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“Territórios Simbólicos de Identidades” Geeks: o Consumo de Fantasias e Ficções na Construção das Identidades Coletivas de uma Tribo Urbana

Resumo

Neste estudo, nosso objetivo é compreender como o consumo de produtos por geeks atua na construção da identidade de indivíduos que se reconhecem como integrantes dessa tribo urbana. Os geeks são considerados membros engajados e fascinados por um tópico relacionado a universos de fantasia e ficção científica, e, admitindo-se uma microescala, se constituem em um território de identidade. Como abordagem teórica, esta pesquisa busca promover um diálogo entre os estudos que utilizam a consumer culture theory (CCT) e os estudos de identidade organizacional, com o entendimento de que as tribos urbanas são um tipo de organização. O corpus da pesquisa é composto por entrevistas com dezesseis pessoas que se identificam como geeks, sendo essas analisadas pela categorização temática. Os resultados sugerem que o início do consumo de produtos geek ocorre ainda durante a infância, se estendendo até a fase adulta, sendo influenciado por personagens dos universos de fantasia e ficção. Os produtos consumidos contêm elementos simbólicos de fantasias e ficções de maneira que passam a representar a extensão do “eu” dos membros da tribo, sendo uma forma de construir as identidades coletivas de uma tribo urbana, neste caso, os geeks. Nós mostramos que estudos de identidade organizacional podem promover um maior diálogo com a CCT para entender as complexidades incorporadas à identidade e as múltiplas afiliações e vínculos na construção identitária das pessoas que constituem uma organização.

tribos urbanas; identidade organizacional; identidades coletivas

Abstract

The aim of the present study is to investigate how the consumption of geek products acts in the identity of individuals who see themselves as members of this urban tribe. Geeks are taken as committed members fascinated by topics related to fantasy and science fiction universes; if we take into account a micro-scale, they form an identity territory. Based on its theoretical approach, the goal of the current research lies on promoting a dialogue between studies that have adopted the consumer culture theory (CCT) and organizational identity research, by taking into consideration that urban tribes are a kind of organization. The research corpus comprised interviews with seventeen people who identify themselves as geeks; these interviews were analyzed based on thematic categorization. Based on then results, geek-products’ consumption starts at childhood and goes all the way to adulthood; this process is influenced by characters in the fantasy and fiction universes. The consumed products hold symbolic elements of fantasy and fiction, so that they end up representing the extension of this tribe’s members ‘self’; moreover, they are a way of building collective identities within an urban tribe, in this case, geeks. We have shown that organizational identity studies can lead to greater dialogue with CCT in order to better understand complexities added to identity and multiple affiliations, and links in the identity construction of people forming an organization.

urban tribes; organizational identity; collective identities

Introdução

Em uma perspectiva pós-moderna, as pessoas substituem o individualismo pela identificação com um grupo, formando comunidades emocionais, como as tribos urbanas, substituindo as grandes massas a partir de uma emoção coletiva. Maffesoli (2006)Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. propõe a metáfora “tribo urbana” para se referir a grupos sociais que constituem a sociedade pós-moderna, como um estímulo à reflexão sobre os processos identitários no contexto urbano. Nessa perspectiva, os estudos sobre a construção da identidade organizacional adquirem maior relevância, visto que podem apontar as diversas articulações que atuam nesse processo. Hall (2011)Hall, S. (2011). A identidade cultural na pós-modernidade (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: DP&A. argumenta que a identidade do indivíduo está sempre em construção, já que essa é formada a partir de processos inconscientes que se desenvolvem a partir das vivências da pessoa, considerando relações culturais e sociais, de maneira que as características internas do indivíduo são somadas com o mundo público ( Hall, 2011Hall, S. (2011). A identidade cultural na pós-modernidade (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ). Os bens podem representar, de maneira simbólica, a extensão do “eu”, a partir do momento em que preservam o senso de identidade do indivíduo ( Belk, 1988Belk, R. W. (1988). Possessions and the extend self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168. doi:10.1086/209154 ).

Os membros de uma tribo urbana seguem determinado padrão estético e consomem produtos similares para que possam se diferenciar dos demais indivíduos (Casotti, Farina, Lino, & Americano, 2013), portanto, o consumo pode ser entendido como uma estratégia para escolha do estilo de vida, ou seja, é um elemento formador da identidade. Assim, símbolos específicos e sentimentos compartilhados unem os indivíduos pertencentes às tribos urbanas ( Cova & Cova, 2002)Cova, B., Cova, V. (2002). Tribal marketing: the tribalisation of society and its impact on the conduct of marketing. European Journal of Marketing, 36(5/6), 595-620. doi:10.1108/03090560210423023 , como a dos geeks.

O geek é uma variação do nerd, sendo um indivíduo com maior interesse em tecnologia, contrastando, cultural e fisicamente, com a masculinidade heterossexual hegemônica ( Quail, 2011Quail, C. (2011). Nerds, geeks, and the hip/square dialectic in contemporary television. Television & New Media, 12(5), 460-482. doi:10.1177/1527476410385476
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). Fernandes e Rios (2011)Fernandes, L. F., Rios, R. (2011). Enciclonérdia: almanaque de cultura nerd. São Paulo, SP: Panda Books. explicam que a palavra nerd foi utilizada pela primeira vez para apresentar uma criatura estranha no livro If I ran the zoo , de Theodor Seuss Geisel, em 1950. A partir disso, o termo começou a ser utilizado como adjetivo relacionado a indivíduos socialmente inadaptados, devido à dificuldade de interação social, com interesse em informática e elementos da cultura relacionados a universos de fantasia e ficção científica, como filmes, quadrinhos, séries, livros e games ( Quail, 2011Quail, C. (2011). Nerds, geeks, and the hip/square dialectic in contemporary television. Television & New Media, 12(5), 460-482. doi:10.1177/1527476410385476
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). Aqueles que possuíam essas características passaram a ser inferiorizados e estigmatizados, devido à construção de um estereótipo marcado por características que eram consideradas como fraquezas pelos demais membros da sociedade ( Goffman, 2004Goffman, E. (2004). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: LTC. ).

Sugarbaker (1998)Sugarbaker, M. (1998). What is a geek? Gazebo. Recuperado de https://bit.ly/3DWpncR
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considera o geek como um indivíduo engajado e fascinado em um tópico, geralmente relacionado à ciência, tecnologia e cultura (fantasia e ficção científica), que se reúne com outras pessoas que têm o mesmo interesse para compartilhar experiências relacionadas ao tema. A ascensão da cultura geek surge com a popularização da internet, a idolatria de figuras do Vale do Silício, como Steve Jobs, e a expansão do consumo de produtos relacionados a super-heróis ( Santos, 2014Santos, P. M. (2014). O nerd virou cool: consumo, estilo de vida e identidade em uma cultura juvenil em ascensão (Tese de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ. ).

A popularização do grupo geek foi auxiliada pela adoção de personagens característicos dessa tribo em séries e filmes, principalmente estadunidenses, ao lado da mudança da abordagem do estereótipo de indivíduo socialmente deslocado em relação aos demais, apresentado em obras anteriores, como o filme Revenge of the Nerds . O sucesso da série The Big Bang Theory , originalmente exibida pelo canal CBS nos Estados Unidos, sendo os quatro protagonistas geeks que trabalham como pesquisadores em uma universidade e têm relacionamentos estáveis, representando uma nova imagem do geek, possibilitou uma maior popularização desse tipo de comportamento e, principalmente, uma imagem mais positiva, apesar de ainda estereotipada ( Galvão, 2009Galvão, D. P. (2009). Os nerds ganham poder e invadem a TV. Revista Científica Intr@ciência, 1(1), 34-41. Recuperado de https://bit.ly/3IOacpY
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; Oliveira, 2016Oliveira, E. F. (2016, setembro). Smart is the new sexy: a ressignificação do nerd na sitcom The Big Bang Theory. Trabalho apresentado no 39o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, São Paulo, SP. ).

Os produtos escolhidos pelos geeks para o consumo cotidiano podem trazer consigo um conjunto diverso de significados que sustentam o estilo de vida do consumidor a partir da utilização de seus valores sociais ( Douglas & Isherwood, 2004Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. ). Belk (1988)Belk, R. W. (1988). Possessions and the extend self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168. doi:10.1086/209154 afirma que o consumo fornece significado para a vida, de maneira que os bens adquiridos representam uma extensão do self, visto que o sujeito é constituído pela soma daquilo que ele possui. Para Campbell (2006)Campbell, C. (2006). Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In L. Barbosa, & C. Campbell (Orgs.), Cultura, consumo e identidade (pp. 47-64). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. , o consumo é um produtor de sentido e de identidades na sociedade contemporânea. As identidades dizem respeito ao que o indivíduo valoriza, pensa, sente e faz nas diversas esferas sociais, e, para entender os processos organizacionais, é relevante entender a identidade organizacional ( Phillips & Hardy, 2002)Phillips, N., Hardy, C. (2002). Discourse analysis: investigating processes of social construction. Thousand Oaks: Sage. , ou como sugerem Carrieri, Paula e Davel (2008), identidades coletivas nas organizações, que são construídas a partir da dialética entre identidades sociais externas e noções internas de autoidentidade ( Alvesson & Willmott, 2002)Alvesson, M., Willmott, H. (2002). Identity regulation as organizational control: producing the appropriate individual. Journal of Management Studies, 39(5), 619-644. doi:10.1111/1467-6486.00305 .

Concordando que o consumo é algo importante para as sociedades contemporâneas e elemento central para a construção da identidade ( Belk, 1988Belk, R. W. (1988). Possessions and the extend self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168. doi:10.1086/209154 ), nosso objetivo é compreender como o consumo de produtos por geeks atua na construção da identidade de indivíduos que se reconhecem como integrantes dessa tribo urbana. Em uma microescala, as tribos urbanas, ao fixar limites identitários, usar um espaço e dele tomar posse, formam territórios ( Sturmer & Costa, 2017Sturmer, A., Costa, B. (2017). Concepção libertária de território. Élisée - Revista De Geografia Da UEG, 6(1), 35-52. Recuperado de https://bit.ly/3tzNBIr
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). Para isso, nós buscamos promover um diálogo entre os estudos organizacionais, que abraça a temática Identidade Organizacional, e a Consumer Culture Theory (CCT), uma corrente consolidada do campo de pesquisa do consumo, que considera a cultura do consumidor como uma rede dinâmica de abrangência de limites materiais, econômicos, simbólicos e relacionamentos ou conexões sociais (Arnould, Press, Salmine, & Tillotson, 2019).

Arnould et al. (2019)Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ressaltam que a CCT, por ser um campo de pesquisa centrado nas complexidades da cultura do consumidor, conversa com outros campos das ciências sociais, como a antropologia e a sociologia. A aproximação entre os estudos organizacionais (EOR) e a dimensão consumo é discutida por Faria e Guedes (2005)Faria, A., Guedes, A. (2005). Movimento cultural nos estudos organizacionais: uma abordagem interdisciplinar focada no consumo e na globalização. Cadernos EBAPE.BR, 3(1), 1-16. doi:10.1590/S1679-39512005000100003 , que estimulam o questionamento sobre o afastamento desses dois campos, argumentando que grupos de consumidores merecem ser tratados como organizações e propondo que o “mercado de consumo seja abordado pela área de estudos organizacionais no Brasil . . .” (p. 8). Nessa direção, Arnould et al. (2019)Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 sinalizam para outras áreas com oportunidades para dialogar com a CCT: interações com indústria, empreendedores e outras instituições, ecossistemas e legitimidade de negócios, inovações e novos modelos de negócios, cadeia de suprimentos, entre outras.

As pesquisas sobre identidade organizacional realizadas na perspectiva pós-moderna consideram que as organizações lidam com públicos, que podem ser tribos de consumidores de diferentes aspectos, portanto, precisam compreender as diversas fontes de ligação estabelecidas com o sujeito pós-moderno, tais como o consumo, o trabalho, entre outras ( Carrieri et al., 2008Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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). A proposta desse diálogo poderá contribuir para avançar na compreensão de como os consumidores de grupos ou comunidades, ou de um tipo de organização que não existe enquanto entidade fixa e estática, constroem e comunicam suas identidades, performando uma espécie de território na concepção culturalista de Haesbaert (2007)Haesbaert, R. C. (2007). O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil. .

O artigo está assim estruturado: depois desta introdução, discute-se a perspectiva teórica da pesquisa, que é o consumo sob uma concepção cultural e simbólica, e a aproximação dos estudos de identidade organizacional e estudos de consumo; em seguida, apresentam-se os procedimentos da pesquisa e os resultados. As considerações finais encerram o artigo.

Consumo sob uma perspectiva cultural e simbólica

Os estudos sobre o comportamento do consumidor representam um campo dinâmico com abertura para diferentes abordagens, destacando-se três diferentes perspectivas: behavioral decision theory , que tem como base a economia e a psicologia cognitivista, com foco nos aspectos racionais do consumo; information processing , que estuda o processo de tomada de decisão do consumidor considerando as emoções e o processos de informação; e a consumer culture theory (CCT), que assume uma perspectiva interpretativista ( Casotti & Suarez, 2016Casotti, L. M., Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi:10.1590/S0034-759020160308 ), sendo esta última a abordagem adotada nesta pesquisa.

A virada pós-moderna na CCT, assim como em outras perspectivas, se baseia nas críticas ao modernismo e no ceticismo ao projeto moderno, argumentando que as instituições de marketing criam significados e representações, construindo as realidades em que vivemos ( Arnould et al., 2019Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ).

A CCT propõe um contexto interdisciplinar (Vera, Gosling, & Shigaki, 2019) para entender como os consumidores participam do processo de criação e significados ( Arnould & Thompson, 2005)Arnould, E. J., Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi:10.1086/426626 . Essa abordagem considera a complexidade cultural existente, explorando a distribuição heterogênea de significados e a multiplicidade de agrupamentos culturais, em vez de trabalhar a cultura como sistema homogêneo de valores unificados e significados compartilhados coletivamente. De forma mais ampla, os estudos da CCT exploram o modo como os “consumidores reformulam e transformam significados simbólicos codificados em anúncios, marcas, varejo ou bens materiais para manifestar suas circunstâncias pessoais e sociais particulares e promover sua identidade e estilos de vida” ( Arnould & Thompson, 2005, pArnould, E. J., Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi:10.1086/426626 , p. 871).

A abordagem da CCT coloca a interpretação, a reflexividade do pesquisador e a narrativa no centro da pesquisa ( Arnould et al., 2019Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ), considerando o conceito de cultura a partir da análise da distribuição heterogênea de significados e da multiplicidade de agrupamentos culturais dentro do contexto histórico, social e cultural amplo. Utilizando-se de perspectivas teóricas que buscam compreender as relações dinâmicas entre as ações do consumidor, o mercado e os significados culturais ( Casotti & Suarez, 2016Casotti, L. M., Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi:10.1590/S0034-759020160308 ; Gaião, Souza, & Leão, 2012; Vera et al., 2019)Vera, L. A. R., Gosling, M. S., Shigaki, H. B. (2019). Consumer culture theory: limitations and possibilities for marketing studies in Brazil. Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, 18(1), 15-32. doi:10.12660/rgplp.v18n1.2019.78889 , a CCT trabalha com um conjunto distinto de conhecimento teórico sobre comportamentos de consumo e mercado dentro dos estudos sobre o comportamento do consumidor ( Arnould & Thompson, 2005)Arnould, E. J., Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi:10.1086/426626 .

Ao estudarem a relação entre cultura e consumo, Arnould e Thompson (2005)Arnould, E. J., Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi:10.1086/426626 defendem que “a cultura do consumo denota um arranjo social no qual as relações entre cultura vivida e recursos sociais, e entre modos de vida significativos e os recursos simbólicos e materiais de que dependem, são mediadas pelos mercados” (p. 869). Nesse sentido, ao trabalhar a percepção do sujeito como consumidor, a CCT se constitui em uma escola de pensamento independente dentro desse campo, comportando diversas perspectivas teóricas que compartilham uma mesma orientação de pesquisa ( Gaião et al., 2012Gaião, B. F. S., Souza, I. L., Leão, A. L. M. S. (2012). Consumer culture theory (CCT) já é uma escola de pensamento em marketing? Revista de Administração de Empresas, 52(3), 330-344. doi:10.1590/S0034-75902012000300005 ).

Embora a CCT tenha assumido sua importância nos estudos internacionais e nacionais sobre o comportamento do consumidor, ela não se desenvolveu sem críticas, por exemplo, de se constituir em uma visão hegemônica de um campo polifônico e diverso; o rótulo de CCT faz alusão à existência de uma teoria da cultura de consumo, no entanto, é uma abordagem ou uma perspectiva analítica, e não uma teoria; o foco da teoria é o indivíduo; e, principalmente, pela predominância de métodos qualitativos nas pesquisas, que dificultam a generalização e “geram resultados superficiais nas descrições e categorizações da realidade social” ( Vera et al., 2019Vera, L. A. R., Gosling, M. S., Shigaki, H. B. (2019). Consumer culture theory: limitations and possibilities for marketing studies in Brazil. Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, 18(1), 15-32. doi:10.12660/rgplp.v18n1.2019.78889 , p. 24).

Arnould et al. (2019)Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 , em concordância com parte das críticas dirigidas à CCT, reconhecem que ela não pode ser considerada como um sistema unificado de proposições teóricas, e consideram que os quatro domínios que sistematizam as contribuições teóricas da CCT ( Arnould & Thompson, 2007Arnould, E. J., Thompson, C. J. (2007). Consumer culture theory (and we really mean): dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. In R. W. Belk, & J. F. Sherry Jr. (Eds.). Consumer culture theory (pp. 3-22). Amsterdam: Elsevier. ) são agora abordados como direções e tendências para futuras pesquisas no campo. Tais domínios são: (a) trabalho ao nível individual (projetos de identidade do consumidor); (b) nível grupal (influências do mercado na cultura e nos recursos culturais); (c) nível social (interseção de categorias sociais, organização social e consumo); (d) nível macro (estratégias dos consumidores para interpretar ideologias e discursos de mercado mediados em massa) ( Arnould et al., 2019)Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 .

A cultura é construída socialmente a partir de um sistema de significados, variando entre os diferentes grupos sociais, de maneira que se faz necessária a análise interpretativa social e histórica ( Burke, 1989Burke, P. (1989). Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Schwarcz. ). Compreendida por Geertz (1978)Geertz, C. (1978). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. a partir de um olhar semiótico, a cultura consiste em um contexto em que são construídos diferentes símbolos interpretáveis, visto que “o comportamento humano é visto como ação simbólica” ( Geertz, 1978Geertz, C. (1978). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 8), de maneira que os significados sofrem variações a partir do padrão de vida adotado e percebido, organizando as conexões entre interpretações e formulações teóricas. Para esse autor, a substância da cultura dentro dos estudos antropológicos são as diversas formas da sociedade, sendo importante entender os atos simbólicos presentes em grupos sociais e as estruturas conceituais que estão relacionadas a esses atos, para que seja construído um sistema de análise do comportamento do sujeito, pois, “compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade” ( Geertz, 1978Geertz, C. (1978). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 10).

O processo de consumo é um elemento que contribui para a estrutura da sociedade, o que implica uma relação de mutualidade entre cultura e consumo, já que o consumo é atividade cultural, sendo dirigido a partir de considerações culturais. O consumo pode se tornar uma “fonte de significado cultural” utilizada para a “construção de mundos individuais e coletivos” ( McCracken, 2003McCracken, G. (2003). Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Mauad. , p. 15), em um contexto pós-moderno, em que simulações e reproduções cada vez mais constituem o mundo (Baudrillard, 1981).

Douglas e Isherwood (2004)Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. tratam o consumo como forma de o sujeito dizer algo sobre si, de maneira que os bens possuem significados sociais, pois “O objetivo mais geral do consumidor só pode ser construir um universo inteligível com os bens que escolhe” (p. 110). Nesse sentido, os autores argumentam que os bens “estabelecem e mantêm relações sociais” (p. 103), sendo esses considerados partes materiais do estudo cultural, já que ganham significados a partir das interações sociais.

Ao considerar o estudo de uma sociedade composta por diferentes grupos, os significados dos bens podem sofrer alterações no decorrer do tempo e das interações sociais, porém, os rituais existentes dentro de uma sociedade auxiliam na construção de significados. Nessa perspectiva, Douglas & Isherwood (2004)Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. acreditam que os bens podem ser considerados instrumentos nesses rituais sociais, visto que “o consumo é um processo ritual cuja função primária é dar sentido ao fluxo incompleto dos acontecimentos” (p. 110).

As atitudes da pessoa em relação aos materiais evidenciam as características das dimensões culturais relacionadas ao processo consumo, havendo uma relação entre as propriedades dos mais diversos materiais e “os padrões culturais que fazem essas propriedades terem significado” ( Fisher, 2006Fisher, T. (2006). Plásticos: a cultura através das atitudes em relação a materiais artificiais. In L. Barbosa, & C. Campbell (Orgs.), Cultura, consumo e identidade (pp. 91-106). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. , p. 104). Campbell (2006)Campbell, C. (2006). Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In L. Barbosa, & C. Campbell (Orgs.), Cultura, consumo e identidade (pp. 47-64). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. traz que o consumo tem importância central na vida do indivíduo, tendo se tornado um padrão dentro das sociedades ocidentais contemporâneas, em que a individualidade é o principal critério nas escolhas de consumo ( Barbosa, 2004Barbosa, L. (2004). Sociedade de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Ele pode ser considerado uma reação de criação de significado e identidade para o sujeito em relação ao senso de insegurança, propiciando as bases para a percepção do real na sociedade, a partir do qual é possível extrair o objetivo de vida.

Com relação ao consumo simbólico, estudos como o de Quintão, Brito e Belk (2017Quintão, R. T., Brito, E. P. Z., Belk, R. W. (2017). The taste transformation ritual in the specialty coffee market. Revista de Administração de Empresas, 57(5), 483-494. doi:10.1590/S0034-759020170506 ) sobre o consumo de cafés especiais, que aborda a perspectiva do consumidor apreciador em relação aos demais, apresentam a construção de rituais de consumo e apreciação, gerando a percepção de diferenciação. Andrade, Pinto, Leite, Batinga e Joaquim (2017)Andrade, M. L., Pinto, M. R., Leite, R. S., Batinga, G. L., Joaquim, A. M. (2017). O consumo simbólico e o espírito hedônico do consumidor moderno de iogurtes. Pensamento & Realidade, 32(3), 24-43. entendem que o consumidor pode desenvolver crenças e atitudes atreladas a significados considerados verdadeiros, de maneira que o produto ultrapassa a barreira do utilitarismo e passa a possuir características simbólico-hedônicas. Ainda sobre o simbolismo e hedonismo atribuído pelo consumidor, Rodrigues e Casotti (2017)Rodrigues, T. K. A., Casotti, L. M. (2017). Significados do automóvel na música: espaço de diversão, componente identitário e hierarquia de gênero. Revista de Administração da Unimep, 15(2), 179-209. Recuperado de https://bit.ly/3s4OSGQ
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apontaram que um produto pode possuir um significado cultural, que passa a ser considerado como elemento que auxilia na construção e projeção da identidade do possuidor.

Na perspectiva pós-moderna, em que a crença modernista da ciência perde lugar para a pluralidade de narrativas, o consumo é carregado de simbolismos, o real e a aparência se confundem, os mercados consumidores produzem suas necessidades, os produtos antes desejados pela sua utilidade são agora substituídos por resíduos e poluição. As implicações dessa perspectiva são relações sociais fluidas e fragmentadas, e, portanto, as identidades dos consumidores, que buscam vários projetos de identidade, também são fragmentadas, visto que o consumo aborda uma variedade de projetos e não decorre de uma escolha racional ou utilitária, mas simbólica ( Arnould et al., 2019Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ).

A revisão da literatura sobre a CCT é relevante no contexto contemporâneo, em que microculturas ou tribos cada vez mais orientam esse comportamento ( Moraes & Abreu, 2017Moraes, T. A., Abreu, N. R. (2017). Tribos de consumo: representações sociais em uma comunidade virtual de marca. Organizações & Sociedade, 24(81), 325-342. doi:10.1590/1984-9230817
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). O estudo dos significados e práticas sociais compartilhadas por membros de um grupo ou comunidades de consumo ( Casotti & Suarez, 2016)Casotti, L. M., Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi:10.1590/S0034-759020160308 , no caso desta pesquisa, a tribo urbana geek, contribui para o entendimento do modo como o consumo atua na construção de identidades de um grupo, comunidade ou tribo, desconstruindo os preceitos de segmentação por características individuais ( Cova & Salle, 2008)Cova, B., Salle, R. (2008). The industrial/consumer marketing dichotomy revisited. Journal of Business & Industrial Marketing, 23(1), 3-11. doi:10.1108/08858620810841443
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, e desafiando a ideia de uma identidade organizacional unívoca ( Carrieri et al., 2008)Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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e integradora desenhada por uma cúpula organizacional. É nessa perspectiva que a aproximação entre a CCT e os estudos organizacionais se configuram como promissores para a compreensão da construção de identidades organizacionais em tipos de organizações que não as tradicionalmente consideradas pelos teóricos organizacionais ( Caldas & Wood Jr., 1997Caldas, M. P., & Wood Jr., T. (1997). Identidade organizacional. Revista de Administração de Empresas, 37(1), 6-17. doi:10.1590/S0034-75901997000100002 ).

Identidade organizacional: articulações teóricas entre a CCT e os estudos organizacionais

As articulações teóricas entre os estudos de consumo e os estudos organizacionais não apenas são possíveis como também necessárias ( Faria & Guedes, 2005Faria, A., Guedes, A. (2005). Movimento cultural nos estudos organizacionais: uma abordagem interdisciplinar focada no consumo e na globalização. Cadernos EBAPE.BR, 3(1), 1-16. doi:10.1590/S1679-39512005000100003 ). Knights & Morgan (1993)Knights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 ponderam que os estudos organizacionais falharam ao negligenciar o campo dos estudos de consumo. Segundo os autores, houve um interesse nos estudos de consumo por parte dos círculos da sociologia, estimulado pelos escritos de Castells, na década de 1970. Porém, por parte dos principais periódicos da área de estudos organizacionais, não houve evidências de que o consumo seria um tópico relevante para o campo, no entanto, conforme os autores, essa lacuna de interesse é um caso de miopia institucionalizada do campo, pois “nas sociedades industriais, o consumo ocorre através da mediação das organizações. As organizações são os locais nos quais as pessoas compram bens e serviços” ( Knights & Morgan, 1993, pKnights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 , p. 212).

Para além das questões que relacionam a produção e o consumo, Knights e Morgan (1993)Knights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 mostraram como o consumo é relevante para os estudos das organizações e, em particular, questões relativas à natureza do poder e da identidade nas sociedades modernas, visto que o consumo atua na constituição da identidade social.

Identidade é um conceito que atravessa campos de conhecimento, incentivando pesquisas em nível individual, grupal e organizacional, bem como análises diferenciadas e contextuais, atraindo a atenção de pesquisadores de estudos organizacionais para a natureza das identidades, para o modo como identidades estão implicadas nos processos e resultados organizacionais, e para as micropolíticas da sua construção ( Brown, 2019Brown, A. D. (2019). Editorial: identities in organization studies. Organization Studies, 40(1), 7-22. doi:10.1177/0170840618765014 ). Carrieri et al. (2008)Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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trazem três prismas pelos quais a identidade vem sendo tratada no campo dos estudos organizacionais: da multiplicidade (existência de múltiplas identidades nas organizações), da fluidez (identidades são, continuamente, construídas e reconstruídas) e da autonomia (desenvolvimento de uma identidade autônoma, independentemente de pertencer ou não à coletividade).

O prisma da fluidez da identidade emergiu no contexto pós-moderno, em que os indivíduos criam múltiplas identificações ( Carrieri et al., 2008Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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), visto que as formas, inclusive organizações, são fluidas e fragmentadas ( Bauman, 2005Bauman, Z. Z. (2005). Identidade: entrevista de Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Isso porque a construção da identidade do sujeito está relacionada à exposição a comunidades formadas por ideias e variedade de princípios; portanto, as ideias de pertencimento e identidade são mutáveis e renováveis durante a vida do indivíduo, sendo modificadas de acordo com as escolhas de vida do sujeito e os caminhos que ele percorre (Bauman).

A perspectiva pós-moderna sobre identidade organizacional é centrada na ideia de fluxo e mudança do uso da linguagem, visto que as identidades organizacionais são simulacros discursivos, um produto maleável de significados flutuantes, não sendo gerenciável ( Hatch & Cunliffe, 2013Hatch, M. J., Cunliffe, A. L. (2013). Organization theory: modern, symbolic, and postmodern perspectives (3a ed.). Oxford: Oxford University Press. ). Ainda nessa perspectiva, a noção de identidade é definida como “reflexões transitórias e fragmentadas a respeito de ‘quem nós assumimos ser para nós mesmos?’” ( Borges & Medeiros, 2011, pBorges, J. F., Medeiros, C. R. (2011). “Aprecie com moderação”: a identidade da organização como drama e atos de performance. Revista de Administração de Empresas, 51(2), 132-142. doi:10.1590/S0034-75902011000200002 , p. 135). Os estudos nessa perspectiva defendem que os significados são indeterminados, as identidades são acidentais na sua formação no tempo e espaço, as identidades organizacionais são paradoxais, plurais e múltiplas, e são construídas e reconstruídas continuamente ( Brown, 2006Brown, A. D. (2006). A narrative approach to collective identities. Journal of Management Studies, 43(4), 731-753. doi:10.1111/j.1467-6486.2006.00609.x ; Czarniawska, 2000Czarniawska, B. (2000) Identity lost or identity found? Celebration and lamentation over the postmodern view of identity in social science fiction. In M. Schultz, M. J. Hatch, & M. H. Larsen (Eds.), The expressive organization: linking identity, reputation and the corporate brand (pp. 271-284). Oxford: Oxford University Press. ; Fontenelle, 2007Fontenelle, I. A. (2007). Construção e desconstrução de fronteiras e identidades organizacionais: história e desafios do McDonald’s. RAE-revista de administração de empresas, 47(1), 60-70. doi:10.1590/S0034-75902007000100006 ; Ybema, 2010)Ybema, S. (2010). Talk of change: temporal contrasts and collective identities. Organization Studies, 31(4), 481-503. doi:10.1177/0170840610372205 .

Carrieri et al. (2008)Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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sugerem que não existe uma identidade organizacional, mas, sim, são identidades coletivas nas organizações. Isso porque os autores entendem o “conceito de identidade como um conceito relacional e comparativo, sujeito a um processo dinâmico de construção”, sendo a identidade organizacional construída “pela interação dos indivíduos que dialeticamente interpretam, reconhecem e legitimam os agentes com os quais estabelecem suas trocas de acordo com sua subjetividade” (p. 137).

A identidade do sujeito não é formada no momento de seu nascimento, mas sim, por meio de processos inconscientes no decorrer do tempo ( Hall, 2011Hall, S. (2011). A identidade cultural na pós-modernidade (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ), permanecendo incompleta, já que está sempre em processo de construção e formação. Em Teoria Social, o termo comunidade diz respeito a uma formação social marcada por densa rede de interações sociais, por território compartilhado ou, no mínimo, pela identidade ( Arvidsson, 2013Arvidsson, A. (2013). The potential of consumer publics. Ephemera. theory & politics in organization, 13(2), 367-391. Recuperado de https://bit.ly/3m879zc
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). Nessa direção, Stets e Burke (2000)Stets, J. E., Burke, P. J. (2000). Identity theory and social identity theory. Social Psychology Quarterly, 63(3), 224-237. doi:10.2307/2695870 argumentam que a identidade do indivíduo pode ser afetada pela identidade social, de maneira que os sujeitos que se entendem como membros de uma mesma categoria social ou possuem uma identificação compõem um grupo social. O pertencimento a um grupo pode fazer com que o sujeito se sinta confiante e autêntico ao passo que considera que sua identidade foi verificada.

Bauman (2005)Bauman, Z. Z. (2005). Identidade: entrevista de Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. considera que, devido ao fato de vivermos em um mundo policultural, a identidade do sujeito é construída a partir da exposição às chamadas comunidades em que ele possui convívio social, que são formadas com base em ideias e princípios. Porém, o autor ressalta que ao considerar as comunidades, a identidade do sujeito é formada após o real sentimento de pertencimento dele dentro desse contexto social, considerando que “. . . o pertencimento e a identidade não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis . . .” (p. 17).

Compreender o consumo por lentes alternativas à abordagem individualista é assumir que as práticas de consumo não resultam das decisões do consumidor isoladamente, mas sim, de um sistema em que sujeitos e contexto estão em interações. Práticas consistem em elementos interconectados, ou seja, a prática não se reduz a nenhum desses elementos isoladamente. Práticas de consumo se referem a ações rotineiras, que são “orquestradas por ferramentas, know-how, imagens, espaço físico e um sujeito que realiza a prática” ( Korkman, 2006Korkman, O. (2006). Customer value formation in practice – a practice-theoretical approach (Tese de doutorado). Hanken School of Economics, Helsinki. , p. 27). A abordagem da prática coloca seu foco no processo, isto é, no modo como as coisas são feitas, como se constituem, nos recursos utilizados e como esse fazer se desenvolveu ao longo do tempo ( Rindell, Korkman, & Gummerus, 2011Rindell, A., Korkman, O., Gummerus, J. (2011). The role of brand images in consumer practices: uncovering embedded brand strength. Journal of Product & Brand Management, 20(6), 440-446. doi:10.1108/10610421111166586
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), enfatizando a experiência e identidades ( Hargreaves, 2011)Hargreaves, T. (2011). Practice-ing behaviour change: applying social practice theory to proenvironmental behaviour change. Journal of Consumer Culture, 11(1), 79-99. doi:10.1177/1469540510390500 .

No contexto pós-moderno, a forma tradicional de consumo racional deu lugar a uma forma mais diversificada e pluralística de padrões de consumo, em que os indivíduos buscam, de certa forma, se distinguirem dos outros, o que resulta “em uma multiplicidade de identidades e exibições de diferenças em virtude do conjunto altamente diferenciado de produtos de consumo” ( Knights & Morgan, 1993Knights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 , p. 226). Essa multiplicidade de valores de uso potencializa a combinação de várias identificações para criar um senso de identidade para os consumidores.

A identidade do sujeito influencia o estilo de vida, já que este está relacionado a um conjunto de gostos e preferências que o sujeito expressa de forma simbólica, por meio de vestimentas e linguagem corporal nos diversos meios em que está presente ( Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). Gostos de classe e estilos de vida. In R. Ortiz. (Org.), A sociologia de Pierre Bourdieu (pp. 82-121). São Paulo, SP: Ática. ). O fanatismo por algo pode atuar no estilo de vida e escolhas de consumo do sujeito, nesse sentido, e acordo com Seregina e Schouten (2017)Seregina, A., Schouten, J. W. (2017). Resolving identity ambiguity through transcending fandom. Consumption Markets & Culture, 20(2), 107-130. doi:10.1080/10253866.2016.1189417
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, os sujeitos recorrem ao grupo de fãs de determinado produto cultural, os chamados fandoms , para obter status e pertencimento. Ainda de acordo com os autores, ao fazerem parte do fandom , os indivíduos se tornam capazes de aprender a habilidade de identificar e acumular capital cultural relevante, transcendendo o grupo e acumulando formas gerais de capital cultural.

Sobre essa relação entre estilo de vida, fanatismo e identidade, os jovens, movidos pela paixão por ídolos, podem utilizar imagens fílmicas para aprender novos modos de agir e se vestir, reproduzindo o que é exibido nas obras culturais. Dessa forma, o cinema pode ser considerado por grupos de jovens como meio de extração e sinalização de suas identidades ( Kozlakowski, 2003Kozlakowski, A. (2003). Metáfora e cinema na construção da identidade das tribos urbanas. Remark, 2(1), 41-56. doi:10.5585/remark.v2i1.65 ).

Ao estudarem o consumo de sujeitos pertencentes à tribo dos potterheads , que são os fãs de Harry Potter, Souza-Leão e Costa (2018)Souza-Leão, A. L. M., Costa, F. Z. N. (2018). Agenciados pelo desejo: o consumo produtivo dos potterheads. Revista de Administração de Empresas, 58(1), 74-86. doi:10.1590/S0034-759020180107 apontam que eles mantêm o vínculo com a saga de livros e filmes a partir das escolhas de produtos e serviços, bem como a produção de conteúdo sobre esse universo fantástico. Segundo os autores, a proximidade com a franquia auxilia na transição para a vida adulta, gerando segurança para os sujeitos, além de garantir “a manutenção de uma identidade constituída por meio de seu consumo ao longo dos anos” (p. 83), reafirmando que o consumo atua na construção da identidade.

Grupos como os dos potterheads podem ser entendidos como tribos urbanas. Maffesoli (2005)Maffesoli, M. (2005). A transfiguração do político: a tribalização do mundo. Porto Alegre, RS: Sulina. considera que as tribos urbanas e contemporâneas são formadas por redes de pessoas que compartilham interesses e objetivos em comum, criando uma sociedade específica “impossível de ser compreendida com nossos clássicos e demasiadamente racionais instrumentos de análise” (p. 190). Ainda segundo o autor, os sujeitos pertencentes a determinada tribo compartilham valores, tendo como base uma espécie de espírito religioso. Hunt (2016)Hunt, R. (2016). Public missiology and anxious tribalism. Missiology: an International Review, 44(2), 129-141. doi:10.1177/0091829616636412 explica que o surgimento de tribos urbanas contemporâneas decorre de três aspectos, principalmente: (a) a quebra de identidades estáveis; (b) a consciência de identidade e afiliação são escolhidas, e não dadas ou impostas; e (c) o desenvolvimento de narrativas como base da identidade. Segundo esse autor, quando uma narrativa específica não se sustenta em uma sociedade, as pessoas buscam alternativas, se afiliando a grupos que fizeram a mesma escolha.

Os membros pertencentes a uma tribo seguem um determinado padrão estético e consomem produtos similares para que possam se diferenciar dos demais sujeitos que não fazem parte desse grupo social. Já quando estão entre semelhantes, os sujeitos usam roupas parecidas para se incluírem no grupo e contribuir com o padrão comportamental dos demais integrantes ( Casotti et al., 2013Casotti, L., Farina, M., Lino, B., Americano, G. (2013). Estética e consumo: estudando duas tribos urbanas cariocas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 7(1), 122-141. doi: 10.12712/rpca.v7i1.172 ). Nesse sentido, o consumo de determinados produtos está relacionado com os valores de ligação das tribos.

A identificação com o estilo visual e com os produtos culturais consumidos em determinada tribo são fatores que atuam na escolha de fazer parte do grupo. Por possuírem características específicas em relação às escolhas visuais e de consumo cultural, os sujeitos encontram nas interações do grupo em ambiente virtual um local de fuga das violências físicas e simbólicas, sofridas em outros meios, devido ao estigma construído, de forma que a convivência em grupo pode servir como forma de proteção ( Serrão & Santana, 2013Serrão, B. O., Santana, J. P. (2013). Experiências vivenciadas por adolescentes em tribos urbanas: com a palavra os emos. Revista Interações, 9(26), 69-91. doi:10.25755/int.3358 ).

No entanto, considerando o contexto do crescimento do desejo de afiliações, em que surge uma gama de possibilidades de afiliações, e das tribos urbanas eletrônicas, as “ e-tribes ” ( Kozinets, 1999Kozinets, R. V. (1999). E-tribalized marketing? the strategic implications of virtual communities of consumption. European Management Journal, 17(3), 252-264. doi:10.1016/S0263-2373(99)00004-3 ), as tribos urbanas pós-modernas parecem ser fluidas e efêmeras, e seus membros podem se mover entre outras tribos. Nesse contexto, as comunidades de consumo não precisam ser definidas por um interesse comum específico, mas sim, pelas emoções e paixões compartilhadas, o que é também provido pelo consumo ( Alon & Brunel, 2007Alon, A. T., Brunel, F. F. (2007). Dynamics of community engagement: the role of interpersonal communicative genres in online community evolutions. In R. W. Belk, & J. F. Sherry Jr. (Eds.), Consumer culture theory (pp. 371-400). Amsterdam: Elsevier. ).

As tribos urbanas são constituídas de pessoas que se isolam da vida social dominante, formando redes pessoais com interesses específicos, cujos laços fortes oferecem abrigo emocional para seus membros ( Watters, 2003Watters, E. (2003). Urban tribes: a generation redefines friendship, family, and commitment. Londres: Bloomsbury. ), sobressaindo-se uma cultura consumidora ( Murty, 2012Murty, K. R. (2012). Bowling alone: urban tribes in concrete jungles. Social Change, 42(2), 157-164. doi:10.1177/004908571204200201 ), sem uma delimitação de espaço físico. Com um contexto socioafetivo alternativo, “as tribos [urbanas] são comunidades empáticas, organizadas em torno do compartilhamento de gostos e formas de lazer” (Oliveira, Camilo, & Assunção, 2003, p. 63). Os valores em torno de determinado assunto auxiliam no compartilhamento de emoções, o indivíduo se sente mais importante socialmente ao fazer parte da tribo em que há um compartilhamento de opiniões em comum, além da cumplicidade em relação às emoções e rituais de consumo em torno de determinado produto ( Moraes & Abreu, 2017)Moraes, T. A., Abreu, N. R. (2017). Tribos de consumo: representações sociais em uma comunidade virtual de marca. Organizações & Sociedade, 24(81), 325-342. doi:10.1590/1984-9230817
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.

Numa perspectiva que aborda as tribos urbanas como organizações, torna-se importante considerar a noção culturalista de território simbólico, criado como forma de estimular identificações e desenvolver laços afetivos. Se nas sociedades tribais primitivas, o território enquanto espaço físico importava ( Maffesoli, 2006Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. ), a relação espaço-tempo das tribos urbanas ocorre de um modo específico ( Oliveira et al., 2003Oliveira, M. C. S. L., Camilo, A. A., Assunção, C. V. (2003). Tribos urbanas como contexto de desenvolvimento de adolescentes: relação com pares e negociação de diferenças. Temas em Psicologia, 11(1), 61-75. Recuperado de https://bit.ly/3yqPh7H
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), e, igualmente, ocorrem as dimensões simbólicas do território e suas interfaces com os processos identitários. Assim, para compreender a construção das identidades coletivas de uma tribo urbana, em que o consumo cultural é um elemento central, torna-se relevante considerar um diálogo entre os campos de conhecimento sobre organizações e consumo.

Procedimentos metodológicos

Nesta pesquisa, adotamos a abordagem qualitativa, sendo o material empírico composto por entrevistas, por se tratar de uma técnica que permite a construção colaborativa de significados, a partir de conversas culturais disponíveis para o exame crítico ( Moisander, Valtonen, & Hirsto, 200Moisander, J., Valtonen, A., Hirsto, H. (2009). Personal interviews in cultural consumer research – post-structuralist challenges. Consumption Markets & Culture, 12(4), 329-348. doi:10.1080/10253860903204519
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9). Foram realizadas dezesseis entrevistas com consumidores(as) brasileiros(as) que se identificam como geeks, que foram suficientes para gerar informações de modo a oferecer uma compreensão mais detalhada sobre o fenômeno aqui estudado em um contexto específico, sem o propósito de obter generalizações ( Casotti & Suarez, 2016)Casotti, L. M., Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi:10.1590/S0034-759020160308 .

Inicialmente, a construção do corpus foi feita por meio da busca nas redes sociais Facebook e WhatsApp, considerando o engajamento virtual dos(as) potenciais entrevistados(as), observando-se postagens nos grupos, e comentários em postagens, além daquelas encontradas no perfil pessoal de um dos pesquisadores, no Facebook. Foram utilizados os grupos do Facebook: “Eu vou! Comic Con Experience – Brasil” (26.512 participantes) e “Multiverso Geek” (18.307 participantes); e o grupo do WhatsApp “Vida Nerd UFU” (74 participantes). Após isso, adotou-se o método “bola de neve”, de forma que os(as) primeiros(as) entrevistados(as) indicaram pessoas com o perfil da pesquisa. Como critérios para participação, estabelecemos a idade de 18 anos, pessoas que se consideram geeks e consomem produtos relacionados a essa tribo urbana.

Para as entrevistas semiestruturadas utilizamos um tópico-guia, que é “parte vital do processo de pesquisa, dando o apoio necessário para delinear os fins e objetivos da pesquisa” ( Gaskell, 2002Gaskell, G. (2002). Entrevistas individuais e de grupos. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (pp. 64-89). Petrópolis, RJ: Vozes. , p. 66), que foi desenvolvido com base no objetivo do estudo e na revisão da literatura. As entrevistas foram realizadas nos meses de outubro e novembro de 2018, tendo sido gravadas digitalmente, com duração média de 35 minutos. A gravação foi feita mediante a autorização dos(as) respondentes, tendo as entrevistas sido posteriormente transcritas, gerando um relatório com 12.293 palavras, que possibilitou a análise e interpretação do corpus .

A análise temática, que permite examinar os modos pelos quais eventos, realidades, significados e experiências são os efeitos dos discursos que operam na sociedade ( Braun & Clarke, 2006Braun, V., Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa ), foi utilizada para examinar as perspectivas de diferentes participantes da pesquisa, tendo sido possível destacar semelhanças e diferenças, o que levou a insights imprevistos ( Braun & Clarke, 2006)Braun, V., Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa . A aplicação da análise temática permitiu resumir os principais recursos do corpus, o que auxiliou na produção de um relatório final claro e organizado ( King, 2004)King, N. (2004). Using templates in the thematic analysis of text. In C. Cassell, & G. Symon, Essential guide to qualitative methods in organizational research (pp. 256-270). Thousand Oaks: Sage. .

A análise temática seguiu as seis orientações de Braun e Clarke (2006)Braun, V., Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa: inicialmente, (a) buscou-se a familiarização dos pesquisadores com os dados, lendo e relendo as transcrições e destacando ideias iniciais que pudessem responder à questão de pesquisa, por exemplo, aquelas relacionadas com a constituição da identidade; em seguida, (b) os códigos iniciais foram gerados pela codificação das características interessantes dos dados, o que resultou em doze códigos; e, assim, (c) buscaram-se temas, isto é, agruparam-se os códigos em três temas: “o geek”, “consumo geek”, e “ser geek”; (d) os temas foram revisados, em um intenso ir e vir ao material empírico, à revisão da literatura e ao objetivo da pesquisa; e (e) os temas foram nomeados a partir de uma análise, cujo objetivo foi refinar as especificidades de cada tema, de modo a gerar definições das temáticas encontradas. Por fim, realizou-se a elaboração do relatório da análise como exposto a seguir.

Geeks: um território simbólico de identidades coletivas

Nesta seção, trazemos a ideia de que os geeks formam um território simbólico, não para desconsiderar as dimensões conceituais de território, mas sim, como uma metáfora que permite compreender a noção de território de identidades coletivas, um território não marcado por fronteiras físicas, mas que diz respeito à construção identitária. No caso de tribos urbanas, essa ideia é promissora, visto que formam territórios diferenciados, que são delimitados pela presença corporal dos membros da tribo ou por representações simbólicas ( Mesquita & Maia, 2007Mesquita, M. E. A., Maia, C. E. S. (2007). Territórios e territorialidades urbanas em Goiânia: as tribos dos moto clubes. Boletim Goiano de Geografia, 27(3), 125-142. doi:10.5216/bgg.v27i3.3976 ), podendo ser virtuais ou físicos.

Iniciamos por apresentar os resultados da pesquisa, cujo corpus consiste em entrevistas realizadas com dezesseis indivíduos que se consideram geeks. Dentre esses, a maior parte é composta por pessoas que se consideram pertencentes ao gênero masculino, sendo quatro mulheres e doze homens, embora tenha sido feito um esforço, por parte dos pesquisadores, para entrevistar mulheres geeks. No entanto, as tentativas realizadas para isso não foram bem-sucedidas. Os nomes dos(as) entrevistados(as) foram mantidos em anonimato, utilizando-se nomes de personagens heróis ou heroínas para sua identificação no artigo.

Em relação à escolaridade dos(as) entrevistados (as), dez concluíram o ensino superior e seis estão cursando o ensino superior. Apenas o entrevistado Thor alegou não trabalhar, à época da entrevista. A maioria (dez) dos(as) entrevistados(as) são solteiros, dois estavam em um relacionamento e quatro são casados. Nenhum(a) dos(as) entrevistados(a) têm filhos. Com relação à renda média individual da família, a maior parte (dez) possui renda acima de quatro salários-mínimos. O grupo de entrevistados é composto por pessoas de faixa etária, em média, de 25 anos, sendo a menor idade 19 e a maior 37 anos ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Perfil dos(as) entrevistados(as)

Na análise temática, que considerou três elementos: objetos (produtos consumidos pelos geeks); representações (ser geek); e valores (gostos, emoções), compactuamos com a perspectiva pós-moderna sobre identidades, em um processo que resultou em três temáticas que respondem à questão: “Quem nós assumimos ser para nós mesmos?”.

Reconhecendo-se como geek

Existe uma diversidade de caracterização em relação ao que é considerado como um sujeito que possui características geeks, dentre elas, estão o interesse por universos de fantasia e ficção científica, mais especificamente, super-heróis e heroínas, e por aparatos tecnológicos ( Fernandes & Rios, 2011Fernandes, L. F., Rios, R. (2011). Enciclonérdia: almanaque de cultura nerd. São Paulo, SP: Panda Books. ; Sugarbaker, 1998Sugarbaker, M. (1998). What is a geek? Gazebo. Recuperado de https://bit.ly/3DWpncR
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; Santos, 2014Santos, P. M. (2014). O nerd virou cool: consumo, estilo de vida e identidade em uma cultura juvenil em ascensão (Tese de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ. ; Galvão, 2009Galvão, D. P. (2009). Os nerds ganham poder e invadem a TV. Revista Científica Intr@ciência, 1(1), 34-41. Recuperado de https://bit.ly/3IOacpY
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; Oliveira, 2016Oliveira, E. F. (2016, setembro). Smart is the new sexy: a ressignificação do nerd na sitcom The Big Bang Theory. Trabalho apresentado no 39o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, São Paulo, SP. ; Simon, Bahl, & Dropa, 2016Simon, P., Bahl, M., Dropa, M. M. (2016). Estudo de caso animeventos: a demanda do Anime Friends. Rosa dos Ventos, 8(2), 239-253. doi:10.18226/21789061.v8i2p239 ). Não foram observadas regras rígidas quanto às características que levam os participantes a se reconhecerem como geeks, ou melhor, não percebemos uma identidade organizacional integradora ( Carrieri et al., 2008)Carrieri, A. P., Paula, A. P. P., Davel, E. (2008). Identidade nas organizações: múltipla? fluida? autônoma? Organizações & Sociedade, 15(45), 127-144. Recuperado de https://bit.ly/3ILqlMZ
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que possa ser, de alguma forma, gerenciável.

Para os participantes da pesquisa, o termo está relacionado a um estilo de vida que é baseado em seus gostos pessoais, que, por sua vez, se caracteriza pela imaginação e pela paixão. Os participantes reconhecem ter uma relação emocional e a paixão por elementos culturais de universos de fantasia e ficção científica, uma mistura característica do contexto pós-moderno ( Knights & Morgan, 1993Knights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 ) e a diferenciação em relação aos outros consumidores desse tipo de mídia, visto que os pertencentes à tribo consideram gostar mais de determinados produtos culturais do que as demais pessoas. Os entrevistados se reconhecem na descrição do geek como um sujeito que possui um engajamento por determinado tópico, uma concentração em objetos, e não conformidade, ressaltando elementos da cultura, como personagens de livros e filmes, e tecnologia ( Sugarbaker, 1998)Sugarbaker, M. (1998). What is a geek? Gazebo. Recuperado de https://bit.ly/3DWpncR
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,

Geek representa a junção de tudo aquilo que você gosta na cultura pop… heróis, livros, filmes, música, personagens. Elementos que caracterizam podem ser coleções, cosplays, comic-cons e encontros de fãs . (Pantera Negra, 2018)

Acredito que ser geek é gostar muito do que está presente na cultura pop e de tecnologia. É gostar de filmes, quadrinhos, séries, inclusive, maratonar séries, jogos online e de tabuleiro. Acredito que ser geek é gostar mais dessas coisas do que as outras pessoas e se sentir parte desse grupo te auxilia a conseguir achar mais facilmente pessoas que também gostam dessas coisas para poder conversar, jogar junto etc . (Capitã Marvel, 2018)

O período da infância foi citado como o momento em que o interesse por universos fantásticos e o consumo de produtos referentes a estes começaram a aflorar, de forma que os participantes seguiram consumindo artigos relacionados aos personagens que gostam até o momento da entrevista. O reconhecimento de identidade a partir do pertencimento ao grupo geek acontece com o passar dos anos da vida do indivíduo ( Hall, 2011Hall, S. (2011). A identidade cultural na pós-modernidade (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ). Esse consumo e busca por mais produtos dentro desse universo fazem com que o geek se considere como parte de uma comunidade, que atuará na formação da sua identidade ( Bauman, 2005Bauman, Z. Z. (2005). Identidade: entrevista de Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Souza-Leão e Costa (2018)Souza-Leão, A. L. M., Costa, F. Z. N. (2018). Agenciados pelo desejo: o consumo produtivo dos potterheads. Revista de Administração de Empresas, 58(1), 74-86. doi:10.1590/S0034-759020180107 concluíram em seu estudo sobre a tribo dos potterheads que o consumo de produtos da cultura pop por fãs auxilia na transição do sujeito para a vida adulta, garantindo a manutenção da identidade e gerando segurança para si, o que também está expresso no depoimento de Hulk:

Minha mãe fala que eu sou geek desde quando estava na barriga dela. Sempre fui muito apaixonado por tudo, produtos geeks de maneira geral passei a usar mais depois que eu comecei a ter um salário com bolsa de universidades. Antes eu não tinha muita condição de ter produtos colecionáveis, quando tinha, era tipo adesivos, essas coisas você acha que compra na feira. De maneira geral, sempre fui apaixonado, ficava nas locadoras vendo as capas dos filmes, alugando filmes de maneira geral. Essa era a minha forma de expressar o lado geek . (Hulk, 2018)

Apesar de os entrevistados acreditarem que os indivíduos que se consideram geeks não seguem as tendências da moda, em relação a um padrão estético a ser seguido, a utilização de elementos que façam referências a universos de ficção científica e fantasia criados na vestimenta do sujeito, principalmente na utilização de camisetas estampadas, foi o ponto em comum entre os entrevistados, podendo ser encontrado um padrão de vestimenta e um estilo a ser seguido. Esse aspecto reforça a ideia de pertencimento a uma tribo urbana, possuindo assim um padrão estético em comum que diferencia os geeks dos demais sujeitos dentro de uma sociedade ( Casotti et al., 2013Casotti, L., Farina, M., Lino, B., Americano, G. (2013). Estética e consumo: estudando duas tribos urbanas cariocas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 7(1), 122-141. doi: 10.12712/rpca.v7i1.172 ), tendo características específicas em relação a seu estilo visual ( Serrão & Santana, 2013Serrão, B. O., Santana, J. P. (2013). Experiências vivenciadas por adolescentes em tribos urbanas: com a palavra os emos. Revista Interações, 9(26), 69-91. doi:10.25755/int.3358 ).

Os participantes consideram que pertencer à tribo geek possui benefícios, que giram em torno do reconhecimento social como um indivíduo inteligente, e fazer parte de uma tribo de consumo que utiliza produtos que estimulem formas de lazer benéficas ao ser humano, gerando conhecimento e boas relações com os demais. Os benefícios citados pelos entrevistados se relacionam com os valores propagados pelos pertencentes à tribo geek, que fazem parte do conjunto de elementos que caracterizam esses sujeitos ( Maffesoli, 2006Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. ).

O geek é caracterizado como um sujeito inteligente, porém infantilizado, característica que é atribuída principalmente pela família, o que acontece devido a seus interesses culturais por elementos da cultura relacionados a universos de fantasia e ficção científica, como filmes, quadrinhos, séries, livros e games, que trazem consigo desde a fase infantil, como o gosto por revistas em quadrinhos, games e desenhos animados.

Significados, contradições e paradoxos

Os participantes da pesquisa utilizam os produtos geeks, no entanto, as respostas remetem a diferentes significações. Por exemplo, encontramos aqueles que utilizam tais produtos, em qualquer lugar, sem problema algum; mas também encontramos aqueles que têm receio de utilizar os produtos geeks em determinados ambientes e sofrerem algum tipo de preconceito vindo, principalmente, de indivíduos que vivem em cidades do interior. Sobre os primeiros, os respondentes consideram que a utilização gera orgulho por demonstrarem seus gostos em público, o que fortalece a ideia de criação de significado social ( Douglas & Isherwood, 2004Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. ), visto que o consumidor cria significados para os produtos que utiliza, de forma que o sujeito busca dizer algo a partir dos bens que utiliza em sociedade, podendo ser considerados instrumentos em rituais sociais.

De outro lado, estão aqueles que acreditam que os produtos devem ser utilizados em locais que sejam socialmente aceitos, evitando problemas com os demais indivíduos, o que leva os membros a se isolarem da vida social dominante ( Watters, 2003Watters, E. (2003). Urban tribes: a generation redefines friendship, family, and commitment. Londres: Bloomsbury. ). Serrão e Santana (2013)Serrão, B. O., Santana, J. P. (2013). Experiências vivenciadas por adolescentes em tribos urbanas: com a palavra os emos. Revista Interações, 9(26), 69-91. doi:10.25755/int.3358 apresentam o ambiente virtual como um local de fuga de momentos de violência física e simbólica, visto que, nas interações em redes sociais, é possível que sujeitos pertencentes a uma mesma tribo se reúnam em grupos específicos e fechados para a discussão de temas comuns e compartilhamentos de gostos e valores, havendo uma forma de proteção nesse ambiente. O depoimento de Viúva Negra ilustra essa fuga: “ Não uso, nem todo mundo curte, falam que queremos ‘aparecer’. E também [não uso] por risco de hostilidade ” (Viúva Negra, 2018). A formação de redes pessoais, como as tribos urbanas, faz emergir laços fortes entre seus membros, oferecendo abrigo emocional ( Watters, 2003Watters, E. (2003). Urban tribes: a generation redefines friendship, family, and commitment. Londres: Bloomsbury. ).

No contexto pós-moderno, se torna cada vez mais natural ter amigos em diferentes localizações geográficas. Os entrevistados expressaram possuir amigos pertencentes à tribo geek nos mais diversos locais, não se limitando à cidade e estado em que vivem. Eventos com temáticas relacionadas à tribo geek são importantes para o encontro entre sujeitos, já que é um local de reunião de amigos que vivem distantes geograficamente, mas que convivem virtualmente. Os eventos citados pelos entrevistados são relacionados a elementos culturais de universos fantásticos, como a franquia Pokémon, que gerou produtos como games, animes e mangás, e assumem relevância como fonte de referência social. São encontros que ocorrem por contingências múltiplas, não havendo regras e procedimentos que ordenam e organizam um espaço fixo, mas sim, a apropriação de um terreno simbólico.

Outro fator importante na formação da identidade do geek é a relação com outros sujeitos pertencentes ao grupo. A sensação de pertencimento à tribo proporciona o compartilhamento de ideias e a possibilidade de o sujeito se expressar naturalmente, sem a cobrança exterior do que é socialmente aceitável e percebido como normal pelos sujeitos que não são geeks, havendo um compartilhamento de valores e construção de rituais de consumo que impactam na manutenção da identidade.

A tribo geek possui problemas, como, por exemplo, o preconceito entre os pertencentes a esse grupo. Os entrevistados trouxeram à tona o machismo existente, problema geralmente presente em ambientes em que estereótipos de gênero são disseminados:

Benefícios… eu como mulher, não vejo muitos benefícios de ser considerada geek, quase nenhum. Qualquer homem que te vê como geek vai fazer 1001 perguntas para saber se você é mesmo. Nós mulheres somos meio que desacreditadas nesse meio e isso gera várias frustações, sabe, a gente sempre tem que ficar se provando, é cansativo. Essa é a parte negativa. A gente ser desacreditada nesse meio e não ter tanta representatividade, é um meio ainda muito machista . (Gamora, 2018)

Uma das contradições encontradas nos depoimentos se refere aos estereótipos socialmente atribuídos aos pertencentes da tribo. Mesmo sendo considerados como indivíduos com inteligência acima da média, há um estigma presente na sociedade em relação ao geek. Os entrevistados relataram que já sofreram algum tipo de preconceito, principalmente em ambiente familiar, e muitos acreditam que os produtos geeks são produzidos apenas para o consumidor durante a infância. Apesar disso, os indivíduos alegaram que essas situações não geraram uma mudança na atitude ou consumo desse tipo de produto, ao longo de sua transição para a vida adulta.

Apesar dos problemas relatados, os participantes expressaram ter orgulho de pertencer à tribo, já que isso proporciona o desenvolvimento de amizades e compartilhamento de ideias e gostos em comum. Além disso, o grupo representa uma forma de estar em um local em que o indivíduo pode se expressar sem ser considerado fora do padrão dentro de uma perspectiva do que é socialmente aceitável e considerado normal. Essa relação auxilia no sentimento de pertencimento do sujeito, que compartilha interesses e opiniões em comum, além da criação de rituais de consumo, fazendo com ele se considere importante dentro do meio social em que vive ( Maffesoli, 2006Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. ; Moraes & Abreu, 2017Moraes, T. A., Abreu, N. R. (2017). Tribos de consumo: representações sociais em uma comunidade virtual de marca. Organizações & Sociedade, 24(81), 325-342. doi:10.1590/1984-9230817
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).

A análise das entrevistas aponta que as identidades dos geeks são construídas e reconstruídas ao longo de suas experiências de vida, e as práticas de consumo, como a preferência por objetos reconhecidos como geeks e o interesse em ser reconhecido como tal, atuam nas relações de compra e consumo dos entrevistados. Os entrevistados sentem orgulho de serem geeks e, ainda que sintam os reflexos dos estereótipos a eles socialmente atribuídos, preferem estar conformados a um padrão social.

O que os geeks consomem

Os participantes manifestaram que estabelecem relações afetivas com outros sujeitos da tribo, inclusive, existem trocas entre eles, o que parece influenciar na aquisição e consumo de produtos geeks. Alguns respondentes acreditam que estar próximo de pessoas com interesses em comum faz com que o indivíduo conheça mais produtos e tenha maior proximidade com eles, fazendo com que o desejo de consumo seja desenvolvido. Outros já acreditam que o desejo de consumir se desenvolve a partir do amor pelos personagens e a vontade de possuir um estilo próprio, de acordo com seus gostos.

Em relação ao primeiro grupo, é possível observar que o pertencimento a uma tribo faz com que ele se espelhe em outros membros, de maneira que a identidade do indivíduo é construída e reforçada a partir do contato com a forma de agir, pensar e consumir de outros geeks considerados importantes pelo sujeito, numa clara alusão à relação entre comunidades, pertencimento e identidade, apresentada por Bauman (2005)Bauman, Z. Z. (2005). Identidade: entrevista de Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. .

Já sobre o segundo grupo, o consumo é dado principalmente pelo fanatismo em relação a determinado produto cultural específico, de forma que o sujeito busca por produtos que satisfaçam sua relação com a obra pela qual possui interesse, apresentando a necessidade de externalizar seus gostos, mesmo que seja em um ambiente privado. Esse consumo pode representar um reforço da identidade construída, visto que, ao comprar o item, mesmo que não apresente a outros sujeitos, o geek reforça a importância daquela obra em sua vida, bem como os valores por ela apresentados ( Moraes & Abreu 2017Moraes, T. A., Abreu, N. R. (2017). Tribos de consumo: representações sociais em uma comunidade virtual de marca. Organizações & Sociedade, 24(81), 325-342. doi:10.1590/1984-9230817
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).

A relação de amor por personagens tem uma relação positiva com o consumo, já que os indivíduos dessa tribo com um contexto socioafetivo alternativo ( Oliveira et al., 2003Oliveira, M. C. S. L., Camilo, A. A., Assunção, C. V. (2003). Tribos urbanas como contexto de desenvolvimento de adolescentes: relação com pares e negociação de diferenças. Temas em Psicologia, 11(1), 61-75. Recuperado de https://bit.ly/3yqPh7H
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) querem externalizar a importância desses para os demais indivíduos. Além disso, é importante comprar produtos de personagens que gostam como uma forma de sentir que o personagem faz parte da sua vida. O consumo é um importante elemento na construção da identidade do sujeito ( Knights & Morgan, 1993Knights, D., Morgan, G. (1993). Organization theory and consumption in a post-modern era. Organization Studies, 14(2), 211-234. doi:10.1177/017084069301400203 ), já que são atribuídos significados aos produtos consumidos a partir das interações sociais ( Douglas & Isherwood, 2004)Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. e pelas emoções e paixões ( Alon & Brunel, 2007)Alon, A. T., Brunel, F. F. (2007). Dynamics of community engagement: the role of interpersonal communicative genres in online community evolutions. In R. W. Belk, & J. F. Sherry Jr. (Eds.), Consumer culture theory (pp. 371-400). Amsterdam: Elsevier. .

Gamora expõe sua identificação com o consumo geek:

Eu me identifico com ele. Eu trazendo ele para minha vida, através de comprar uma bota, uma pelúcia, uma camiseta, eu me sinto perto dele, eu me sinto representada por ele . (Gamora, 2018)

O consumo desses produtos são uma fonte de significado cultural ( McCracken, 2003McCracken, G. (2003). Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Mauad. ), dada a importância dos personagens na vida dos indivíduos. Os entrevistados relataram que eles atuam na construção dos valores pessoais desenvolvidos no decorrer da vida, de forma que aquilo que é consumido em forma de livros, filmes, games e séries atua na construção da identidade do indivíduo e de identidades coletivas ( McCracken, 2003McCracken, G. (2003). Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Mauad. ). Os personagens inspiram o modo de agir e pensar dos geeks, como, por exemplo, o depoimento de Pantera Negra sobre a influência e importância dos produtos geeks na maneira de pensar, assim como o depoimento de Lanterna Verde:

Influenciam às vezes na maneira de pensar, agir e encarar a vida . (Pantera Negra, 2018)

Uma enorme importância, pois eles têm uma grande influência no meu caráter devido as suas ideias de justiça, bondade e resiliência . (Lanterna Verde, 2018)

As redes sociais são uma importante ferramenta para a manutenção do grupo e para o cotidiano do indivíduo geek, já que possibilita a discussão sobre diversos temas desse universo e a interação entre diferentes indivíduos. O ambiente virtual foi analisado por Moraes e Abreu (2017)Moraes, T. A., Abreu, N. R. (2017). Tribos de consumo: representações sociais em uma comunidade virtual de marca. Organizações & Sociedade, 24(81), 325-342. doi:10.1590/1984-9230817
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, estudo em que os autores apresentam as redes sociais como ferramenta para a criação de comunidades de compartilhamento de valores e opiniões por pessoas que pertencem a uma mesma tribo. Além disso, as redes sociais podem auxiliar na fuga de violências físicas e simbólicas vivenciadas no ambiente físico, devido ao pertencimento a uma tribo fora do padrão socialmente aceito ( Serrão & Santana, 2013Serrão, B. O., Santana, J. P. (2013). Experiências vivenciadas por adolescentes em tribos urbanas: com a palavra os emos. Revista Interações, 9(26), 69-91. doi:10.25755/int.3358 ).

Os personagens pelos quais o geek se interessa passam a fazer parte da vida do sujeito por meio dos produtos que ele consome, ou seja, o consumo não é uma escolha racional, e sim, simbólica ( Arnould et al., 2019Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ). Essa importância está relacionada à influência dos produtos culturais na construção de valores pessoais do indivíduo, de forma que passa a ter os personagens como elementos importantes na construção de sua identidade, sobressaindo uma cultura consumidora ( Murty, 2012Murty, K. R. (2012). Bowling alone: urban tribes in concrete jungles. Social Change, 42(2), 157-164. doi:10.1177/004908571204200201 ).

A relação entre a influência de personagens e o comportamento de compra gerou opiniões diversas, de forma que os entrevistados se dividem em dois grupos de consumo: aqueles que possuem o desejo de comprar tudo o que esteja relacionado ao universo geek e aqueles que desejam comprar apenas os produtos culturais dos personagens de que são fãs.

Os membros do primeiro grupo relataram que, ao escolherem produtos utilitários, há a preferência por itens que façam alguma referência ao universo geek. Essa escolha faz com que o produto ultrapasse a barreira do utilitarismo e lhe seja estabelecido um valor simbólico, já que o sujeito que o compra e consome atribui a ele um significado cultural, que auxilia na projeção da identidade do sujeito dentro do convívio em sociedade ( Arnould et al., 2019Arnould, E., Press, M., Salmine, E., Tillotson, J. S. (2019). Consumer culture theory: development, critique, application and prospects. Foundations and Trends in Marketing, 12(2), 80-165. doi:10.1561/1700000052 ; Rodrigues & Casotti, 2017Rodrigues, T. K. A., Casotti, L. M. (2017). Significados do automóvel na música: espaço de diversão, componente identitário e hierarquia de gênero. Revista de Administração da Unimep, 15(2), 179-209. Recuperado de https://bit.ly/3s4OSGQ
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), como expõe o depoimento de Superman:

Se eu tenho que comprar uma roupa, prefiro mil vezes compra de uma coisa que eu goste do que de uma coisa aleatória que não tem nada a ver com nada. Vou gastar meu dinheiro, ela vai ser adequada para usar em qualquer lugar . (Superman, 2018)

Sobre o segundo grupo, o consumo está relacionado ao produto cultural propriamente dito, como filmes, séries, livros, quadrinhos e games. A partir do momento em que o indivíduo se torna fã de determinada obra, passará a consumir todo o material cultural produzido relacionado ( Campbell (2006)Campbell, C. (2006). Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In L. Barbosa, & C. Campbell (Orgs.), Cultura, consumo e identidade (pp. 47-64). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. ; Casotti et al., 2013Casotti, L., Farina, M., Lino, B., Americano, G. (2013). Estética e consumo: estudando duas tribos urbanas cariocas. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 7(1), 122-141. doi: 10.12712/rpca.v7i1.172 ; Douglas & Isherwood, 2004Douglas, M., Isherwood, B. (2004). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ. ).

A maioria costuma comprar pela internet, pelos fatores comodidade e preço, principalmente quando o quesito idade é colocado em foco, já que o grupo de entrevistados é considerado jovem. Além disso, a criação de linhas de produtos geeks em lojas de departamento e por marcas tradicionais convencionais também foi citado pelos entrevistados. A possibilidade de comprar produtos geeks em lojas tradicionais apresenta a estratégia de mercado desses estabelecimentos, que demonstram entender as necessidades simbólicas de seus consumidores, além de possibilitar que sujeitos que pertencem à tribo geek nas mais diversas localidades tenham acesso aos produtos. As lojas de produtos dirigidos para os geeks, como também os eventos, substituem o território enquanto espaço físico das sociedades tribais ( Maffesoli, 2006Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. ), pois é ali que o território simbólico se manifesta por meio das representações.

Os vínculos estabelecidos pelos geeks, por serem sujeitos que se interessam por tecnologia e produtos culturais relacionados ao universo criativo, bem como elementos fantasiosos da cultura, os levam a um engajamento superior no consumo e propagação desse tipo de produto, ao se comparar com outros indivíduos que compõem a sociedade. Tais vínculos são afetos comuns, como a paixão pelos personagens e ficções, e necessários para a constituição das tribos urbanas ( Maffesoli, 2006Maffesoli, M. (2006). O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, RJ: Forense. ).

O consumo dos entrevistados pode ser motivado pela afeição pelas obras culturais e seus personagens, bem como pela relação com outros sujeitos pertencentes à tribo. Os produtos consumidos que apresentam elementos geeks possuem valor simbólico para o sujeito, de maneira que eles passam a representar a extensão do “eu” daquele que o consome, sendo uma forma de demonstrar seus valores pessoais, atuando, portanto, na construção da sua identidade, que se caracteriza pela concentração, imaginação, paixão e não adequação social padronizada.

Considerações finais

Nesta pesquisa, nosso objetivo foi compreender como o consumo de produtos por geeks atuam na construção da identidade de indivíduos que se reconhecem como pertencentes a essa tribo urbana, por meio das lentes da perspectiva pós-moderna. Para isso, nós buscamos estabelecer um diálogo entre dois campos de conhecimento: a CCT, que se concentra nas discussões sobre as complexidades da cultura do consumidor, e os estudos de identidade organizacional, um campo relativo aos estudos organizacionais. Tal diálogo foi promissor no sentido de abrir novas áreas para o estudo das organizações e do consumo, e, sobretudo, por levantar questões relativas às identidades coletivas em um contexto pós-moderno, utilizando-se como objeto de estudo uma tribo urbana.

Neste artigo nós lançamos um olhar para além das narrativas modernas sobre a identidade organizacional, pelo prisma do consumo como um ato simbólico na construção de identidades coletivas de uma tribo urbana. Nossa pesquisa mostrou que as identidades coletivas são construídas por significados envolvidos no consumo de produtos que permitem aos membros a construção de vínculos mediados por relações emocionais, como a paixão, amor e afeto pelos produtos desejados para consumo. É importante para as organizações apreenderem que a construção da identidade está relacionada com emoções despertadas e relações afetivas desenvolvidas.

Nós ampliamos o entendimento das tribos organizacionais como organizações que se apropriam de um território simbólico, em que as identidades são acidentais, e não impostas por uma cúpula integradora, incluindo a ideia de que valores e gostos transcendem o reconhecimento de si mesmo para abranger representações de identidades coletivas. Essas suposições sugerem que a construção da identidade organizacional pode ser estudada observando as práticas de consumo que formam ou estendem os limites da identidade e sua construção.

Esta pesquisa foi realizada no contexto de uma tribo urbana específica, portanto, outros estudos poderiam ser realizados para entender outras complexidades envolvidas na construção das identidades em outras organizações ou contextos, incluindo outros tipos de organizações. Mesmo assumindo a perspectiva pós-moderna, nós reconhecemos a possibilidade de outras abordagens explicativas para a construção da identidade organizacional, sendo a nossa abordagem apenas uma maneira de ver essa questão. Outras perspectivas sobre identidade organizacional, como a integradora, poderiam trazer resultados diferentes, mas também frutíferos. Outra limitação da pesquisa se refere à constituição do corpus ser majoritariamente de homens, em virtude da dificuldade de encontrar participantes mulheres, que poderiam levar a outros resultados.

Os campos dos estudos organizacionais e da CCT poderiam se beneficiar de outros diálogos, revendo as fronteiras existentes de forma a considerar outras possibilidades de negociação, cooperação e integração, como sugerido por Casotti e Suarez (2016)Casotti, L. M., Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi:10.1590/S0034-759020160308 . Particularmente, no campo dos estudos organizacionais, pesquisas orientadas para questões de gênero, para o aprofundamento na investigação da natureza dos vínculos emocionais e afetivos, bem como para os territórios simbólicos, poderiam trazer contribuições relevantes a partir do diálogo com outras ciências sociais envolvidas. Isso requer pesquisas empíricas e teóricas, e uma variedade de posições metodológicas e epistemológicas.

References

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  • Verificação de plágio
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  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores agradecem o apoio financeiro da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2019
  • Aceito
    15 Jul 2021
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