista de Gary Francione. Revista Brasileira de Direito Animal , 4 (5), 235-267. doi:10.9771/rbda.v4i5.10633.
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).

Como visto, Singer (2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press. defende a expansão da comunidade moral por meio do princípio da igual consideração de interesses, de modo a incluir também os animais não humanos. O posicionamento de Singer repete, em certa medida, o que outros pensadores como Bentham já haviam feito: condenar o ato de causar sofrimento aos animais sem, contudo, contestar seu uso como meio para atender às necessidades humanas. Em outras palavras, a partir de uma perspectiva utilitarista/bem-estarista, Singer admite a possibilidade da exploração animal, desde que o bem-estar daqueles seres seja resguardado no decorrer do processo. Diversamente, o argumento abolicionista defende que os mesmos direitos fundamentais que buscam assegurar a integridade física, emocional, social e ambiental dos humanos, devam ser respeitados também em relação aos animais não humanos (Felipe, 2014Felipe, S. T. (2014). Acertos abolicionistas: A vez dos animais . São José, SC: Ecoânima., 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Regan, 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press.).

Para Regan (2006)Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press., o fato de os animais terem direitos ou não, depende da resposta à seguinte indagação: Os animais são sujeitos-de-uma-vida? E acrescenta:

Entre os bilhões de animais não humanos existentes, há animais conscientes do mundo que lhes acontece? Se sim, o que lhes acontece é importante para eles, quer alguém mais se preocupe com isso, quer não? Se há animais que atendem a esse requisito, eles são sujeitos-de-uma-vida. E se forem sujeitos-de-uma-vida, então têm direitos, exatamente como nós. (Regan, 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press., p. 65)

Assim, Regan defende a proteção dos animais com base em uma teoria igualitarista e dos direitos. Ele inclui os animais na comunidade moral ao afirmar que todos os que são sujeitos-de-uma-vida possuem valor inerente, ou seja, um valor intrínseco. Tanto humanos quanto não humanos que possuem órgãos sensoriais e, portanto, são sencientes, detêm em suas vidas o mesmo valor. Essa equidade, por si só, gera a responsabilidade dos humanos por suas ações que atingem os animais não humanos. Portanto, essa capacidade de sofrer ou experimentar prazer ou felicidade (senciência) é suficiente para que um ser vivo seja tratado de maneira igualitária (Felipe, 2006b; Garner, 2013Garner, R. (2013). A theory of justice for animals: Animal rights in a nonideal world . Oxford: Oxford University Press.; Regan, 2004Regan, T. (2004). The case for animal rights . Berkeley: University of California Press.).

Regan (2006)Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press. enfatiza que os direitos morais devem ser tratados como barreiras de proteção, a fim de reprimir a desconsideração de interesses, criando uma condição de unidade ética regida pelas noções de respeito e igualdade. Assim, o respeito passa a ser o direito mais essencial garantido a um ser, seja humano ou não humano. O direito à vida, liberdade, integridade física etc. está vinculado à aceitação desse princípio.

Apesar das divergências entre bem-estaristas e abolicionistas, Naconecy (2009)Naconecy, C. (2009). Bem-estar animal ou libertação animal? Uma análise crítica da argumentação antibem-estarista de Gary Francione. Revista Brasileira de Direito Animal , 4 (5), 235-267. doi:10.9771/rbda.v4i5.10633.
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observa que pode existir complementaridade. Por exemplo: as proposições de bem-estar animal podem criar um ambiente favorável para a mudança de valores e comportamento, amadurecendo ideais morais em prol da substituição do uso animal por outros meios que atendam às necessidades humanas. Em resumo, as proposições bem-estaristas podem ser o primeiro passo para uma posição abolicionista.

Em suma, os preceitos éticos e a legitimação de direitos apresentados na trajetória reflexiva trilhada por Bentham, Singer e Regan sustentam que a relação ética entre prazer e dor, a afirmação da igualdade como equidade e o reconhecimento da condição de sujeitos-de-uma-vida transcendem aos valores especistas e a lógica instrumental que sujeitam e negligenciam as vidas de seres não humanos. É possível inferir que a perspectiva ética e legal por eles proposta pode ser associada a valores e práticas comunitárias, públicas, ético-políticas, que conduzem à ação social orientada por uma quebra consciente de paradigma, que visa operar deslocamentos sociais criando alternativas em relação à visão instrumental da vida humana e não humana (Canto-Sperber, 2013Canto-Sperber, M. (Org.). (2013). Dicionário de ética e filosofia moral . São Leopoldo, RS: Editora Unisinos.; De Lazari-Radek & Singer, 2017De Lazari-Radek, K., & Singer, P. (2017). Utilitarianism: A very short introduction . Oxford: Oxford University Press.; Di Napoli, 2015Di Napoli, R. B. (2015). Animais como pessoas? O lugar dos animais na comunidade moral. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN) , 20 (33), 47-78. Retrieved from https://bit.ly/3uuaf1Y
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; Huisman, 2011Huisman, D. (2011). Dicionário dos filósofos . São Paulo, SP: Martins Fontes.; Nicholson & Kurucz, 2019)Nicholson, J., Kurucz, E. (2019). Relational leadership for sustainability: Building an ethical framework from the moral theory of ‘ethics of care’. Journal of Business Ethics , 156 (1), 25-43. doi:10.1007/s10551-017-3593-4
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.

A questão dos direitos dos animais está ligada à consolidação de uma cultura de integração e respeito à vida, ou seja, a uma cultura ético-política de inclusão, em que a ética se justifica nos valores da comunidade democrática em detrimento de agendas exclusivamente discriminatórias, egoístas e consumistas (Dortier, 2010Dortier, J. F. (2010). Dicionário de ciências humanas . São Paulo, SP: Martins Fontes.; Felipe, 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Francione, 2013Francione, G. L. (2013). Introdução aos direitos animais . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Mackenzie, 2016Mackenzie, C. (2016). Vulnerability, needs and moral obligation. In C. Straehle (Ed.), Vulnerability, autonomy, and applied ethics (pp. 89-106). Abingdon: Routledge.; Oliveira, 2014Oliveira, M. A. (2014). Correntes fundamentais da ética contemporânea . Petrópolis, RJ: Vozes.; Reale & Antiseri, 2018Reale, G., Antiseri, D. (2018). Filosofia: Idade contemporânea . São Paulo, SP: Paulus.; Sidgwick, 2013)Sidgwick, H. (2013). The methods of ethics . Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9781139136617
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. Nessa perspectiva, o caráter socialmente inovador do projeto Cão Terapia está na conscientização da melhor convivência entre as pessoas e os animais, o que pode auxiliar sobremaneira na garantia de direitos e, assim, do bem-estar animal.

Com vistas a compreender algumas características das diversas relações existentes entre seres humanos e outros animais dentro da formação espacial, alguns pressupostos da geografia animal são discutidos a seguir.

Geografia animal

Como mostra a literatura, em benefício dos seres humanos, as vidas de bilhões de outros animais são vilipendiadas todos os anos por meio de envenenamentos, dissecações, confinamentos e abatimentos. Isto oferece sérios riscos à biodiversidade e, portanto, ao equilíbrio do planeta.

O impacto da exploração dos animais pelos humanos tem gerado inúmeros questionamentos éticos, o que deixa claro que essa relação deva ser inquirida. Com a finalidade de analisar as relações humano-animais na formação espacial, a geografia animal busca propostas para reconstituir essa interação em bases mais éticas e sustentáveis (Fletcher & Platt, 2018Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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; Wolch & Emel, 1998)Wolch, J. R., Emel, J. (Eds.). (1998). Animal geographies: Place, politics, and identity in the nature-culture borderlands. New York: Verso..

A geografia animal pressupõe um esforço ético, no sentido de reconhecer que o relacionamento humano-animal tem consequências. Parte da sociedade estende essa atitude ética à política, seja por meio do compromisso individual ou do ativismo engajado (por exemplo: não utilizar produtos de origem animal, não frequentar zoológicos, adotar animais de estimação em vez de comprá-los etc.). Estes exemplos podem ser escolhas individuais, mas refletem mais amplamente na vida social e no reconhecimento dos animais como sujeitos correspondentes. Nessa lógica, a pesquisa em geografia animal oferece aos não humanos uma posição moral, apontando para uma ética ampliada e inclusiva no âmbito da sociedade (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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).

Vinculando a companhia animal à identidade social e pessoal, Sanders (2010)Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press. utilizou dados etnográficos detalhados para visualizar os esforços humanos e animais para entender, manipular, cuidar e interagir entre si. O autor observa como os cães não servem apenas como facilitadores sociais, mas também como suportes à identidade social. Embora frequentemente haja esforços para ensinar e moldar o comportamento dos cães, são eles que muitas vezes ensinam as pessoas a apreciar mais conscientemente as experiências da vida cotidiana, como uma refeição nutritiva, calor físico, um passeio na floresta e as alegrias simples do momento imediato.

Fletcher & Platt (2018)Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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argumentam que o ato de passear com cães pode não ser tão simples quanto, a princípio, parece. Para os autores, passear com esses animais representa um espaço potencialmente importante para ressignificar as conexões entre humanos e não humanos, no sentido de moldar o vínculo existente e mediar as diversas relações de poder entre eles.

Nessa direção, a análise de Serpell (2015)Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press. mostra que a relação humano-animal deve ser considerada mutualismo: tanto humanos quanto não humanos são beneficiados. Para os humanos, a companhia animal promove o engajamento social e ameniza os efeitos psicológicos causados, por exemplo, pelo estresse (Serpell, 1991Serpell, J. A. (1991). Beneficial effects of pet ownership on some aspects of human health and behaviour. Journal of the royal society of medicine , 84 (12), 717-720. doi:10.1177/014107689108401208, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.). Para os animais, especialmente os domésticos, os benefícios da ligação com os humanos se referem, especialmente, a um certo nível de segurança que permitiu aumentos consideráveis no tamanho de suas populações.

Ao mesmo tempo, a relação humano-animal suscita uma série de preocupações relacionadas ao bem-estar animal, saúde pública e impacto ambiental.

Embora espécies como cães e gatos sem dúvida tenham se beneficiado numericamente de sua associação com os humanos, muitos animais individuais pagam um preço significativo em termos de comprometimento da saúde e do bem-estar. A falha nos vínculos humano-animal resulta em milhões de animais de estimação sendo abandonados, entregues a abrigos e/ou sacrificados prematuramente a cada ano, e muitos milhares são abusados, negligenciados ou maltratados por seus proprietários por vários motivos, que vão desde a ignorância até a crueldade deliberada. Muitos cães de raça pura são afetados por problemas de saúde dolorosos e debilitantes devido à consanguinidade ou linhagem ou seleção para padrões extremos de conformação física. A “criação” comercial de animais de estimação está aumentando à medida que a demanda por alguns animais de estimação excede a oferta, enquanto o comércio de animais de estimação exóticos causa sofrimento e morte generalizados entre animais selvagens durante a captura, transporte e subsequente aquisição por proprietários com pouco conhecimento de manejo e cuidados adequados. Até mesmo os laços humanos-animais mais afetuosos e cuidadosos podem causar sofrimento desnecessário aos animais quando, por exemplo, um proprietário excessivamente apegado insiste em intervenções veterinárias fúteis para manter vivo seu animal de estimação com doença terminal a todo custo. Todos esses aspectos negativos do vínculo humano-animal levantam dimensões éticas importantes, que precisam ser consideradas ao pesar os benefícios de nossas relações com animais de companhia em relação aos custos percebidos. (Serpell, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press., p. 12)

Dentre as diversas implicações levantadas nas inferências de Serpell (2015)Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press., destaca-se a violência sofrida por animais domésticos. Atos hostis contra animais por parte de seus respectivos tutores podem culminar em lesões graves, traumas psicológicos e até a morte, especialmente quando não há o engajamento da sociedade civil e do poder público para que os casos sejam denunciados e os agressores legalmente responsabilizados. Tal crueldade, por vezes, pode ter consequências não apenas para os animais, mas para a própria sociedade. O estudo de Arluke, Levin, Luke e Ascione (1999) mostrou que o abuso de animais pode estar associado a uma variedade de comportamentos interpessoais antissociais, patológicos, e até violentos. Essas e outras questões éticas diversas abordadas pela geografia animal apontam para a necessidade de confrontar a mentalidade instrumental com a qual os humanos interagem com outros animais. Nesse sentido, os animais, em especial os de estimação, auxiliam a sociedade na mudança de comportamento. Em outras palavras, no momento em que as pessoas elevam o status dos animais de estimação ao nível de companheiros sociais, minam os efeitos mais nefastos da distinção entre humanos e não humanos (Serpell, 1996Serpell, J. A. (1996). In the company of animals: A study of human-animal relationships . Cambridge: Cambridge University Press.).

Por fim, à medida em que a sociedade muda, fatalmente a maneira como os seres humanos pensam os animais e a interação com eles também se transforma (Sanders & Arluke, 1996Sanders, C., Arluke, A. (1996). Regarding animals: Animals, culture, and society . Philadelphia: Temple University Press.). Em coerência com essa proposição, o projeto Cão Terapia busca uma mudança paradigmática, transformando modos de interação humano-animal que melhor garantam direitos e o bem-estar aos não humanos. A inovação social efetivada por este projeto de uma organização da sociedade civil reside justamente no esforço da mudança cultural para melhor garantir o bem-estar animal.

Procedimentos metodológicos

O estudo foi realizado por meio do método indutivo de pesquisa com abordagem qualitativa e buscou identificar e explicar aspectos subjetivos a partir dos dados coletados. A abordagem qualitativa permite avaliar as questões subjetivas, com estratégias de categorização de motivações, valores e aspirações (Minayo, 2014Minayo, M. C. S. (2014). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde . São Paulo, SP: Hucitec.; Prodanov & Freitas, 2013Prodanov, C. C., Freitas, E. C. (2013). Metodologia do trabalho científico: Métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico . Novo Hamburgo, RS: Feevale.; Triviños, 2009)Triviños, A. N. S. (2009). Introdução à pesquisa em ciências sociais: A pesquisa qualitativa em educação: o positivismo, a fenomenologia, o marxismo . São Paulo, SP: Atlas..

Esta pesquisa é exploratória e descritiva. Descreve o fenômeno da inovação social a partir da exposição de suas características definidoras (Andrade, 2000Andrade, M. M. (2000). Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: Noções práticas. São Paulo, SP: Atlas.). Quanto aos procedimentos, pode ser enquadrada como estudo de caso, pois investiga um determinado fenômeno de maneira aprofundada (Yin, 2017Yin, R. K. (2017). Case study research and applications: Design and methods . Thousand Oaks: Sage.). No que se refere ao horizonte de tempo, é classificada como transversal. Acontece em um único momento no tempo, com dados coletados apenas uma vez em um curto período, sendo então analisados e relatados (Collis & Hussey, 2005Collis, J., Hussey, R. (2005). Pesquisa em administração . Porto Alegre, RS: Bookman.).

Para que o problema da pesquisa fosse respondido de forma adequada, foram coletados dados secundários e primários. Os dados secundários foram coletados por meio de pesquisa documental. Já os dados primários, apurados a partir da aplicação de entrevistas semiestruturadas, além da observação participante. Primeiramente, foram coletados dados secundários para caracterizar a organização, por meio de pesquisa documental que inclui, além de documentos internos da instituição, fotos, vídeos e outras mídias digitais como publicações em redes sociais (Boni & Quaresma, 2005Boni, V., Quaresma, S. J. (2005). Aprendendo a entrevistar: Como fazer entrevistas em ciências sociais. Em Tese , 2 (1), 68-80. doi:10.5007/%25x
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; Martins & Theóphilo, 2009Martins, G. D. A., Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica . São Paulo, SP: Atlas.; Richardson, 2011)Richardson, R. J. (2011). Pesquisa social: Métodos e técnicas . São Paulo, SP: Atlas.. Para iniciar a coleta de dados primários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas de forma presencial junto à diretora da OBA! e a uma das coordenadoras do projeto Cão Terapia, além de treze entrevistas semiestruturadas com voluntários participantes. As entrevistas ocorreram durante quatro encontros, de forma presencial, e foram gravadas com autorização da direção da OBA!.

Ambas as entrevistas não possuíram limite de tempo e tiveram seus conteúdos gravados com autorização dos entrevistados. Posteriormente, foram transcritas na íntegra em formato digital. O termo de consentimento livre e esclarecido foi utilizado para garantir o entendimento dos objetivos da pesquisa, além de assegurar o anonimato. Vale ressaltar também que a pesquisa de campo foi limitada a um dos principais projetos da OBA!: Cão Terapia. Além disso, nós optamos por não identificar os entrevistados. Dessa forma, as duas gestoras da OBA! são citadas como M1 e M2, enquanto os voluntários são citados como V1, V2, V3, V4, V5, V6, V7, V8, V9, V10 e V11.

Os dados primários também foram obtidos por meio de observação participante. Após a coleta de dados, utilizou-se a estratégia de análise do conteúdo, procedimento característico na investigação a partir de material textual. Primeiramente, as entrevistas foram transcritas integralmente para o meio digital, para posterior análise por meio da leitura do material (Bardin, 2009Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo . Lisboa: Edições 70.; Flick, 2009Flick, U. (2009). Desenho da pesquisa qualitativa . Porto Alegre, RS: Artmed.).

Por fim, para garantir que as proposições apresentadas não se tornassem mero subjetivismo, os procedimentos metodológicos e critérios de validação adotados basearam-se na autenticidade, plausibilidade, criticabilidade e reflexibilidade (Pozzebon, 2003; Chizzotti, 2010Chizzotti, A. (2010). Pesquisa em ciências humanas e sociais . São Paulo, SP: Cortez.).

Apresentação e discussão dos resultados

Como indicam os referenciais teóricos e os resultados obtidos com a coleta de dados, um dos desafios sociais da atualidade diz respeito à mudança de mentalidade quanto ao uso instrumental dos animais não humanos, os quais são, de muitas formas, constantemente subjugados e utilizados como meios para satisfazer os interesses e necessidades de consumo dos seres humanos. O entrevistado V9 aborda o comércio de animais de estimação:

Tem gente que compra cachorro “de raça” e não pensa no que está por trás disso. Enquanto ele paga pelo cachorro, há uma pessoa que está explorando um ser indefeso para que produza mais e mais filhotes. Tudo isso gira em torno do dinheiro. (V9, 2018)

No entanto, os problemas com o uso instrumental de cães e gatos não se limitam à exploração para obter ganhos financeiros ou para satisfazer a necessidade de consumo daqueles que desejam ser criadores. De acordo com M1 (2018), essa prática traz outras sérias consequências como o abandono, o aumento do número de animais de rua, as doenças que podem acompanha-los e os maus-tratos que sofrem. Os relatos aqui apresentados remontam a alguns dos problemas apontados como efeitos da relação humano-animal que comprometem a saúde e o bem-estar de muitos animais não humanos (Fletcher & Platt, 2018Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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; Sanders, 2010Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press.; Serpell, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.; Wolch & Emel, 1998)Wolch, J. R., Emel, J. (Eds.). (1998). Animal geographies: Place, politics, and identity in the nature-culture borderlands. New York: Verso.. Vale lembrar que para Felipe (2019)Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC., essas consequências são decorrentes da negação dos direitos dos animais e da prática ou aceitação do especismo pela sociedade.

Conforme M1, o objetivo inicial do projeto Cão Terapia, em 2005, era unir forças com a Prefeitura de Florianópolis para promover a adoção responsável de cães e gatos resgatados por maus-tratos que eram encaminhados ao canil municipal, à época alugado pela Prefeitura de Florianópolis no Município de São José (SC).

M1 acrescenta que, por diversos motivos, a Prefeitura sozinha não poderia oferecer os serviços necessários à manutenção e encaminhamento dos animais para adoção. Foi então que surgiu o projeto Cão Terapia, com o objetivo de apoiar a Prefeitura de Florianópolis com ações que visam oferecer bem-estar aos animais que ficam presos no abrigo municipal. A parceria entre a organização da sociedade civil e o poder público pode ser vista como um exemplo vivo dos novos arranjos na sociedade civil, pautados pela participação, engajamento e dinamismo social (Andion & Serva, 2004Andion, C., Serva, M. (2004). Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa. Revista Venezolana de Economía Social , 4 (7), 7-24. Retrieved from https://bit.ly/3c02z14
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; Andion et al., 2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R. L., Gonsalves, A. K. R., Serafim, D., Brum, L. (2017). Civil society and social innovation in the public sphere: A pragmatic perspective . RAP: Revista Brasileira de Administração Pública , 51 (3). doi:10.1590/0034-7612143195
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; Avritzer et al., 2012Avritzer, L., Bignotto, N., Guimarães, J., Starling, H. M. M. (Orgs.). (2012). Corrupção: Ensaios e críticas . Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.; Henriques, 2014Henriques, F. C. (2014). Autogestão em empresas recuperadas por trabalhadores: Brasil e Argentina . Florianópolis, SC: Insular.; Silva, Tait, Novaes, & Fraga, 2018).

Por meio da participação dos voluntários, o projeto Cão Terapia permite que os cães saiam do canil e tenham momentos de interação, conforme V2 (2018). Isto mostra a importância dessa ação para o bem-estar dos animais, uma vez que, caso não existisse, esses seres estariam “ enjaulados em um depósito ” (M2, 2018). Ademais, M2 (2018) questiona: “ Se não for a gente, quem é que vai fazer ”? Esta indagação parece revelar o senso de responsabilidade, no sentido de que alguém precisa intervir socialmente para que o sofrimento de cães e gatos seja atenuado. As falas de V2 e M2 revelam tanto a presença direta dos indivíduos e da organização em um movimento social com impactos nas condições dos animais não humanos, quanto a existência de consciência ética e do dever em relação às suas vidas. Do mesmo modo, como pressupõe a geografia animal, existe um certo esforço ético no sentido de reconhecer as consequências da relação humano-animal (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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). Na verdade, as três dimensões e os três pontos da inovação social, mencionados anteriormente, aparecem nos discursos de V2 e M2 (Bignetti, 2011Bignetti, L. P. (2011). As inovações sociais: Uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos , 47 (1), 3-14. doi:10.4013/1040
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; Cloutier, 2003Cloutier, J. (2003). Qu’est-ce que l’innovation sociale? Collection Études théoriques, n. ET0314. Retrieved from https://bit.ly/3vAPHpK
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; Hulgård & Ferrarini, 2010Hulgård, L., Ferrarini, A. V. (2010). Inovação social: Rumo a uma mudança experimental na política pública? Ciências Sociais Unisinos , 46 (3), 256-263.; Regan, 2004Regan, T. (2004). The case for animal rights . Berkeley: University of California Press.; Singer, 2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press..

O projeto Cão Terapia também desempenha um papel importante no desenvolvimento da comunidade em que atua e oferece a oportunidade de promover atitudes moralmente válidas (Anheier & Seibel, 2001Anheier, H. K., Seibel, W. (2001). The nonprofit sector in Germany: Between state, economy, and society (Vol. 9). Manchester: Manchester University Press.; Correia et al., 2016Correia, S. É. N., Oliveira, V. M., Gomez, C. R. P. (2016). Dimensions of social innovation and the roles of organizational actor: The proposition of a framework. RAM. Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 102-133. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p102-133
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; Dagnino, 2014Dagnino, R. (2014). Tecnologia social: Contribuições conceituais e metodológicas . Florianópolis, SC: Insular.; Murray et al., 2010)Murray, R., Caulier-Grice, J., Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation . London: The Young Foundation.. Além disso, o ato de passear com os animais resgatados potencialmente ressignifica a relação humano-animal (Fletcher & Platt, 2018)Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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. Conforme destacado por M1 (2018), a capacidade do projeto de sensibilizar as pessoas para os infortúnios dos animais não humanos se concentra no viés educacional, que fomenta a mudança de valores na comunidade (Felipe, 2009Felipe, S. T. (2009). Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Páginas de Filosofia , 1 (1), 2 -30. doi:10.15603/2175-7747/pf.v1n1p2-30; Mulgan, 2014Mulgan, T. (2014). Understanding utilitarianism . Abingdon: Routledge.; Profice & Santos, 2017Profice, C. C., Santos, G. H. M. (2017). De grumetes a kunumys: Estilos de infâncias brasileiras. Revista História da Educação , 21 (53), 307-325. doi:10.1590/2236-3459/61054
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; Sanders, 2010Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press.; Singer, 2009)Singer, P. (2009). Animal liberation: The definitive classic of the animal movement (Updated ed.). New York: Harper Perennial.. A ação do projeto é propositiva, na medida em que busca respostas aos problemas enfrentados, e é inventiva e criativa, na medida em que estabelece um processo pedagógico como caminho para soluções novas e duradouras geradas com os atores sociais (Assunção et al., 2018Assunção, D. M., Kuhn Junior, N., Ashton, M. S. G. (2018). Cidades criativas e Vila Flores: Convergências e semelhanças no modelo de gestão para a inovação social. Desenvolvimento em Questão , 16 (43), 291-321. doi:10.21527/2237-6453.2018.43.291-321
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; Avelino et al., 2019Avelino, F., Dumitru, A., Cipolla, C., Kunze, I., Wittmayer, J. (2019). Translocal empowerment in transformative social innovation networks. European Planning Studies , 28 (5), 955-977. doi:10.1080/09654313.2019.1578339
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; Mello, 2018Mello, C. J. (2018). Trabalho, tecnologia e solidariedade . Florianópolis, SC: Insular.; Nicholls et al., 2015)Nicholls, A., Simon, J., Gabriel, M. (2015). Introduction: Dimensions of social innovation. In A. Nicholls, J. Simon, M. Gabriel (Eds.), New frontiers in social innovation research (pp. 1-26). London: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9781137506801_1
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. De acordo com M1:

O projeto Cão Terapia também tem um propósito educativo, pois permite chamar a atenção do voluntariado e das pessoas interessadas no projeto sobre a importância da adoção responsável, da identificação dos animais, da vacinação e da castração para o controle de doenças e da superpopulação de animais . (M1, 2018)

Esse papel é desenvolvido a partir do uso intensivo de redes e relacionamentos – uma característica da inovação social (Dagnino, 2008Dagnino, R. (Org). (2008). Tecnologia social: Ferramenta para construir outra sociedade . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Klerkx & Aarts, 2013Klerkx, L., Aarts, N. (2013). The interaction of multiple champions in orchestrating innovation networks: Conflicts and complementarities. Technovation , 33 (6-7), 193-210. doi:10.1016/j.technovation.2013.03.002
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; Mehmood & Constanza, 2013Mehmood, A., Constanza, P. (2013). Social innovation in an unsustainable world. In F. Moulaert, D. MacCallum, A. Mehmood, A. Hamdouch (Eds.), The international handbook on social innovation: Collective action, social learning and transdisciplinary (pp. 53-66). Cheltenham: Edward Elgar.; Nicholls & Murdock, 2012Nicholls, A., Murdock, A. (2012). The nature of social innovation. In A. Nicholls, A. Murdock (Eds.), Social innovation (pp. 1-30). London: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230367098_1
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; Silva & Pacheco, 2018Silva, K. D. V., Pacheco, A. S. V. (2018). Gestão social e inovação social: Convergências e divergências teóricas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração , 12 (2), 88-101. doi:10.12712/rpca.v12i1.12222
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; Varadarajan, 2014)Varadarajan, R. (2014). Toward sustainability: Public policy, global social innovations for base-of-the-pyramid markets, and demarketing for a better world. Journal of International Marketing , 22 (2), 1-20. doi:10.1509/jim.13.0158. Para M1, a mídia local e nacional considerou a importância do projeto Cão Terapia desde seu início e divulgou os benefícios do projeto para os humanos envolvidos e, sobretudo, para os animais não humanos. Segundo M1, o uso das redes sociais foi decisivo, em 2015, para viabilizar a reforma e ampliação do gatil municipal. Como não encontrou outra alternativa, a OBA! assumiu o compromisso e buscou parcerias com universitários para viabilizar uma solução, que culminou na construção de um novo gatil. A OBA! também conta com outras formas de apoio por meio dos seus voluntários. A título de exemplo, V4 (2018) atua profissionalmente como fotógrafo e colabora de forma voluntária, registrando e divulgando fotos do projeto. Essas experiências estão enraizadas no caráter inovador do projeto ao revelar a ampla participação e envolvimento de diferentes atores nas ações nele promovidas.

Sobre o envolvimento dos atores sociais no projeto, também se destacam os vínculos desenvolvidos pelos voluntários, que contribuem para a transformação na vida dessas pessoas (Bignetti, 2011Bignetti, L. P. (2011). As inovações sociais: Uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos , 47 (1), 3-14. doi:10.4013/1040
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; Gregoire, 2016Gregoire, M. (2016). Mulgan exploring various approaches of social innovation: A francophone literature review and a proposal of innovation typology. RAM Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 45-71. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p45-71; Montgomery, 2016Montgomery, T. (2016). Are social innovation paradigms incommensurable? Voluntas: International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations , 27 (4), 1979-2000. doi:10.1007/s11266-016-9688-1; Piccoli & Godoi, 2012Piccoli, P., Godoi, C. K. (2012). Motivação para o trabalho voluntário contínuo: Uma pesquisa etnográfica em uma organização espírita. Organizações & Sociedade , 19 (62), 399-416. doi:10.1590/S1984-92302012000300002
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; Rao-Nicholson et al., 2017Rao-Nicholson, R., Vorley, T., Khan, Z. (2017). Social innovation in emerging economies: A national systems of innovation based approach. Technological Forecasting and Social Change , 121 , 228-237. doi:10.1016/j.techfore.2017.03.013
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; Santos, 2002)Santos, B. S. (2002). Toward a new legal common sense: Law, globalization, and emancipation . Oxford: Butterworths.. Isso mostra que as ações beneficiam não apenas os animais não humanos, mas também as pessoas que vivenciam o dia a dia do projeto, corroborando a ideia de que a relação homem-animal pode ser considerada mutualismo (Serpell, 2015)Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.. Segundo M1 (2018), os participantes criam laços de amizade e passam a ter uma convivência fora da OBA!. Ainda conforme M1, “ estes novos amigos passam a fazer parte da sua vida, muito mais do que um encontro aos sábados à tarde ”. V11 (2018) afirma ter amizade com diversos voluntários, enquanto V7 (2018) considera o contato entre os voluntários relevante para a sua participação. Observa-se, portanto, que esse caráter integrador entre os próprios voluntários é um incentivo à participação no projeto. Nesse sentido, V3 ressalta que o projeto Cão Terapia “ é um evento social ” porque aproxima pessoas sensíveis ao bem-estar animal, e destaca: “ O mesmo interesse traz as pessoas aqui ” (V3, 2018).

Diante disso, as ações que envolvem o bem-estar dos animais, verificadas no projeto, abrangem também a vida das pessoas, individual e comunitariamente. É o que mostra a interação e a criação de novos vínculos entre os participantes do projeto Cão Terapia. E mais, as relações intersubjetivas são marcadas pela partilha de preceitos éticos de defesa integral da vida. Ademais, como o projeto Cão Terapia busca uma convivência mais harmoniosa e comprometida dos humanos com outras espécies, pode-se dizer que a sua ação social expressa a intenção pública e política de contribuir com a consolidação da melhor vida possível aos viventes do planeta (Bentham, 2017Bentham, J. (2017). An introduction to the principles of morals and legislation . Retrieved from https://bit.ly/3p0y3ck
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; Costa & Garrafa, 2000Costa, S. I. F., Garrafa, V. (2000). A bioética no século XXI . Brasília, DF: Editora UnB.; De Lazari-Radek & Singer, 2017De Lazari-Radek, K., & Singer, P. (2017). Utilitarianism: A very short introduction . Oxford: Oxford University Press.; Regan, 2004Regan, T. (2004). The case for animal rights . Berkeley: University of California Press.; Sandel, 2010Sandel, M. (2010). Justice: What’s the right thing to do? New York: Farrar Straus Giroux.; Serpell, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.; Singer, 2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press..

Em seu relacionamento com as esferas estatal (Prefeitura) e com a iniciativa privada (por exemplo, veiculação em rádios), a OBA! ratifica a convicção de que as organizações da sociedade civil desempenham um papel relevante nos rumos da sociedade e na resolução dos seus problemas (Andion & Serva, 2004Andion, C., Serva, M. (2004). Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa. Revista Venezolana de Economía Social , 4 (7), 7-24. Retrieved from https://bit.ly/3c02z14
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; Gonsalves & Andion, 2019Gonsalves, A. K. R., Andion, M. C. M. (2019). Ação pública e inovação social: Uma análise do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente de Florianópolis-SC. Organizações & Sociedade , 26 (89). doi:10.1590/1984-9260892
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; Semeraro, 1999)Semeraro, G. (1999). Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação e Sociedade , 20 (66), 65-83. doi:10.1590/S0101-73301999000100004. Nesse caso, são necessárias ações que visem a defesa e promoção dos direitos dos animais não humanos, para que não sejam maltratados, abandonados ou usados como objetos (Felipe, 2006b, 2014; Regan, 2005, 2006Regan, T. (2005). Empty cages: Facing the challenge of animal rights . Lanham: Rowman & Littlefield., 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press.; Shafer-Landau, 2012)Shafer-Landau, R. (2012). The fundamentals of ethics . Oxford: Oxford University Press..

Como indicado, a atuação da OBA! no enfrentamento de certa fissura social torna-se viável porque há uma ação conjunta com a Prefeitura. Observa-se, no projeto da OBA!, a participação do Estado, assim como o engajamento de atores da sociedade civil. Estado, organizações e voluntários vivenciam uma ação social orientada para o bem comum (Avritzer et al., 2012Avritzer, L., Bignotto, N., Guimarães, J., Starling, H. M. M. (Orgs.). (2012). Corrupção: Ensaios e críticas . Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.; Bobbio, 2000Bobbio, N. (2000). In praise of meekness: Essays on ethics and politics . Cambridge: Polity Press.; Edwards-Schachter & Wallace, 2017Edwards-Schachter, M. E., Wallace, M. L. (2017). ‘Shaken, but not stirred’: Sixty years of defining social innovation. Technological Forecasting and Social Change , 119 , 64-79. doi:10.1016/j.techfore.2017.03.012
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; Hulgård & Ferrarini, 2010Hulgård, L., Ferrarini, A. V. (2010). Inovação social: Rumo a uma mudança experimental na política pública? Ciências Sociais Unisinos , 46 (3), 256-263.; Miguel, 2018Miguel, L. F. (2018). Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória . São Paulo, SP: Boitempo.; Phillips et al., 2015)Phillips, W., Lee, H., Ghobadian, A., O’Regan, N., James, P. (2015). Social innovation and social entrepreneurship: A systematic review. Group & Organization Management , 40 (3), 428-461. doi:10.1177/1059601114560063
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. Em outras palavras, o que ocorre no projeto Cão Terapia é a união de forças entre diferentes atores sociais para que um objetivo social comum seja alcançado, não obstante os benefícios tangenciais individuais.

Neste sentido, M2 (2018) diz que “ trabalha a semana toda e abre mão de tudo por eles ” (os animais). V11 afirma que participa pelos animais: “ Não é por mim, é por causa deles mesmo ”. Enquanto isso, V5 (2018) ressalta a participação dos voluntários em prol de algo que vai além de si mesmos: “ é bacana ver que muitas pessoas abrem mão de fazer outras coisas para vir aqui passar um tempinho com eles ”. Assim, os voluntários escolhem dedicar parte do seu tempo à promoção do bem-estar e dos direitos dos animais não humanos, em vez de se dedicarem a outras atividades, como lazer, em que o benefício pode ser estritamente privado. Nessa perspectiva, destaca-se o apoio da sociedade civil por meio dos voluntários e simpatizantes da causa animal: “ O projeto Cão Terapia é formado por pessoas de várias idades e de diferentes níveis sociais, que colaboram para melhorar o cotidiano dos animais, auxiliando diretamente em diversos aspectos ”, afirma M1 (2018). A abnegação consciente indica a vivência e o compartilhamento de preceitos éticos pelos participantes do projeto, bem como o reconhecimento ético das consequências da relação entre humanos e não humanos, muitas vezes calcada em uma visão especista e instrumental (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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; Felipe, 2019Felipe, S. T. (2019). Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Francione, 2013Francione, G. L. (2013). Introdução aos direitos animais . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Reale & Antiseri, 2018Reale, G., Antiseri, D. (2018). Filosofia: Idade contemporânea . São Paulo, SP: Paulus.; Regan, 2005Regan, T. (2005). Empty cages: Facing the challenge of animal rights . Lanham: Rowman & Littlefield.; Singer, 2009Singer, P. (2009). Animal liberation: The definitive classic of the animal movement (Updated ed.). New York: Harper Perennial.; Vázquez, 2018Vázquez, A. S. (2018). Ética (38th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.; Vitale et al., 2009)Vitale, D., Spécie, P., Mendes, J. S. R. (2009). Democracia global: A sociedade civil do Brasil, Índia e África do Sul na formulação da política externa ambiental de seus países. Revista de Gestão Social e Ambiental , 3 (2), 160-178. doi:10.24857/rgsa.v3i2.157
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.

Como indicado, por meio das práticas do projeto, consolidam-se ações articuladas entre a organização da sociedade civil e outras esferas sociais como parcerias com o Estado, com outras organizações e com pessoas físicas. Nesse sentido, como afirma M1, pode-se compreender o projeto Cão Terapia como o resultado da união de forças entre o poder público e a sociedade civil organizada. Essa união de forças culmina em ações que estimulam a prática social, pois reposiciona os atores como agentes ativos, na busca de um objetivo social inclusivo e não especista ou instrumental, por meio do contato e da interação com cães e gatos que aguardam adoção. O preceito ético que culmina na dedicação aos cães e gatos e na busca por condições que garantam o direito a uma melhor vida unem os voluntários e geram consciência da real condição desses animais e suas demandas na relação com os seres humanos (De Lazari-Radek & Singer, 2017De Lazari-Radek, K., & Singer, P. (2017). Utilitarianism: A very short introduction . Oxford: Oxford University Press.; Felipe, 2006a; Heck, 2011Heck, J. (2011). Bioética: Autopreservação, enigmas e responsabilidade . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Kowalski, 2012Kowalski, G. (2012). The souls of animals . Novato: New World Library.; Mulgan, 2014Mulgan, T. (2014). Understanding utilitarianism . Abingdon: Routledge.; Oliveira, 2014Oliveira, M. A. (2014). Correntes fundamentais da ética contemporânea . Petrópolis, RJ: Vozes.; Sanders, 2010Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press.; Serpell, 2015)Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press..

Verifica-se que as ações sociais do projeto Cão Terapia contribuem para a mudança na visão de mundo. A realidade que os colaboradores passam a conhecer os leva a refletir criticamente sobre valores e práticas de nossa cultura antropocêntrica e utilitária/instrumental da vida. Daí seu caráter inovador para a sociedade (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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; Canto-Sperber, 2013Canto-Sperber, M. (Org.). (2013). Dicionário de ética e filosofia moral . São Leopoldo, RS: Editora Unisinos.; Correia et al., 2016Correia, S. É. N., Oliveira, V. M., Gomez, C. R. P. (2016). Dimensions of social innovation and the roles of organizational actor: The proposition of a framework. RAM. Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 102-133. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p102-133
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; Di Napoli, 2015Di Napoli, R. B. (2015). Animais como pessoas? O lugar dos animais na comunidade moral. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN) , 20 (33), 47-78. Retrieved from https://bit.ly/3uuaf1Y
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; Felipe, 2014Felipe, S. T. (2014). Acertos abolicionistas: A vez dos animais . São José, SC: Ecoânima.; Fletcher & Platt, 2018Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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; Sanders, 2010Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press.; Vázquez, 2018)Vázquez, A. S. (2018). Ética (38th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.. Como observa V10:

Eu conheci o projeto pela minha namorada, que já participava, mas acabei vindo sem muita expectativa, porque eu não dava muita bola para os animais. Mas quando eu saí daqui pela primeira vez, acho que eu já estava diferente. Eu saí daqui muito feliz por poder ajudar esses bichos que precisam tanto, e agora eu já tenho outra cabeça. É como se isso aqui tivesse feito eu abrir os olhos para o que acontece com os animais. (V10, 2018)

Este relato revela a autocrítica gerada por um participante das ações do projeto. Observa-se a capacidade do projeto em gerar consciência ética em relação aos desdobramentos da relação humano-animal e, consequentemente, ao valor intrínseco da vida dos animais não humanos (Bentham, 2017Bentham, J. (2017). An introduction to the principles of morals and legislation . Retrieved from https://bit.ly/3p0y3ck
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; Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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; Fletcher & Platt, 2018Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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; Regan, 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press.; Sanders, 2010Sanders, C. (2010). Understanding dogs . Philadelphia: Temple University Press.; Singer, 2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.. Na mesma direção, M1 relata sua experiência:

Nestes anos de envolvimento com a causa animal, já testemunhei muitas pessoas se tornarem vegetarianas (o meu caso), veganas, ou restringirem o vestuário para tecidos sintéticos para evitar o sofrimento animal. Muitas começaram a entender que circo, vaquejadas, rodeio e farra do boi são uma tortura para os animais envolvidos. (M1, 2018)

Este testemunho remete a outro ponto relevante do projeto Cão Terapia, no sentido de colaborar para uma mudança na percepção com relação às vidas dos animais não humanos (Joy, 2010Joy, M. (2010). Why we love dogs, eat pigs, and wear cows: An introduction to carnism . Newburyport: Conari Press.). Isto é, a participação no projeto pode ser uma experiência determinante para que os voluntários percebam certas imoralidades quanto ao tratamento meramente instrumental dado pelos humanos a outros animais, sejam eles “de companhia” ou “de produção”. Fica claro, no relato de M1, que os voluntários muitas vezes mudam alguns de seus hábitos ao perceberem, a partir do contato com os cães e gatos resgatados, o sofrimento animal e a transgressão moral contida em atitudes cotidianas das pessoas que muitas vezes são consideradas inofensivas. Em síntese, a interação com animais “de companhia”, promovida de forma socialmente inovadora pelo projeto Cão Terapia, por vezes estimula os voluntários a considerar o sofrimento de todos os animais.

A inovação social é justamente a mudança paradigmática – criação de valores ético-políticos que geram reflexão e novos comportamentos calcados no respeito integral pelas diferentes manifestações da vida – que os diferentes atores que participam do projeto vivenciam. E isso tende a impactar positivamente nas suas ações no meio social. Por exemplo, fica evidente a partir dos relatos que V10 e M1 reúnem elementos para pensar além de seus interesses privados como indivíduo, consumidor, proprietário e assim por diante (Felipe, 2009Felipe, S. T. (2009). Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Páginas de Filosofia , 1 (1), 2 -30. doi:10.15603/2175-7747/pf.v1n1p2-30; Garner, 2013Garner, R. (2013). A theory of justice for animals: Animal rights in a nonideal world . Oxford: Oxford University Press.; Mill, 2015Mill, J. S. (2015). On liberty, utilitarianism and other essays . Oxford: Oxford University Press.; Santos, 2019Santos, B. S. (2019). Knowledges born in the struggle: Constructing the epistemologies of the global south . Abingdon: Routledge.; Vázquez, 2018Vázquez, A. S. (2018). Ética (38th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.).

V1 (2018) afirma que começou a participar do projeto a convite de uma amiga e atualmente incentiva outras pessoas. Da mesma forma, V3 (2018) acredita que “ uma pessoa que vem por convite de outra pessoa pode mudar sua mentalidade ”. Aqui está outro elemento importante. Os sujeitos transmitem para outras pessoas suas experiências e valores adquiridos, o que contribui para a difusão de uma cultura mais engajada e inclusiva. Ou seja, essa prática pedagógica é também fomentadora de ações solidárias que são comungadas entre os participantes do projeto em distintos espaços sociais. Essa prática pedagógica e a promoção da cultura não especista e defensora da equidade podem ser consideradas uma inovação social (Carvalho, 2007Carvalho, M. C. M. (2007). O utilitarismo em foco: Um encontro com seus proponentes e críticos . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Crisp et al., 2018Crisp, R., Dall’Agnoll, D., Savulescu, J., Tonetto, M. C. (Orgs.). (2018). Ética aplicada e políticas públicas . Florianópolis, SC: Editora da UFSC.; Dagnino, 2014Dagnino, R. (2014). Tecnologia social: Contribuições conceituais e metodológicas . Florianópolis, SC: Insular.; Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation . London: The Young Foundation.; Singer, 2011Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.).

M1 declara que contribuir para a transformação social por meio de ações locais é um dos princípios responsáveis pelo sucesso do projeto Cão Terapia. Ela acrescenta: “ Um projeto que acontece num abrigo municipal, junto aos animais resgatados de situações tão sofridas, resgata o que o ser humano tem de melhor. Estimula a solidariedade, a caridade, o pensar no próximo ” (M1, 2018). Este relato revela o desejo de resolver um problema social: a participação dos atores sociais e o protagonismo e a novidade na promoção de valores éticos, direitos e comprometimento social articulados com o propósito de gerar uma vida mais digna para os humanos e animais não humanos. Os três pontos da inovação social – buscar a solução para um problema social; participação dos atores envolvidos; e viabilizar soluções novas e duradouras para a comunidade – também estão contemplados no testemunho de M1 (Assunção et al., 2018Assunção, D. M., Kuhn Junior, N., Ashton, M. S. G. (2018). Cidades criativas e Vila Flores: Convergências e semelhanças no modelo de gestão para a inovação social. Desenvolvimento em Questão , 16 (43), 291-321. doi:10.21527/2237-6453.2018.43.291-321
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; Avelino et al., 2019Avelino, F., Dumitru, A., Cipolla, C., Kunze, I., Wittmayer, J. (2019). Translocal empowerment in transformative social innovation networks. European Planning Studies , 28 (5), 955-977. doi:10.1080/09654313.2019.1578339
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; Bignetti, 2011Bignetti, L. P. (2011). As inovações sociais: Uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos , 47 (1), 3-14. doi:10.4013/1040
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; Silva & Pacheco, 2018Silva, K. D. V., Pacheco, A. S. V. (2018). Gestão social e inovação social: Convergências e divergências teóricas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração , 12 (2), 88-101. doi:10.12712/rpca.v12i1.12222
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).

Como afirma M1, a inovação social se revela no estímulo dado nas ações/experiências sociais do projeto que estimulam o compromisso ético com os animais não humanos entre os participantes. Assim, é possível inferir que a dimensão ética da relação entre voluntários e animais no projeto Cão Terapia colabora com a conscientização e a ampliação do bem comum e do cuidado mútuo, a serem vivenciados como construções comunitárias (Correia et al., 2016Correia, S. É. N., Oliveira, V. M., Gomez, C. R. P. (2016). Dimensions of social innovation and the roles of organizational actor: The proposition of a framework. RAM. Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 102-133. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p102-133
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; Costa & Garrafa, 2000Costa, S. I. F., Garrafa, V. (2000). A bioética no século XXI . Brasília, DF: Editora UnB.; Dortier, 2010Dortier, J. F. (2010). Dicionário de ciências humanas . São Paulo, SP: Martins Fontes.; Garner, 2013)Garner, R. (2013). A theory of justice for animals: Animal rights in a nonideal world . Oxford: Oxford University Press..

Os maiores beneficiados pelo projeto são os animais, que ganham a oportunidade de manter contato com os humanos, a possibilidade de sair do confinamento do canil, e, sobretudo, a visibilidade e o aumento das chances de adoção. Mas a troca afetiva também traz inúmeros benefícios às pessoas, inclusive às crianças e adolescentes, que aprendem desde cedo a respeitar e cuidar dos animais. (M1, 2018)

Neste sentido, V8 (2018) alega que ao participar do projeto Cão Terapia e doar-se para o bem-estar dos animais, o voluntário se beneficia tanto quanto os próprios cães e gatos, uma vez que é “ enriquecido pelo contato com os animais e outros voluntários ”. O projeto “ é também uma chance para pessoas ”, afirma V1, que se sente feliz após participar das ações do projeto, e sente falta quando não tem oportunidade de ir. Vale ressaltar que os ganhos subjetivos dos voluntários, como experiência e saber, novamente corroboram com a percepção mutualística da relação homem-animal defendida por Serpell (2015)Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.. Por exemplo, muitos deles, apenas participando do projeto, refletem sobre o princípio ético da vida sem sofrimento, como também sobre o especismo e as consequências da relação instrumental impressa pelos humanos sobre os animais não humanos – com aqueles que têm mentalidade instrumental negando que os não humanos possam ser sujeitos-de-uma-vida (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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; Felipe, 2014Felipe, S. T. (2014). Acertos abolicionistas: A vez dos animais . São José, SC: Ecoânima.; Francione, 2013Francione, G. L. (2013). Introdução aos direitos animais . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Regan, 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press.; Singer, 2011Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.).

A extensão do projeto Cão Terapia para a vida pessoal também é destacada por V9 (2018). Ele diz que se tornou mais proativo em outras atividades sociais e, portanto, tem se comprometido muito mais com as atividades do bairro onde mora. É um exemplo prático de como a mudança de paradigma com relação aos animais não humanos pode refletir na relação intersubjetiva e social entre os próprios humanos. Assim, V9 afirma agir mais ativamente em prol de sua comunidade, após compreender os animais não humanos como sujeitos que devem ter seus direitos respeitados (Santos, 2014Santos, B. S. (2014). Epistemologies of the south: Justice against epistemicide . Boulder: Paradigm Publishers.; Semeraro, 1999Semeraro, G. (1999). Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação e Sociedade , 20 (66), 65-83. doi:10.1590/S0101-73301999000100004; Serpell, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.; Silva et al., 2018Silva, R. B., Tait, M., Novaes, H. T., Fraga, L. S. (Orgs.). (2018). Suleando a retomada com tecnociência social: O pensamento de Renato Dagnino . Florianópolis, SC: Insular.). Da mesma forma, M1 (2018) destaca: “ Acredito que todos que se propõem a ir a um abrigo de animais para doar seu tempo em um dia de descanso, seja uma pessoa consciente e solidária ”. De maneira semelhante, V6 (2018) destaca: “ Acho muito importante ter projetos como este, não só pelos animais, mas também pelas pessoas. Elas começam a ver as coisas de outro jeito, e a pensar nos outros em vez de pensar apenas em si mesmas ”. Trata-se de um exemplo vivo de mudança paradigmática (Felipe, 2009Felipe, S. T. (2009). Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Páginas de Filosofia , 1 (1), 2 -30. doi:10.15603/2175-7747/pf.v1n1p2-30; Reale & Antiseri, 2018Reale, G., Antiseri, D. (2018). Filosofia: Idade contemporânea . São Paulo, SP: Paulus.; Santos, 2019Santos, B. S. (2019). Knowledges born in the struggle: Constructing the epistemologies of the global south . Abingdon: Routledge.; Vitale et al., 2009)Vitale, D., Spécie, P., Mendes, J. S. R. (2009). Democracia global: A sociedade civil do Brasil, Índia e África do Sul na formulação da política externa ambiental de seus países. Revista de Gestão Social e Ambiental , 3 (2), 160-178. doi:10.24857/rgsa.v3i2.157
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.

Essas falas sugerem uma transformação proveniente da qualidade da convivência entre voluntários e animais. Por meio do contato com os cães e gatos do projeto e da sensibilização por suas histórias, cria-se o afeto e a empatia, e o voluntário reconhece o sujeito-de-uma-vida no ser não humano. Isto é, criam-se experiências pelas quais humanos e não humanos são reconhecidos e valorizados como sujeitos-de-uma-vida. Trata-se, pois, de fomentar práticas e reflexões voltadas ao bem-estar animal que conduzem os sujeitos a viver os valores ético-sociais inclusivos que se opõem à exploração instrumental e consumista da vida em vários níveis (Buller, 2016Buller, H. (2016). Animal geographies III: Ethics. Progress in Human Geography , 40 (3), 422-430. doi:10.1177/0309132515580489
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; Fletcher & Platt, 2018Fletcher, T., Platt, L. (2018). (Just) a walk with the dog? Animal geographies and negotiating walking spaces. Social & Cultural Geography , 19 (2), 211-229. doi:10.1080/14649365.2016.1274047
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; Regan, 2004, 20Regan, T. (2004). The case for animal rights . Berkeley: University of California Press., 2006Regan, T. (2006). Defending animal rights . Champaign: University of Illinois Press.; Singer, 2011)Singer, P. (2011). Practical ethics . Cambridge: Cambridge University Press.. É nesta perspectiva pedagógica de mudança paradigmática que reside a inovação social como prática social efetivada no projeto da OBA! (Dagnino, 2008Dagnino, R. (Org). (2008). Tecnologia social: Ferramenta para construir outra sociedade . Campinas, SP: Editora da Unicamp.; Gregoire, 2016Gregoire, M. (2016). Mulgan exploring various approaches of social innovation: A francophone literature review and a proposal of innovation typology. RAM Revista de Administração Mackenzie , 17 (6), 45-71. doi:10.1590/1678-69712016/administracao.v17n6p45-71; Hulgård & Ferrarini, 2010Hulgård, L., Ferrarini, A. V. (2010). Inovação social: Rumo a uma mudança experimental na política pública? Ciências Sociais Unisinos , 46 (3), 256-263.; Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation . London: The Young Foundation.; Santos, 2002Santos, B. S. (2002). Toward a new legal common sense: Law, globalization, and emancipation . Oxford: Butterworths.; Varadarajan, 2014)Varadarajan, R. (2014). Toward sustainability: Public policy, global social innovations for base-of-the-pyramid markets, and demarketing for a better world. Journal of International Marketing , 22 (2), 1-20. doi:10.1509/jim.13.0158.

Nesse sentido, por meio de diversas intervenções sociais, a OBA! colabora para aumentar a consciência pública sobre a crueldade sistemática praticada com os não humanos em laboratórios, circos e zoológicos, bem como com o abandono e maus-tratos domésticos. Além disso, desperta nos atores sociais um olhar mais social, comunitário, crítico e engajado (Dortier, 2010Dortier, J. F. (2010). Dicionário de ciências humanas . São Paulo, SP: Martins Fontes.; Felipe, 2006a, 2009, 2019; Oliveira, 2014Oliveira, M. A. (2014). Correntes fundamentais da ética contemporânea . Petrópolis, RJ: Vozes.; Sandel, 2010Sandel, M. (2010). Justice: What’s the right thing to do? New York: Farrar Straus Giroux.; Serpell, 2015Serpell, J. A. (2015). The human-animal bond. In L. Kalof (Ed.), The Oxford handbook of animal studies (pp. 81-97). Oxford: Oxford University Press.). Percebe-se – como indicado neste tópico – que na OBA! a inovação social se efetiva como ação social (mudança paradigmática, geração de valores, crítica à visão instrumental e consumista da vida) nas práticas voltadas ao bem-estar de animais pelo projeto Cão Terapia.

Considerações finais

Como foi revelado pelos dados e análise dos resultados da pesquisa, as práticas constitutivas do projeto Cão Terapia vão muito além da vivência da atitude de compaixão para com os animais. É, antes de tudo, o projeto de efetivar uma ação social geradora de nova mentalidade e valores calcados em preceitos éticos e na universalização de direitos, superando o especismo. A inovação social realizada pelo projeto da OBA! reside, então, em gerar subsídios para uma mudança paradigmática a partir de práticas voltadas ao bem-estar de animais não humanos.

Como indicado na revisão de literatura, é amplo o espectro das inovações sociais. Apesar disso, a pesquisa deu ênfase aos seguintes traços da inovação social: (a) deve buscar uma solução para determinado problema social; (b) deve contar com a participação de todos os atores envolvidos; e (c) precisa gerar soluções novas e duradouras para a comunidade.

Verificamos que o projeto Cão Terapia procura solucionar um problema social. Isto é, ele tem como objetivo principal o bem-estar dos animais que aguardam adoção no canil municipal: cães e gatos vítimas de maus-tratos e/ou abandono. A OBA! busca, sobretudo, solucionar essa demanda social, conscientizando as pessoas sobre os malefícios causados pela insensibilidade e mesquinhez humanas na relação humano-animal. O contato com os animais gera empatia e comprometimento ético dos atores envolvidos com o projeto, tanto em relação aos animais de estimação, como cães e gatos, quanto aos de produção, como vacas, porcos e galinhas.

Quanto ao segundo ponto, observamos que há o envolvimento claro de diversos atores sociais no projeto Cão Terapia. Isso foi evidenciado pela participação ativa dos membros da organização da sociedade civil, dos voluntários, da presença do poder público etc. Na verdade, todo o contexto que viabiliza a interação entre voluntários e animais se dá por meio dos esforços de representantes dos diversos setores da sociedade (OSC, poder público e iniciativa privada) para que o projeto ocorra e prospere. Nesse caso, a OBA!, como organização da sociedade civil, atua em conjunto com a Prefeitura Municipal de Florianópolis para melhorar os serviços de bem-estar animal. A iniciativa privada também se faz presente nas ações desenvolvidas pela OBA!.

É visível o aumento na qualidade de vida dos animais que são retirados das ruas e atendidos pela OBA!. Os animais usufruem dos benefícios de forma intensa, visto que sua própria condição perante os humanos é valorizada a partir da sensibilização dos voluntários. Ademais, por meio da conscientização das pessoas, o número de ocorrências de abandono e de maus-tratos aos animais pode ser reduzido, ao passo que os impactos pelo seu uso instrumental também são minimizados. Ao mesmo tempo, os voluntários e a sociedade em geral podem desfrutar de uma melhor convivência em função da resposta afetiva oferecida pelos animais. Isso pode contribuir, dentre outros aspectos, para uma relação mais harmoniosa entre humanos e outras espécies.

O terceiro traço foi evidenciado na mudança de mentalidade de muitos voluntários do projeto. Como revelam os dados, em coerência com a literatura pesquisada, por meio da interação com os cães e gatos do canil municipal, as pessoas podem rever seus valores e práticas e, assim, despertar para uma maior sensibilidade quanto aos interesses dos seres de outras espécies, para além dos interesses da própria espécie humana. A ação social viabilizada no projeto gera maior comprometimento ético nas relações com os seres vivos – humanos e não humanos – e o desenvolvimento do senso de comunidade por meio da participação e engajamento em causas sociais orientadas pela valorização ampla da vida.

Assim, ao se tornarem agentes legítimos de mudança social, as pessoas transgridem os limites da percepção de si mesmas e do mundo e, a partir daí, podem gerar práticas mais reflexivas e transformadoras. Essas sementes plantadas por projetos como o Cão Terapia podem, a longo prazo, contribuir com novas e inovadoras ações que substituam o tratamento instrumental da vida (por meio do qual humanos e não humanos são tratados como objetos, meios, instrumentos, coisas), por formas mais éticas e sustentáveis de preservação da existência. A vivência de preceitos como equidade, solidariedade e inclusão podem contribuir substantivamente para uma mudança paradigmática voltada à valorização integral da vida.

É evidente que as práticas do projeto geram inovação social. Assim, e em reposta à pergunta de pesquisa, concluímos que o projeto Cão Terapia, desenvolvido pela OBA!, é uma inovação social porque realiza uma ação social por meio de práticas voltadas ao bem-estar de cães e gatos que tiveram suas vidas vilipendiadas, gerando mudanças de valores, mentalidade e atitudes nos diferentes atores participantes.

Vê-se, portanto, que o objetivo do estudo foi atendido, bem como a pergunta de pesquisa respondida. Assim, a análise crítica proposta nesta pesquisa permite, em certa medida, compreender como uma inovação social pode ser gerada a partir de ações voltadas ao bem-estar animal. Com isso, esta investigação pode contribuir teoricamente com a pesquisa sobre ações sociais inovadoras e, mais especificamente, com estudos que analisam outras ações relacionadas à garantia dos direitos dos animais não humanos em diferentes organizações e movimentos sociais.

Portanto, para maior aprofundamento na discussão proposta na pesquisa, é necessário avançar na investigação teórica, como também analisar mais iniciativas como a proposta pela OBA!. A fim de que mais questões sociais, ambientais e ético-políticas sejam discutidas no âmbito das organizações, outros estudos dessa natureza precisam ser produzidos. Assim, talvez, a causa animal e o valor integral da vida sejam questões ainda mais vivas no debate científico do campo organizacional.

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  • Financiamento: Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Letícia Fantinel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2020
  • Aceito
    04 Fev 2021
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