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Gênero, Feminismo e Diplomacia: Analisando a Instituição pelas Lentes Feministas das Relações Internacionais

Resumo

A agenda feminista nas relações internacionais tem-se debruçado recentemente sobre questões de gênero na diplomacia, focando principalmente, ainda que não exclusivamente, em analisar as trajetórias das diplomatas na instituição. Nesse processo, os escassos estudos sobre o tema alicerçam-se primariamente em estudos de caso nacionais, recorrendo à chave de gênero para examinar as estruturas de poder fundadas em ideais de masculinidade e feminilidade que estabelecem padrões de desigualdade e discriminação dentro da instituição. Neste artigo, sistematizamos uma revisão desses estudos – nacionais e internacionais –, objetivando compreender as articulações teóricas e metodológicas que fundamentam uma análise de gênero da diplomacia, entendendo-a como uma instituição generificada em que operam hierarquias de poder fundadas no gênero. Em termos metodológicos, sistematizamos os principais conceitos e marcos teóricos dessa agenda de pesquisa, relacionando-a com a agenda mais ampla de feminismo nas relações internacionais. Mapeamos os métodos mais recorrentes e apontamos as lacunas tanto teóricas quanto metodológicas a serem preenchidas em pesquisas futuras. De modo a dialogar com a realidade nacional, revisamos brevemente os principais estudos sobre gênero e diplomacia conduzidos tanto pelo Itamaraty, como pela academia. Concluímos que a agenda de pesquisa de gênero e diplomacia dispõe de um rico arsenal conceitual e teórico que estabelece múltiplos diálogos com as teorias feministas institucionais e com os feminismos nas relações internacionais. Entretanto, lacunas persistem tanto na incorporação de interseccionalidades quanto na abordagem comparativa dos casos, ambas fundamentais para o aprofundamento da análise de gênero da diplomacia como instituição.

gênero e diplomacia; mulheres diplomatas; feminismo nas RI

Abstract

The feminist agenda in International Relations has recently drawn attention to gender issues in diplomacy, focusing mainly, though not exclusively, on analysing the trajectories of female diplomats in the institution. Though scarce, these studies approach the topic primarily via national case studies, resorting to the concept of gender to examine the power structures based on ideals of masculinity and femininity, which establish patterns of inequality and discrimination within the institution. In this article, we review national and international studies on gender and diplomacy, aiming to map the theoretical and methodological articulations underlying the gender analysis of diplomacy, which sees it as a gendered institution where gender-based hierarchies of power operate. In terms of methodology, we discuss the main concepts and theoretical frameworks of this research agenda, unraveling their connections to the broader feminist agenda in IR. We map the most recurrent methods and point out both theoretical and methodological gaps that need to be addressed in future research. Furthermore, we briefly review the main studies on gender and diplomacy conducted by the Brazilian Ministry of Foreign Affairs and academia, attempting to bridge national and international studies on gender and diplomacy. We conclude that the research agenda on gender and diplomacy has a rich conceptual and theoretical arsenal that establishes multiple dialogues with institutional feminist theories and with feminisms in IR. However, important gaps persist both in terms of the incorporation of intersectionality and cross-national comparative approaches, which are paramount to advancing gender analyses of diplomacy as an institution.

gender and diplomacy; female diplomats; feminist IR

Introdução

Em 1918, Maria José de Castro Rebelo Mendes, natural de Salvador (BA), ingressava para a história brasileira ao se tornar a primeira diplomata oficial do país. O processo para ascender à carreira diplomática não foi fácil: sua inscrição foi inicialmente rejeitada a ponto de ser necessária a intervenção de Rui Barbosa para que fosse deferida a candidatura ( Schumaher & Brazil, 2000Schumaher, S., Brazil, É. V. (2000), Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade (pp. 396-397). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). A reversão da decisão permitiu que ela demonstrasse seu brilhantismo diante da banca examinadora, sendo aprovada em primeiro lugar na carreira ( Ministério das Relações Exteriores do Brasil, 2020)Ministério das Relações Exteriores do Brasil. (2020, 8 de dezembro). As mulheres na diplomacia brasileira. Recuperado de https://bit.ly/3dYSqSw
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. Porém, embora seu pioneirismo na diplomacia tenha resultado em elogios por parte da opinião pública, jornais e personalidades da época criticaram a presença de uma mulher em um serviço público tradicionalmente ocupado por homens, ressaltando o quanto isso impactaria negativamente nas funções da mulher no lar e como demonstrava uma “marcha do feminismo” no Itamaraty (Schumaher & Brazil).

O emblemático caso de Mendes prenunciava tanto a realidade da ausência de mulheres na diplomacia, como os próprios debates sobre os significados da presença feminina nos postos políticos e burocráticos. Um século depois, a quantidade de mulheres diplomatas, tanto no Brasil como nos demais países, e, de maneira mais geral, na política, continua baixa. Segundo dados da ONU Mujeres (2020)ONU Mujeres. (2020, 1 de fevereiro). Mujeres en la política: 2020. Recuperado de https://bit.ly/3dRqq3k
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, em 1 de janeiro de 2020 apenas 6,6% dos chefes de Estado e 6,25% dos chefes de governo são mulheres; 20,5% das presidências de parlamento e 25,3% de suas vice-presidências são ocupadas por representantes femininas. As mesmas tendências são observadas em todos os continentes, com variações entre 16,6% de mulheres parlamentares no Oriente Médio e 43,9% nos países nórdicos ( ONU Mujeres, 2020ONU Mujeres. (2020, 1 de fevereiro). Mujeres en la política: 2020. Recuperado de https://bit.ly/3dRqq3k
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). Na diplomacia, o cenário não é muito diferente para as embaixadoras: elas são 25% das designadas pela América do Norte; 18% pela América do Sul; 14% pela Europa (excluindo-se os países nórdicos)1 1 . Os países nórdicos possuem políticas específicas para o empoderamento das mulheres nas suas instituições políticas, a ponto de a Suécia subscrever a uma “política externa feminista” (Niklasson 2018). ; 17% pela África; 6% pelo Oriente Médio; 10% pela Ásia e 25% pela Oceania ( Towns & Niklasson, 2018Towns, A. E., Niklasson, B. (2018). Where are the Female Ambassadors? Gender and status hierarchies in ambassador postings. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 25-44). Cham: Palgrave Macmillan. ).

Essa baixa representação feminina na política e suas burocracias reflete as estruturas de gênero que ainda persistem nas sociedades. Embora haja um largo reconhecimento da importância das agendas de promoção de igualdade de gênero e direitos das mulheres, fomentadas inclusive pela própria Organização das Nações Unidas, os números coletados anualmente por diversas instituições demonstram que ainda nos encontramos distantes de uma paridade de gênero que confira às mulheres uma representação política minimamente adequada ( Fraser, 2013Fraser, N. (2013). Fortunes of feminism: from state-managed capitalism to neoliberal crisis. Londres: Verso. ). Situação semelhante é observada na carreira diplomática, na qual a quantidade de mulheres representando seus países em embaixadas, consulados e organismos internacionais encontra-se aquém do que é advogado pelas agendas de igualdade e direitos das mulheres ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ).

As teorias feministas em relações internacionais apontam diferentes motivadores para tal ausência de mulheres na esfera internacional. Uma das respostas mais frequentes aos porquês de tal exclusão reside no caráter eminentemente masculino do sistema internacional, definido por noções de agressividade, competição e dominação ( Tickner, 2001Tickner, J. A. (2001). Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War world. Nova Iorque: Columbia University Press. ; 2006a). As mulheres, portanto, não teriam lugar nesse mundo porque sua essência se funda na cooperação e nos estereótipos associados à domesticidade e aos cuidados ( Biroli, 2018Biroli, F. (2018). Gênero e desigualdades. São Paulo, SP: Boitempo. ; Okin, 2008Okin, S. M. (2008). Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas, 16(2), 305-332. doi:10.1590/S0104-026X2008000200002 ; Pateman, 1993Pateman, C. (1993). O contrato sexual. São Paulo: Paz & Terra. ). Essas hierarquias de gênero, alicerçadas em papéis e pré-conceitos sobre masculino e feminino, “moldam as expectativas e práticas dos indivíduos” ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. , p. 11), convertendo-as em padrões relativamente estáveis sobre os lugares que os representantes de cada sexo ocuparão – e se ocuparão. Não é por acaso que as poucas mulheres à frente de pastas ministeriais ( ONU Mujeres, 2020)ONU Mujeres. (2020, 1 de fevereiro). Mujeres en la política: 2020. Recuperado de https://bit.ly/3dRqq3k
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e cargos nos organismos internacionais ( Lenine & Pereira, 2021Lenine, E., Pereira, M. (2021). Paridad de género en las organizaciones internacionales: discursos vs. números. Relaciones Internacionales, 48, 101-121. doi:10.15366/relacionesinternacionales2021.48.006 ; Martins, 2018)Martins, A. P. M. (2018). Reflexões sobre igualdade de gênero e os organismos internacionais. In D. Vitale, R. Nagamine (Orgs.), Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção (pp. 179-197). Salvador, BA: EdUFBA. responsabilizam-se por temas do que se convenciona denominar de low politics , geralmente vinculados às concepções de esfera privada, domesticidade e cuidado.

A despeito dessa realidade, e de mais de três décadas desde o marco inaugural do feminismo nas relações internacionais, no dossiê da Millenium: Journal of International Studies 2 2 . O dossiê, publicado em 1988, é considerado o momento de ingresso dos debates feministas nas RI, servindo como ponto de referência para os estudos de gênero e diplomacia. Para mais detalhes sobre o ingresso do feminismo na disciplina de RI, ver Grecco (2020) . , os estudos sobre as mulheres na diplomacia ainda são escassos, fato que se verifica não só nas buscas em bases de dados de publicações acadêmicas3 3 . Em nossas pesquisas nas bases da Scielo, Periódicos CAPES, Jstor e Google Scholar, as buscas com os termos “diplomacia”, “gênero”, “mulheres”, “mulheres diplomatas” e suas respectivas traduções ao inglês redundam nas referências utilizadas nesta pesquisa. É flagrante, ainda, a pouca disponibilidade de textos em português: menos de 10 (dez) artigos na Scielo e no Periódicos CAPES versam sobre gênero e diplomacia especificamente. Nesse sentido, optamos por uma revisão sistemática dessa bibliografia, orientada para os aspectos teóricos e metodológicos constantes nos textos. , como também nas próprias impressões de quem escreve sobre o tema e precisa alicerçar-se em pesquisas anteriores ( Aggestam & Towns, 2019Aggestam, K., Towns, A. E. (2019). The gender turn in diplomacy: a new research agenda. International Feminist Journal of Politics, 21(1), 9-28. doi:10.1080/14616742.2018.1483206 ; Farias, 2019Farias, R. (2019). Os elos perdidos: a atuação feminina na diplomacia luso-brasileira, 1780-1822. Ex Æquo, (40), 15-30. doi:10.22355/exaequo.2019.40.02 ; Minarova-Banjac, 2018Minarova-Banjac, C. (2018). Gender culture in diplomacy: a feminist perspective. Culture Mandala, 13(1), 20-44. ; Towns, 2020)Towns, A. E. (2020). ‘Diplomacy is a feminine art’: feminised figurations of the diplomat. Review of International Studies, 46(5), 573-593. doi:10.1017/S0260210520000315 . A falta de acúmulo anterior de conhecimento atesta a sentença de que “os estudos diplomáticos têm sido por muito tempo a criança pobre da teoria das Relações Internacionais” ( Pouliot & Cornut, 2015, pPouliot, V., Cornut, J. (2015). Practice theory and the study of diplomacy: a research agenda. Cooperation and Conflict, 50(3), 297-315. Recuperado de https://bit.ly/3ynMLil
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, p. 297), o que per se agrava a condição de escassez de análises que levem em conta não só as mulheres diplomatas, mas principalmente a chave de gênero e suas interseccionalidades ( Standfield, 2020)Standfield, C. (2020). Gendering the practice turn in diplomacy. European Journal of International Relations, 26(1 Suppl.), 140-165. doi:10.1177/1354066120940351 . No Brasil, os poucos trabalhos vêm sendo conduzidos primariamente por membros da própria corporação ( Balbino, 2011Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ; Friaça, 2018)Friaça, G. J. R. (2018). Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011): uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. , embora, nos últimos anos, tenha emergido uma literatura também dentro da academia ( Balestero, 2017Balestero, G. S. (2017). Mulheres na diplomacia brasileira: breves contribuições teóricas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, 45(2), 104-134. doi:10.14393/RFADIR-v45n2a2017-40648 ; Brandão, Amaral, Euzébio, & Gregório, 2017; Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ; Lima & Oliveira, 2018)Lima, R. C., Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões de carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. doi:10.1590/0034-7612175199 . Cenário semelhante se observa na literatura internacional sobre a temática, com esforços focados em estudos de casos de países e organizações. Porém, essa agenda vem avançando recentemente, de modo que os casos analisados isoladamente permitem verificar tendências gerais nas trajetórias das mulheres diplomatas. Se hoje elas já conseguem galgar espaços dentro da carreira, persiste ainda um poderoso teto de vidro que se impõe como obstáculo ao seu avanço, bem como inviabiliza a inserção feminina em áreas tradicionalmente masculinizadas.

Nesse sentido, o presente artigo objetiva oferecer um panorama dos trabalhos mais recentes sobre a presença das mulheres na diplomacia, colocando em perspectiva não só os achados das pesquisas sobre o tema, como também estabelecendo um diálogo com as teorias feministas das relações internacionais. Mais precisamente, objetivamos compreender as articulações teóricas e metodológicas que fundamentam uma análise de gênero da diplomacia, entendendo-a como uma instituição generificada, onde determinadas expectativas de gênero incidem sobre seus membros, estabelecendo, como consequência, padrões de discriminação e obstáculos materiais e simbólicos na carreira diplomática. Ao retomar a emblemática pergunta “onde estão as mulheres” em meio à profissão diplomática, busca-se salientar como as hierarquias de gênero estruturam a arena internacional, distribuindo de maneira desigual o poder, o reconhecimento e o prestígio entre homens e mulheres diplomatas. Nesse sentido, o olhar feminista transcende os “significados de masculinidade e feminilidade”, investigando também “como esses significados determinam onde as mulheres estão e o que elas pensam sobre onde estão”, oferecendo, assim, uma leitura sobre o próprio poder ( Enloe, 2014Enloe, C. (2014). Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics (2a ed.). Berkeley: University of California Press. , p. 8).

Dessa forma, o artigo está dividido em três seções, seguidas pela conclusão. Na primeira, tratamos dos estudos de gênero e diplomacia, focando, principalmente, nas agendas de pesquisa e em seus achados mais gerais. A seguir, na segunda seção, situamos a diplomacia nas perspectivas teóricas feministas, discutindo conceitos-chave para a compreensão e a revelação das estruturas de poder engendradas pelo gênero na arena internacional. Essas teorias dialogam diretamente com as agendas e perguntas de pesquisa, sendo fundamentais para compreender os métodos e os achados das investigações sobre o tema. Na terceira seção, avaliamos brevemente o estado atual da presença e trajetória das mulheres diplomatas brasileiras.

Os estudos de gênero e diplomacia: agenda e achados

Os primeiros estudos sobre a presença de mulheres na diplomacia remontam à tradição feminista liberal ( Tickner, 2001Tickner, J. A. (2001). Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War world. Nova Iorque: Columbia University Press. ). Subscrevendo aos ideais racionalistas e empiricistas das teorias sociais do começo do século XX, as feministas liberais buscaram evidenciar a ausência feminina nas instituições, dentre elas a diplomacia ( McGlen & Sarkees, 1993McGlen, N. E., Sarkees, M. R. (1993). Women in foreign policy: the insiders. Nova Iorque: Routledge. ) e as forças armadas ( Mathias, 2009)Mathias, S. K. (2009). Apresentação. In S. K. Mathias (Org.), Sob o signo de Atena: gênero na diplomacia e nas Forças Armadas (pp. 7-13). São Paulo, SP: Editora Unesp. . Essas primeiras abordagens assumiram uma posição de fortalecimento das instituições por vias legais, de modo a eliminar as barreiras que dificultavam o ingresso das mulheres nos espaços políticos formais. Evidentemente, as limitações da mera contagem de números e a proposição de soluções legais foram duramente rechaçadas pelo corpo de teorias feministas pós-liberais, das quais trataremos com mais vagar na próxima seção.

Historicamente, o advento das revoluções do fim do século XVIII e do século XIX resultaram, ainda que com profundas limitações, na integração das mulheres aos processos políticos. Os manifestos pelo reconhecimento dos direitos das mulheres e a extensão dos preceitos liberais à outra metade da humanidade emergiram a partir de diversas obras, das quais se destacam os escritos de Mary Wollstonecraft (2016)Wollstonecraft, M. (2016). Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo, SP: Boitempo. e Olympe de Gouges (2020)Gouges, O. (2020). Avante, mulheres! declaração dos direitos da mulher e da cidadã e outros textos. São Paulo, SP: Edipro. . Porém, ainda que os movimentos feministas tenham logrado êxito paulatino na inserção das mulheres no espaço público, nomeadamente da política, a diplomacia permaneceu um ofício primordialmente ocupado por homens. Como aponta Tickner (2001)Tickner, J. A. (2001). Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War world. Nova Iorque: Columbia University Press. , “[n]o Ocidente, a imagem do formulador de política externa tem sido fortemente associada à elite, aos homens brancos e a representações da masculinidade hegemônica” (p. 54)4 4 . “In the West, the image of a foreign-policymaker has been strongly associated with elite, white males and representations of hegemonic masculinity.” (Tradução própria) , respondendo, por conseguinte, pela atual baixa presença de mulheres na arena internacional e exclusão de suas perspectivas sobre a política global.

O campo dos estudos da diplomacia e participação feminina, por sua vez, desenvolve-se com maior ímpeto a partir dos anos 1990, tanto na academia, como nas escolas diplomáticas oficiais, buscando preencher as lacunas acerca da presença feminina nas estruturas de negociação, formulação e execução da política externa. Na área de história da diplomacia, diversos trabalhos se debruçaram sobre as questões de gênero sob uma perspectiva historicista, demarcando as modalidades de como as (poucas) mulheres diplomatas se inseriam na profissão ( Aggestam & Towns, 2019Aggestam, K., Towns, A. E. (2019). The gender turn in diplomacy: a new research agenda. International Feminist Journal of Politics, 21(1), 9-28. doi:10.1080/14616742.2018.1483206 ; James & Sluga, 2016James, C., Sluga, G. (2016). Introduction: the long international history of women and diplomacy. In G. Sluga, C. James (Orgs.), Women, diplomacy and international politics since 1500 (pp. 1-12). Londres: Routledge. ; McCarthy & Southern, 2017)McCarthy, H., Southern, J. (2017). Women, gender and diplomacy: a historical survey. In J. A. Cassidy (Org.), Gender and diplomacy (pp. 15-31). Londres: Routledge. . De meras esposas de diplomatas e embaixadores, a emissárias não oficiais, ou até mesmo “espiãs” informais, essas mulheres historicamente participaram do ofício, ainda que seu papel fosse assumido como de acompanhante de homens diplomatas ( Enloe, 2014)Enloe, C. (2014). Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics (2a ed.). Berkeley: University of California Press. .

Esse cenário começa a se alterar de maneira mais significativa a partir do começo do século XX, com a burocratização dos ministérios de relações exteriores. O surgimento de exames de admissão permitiu que a atividade diplomática, antes desenvolvida somente por quadros recrutados diretamente das elites e nobrezas, se abrisse para os demais setores sociais ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ). No entanto, o ingresso de mulheres na diplomacia não foi necessariamente imediato nem absoluto: não só precisou ser negociado ante uma série de preconceitos sociais baseados em estereótipos de gênero, como também enfrentou banimentos por determinados períodos (como é o caso brasileiro, no qual as mulheres se viram proibidas de acessar a carreira entre 1938 e 1954) ( Farias & Carmo, 2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. . As experiências nacionais são diversas, mas em conjunto demonstram que o pleito feminino por ascensão à carreira diplomática é marcado por obstáculos e reveses.

Não surpreende, portanto, que a literatura sobre mulheres na diplomacia acumule os achados de estudos de casos individuais, dado que as trajetórias institucionais do acesso das mulheres à diplomacia são particulares de cada experiência nacional. Tanto artigos e teses ( Aggestam & Bergman-Rosamond, 2016Aggestam, K., Bergman-Rosamond, A. (2016). Swedish feminist foreign policy in the making: ethics, politics, and gender. Ethics & International Affairs, 30(3), 323-334. doi:10.1017/S0892679416000241
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; Balbino, 2011Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ; Farias, 2019)Farias, R. (2019). Os elos perdidos: a atuação feminina na diplomacia luso-brasileira, 1780-1822. Ex Æquo, (40), 15-30. doi:10.22355/exaequo.2019.40.02 , como compilações organizadas em livros ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ; Cassidy, 2017Cassidy, J. A. (Org.) (2017). Gender and diplomacy. Londres: Routledge. ; Sluga & James, 2016)Sluga, G., James, C. (2016). Women, diplomacy and international politics since 1500. Londres: Routledge. têm oferecido um retrato ampliado da presença feminina na carreira. Ademais, o campo de pesquisa abrange não só os ministérios de relações exteriores, mas também os organismos e negociações internacionais ( Fliegel, 2017Fliegel, J. (2017). Unprecedented: women’s leadership in twenty-first century multilateral diplomacy. In J. A. Cassidy (Org.), Gender and diplomacy (pp. 187-209). Londres: Routledge. ; Martins, 2018Martins, A. P. M. (2018). Reflexões sobre igualdade de gênero e os organismos internacionais. In D. Vitale, R. Nagamine (Orgs.), Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção (pp. 179-197). Salvador, BA: EdUFBA. ; Mlambo-Ngcuka, 2017Mlambo-Ngcuka, P. (2017). Becoming UN women: a journey in realizing rights and gaining global recognition. In J. A. Cassidy (Org.), Gender and diplomacy (pp. 170-186). Londres: Routledge. ; Naurin & Naurin, 2018Naurin, D., Naurin, E. (2018). Descriptive representation and negotiation: gender balance in the committees of the Council of the European Union. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 213-237). Cham: Palgrave Macmillan. ; Paffenholz, 2018Paffenholz, T. (2018). Women in peace negotiations. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 169-191). Cham: Palgrave Macmillan. ; Rimmer, 2017Rimmer, S. H. (2017). Women in global economic governance: scaling the summits. In J. A. Cassidy (Org.), Gender and diplomacy (pp. 140-169). Londres: Routledge. ; Tryggestad, 2018)Tryggestad, T. L. (2018). Negotiations at the UN: the case of UN Security Council Resolution 1325 on women, peace and security. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 239-258). Cham: Palgrave Macmillan. . Não por acaso, um dos marcos fundamentais para a mobilização feminina na arena da diplomacia internacional é a Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, que instituiu a agenda de Mulheres, Paz e Segurança (MPS). Em linhas gerais, a resolução clama, entre variados temas ligados aos direitos das mulheres, pela participação feminina nas negociações de processos de paz (assim como em posições-chave designadas pela ONU), visando fomentar perspectivas de gênero no pós-conflito ( United Nations Security Council, 2000)United Nations Security Council. (2000, 31 de outubro). Resolution 1325 [S/RES/1325 (2000)]. Recuperado de https://bit.ly/3s3V5Tt
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.

Nesse cenário, a agenda de pesquisa assume dois eixos fundamentais. Por um lado, há uma preocupação latente em quantificar essa presença, o que vem exigindo variadas estratégias para coletar dados cujo acesso é, por vezes, restrito. Por outro lado, esses estudos debruçam-se outrossim sobre as hierarquias de gênero que restringem a atuação das mulheres diplomatas, sua ascensão na carreira, sua participação em negociações de temas de segurança internacional e economia, seu confinamento em áreas associadas a papéis femininos. Aggestam e Towns (2018)Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. apontam três questões prementes para essa agenda de pesquisa: (a) onde estão as mulheres na diplomacia contemporânea? (b) em que medida a masculinidade hegemônica estrutura as instituições e obstaculariza a presença de mulheres? (c) em que medida as atividades diplomáticas estão associadas a conceitos de masculinidade e feminilidade?

A primeira questão ecoa a preocupação persistente sobre a presença numérica das mulheres, mas sem perder de vista seu elemento qualitativo. Embora o número de diplomatas venha crescendo em diversos países e em negociações internacionais, a paridade de gênero ainda é uma realidade visível em poucos lugares (como é o caso da Suécia) ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ; Niklasson & Robertson, 2018)Niklasson, B., Robertson, F. (2018). The Swedish MFA: ready to live up to expectations? In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 65-85). Cham: Palgrave Macmillan. . O Brasil, em particular, apresenta aproximadamente 25% do seu corpo diplomático composto por mulheres, proporção que se reduz à medida que se verificam os postos de maior prestígio ( Farias & Carmo, 2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. . Essa, aliás, é a dimensão qualitativa das mulheres diplomatas: ainda que os números cresçam, um aparente teto de vidro permanece, tanto que apenas 15% de todas as embaixadas no mundo são chefiadas por mulheres ( Towns & Niklasson, 2018)Towns, A. E., Niklasson, B. (2018). Where are the Female Ambassadors? Gender and status hierarchies in ambassador postings. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 25-44). Cham: Palgrave Macmillan. e 10% dos quadros de negociadores de processos de paz são compostos por representantes do sexo feminino ( United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women, 2012)United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women. (2012). Women’s participation in peace negotiation: connections between presence and influence. Recuperado de https://bit.ly/3dOTEQz
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. Evidentemente, esse teto de vidro é apenas uma das questões subjacentes à presença feminina nos corpos diplomáticos, que remonta à perspectiva liberal de contabilização das mulheres nos espaços políticos. Não por acaso, as feministas nas relações internacionais postulam que o avanço das agendas perpassa necessariamente a problematização mais ampla das questões de gênero na arena internacional ( Tickner, 2001)Tickner, J. A. (2001). Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War world. Nova Iorque: Columbia University Press. .

Isso nos leva à segunda questão, que se ocupa de revelar as estruturas de gênero presentes na instituição da diplomacia. A masculinidade hegemônica confere determinados atributos, valores e papéis a homens e mulheres: aos primeiros, reservam-se as características de racionalidade, objetividade, capacidade de decisão; às segundas, a gentileza, empatia, cuidado e necessidade de segurança ( Duriesmith, 2018Duriesmith, D. (2018). Manly states and feminist foreign policy: revisiting the liberal state as an agent of change. In S. Parashar, J. A. Tickner, J. True (Orgs.), Revisiting gendered states (pp. 51-68). Oxford: Oxford University Press. ; Hawkesworth, 2019Hawkesworth, M. (2019). Gender and political theory. Cambridge: Polity. ). As instituições, sob uma perspectiva feminista, reproduzem as hierarquias de gênero ensejadas na concepção da masculinidade hegemônica, constituindo, assim, desigualdades de poder que privilegiam os homens na arena internacional. A diplomacia, como instituição formal de Estado, não escapa a essa construção de gênero, incidindo diretamente sobre as trajetórias possíveis às mulheres diplomatas e sobre as maneiras como devem se adaptar a cargos e normas intrinsicamente imbuídos de valores masculinos. Nesse sentido, as pesquisas demonstram que a elas se reservam as funções que reforçam os ideais e papéis de gênero, tais como os assuntos sociais e demais temas de low politics ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ; Cassidy, 2017)Cassidy, J. A. (Org.) (2017). Gender and diplomacy. Londres: Routledge. . Persiste, portanto, uma divisão sexual do trabalho dentro dos ministérios de relações exteriores, bem como nos organismos internacionais.

Finalmente, a terceira questão investiga como a crescente presença feminina na diplomacia subverte as categorias e práticas internacionais forjadas em concepções de masculinidade e feminilidade. A diversidade de gênero na atividade diplomática – entendida não somente como o binarismo homem e mulher, mas, sobremaneira, como as expectativas e performances de gênero que estruturam a instituição – amplia as perspectivas acerca dos fenômenos internacionais, pondo em xeque as soluções arquitetadas para conflitos e negociações dos mais variados tipos ( Cohn, 2013Cohn, C. (Org.) (2013). Women & wars. Cambridge: Polity Press. ; Duriesmith, 2018Duriesmith, D. (2018). Manly states and feminist foreign policy: revisiting the liberal state as an agent of change. In S. Parashar, J. A. Tickner, J. True (Orgs.), Revisiting gendered states (pp. 51-68). Oxford: Oxford University Press. ; Goldstein, 2003Goldstein, J. S. (2003). War and gender. Cambridge: Cambridge University Press. ; Paffenholz, 2018Paffenholz, T. (2018). Women in peace negotiations. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 169-191). Cham: Palgrave Macmillan. ). Nesse contexto, uma das agendas prementes em negociações de paz investiga as formas como a masculinidade imbui a situação pós-conflito de estruturas de poder associadas à segurança e ao militarismo, e como a presença de mulheres diplomatas (bem como outras autoridades femininas) pode romper com essa lógica de negociação ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ). Ademais, a própria diversidade de gênero é uma força motriz para a transformação das hierarquias de poder em suas variadas manifestações interseccionais dentro dos ministérios e organismos internacionais, permitindo que novas normas emerjam e guiem a arena internacional.

Todas essas perguntas de pesquisa são informadas por uma gama de teorias feministas, perpassando as disciplinas de relações internacionais, ciência política, sociologia, antropologia entre outras. Na seção seguinte, debruçamo-nos sobre as principais chaves conceituais e teóricas mobilizadas pela literatura de gênero e diplomacia.

As perspectivas teóricas e metodológicas: investigando a diplomacia pelas lentes feministas

O campo teórico dos diversos feminismos é, sem dúvidas, um dos mais profícuos nas ciências humanas, caracterizando-se por intensos diálogos entre as disciplinas que se debruçam sobre a sociedade, a política, a economia e o internacional. Esse campo “cresce por meio de um trabalho interdisciplinar imaginativo e engajamentos políticos críticos”, ao mesmo tempo que a “teoria feminista não versa apenas sobre mulheres, embora seja isso; ela versa sobre o mundo, engajada por meio de perspectivas interseccionais” ( Ferguson, 2017Ferguson, K. E. (2017). Feminist theory today. Annual Review of Political Science, 20(1), 269-286. doi:10.1146/annurev-polisci-052715-111648 , p. 270)5 5 . “It grows through imaginative interdisciplinary work and critical political engagements. Feminist theory is not only about women, although it is that; it is about the world, engaged through critical intersectional perspectives”. (Tradução própria) . Não por acaso, a disciplina de relações internacionais é profundamente caudatária dos conceitos, questionamentos, interpretações e provocações das correntes feministas que se manifestam não só na produção acadêmica em antropologia, sociologia e ciência política; como também, nos movimentos feministas nacionais e transnacionais, que subvertem a ordem dita natural ao revelarem as hierarquias de gênero que estruturam a vida social.

A história do feminismo é tradicionalmente narrada pela ideia das três ondas que, mais do que significarem momentos fechados no tempo e com objetivos alcançados e finalizados, retratam os debates ensejados nos movimentos feministas. Segundo Carol Hay (2020)Hay, C. (2020). Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova Iorque: W. W. Norton Company. e Linda Zerilli (2006)Zerilli, L. (2006). Feminist theory and the canon of political thought. In J. S. Dryzek, B. Honign, A. Phillips (Orgs.), The Oxford handbook of political theory (pp. 106-124). Oxford: Oxford University Press. , a primeira onda, iniciada no fim do século XVIII, estaria associada às reivindicações de feministas como de Gouges e Wollstonecraft, além de filósofos como John Stuart Mill e Harriet Taylor Mill, cujas preocupações centravam-se nos direitos políticos básicos e proteções legais. A segunda onda toma como agenda a compreensão das opressões às mulheres para além das instituições sociais, políticas e econômicas, investigando como a sociedade em suas normas formais e informais estrutura desigualdades de poder, posteriormente reconhecidas como estruturas desiguais de gênero. São marcos nesse momento a obra O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir e A Mística Feminina , de Betty Friedan ( Pinto, 2010Pinto, C. R. J. (2010). Feminismo, história e poder. Revista Sociologia & Política, 18(36), 15-23. doi:10.1590/S0104-44782010000200003
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). Finalmente, a terceira onda problematiza as análises feministas anteriores por centrarem-se em experiências de um único tipo de mulher, nomeadamente a mulher branca, cis, heterossexual e de classe média, chamando a atenção para a pluralidade de experiências vividas por mulheres negras, latinas, do Sul Global, trans. Essa subversão conceitual e analítica abre espaço para que novas problemáticas adentrem os debates feministas, expandindo o entrelaçamento do gênero com outras clivagens sociais e identitárias, como raça, classe e sexualidade6 6 . Faz-se mister ressaltar que a narrativa das três ondas, por mais que seja a tradicionalmente contada, vem sendo ponderada por outras autoras. Hawkesworth e Disch (2018) , por exemplo, sugerem descrever a história do feminismo por temáticas, buscando abraçar as diversas experiências feministas ao redor do mundo. Pinto (2010) , por sua vez, situa as ondas dentro do contexto brasileiro específico do período ditatorial, inaugurado em 1964, e como impactou as lutas feministas. Mekgwe (2010) narra a história feminista africana não por ondas, mas sim por eras políticas, que tomam o colonialismo como referência. Esses exemplos demonstram que não existe uma historiografia única, ao passo que nos convidam a refletir sobre outras possibilidades narrativas sobre os feminismos no mundo. .

Partindo dessa trajetória feminista, os debates feministas adentraram as RI com o Terceiro Grande Debate teórico, que passou a informar novas abordagens epistemológicas acerca da produção de conhecimento ( Monte, 2013Monte, I. X. (2013). O debate e os debates: abordagens feministas para as relações internacionais. Estudos Feministas, 21(1), 59-80. doi:10.1590/S0104-026X2013000100004 ). No cerne dessa inserção, residia a crítica aos modelos neopositivistas de análise dos fenômenos internacionais propostos nos debates teóricos anteriores (realismo vs. idealismo, no Primeiro Debate; e metodologia e a síntese neorrealismo-neoliberalismo/neoinstitucionalismo, no Segundo Debate) e consolidados pela Revolução Behaviorista, propondo como alternativa um olhar sociológico e interdisciplinar para tratar a pluralidade das questões e agendas internacionais ( Brown & Eckersley, 2018Brown, C., Eckersley, R. (2018). International political theory and the real world. In C. Brown, R. Eckerlsey (Orgs.), The Oxford handbook of international political theory. Oxford: Oxford University Press. doi:10.1093/oxfordhb/9780198746928.013.52
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; Schmidt, 2006)Schmidt, B. C. (2006). On the history and historiography of international relations. In W. Carlsnaes, T. Risse, B. A. Simmons (Orgs.), Handbook of international relations (pp. 3-22). Londres: Sage. . Os feminismos, como apontado anteriormente, já possuíam uma longa tradição em outras disciplinas, que remonta desde a expansão de direitos e liberdades dos séculos XVIII e XIX ( Mill, 2017Mill, J. S. (2017). Sobre a liberdade e a sujeição das mulheres. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Wollstonecraft, 2016)Wollstonecraft, M. (2016). Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo, SP: Boitempo. ; até o desenvolvimento do conceito de gênero e o subsequente questionamento das injustiças simbólicas e materiais impostas pelos papéis atribuídos a homens e mulheres ( Fraser, 2013Fraser, N. (2013). Fortunes of feminism: from state-managed capitalism to neoliberal crisis. Londres: Verso. ; Hawkesworth, 2019Hawkesworth, M. (2019). Gender and political theory. Cambridge: Polity. ; Zerilli, 2006)Zerilli, L. (2006). Feminist theory and the canon of political thought. In J. S. Dryzek, B. Honign, A. Phillips (Orgs.), The Oxford handbook of political theory (pp. 106-124). Oxford: Oxford University Press. ; chegando, finalmente, a debates sobre a performatividade do gênero ( Butler, 2016Butler, J. (2016). Problemas de gênero. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. ; Lloyd, 2018)Lloyd, M. (2018). Performativity and performance. In L. Disch, M. Hawkesworth (Orgs.), The Oxford handbook of feminist theory (pp. 572-592). Oxford: Oxford University Press. , as interseccionalidades do gênero com outras clivagens ( Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro. São Paulo, SP: Boitempo. ; Hancock, 2016)Hancock, A. (2016). Intersectionality: an intellectual history. Oxford: Oxford University Press. e o lugar das mulheres do dito Terceiro Mundo ou Sul Global na lógica dos movimentos feministas transnacionais ( Ballestrin, 2017Ballestrin, L. M. A. (2017). Feminismos subalternos. Estudos Feministas, 25(3), 1035-1054. doi:10.1590/1806-9584.2017v25n3p1035 ; Lugones, 2010Lugones, M. (2010). Toward a decolonial feminism. Hypatia, 25(4), 742-759. doi:10.1111/j.1527-2001.2010.01137.x ; Mendoza, 2018Mendoza, B. (2018). Coloniality of gender and power: from poscoloniality to decoloniality. In L. Disch, M. Hawkesworth (Orgs.), The Oxford handbook of feminist theory (pp. 100-121). Oxford: Oxford University Press. ; Spivak, 2010)Spivak, G. C. 2010. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG. . Não é por acaso que, ao se inserirem na disciplina, as teorias feministas atuam em diversas frentes, que buscam compreender a construção social dos significados à luz do gênero; discutir a variabilidade histórica do conceito nas diferentes sociedades; e teorizar sobre o poder e o gênero, revelando suas estruturas invisíveis e invisibilizadas ( Enloe, 2014Enloe, C. (2014). Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics (2a ed.). Berkeley: University of California Press. ; Tickner, 2001)Tickner, J. A. (2001). Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War world. Nova Iorque: Columbia University Press. . Como sintetiza Joan Scott:

O ‘gênero’ abriu todo um conjunto de questões analíticas sobre como e em que condições diferentes papéis e funções foram definidos para cada sexo; como os próprios significados das categorias ‘homem’ e ‘mulher’ variaram de acordo com o tempo, o contexto e o lugar; como as normas regulatórias de conduta sexual foram criadas e aplicadas; como questões de poder e direitos influenciaram definições de masculinidade e feminilidade; como as estruturas simbólicas afetaram as vidas e práticas das pessoas comuns; como as identidades sexuais foram forjadas dentro e contra as prescrições sociais. ( Scott, 2010Scott, J. W. (2010). Gender: still a useful category of analysis? Diogenes, 57(1), 7-14. doi:10.1177/0392192110369316 , p. 9)

Nesse contexto, nas leituras feministas em relações internacionais, não só o Estado é problematizado como estrutura fundamental de perpetuação e promoção de desigualdades de gênero, como também a masculinidade nele ensejada (e que ecoa em todas as demais dimensões políticas e sociais) constitui uma preocupação fundamental das agendas de pesquisa ( Hawkesworth, 2019Hawkesworth, M. (2019). Gender and political theory. Cambridge: Polity. ). Como afirma MacKinnon, “a perspectiva masculina é sistêmica e hegemônica . . . Nesse contexto, a objetividade – o ponto de vista universal, não situado, seja afirmado, seja aspirado – é a negação da existência ou potência da desigualdade sexual que tacitamente participa na construção da realidade do ponto de vista dominante” (1983, p. 636, citado por Hawkesworth, 2019Hawkesworth, M. (2019). Gender and political theory. Cambridge: Polity. , p. 126)7 7 . “The male perspective is systemic and hegemonic… In this context,objectivity–the non-situated, universal standpoint, whether claimed of aspired to–is a denial of the existence of sex inequality that tacitly participates in constructing reality from the dominant point of view”. (Tradução própria) . A caracterização dessa masculinidade e suas implicações para as definições dos papéis de gênero informam a agenda teórica de gênero e diplomacia, na medida em que proporciona leituras do Estado e suas instituições como estruturas generificadas ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ). Isso significa que determinados espaços e funções são reservados para homens e para mulheres, porém, de maneiras desiguais, afetando as possibilidades de trajetória profissional dentro da instituição. Em outras palavras, ao atuar como uma relação estrutural de poder, o gênero se constitui como “um conjunto central de distinções entre diferentes categorias de pessoas, valoriza algumas em detrimento de outras, e organiza o acesso a recursos, direitos, responsabilidades, autoridade e opções de vida sobre as linhas demarcatórias daqueles grupos” ( Cohn, 2013, pCohn, C. (Org.) (2013). Women & wars. Cambridge: Polity Press. , p. 4)8 8 . “a central set of distinctions between different categories of people, valorizes some over others, and organizes access to resources, rights, responsibilities, authority, and life options along the lines demarcating those groups”. (Tradução própria) .

Essa divisão baseada no gênero assenta-se em concepções acerca do que são e/ou devem ser os papéis sociais de homens e mulheres em relação às vidas pública e privada. A reserva do espaço público aos homens encontra sua justificação em associações do masculino à universalidade, objetividade, racionalidade e ambição, características compreendidas como essenciais para se transitar na política e no mercado de trabalho. Já às mulheres reserva-se o espaço privado da casa, uma vez que sua feminilidade se constrói a partir do doméstico, determinando seus papéis em torno do cuidado e da família ( Hawkesworth, 2019Hawkesworth, M. (2019). Gender and political theory. Cambridge: Polity. ; Okin, 2008Okin, S. M. (2008). Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas, 16(2), 305-332. doi:10.1590/S0104-026X2008000200002 ; Pateman, 1993Pateman, C. (1993). O contrato sexual. São Paulo: Paz & Terra. ). Esses ideais de feminilidade e masculinidade – que são protegidos e fomentados pelo próprio Estado por meio de suas instituições e ordenamento jurídico – informam a atuação das (poucas) mulheres presentes na arena internacional, estabelecendo padrões de desigualdade de acesso à política (Tickner, 2006b). Essa divisão entre espaços público e privado dentro das fronteiras que se transpõe para o tabuleiro internacional é questionada pelas correntes feministas das relações internacionais e, não por acaso, Enloe (2014)Enloe, C. (2014). Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics (2a ed.). Berkeley: University of California Press. propõe que se pense também como o “pessoal é internacional”9 9 . Esse slogan é adaptado a partir do “o pessoal é político”, evocado no âmbito dos movimentos feministas durante a segunda onda. Seu significado remete às questões da esfera privada que permaneciam silenciadas e demanda a expansão da política para englobá-las no debate político. Temas associados a raça, sexualidade e privacidade da família são alguns dos que permaneciam selados na esfera privada, mas que demandam presença no debate político justamente por apresentarem violações de autonomia, violências invisibilizadas e variadas formas de injustiça. Para mais detalhes, ver Heberle (2018) . .

Nesse sentido, submeter o pessoal e o internacional ao escrutínio de uma leitura feminista significa apontar as configurações de gênero que constituem uma ordem de gênero, a qual, por sua vez, reflete os arranjos hierárquicos dessa clivagem na sociedade. Segundo Duriesmith:

Esses arranjos hierárquicos estão situados também internacionalmente, dado que as configurações de gênero que o Estado privilegia estão situadas em hierarquias globais de poder. . . . Para um modo generificado de engajamento existir, ele precisa ser definido em relação a outros; no caso dos Estados, a relação entre masculinidades hegemônicas e subordinadas é essencial para a construção da ordem de gênero. . . . [A]s configurações de significado que constroem masculinidades particulares (heterossexual, branco, racional, militarista etc.) são necessariamente definidas em relação a outras (reais ou imaginadas) que falham em satisfazer esse critério. ( Duriesmith, 2018Duriesmith, D. (2018). Manly states and feminist foreign policy: revisiting the liberal state as an agent of change. In S. Parashar, J. A. Tickner, J. True (Orgs.), Revisiting gendered states (pp. 51-68). Oxford: Oxford University Press. , pp. 55-56)10 10 . “These hierarchical arrangements are also situated internationally, as the gender configurations that the state privileges are situated within global hierarchies of power. . . . For one gendered mode of engagement to exist, it needs to be defined against others; in the case of states, the relationship between hegemonic and subordinate masculinities is essential to the construction of the international gender order . . . . the configurations of meaning that construct particular masculinities (heterosexual, white, rational, militarist, etc.) are necessarily defined against stigmatized others (real or imagined) that fail to satisfy this criterion”. (Tradução própria)

Nessa constituição relacional da masculinidade hegemônica se constrói a subalternidade das mulheres na arena internacional, seja no âmbito do reconhecimento dos seus direitos como mulheres, seja na sua inserção nas instituições formais do sistema internacional. A ideia de masculinidade hegemônica, como originalmente postulada por Raewyn Connell, define-se como “a configuração da prática de gênero que materializa a resposta atualmente aceita ao problema da legitimidade do patriarcado, que garante (ou se supõe que garante) a posição dominante dos homens e a subordinação das mulheres” (2005, p. 77)11 11 . “the configuration of gender practice which embodies the currently accepted answer to the problem of the legitimacy of patriarchy, which guarantees (or is taken to guarantee) the dominant posi tion of men and the subordination of women.” (Tradução própria) . Essa masculinidade está por trás da ordem de gênero que incide em caráter multidimensional sobre as estruturas da sociedade, desde suas normas até os corpos dos indivíduos ( Connell, 2005Connell, R. W. (2005). Masculinities (2a ed.). Berkeley: University of California Press. ). A arena da política internacional não escapa a esses efeitos: Tickner (2006b) sugere que “quando as mulheres entram na política, particularmente em áreas de política externa, elas entram em um mundo masculino já construído onde as expectativas sobre os papéis são definidas em termos da aderência a atributos masculinos preferenciais, como racionalidade, autonomia e poder” (p. 39)12 12 . “When women enter politics, particularly in areas of foreign policy, they enter an already constructed masculine world where role expectations are defined in terms of adherence to preferred masculine attributes such as rationality, autonomy, and power”. (Tradução própria) . No contexto da diplomacia, o elemento institucional tampouco escapa a essa ordem de gênero, afetando as trajetórias das diplomatas desde o ingresso até sua ascensão nos diferentes estágios da carreira.

Por tal razão, uma parte significativa da literatura sobre diplomacia e gênero tem recorrido às aproximações do feminismo com o estudo das instituições para conferir significado às experiências das diplomatas, de um lado, e superar o esforço de contabilização característico de uma abordagem liberal, de outro. Celeste Montoya (2018)Montoya, C. (2018). Institutions. In L. Disch, M. Hawkesworth (Orgs.), The Oxford handbook of feminist theory (pp. 367-384). Oxford: Oxford University Press. aponta que as teóricas feministas analisam as instituições mobilizando de maneiras específicas as discussões e os conceitos feministas: as liberais preocupam-se fundamentalmente com a presença das mulheres pelo seu aspecto quantitativo, frequentemente ignorando os papéis que elas exercem nas instituições; as socialistas focam nas clivagens mais amplas (raça, classe, gênero e nacionalidade) que constrangem as ações dos indivíduos; as pós-modernas e pós-estruturalistas se centram nos elementos discursivos e performativos das instituições; e as interseccionais enfatizam as interações simultâneas entre clivagens e como elas produzem novas e múltiplas modalidades de opressão. Subjacente a essas abordagens, coexistem diferentes concepções de instituição advindas da literatura institucional ( Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney, K. Thelen (Orgs.), Explaining institutional change: ambguity, agency and power (pp. 1-37). Cambridge: Cambridge University Press. ; North, 1990North, D. C. (1990). Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press ; 2005; Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time. Princeton: Princeton University Press. ; Skocpol, 1985)Skocpol, T. (1985). Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In P. B. Evans, D. Rueschemeyer, T. Skocpol (Orgs.), Bringing the state back in (pp. 3-43). Cambridge: Cambridge University Press. . Embora as enunciações sejam diversas, é possível partir de uma definição mais abrangente, segundo a qual as instituições são

blocos construtivos da ordem social: elas representam as expectativas sancionadas, isto é, coletivamente aplicadas com respeito ao comportamento de categorias específicas de atores ou à performance de certas atividades. Tipicamente elas envolvem direitos mutuamente relacionados e obrigações para o ator, distinguindo entre ações apropriadas e inapropriadas, ‘certas’ e ‘erradas’, ‘possíveis’ e ‘impossíveis’ e, desse modo, organizando o comportamento em padrões previsíveis e confiáveis. ( Thelen & Streeck, 2005Thelen, K., Streeck, W. (2005). Introduction: institutional change in advanced political economies. In K. Thelen, W. Streeck (Orgs.), Beyond continuity: institutional change in advanced political economies (pp. 1-39). Oxford: Oxford University Press. , p. 9)13 13 . “building-blocks of social order: they represent socially sanctioned, that is, collectively enforced expectations with respect to the behavior of specific categories of actors or to the performance of certain activities. Typically they involve mutually related rights and obligations for actors, distinguishing between appropriate and inappropriate, ‘right’ and ‘wrong’, ‘possible’ and ‘impossible’ actions and thereby organizing behavior into predictable and reliable patterns”. (Tradução própria)

Na leitura feministas das instituições, o gênero enquadra-se como os blocos construtivos da ordem social, definindo e sancionando as modalidades de ação dos indivíduos. Como salienta Kronsell (2006)Kronsell, A. (2006). Methods for studying silences: gender analysis in institutions of hegemonic masculinity. In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 108-128). Cambridge: Cambridge University Press. , “as instituições organizam e materializam discursos de gênero de maneiras historicamente dinâmicas, ao passo que simultaneamente autorizam e restringem o indivíduo envolvido nas atividades institucionais” (p. 109)14 14 . “Institutions both organize and materialize gender discourses in historically dynamic ways, while simultaneously enabling and restricting the individual involved in institutional activities”. (Tradução própria) . Nesse sentido, a análise institucional feminista traz aos holofotes o conceito de masculinidade hegemônica, profundamente discutido pelos feminismos nas relações internacionais ( Duriesmith, 2018Duriesmith, D. (2018). Manly states and feminist foreign policy: revisiting the liberal state as an agent of change. In S. Parashar, J. A. Tickner, J. True (Orgs.), Revisiting gendered states (pp. 51-68). Oxford: Oxford University Press. ; Peterson & True, 1998Peterson, V. S., True, J. (1998). New times and new conversations. In M. Zalewski, J. L. Parpart (Orgs.), The man question in international relations (pp. 14-27). Boulder: Westview Press. ; Zalewski & Parpart, 2008)Zalewski, M., Parpart, J. L. (2008). Introduction: rethinking the man question. In J. L. Parpart, M. Zalewski (Orgs.), Rethinking the man question: sex, gender and violence in international relations (pp. 1-20). Londres: Zed. . As instituições políticas voltadas à arena internacional (como a diplomacia e a defesa) são profundamente marcadas por uma presença masculina que estabelece normas de ação e comportamento aos indivíduos. Tais normas são fundamentais para a naturalização de identidades de gênero ( Peterson & True, 1998)Peterson, V. S., True, J. (1998). New times and new conversations. In M. Zalewski, J. L. Parpart (Orgs.), The man question in international relations (pp. 14-27). Boulder: Westview Press. , como também desempenham um papel fundamental na demarcação de determinados espaços como somente masculinos (ainda que frequentemente prevaleça um silêncio generalizado, mas revelador do quão autoevidente seriam corpos masculinos estarem à frente dessas instituições) ( Kronsell, 2006)Kronsell, A. (2006). Methods for studying silences: gender analysis in institutions of hegemonic masculinity. In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 108-128). Cambridge: Cambridge University Press. . A feminilidade, portanto, é vista com desapreço nessas instituições, vez que ela subverteria seus valores essenciais e universais, como também as estruturas de gênero que privilegiam a presença masculina nesses espaços15 15 . Inclusive, os ideais de masculinidade hegemônica rechaçam a presença de homens homossexuais, uma vez que são vistos como portadores de uma masculinidade defeituosa. A diplomacia não escapa a essa discriminação ( Bashevkin, 2018 ; Towns, 2020 ). . Como sintetizam Mona Krook e Fiona Mackay:

Dizer que uma instituição é estruturada pelo gênero significa que as construções de masculinidade e feminilidade estão entrelaçadas na cultura cotidiana ou ‘lógica’ das instituições políticas, em vez de ‘existentes lá fora na sociedade ou fixas nos indivíduos, os quais a trazem para a instituição’ . . .. Enquanto construções de masculinidade de feminilidade estão ambas presentes nas instituições políticas, o ideal masculino sustenta estruturas, práticas, discursos e normas institucionais, moldando ‘as formas de valorizar as coisas, modos de comportamento e modos de ser. ( Krook & Mackay, 2011Krook, M. L., Mackay, F. (2011). Introduction: gender, politics, and institutions. In M. L. Krook, F. Mackay (Orgs.), Gender, politics and institutions: towards a feminist institutionalism (pp. 1-20). Londres: Palgrave Macmillan. , p. 6)16 16 . “To say that an institution is gendered means that constructions of masculinity and femininity are intertwined in the daily culture or ‘logic’ of political institutions, rather than ‘existing out in society or fixed within individuals which they then bring whole to the institution’. While constructions of masculinity and femininity are both present in political institutions, the masculine ideal underpins institutional structures, practices, discourses, and norms, shaping ‘ways of valuing things, ways of behaving, and ways of being’.” (Tradução própria)

Nesse contexto, em que o masculino é a norma, as mulheres ocupam espaços marginais nessas instituições, profundamente marcadas por uma contraposição a noções de feminilidade. O silêncio, portanto, prevalece, exigindo da pesquisa nesse tipo de ambiente estratégias específicas que revelem o que está escondido sob um manto de normalidade. Do ponto de vista teórico, a desconstrução dos conceitos e discursos é uma estratégia cara às feministas das relações internacionais ( Enloe, 2014Enloe, C. (2014). Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics (2a ed.). Berkeley: University of California Press. ; Peterson & True, 1998Peterson, V. S., True, J. (1998). New times and new conversations. In M. Zalewski, J. L. Parpart (Orgs.), The man question in international relations (pp. 14-27). Boulder: Westview Press. ; Tickner, 1992Tickner, J. A. (1992). Gender in international relations: feminist perspectives on achieving global security. Nova Iorque: Columbia University Press. ; 2001), e que se materializa metodologicamente por meio da análise dos textos, discursos, imagens e trajetórias individuais ( D’Costa, 2006D’Costa, B. (2006). Marginalized identity: new frontiers of research for IR? In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 129-152). Cambridge: Cambridge University Press. ; Kronsell, 2006)Kronsell, A. (2006). Methods for studying silences: gender analysis in institutions of hegemonic masculinity. In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 108-128). Cambridge: Cambridge University Press. . Não por acaso, entrevistas semiestruturadas emergem como uma técnica para romper com os silêncios ( Balbino, 2011Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ; Soss, 2015)Soss, J. (2015). Talking our way to meaningful explanations: a practice-centered view of interviewing for interpretive research. In D. Yanow, P. Schwartz-Shea (Orgs.), Interpretation and method: empirical research methods and the interpretive turn (2a ed., pp. 161-182). Nova Iorque: ME Sharpe.17 17 . Como salienta Soss (2015 , p. 177): “As entrevistas oferecem uma excelente maneira de aprender como os indivíduos criam suas próprias concepções e as utilizam. Elas podem ser usadas para descobrir lógicas de integração (amplamente compartilhadas ou idiossincráticas) e fontes de desintegração. Em ambas possibilidades, o valor é que podemos explorar as conexões substantivas que ligam crenças e sentimentos.” [No original: “Interviews offer a superb way to learn how individuals knit their own conceptions together and put them to use. They can be used to uncover logics of integration (widely shared or idiosyncratic) and sources of disintegration. On both sides of this ledger, the value is that we can explore the substantive connections that link beliefs and sentiments.”] (Tradução própria) , embora as dificuldades em contextos de instituições marcadas pela masculinidade hegemônica envolvam os receios quanto à própria carreira e a desestabilização que a ruptura do silêncio pode provocar na instituição ( Kronsell, 2006)Kronsell, A. (2006). Methods for studying silences: gender analysis in institutions of hegemonic masculinity. In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 108-128). Cambridge: Cambridge University Press. . Alternativamente, abordagens etnográficas, quando viabilizadas pelas instituições, permitem colher informações de campo sobre as práticas, símbolos, rituais e procedimentos ( Cohn, 2006Cohn, C. (2006). Motives and methods: using multi-sited ethnography to study US national security discourses. In B. A. Ackerly, M. Stern, J. True (Orgs.), Feminist methodologies for international relations (pp. 91-107). Cambridge: Cambridge University Press. ; Pader, 2015)Pader, E. (2015). Seeing with an ethnographic sensibility: explorations beneath the surface of public policies. In D. Yanow, P. Schwartz-Shea (Orgs.), Interpretation and method: empirical research methods and the interpretive turn (2a ed., pp. 194-208). Nova Iorque: ME Sharpe. .

No caso dos estudos de gênero e diplomacia, o desafio consiste em combinar a multiplicidade de abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas para avançar análises institucionais feministas. Tanto a “contabilização dos números” (dificultada frequentemente pela ausência de dados quantitativos nos ministérios de relações exteriores), como a revelação das experiências de mulheres diplomatas são fundamentais para tornar visíveis as hierarquias de gênero operantes na instituição. O objetivo fundamental subjacente consiste na construção de uma análise de gênero , que reconhece o gênero como um elemento multifacetado e estruturante da realidade social ( Davies & True, 2015Davies, S. E., True, J. (2015). Reframing conflict-related sexual and gender-based violence: Bringing gender analysis back in. Security Dialogue, 46(6), 495-512. doi:10.1177/0967010615601389 ), o que leva ao uso recorrente do estudo de caso como abordagem metodológica preferida. Entretanto, ainda que o estudo de caso seja caro a essa agenda de pesquisa – sendo neles mobilizados dados estatísticos, arquivos, análises históricas, entrevistas e hermenêutica –, Aggestam e Towns (2019)Aggestam, K., Towns, A. E. (2019). The gender turn in diplomacy: a new research agenda. International Feminist Journal of Politics, 21(1), 9-28. doi:10.1080/14616742.2018.1483206 reconhecem a necessidade de se colocarem em perspectiva as experiências nacionais. O acumulado de casos permite verificar de maneira comparada os padrões de exclusão, as modalidades de discriminação e os obstáculos enfrentados na carreira por diplomatas mulheres, tornando um fenômeno a princípio analisado sob uma óptica local em um fenômeno mais geral de hierarquização global do gênero. A partir dessa abordagem, é possível ressignificar a experiência das mulheres na diplomacia, bem como a instituição em si, questionando discursos de paridade de gênero e, sobremaneira, a masculinidade hegemônica. Não por acaso, as pesquisas recentes sobre gênero e diplomacia mobilizam tanto as (poucas) informações sobre o número de membros da instituição, como suas normas internas para avançar compreensões multidimensionais das injunções da ordem de gênero sobre as e os diplomatas. Nesse sentido, o olhar pelas lentes feministas tem-se demonstrado particularmente eficiente, em suas diversas abordagens, no processo de teorização e análise empírica da diplomacia como uma instituição generificada18 18 . Evidentemente, o estudo da diplomacia não necessariamente parte de uma abordagem feminista, mesmo quando se utiliza a chave de gênero. Um exemplo brasileiro recente é o estudo de Lima e Oliveira (2018) , que possui um enorme valor do ponto de vista quantitativo, mas que não se apoia em abordagens feministas nem no conceito de interseccionalidade para ponderar os achados sobre gênero e raça na diplomacia nacional. O perigo de uma análise insensível ao gênero é tratar o gênero como uma variável meramente dicotômica com fins de estabelecimento de relações de causalidade, sem compreender como o mesmo faz parte de uma ordem mais ampla e estruturante da sociedade e da política ( Davies & True, 2015 ). . Como afirma True:

. . . trazer as mulheres para a formulação de política externa e internacional não apenas adiciona novas vozes aos Estados existentes e fundados historicamente no gênero. Trazer diversas mulheres como mulheres envolvidas em lutas contra patriarcados locais e globais para o debate sobre valores comuns é crucial para evitar o aumento da discórdia global, violência e conflito, bem como para corrigir injustiças da globalização e de gênero. ( True, 2018True, J. (2018). Bringing back gendered states: feminist second image theorizing of international relations. In S. Parashar, J. A. Tickner, J. True (Orgs.), Revisiting Gendered states: feminist imaginings of the state in international relations (pp. 33-48). Oxford: Oxford University Press. , p. 47, grifo no original)19 19 . No original: “. . . bringing women into the foreign and international policymaking does not just add new voices to existing, and historically gendered, states. Bringing diverse women as women engaged in struggles against local and global patriarchies into the debate about common values is crucial to averting the rise in global discord, violence, and conflict as well as to redressing globalized, gendered injustices”. (Tradução própria)

Diante do convite de True para a inclusão das mulheres, faz-se mister apontar outro aspecto tanto teórico como metodológico que merece atenção na agenda de pesquisa sobre gênero e diplomacia: a interseccionalidade. A heterogeneidade das identidades das mulheres constitui elemento fundamental de suas experiências vividas, com impactos em processos internacionais ( Paffenholz, 2018Paffenholz, T. (2018). Women in peace negotiations. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 169-191). Cham: Palgrave Macmillan. ), mas embora tal fato seja reconhecido nos estudos feministas em relações internacionais, sua incorporação aos debates de gênero e diplomacia permanece tímido. Esse silêncio é apontado por Standfield em sua crítica às coletâneas de Cassidy e Aggestam e Towns, assinalando que “os volumes teriam se beneficiado de uma maior investigação sobre as dinâmicas interseccionais que criam hierarquias entre mulheres”, principalmente no que tange às premissas e práticas das feministas do Norte Global vis-à-vis às do Sul Global ( Standfield, 2019Standfield, C. (2019). Feminist perspectives on diplomatic practice – a review. International Feminist Journal of Politics, 21(1), 152-154. doi:10.1080/14616742.2018.1555005 , p. 153)20 20 . “The volumes would have benefited from more investigation into the intersectional dynamics that create hierarchies among women.” (Tradução própria) . Porém, é importante ressaltar que há esforços, ainda que limitados, em preencher essa lacuna ao se reconhecerem as interseccionalidades entre gênero e classe ( Neumann, 2008Neumann, I. B. (2008). The body of the diplomat. European Journal of International Relations, 14(4), 671-695. doi:10.1177/1354066108097557 ) e gênero e sexualidade21 21 . Bashevkin (2018) e Towns (2020) descrevem como as perseguições contra homossexuais durante a Guerra Fria impactou no corpo diplomático dos Estados Unidos da América: entre os anos 1950 e 1960, aproximadamente mil indivíduos foram demitidos do Departamento de Estado devido à sua sexualidade. As razões por trás de tal caça às bruxas fundamentam-se na masculinidade da instituição, a qual atribui imagens de feminilidade a diplomatas homens homossexuais, imagens tidas como incompatíveis com a instituição. Alguns exemplos são histeria, propensão a “fofocas” e fragilidade. Embora a instituição hoje não seja “agressivamente homofóbica”, essas imagens do diplomata homossexual ainda permanecem ( Towns, 2020, p , pp. 591-592). ( Aggestam & Towns, 2018Aggestam, K., Towns, A. E. (2018). Gendering diplomacy and international negotiation. Cham: Palgrave Macmillan. ; Bashevkin, 2018Bashevkin, S. (2018). The taking of foggy bottom? Representation in US Diplomacy. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 45-63) Cham: Palgrave Macmillan. ; Dean, 2012)Dean, R. (2012). The personal and the political: gender and sexuality in diplomatic history. Diplomatic History, 36(4), 763-767. doi:10.1111/j.1467-7709.2012.01054.x no contexto da diplomacia. No cenário brasileiro, a recente desagregação de dados socioeconômicos e identitários revelam as diferenças de acesso e trajetória no Itamaraty ( Lima & Oliveira, 2018)Lima, R. C., Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões de carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. doi:10.1590/0034-7612175199 , permitindo averiguar e subverter a autoimagem projetada pela instituição do diplomata homem, idoso e branco ( Farias & Carmo, 2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. . A incorporação da interseccionalidade como chave conceitual, portanto, constitui um desafio tanto do ponto de vista da teorização sobre gênero e diplomacia, visando questionar as diversas e complexas estruturas da ordem de gênero; como do recurso a soluções metodológicas inovadoras que transcendam as agendas correntes aqui discutidas. Em ambos os eixos, a literatura aprofundar-se-á na medida que essas questões forem sensibilizadas nas pesquisas.

As diplomatas brasileiras: breve avaliação do estado atual

O pioneirismo da diplomata soteropolitana Maria José de Castro Rebelo Mendes, apresentada na introdução, marca o início de uma história caracterizada por descontinuidades institucionais no Itamaraty no que tange ao acesso formal das mulheres à carreira diplomática. Da vigência à suspensão da proibição de ingresso de mulheres22 22 . Em 1938, com a Reforma Oswaldo Aranha, que fundiu os serviços diplomáticos e consulares em uma única carreira, as mulheres são formalmente proibidas de ingressar na carreira diplomática. A proibição foi formalmente revogada apenas em 1954. Para mais detalhes, ver Brandão et al. (2017). , até as mudanças na estrutura da carreira, a casa da diplomacia produziu variadas desigualdades de gênero, algumas invisibilizadas pela aparente isonomia formal de tratamento ( Brandão et al., 2017Brandão, L., Amaral, T., Euzebio, D. F., Gregório, A. (2017). Mulheres no Itamaraty: as reformas do Ministério das Relações Exteriores à luz da teoria feminista. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, 6(11), 281-304. ; Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ). É fato que iniciativas recentes por parte da instituição, como a criação de um comitê para gestão de questões de gênero e raça – nomeadamente, para tratar de abusos e assédio –, fomentam o debate sobre a presença feminina no Itamaraty e as variadas modalidades de discriminação que incidem sobre as diplomatas, porém, as hierarquias de gênero, a despeito de tais esforços, persistem. Como uma instituição estruturada pelo gênero, o Itamaraty reproduz ideais específicos da diplomacia fundamentados em uma perspectiva masculinizada do ofício ( Balbino, 2011Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ; Farias & Carmo, 2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. .

Esses ideais manifestaram-se, no começo do século XX, por meio de atribuição de posições de menor prestígio às mulheres, nomeadamente aquelas vinculadas ao serviço consular ( Brandão et al., 2017Brandão, L., Amaral, T., Euzebio, D. F., Gregório, A. (2017). Mulheres no Itamaraty: as reformas do Ministério das Relações Exteriores à luz da teoria feminista. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, 6(11), 281-304. ). Tradicionalmente, os postos consulares assumem um papel mais técnico-burocrático e à época reduzia as possibilidades de designação para missões no exterior, consideradas mais dignas e prestigiosas ( Friaça, 2018Friaça, G. J. R. (2018). Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011): uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ). Quando, em meados do século passado, os serviços consulares e diplomáticos foram unificados em uma única carreira, não só emergiram conflitos quanto ao papel a ser desempenhado pelas diplomatas que já se encontravam na carreira, como também foram resolvidos por meio da proibição do ingresso de mulheres.

Outro fator que merece destaque nesse contexto inicial refere-se aos sistemas de incentivos e desincentivos particulares às mulheres casadas. Seu ingresso na carreira trouxe à tona a questão do casamento entre diplomatas, sendo tratada no Decreto 24.113/1934. Em seu artigo 108, § 3º, o matrimônio contraído entre dois funcionários do serviço diplomático ou consular resultaria em que “um deles passar[ia] para a disponibilidade não remunerada, consoante declaração escrita em que ambos manifestem a preferência do casal sobre qual dos cônjuges deve ser atingido por essa medida” ( Brasil, 1934Brasil. (1934, 13 de abril). Decreto n. 24.113. Diário Oficial da União. Recuperado de https://bit.ly/3EUosLl
https://bit.ly/3EUosLl...
). Como relatam Farias e Carmo (2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. , os efeitos do decreto pesavam com maior frequência sobre as diplomatas, sendo elas as que se resignavam de sua carreira quando contraíam o matrimônio. Apenas em 1966 houve mudança na legislação: o Decreto-Lei 69/1966 estabeleceu o congelamento da carreira em vez da completa resignação. De todo modo, e embora atualmente diplomatas casados possam ser designados juntos para uma mesma representação diplomática, o histórico de entraves por conta do casamento, bem como de outras licenças, resultou em trajetórias descontínuas das mulheres no Itamaraty ( Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ).

No cenário contemporâneo, em que revoluções internas inspiradas nos movimentos feministas dos anos 1950 e 1960 trouxeram as mulheres novamente à diplomacia depois de décadas de proibição, as barreiras formais sucumbiram e prevalece o tratamento formal não só quanto ao ingresso, mas também no dia a da do ofício. Entretanto, se a igualdade de tratamento é garantida pela lei, as formas como atuam as hierarquias de gênero revelam um cenário diferente do que se vê na superfície. As trajetórias das mulheres diplomatas no Itamaraty apresentam cenários diversos, alguns dos quais dialogam com os resultados observados em outras academias diplomáticas mundo afora, enquanto outros são específicos do país. A baixa presença é, seguramente, o mais evidente paralelo que se observa não só no caso nacional, como também em outros países ( Balbino, 2011Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. ; Brandão et al., 2017Brandão, L., Amaral, T., Euzebio, D. F., Gregório, A. (2017). Mulheres no Itamaraty: as reformas do Ministério das Relações Exteriores à luz da teoria feminista. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, 6(11), 281-304. ; Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ). Porém, em se tratando de posições de prestígio (tais como assessoria de órgãos de alto nível, nos gabinetes do secretário-geral e do ministro de Estado, nas subsecretarias e nas atividades externas ao Itamaraty), os dados quantitativos demonstram haver pouca diferença aparente entre homens e mulheres no ministério, mesmo quando se levam em conta posições em embaixadas do circuito Elizabeth Arden23 23 . Termo utilizado para referir-se às embaixadas e missões multilaterais de maior prestígio, localizadas nas cidades de maior interesse da diplomacia brasileira e mundial: Berlim, Buenos Aires, Lisboa, Londres, Paris, Roma, Tóquio, Vaticano e Washington. ( Farias & Carmo, 2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. .

Entretanto, esses números invisibilizam as desigualdades de gênero que afetam as trajetórias das diplomatas no Itamaraty, as quais se revelam a partir do momento em que se combinam outras abordagens metodológicas. O sistema de incentivos e constrangimentos da carreira, alicerçado sobre símbolos de feminilidade e masculinidade, obstacularizam a carreira das mulheres desde sua permanência no ofício, até as oportunidades que lhe são oferecidas. Segundo Farias e Carmo (2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. , poucas mulheres atingem o cargo máximo da carreira (Ministra de Primeira Classe) justamente porque a abandonam antes de chegar a esse estágio. Os autores denominam esse fenômeno de “vazamento” na carreira diplomática e origina-se de variadas práticas na instituição, como: (a) a proibição até 1966 de que se dois diplomatas casassem com a consequente resignação de um dos cônjuges; (b) as leis de aposentadoria, que permitem às mulheres diplomatas aposentarem-se mais cedo; (c) o ambiente de meritocracia, que penaliza quem privilegia a vida pessoal (incluindo, portanto, a família) em detrimento do serviço e os sacrifícios que devem ser devotados ao mesmo ( Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ). Associados a esses fatores, há ainda o simbolismo de que a diplomacia é um ofício intrinsicamente masculino, o que é projetado e reafirmado pelo próprio Itamaraty ( Farias & Carmo, 2018Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ; Lima & Oliveira, 2018)Lima, R. C., Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões de carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. doi:10.1590/0034-7612175199 .

Não por acaso, as entrevistas de Balbino (2011)Balbino, V. R. (2011). Diplomata. Substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. revelam experiências mais profundas do que a contabilização quantitativa das mulheres diplomatas. Se de fato não existem obstáculos formais na contemporaneidade, ainda persistem hierarquias de gênero que condicionam as possibilidades de ascensão na carreira e, principalmente, de sua vivência no dia a dia. Em seu estudo, ela identifica sete fatores que permitem analisar a condição da mulher diplomata no Itamaraty: (a) a baixa percentagem de mulheres nos cargos mais altos, o que inibe a visibilidade das diplomatas e a pretensão de se seguir a carreira, bem como gera um clima de competição interna entre as poucas mulheres; (b) dificuldade de apoio político para a promoção na carreira; (c) baixo número de inscrições; e (d) aprovações no concurso, fato verificado também por Farias e Carmo (2018)Farias, R. S., Carmo, G. F. (2018). Brazilian female diplomats and the struggle for gender equality. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 107-124). Cham: Palgrave Macmillan. ; (e) dificuldade de conciliar a vida pessoal (em especial, o casamento e a família) com a carreira; (f) laços familiares com diplomatas, demonstrando que a carreira cria incentivos específicos para as mulheres com parentes diplomatas; (g) inserção preferencial em cargos de chancelaria, reforçando os papéis de assistência. Entendidos em conjunto, esses fatores caracterizam as formas como a estrutura de gênero do Itamaraty penaliza as diplomatas, seja nos elementos materiais, seja nos simbolismos.

Esse breve quadro da diplomacia brasileira fornece um panorama das vivências específicas das poucas mulheres diplomatas. Entretanto, algumas lacunas de pesquisa ainda se fazem presentes, invisibilizando questões de gênero mais amplas. Salientamos, especificamente, o desiderato de se incorporar uma abordagem interseccional que leve em consideração classe, raça, sexualidade e origem regional nos estudos de gênero e diplomacia no Brasil, buscando evidenciar como essas clivagens, acopladas ao gênero, estabelecem novas formas de opressão dentro da ordem de gênero da instituição. Lima e Oliveira (2018)Lima, R. C., Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões de carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. doi:10.1590/0034-7612175199 , ao desagregarem dados estatísticos dessa natureza, oferecem sinais – ainda que não partam dessa abordagem – da importância do uso da interseccionalidade como chave conceitual para fornecer novos entendimentos sobre o Itamaraty e a carreira diplomática. Como os próprios autores evidenciam, a diplomacia brasileira segue sendo um espaço eminentemente branco, de baixa presença feminina, com pessoas oriundas primariamente das mesmas regiões e instituições de ensino superior. Conferir significado a essa imagem do Itamaraty e de seus diplomatas perpassa necessariamente a introdução de uma análise de gênero interseccional, visando não só diagnosticar as hierarquias internas, como também identificar seus espaços e intentos de transformação.

Nesse sentido, o aprofundamento das pesquisas de abrangência nacional sobre gênero e diplomacia demanda a combinação de métodos quantitativos e qualitativos para superar a invisibilização de padrões de exclusão e opressão na carreira. Embora recorram a diferentes abordagens metodológicas e técnicas de pesquisa (entrevistas em profundidade, dados estatísticos descritivos, testes de correlação, análise hermenêutica da legislação, análise histórica e análise de arquivos), os estudos ainda carecem de uma articulação com os marcos teóricos da literatura especializada, nomeadamente as de gênero e feminismo nas relações internacionais. Esse é um desafio que caminha para uma superação (Faria & Carmo, 2018), mas que, se não incorporado como fio teórico nos estudos, pode levar a estudos que reproduzam a insensibilidade às questões de gênero subjacentes à instituição da diplomacia. Esse, talvez, seja o apelo mais importante para as pesquisas subsequentes em gênero e diplomacia no Brasil, especialmente para colocá-la em um patamar de diálogo com os demais estudos internacionais e, principalmente, contribuir para o objetivo de estabelecer marcos comparativos entre casos ( Aggestam & Towns, 2019)Aggestam, K., Towns, A. E. (2019). The gender turn in diplomacy: a new research agenda. International Feminist Journal of Politics, 21(1), 9-28. doi:10.1080/14616742.2018.1483206 . Recorrer aos marcos teóricos que viemos discutindo ao longo do texto – com especial atenção às diversas abordagens feministas institucionais – é um passo fundamental no estabelecimento de uma análise capaz de revelar as estruturas de poder subjacentes à ordem de gênero da diplomacia.

Conclusão

A agenda de gênero e diplomacia ainda se encontra em sua infância. Apesar dos esforços recentes em se compilarem estudos de casos, o tema ainda carece de estudos mais amplos, que coloquem as trajetórias nacionais particulares em uma perspectiva comparada mais ampla. Isso não significa ignorar as especificidades reveladas pelo escrutínio aprofundado dos casos, mas, sim, a necessidade de se compreenderem os desenvolvimentos institucionais da diplomacia como um fenômeno em que hierarquias de gênero operam de maneiras similares entre os países.

Ao longo deste artigo, mapeamos os estudos sobre diplomacia que se ocupam principalmente de três agendas: (a) quantificar a presença feminina; (b) revelar as estruturas da masculinidade hegemônica; (c) identificar e subverter as concepções de masculinidade e feminilidade na diplomacia. Ao explorar os elementos teóricos subjacentes a essas linhas de pesquisa, evidenciamos chaves conceituais das teorias feministas que permitem avançar o estudo da diplomacia para além dos estudos de caso. Há um horizonte de pesquisa ainda inexplorado que pode se beneficiar de uma abordagem comparativa. Nesse contexto, as teorias feministas, em especial suas manifestações na teoria política e nas relações internacionais, oferecem não só o lastro conceitual que permite a comparação, como também fomentam a interpretação de fenômenos mais amplos transversais às experiências nacionais, dentre os quais se destacam as desigualdades de poder entre homens e mulheres na carreira diplomática e as hierarquias de gênero engendradas na instituição.

A despeito dos avanços, a diplomacia ainda é um espaço eminentemente masculino e masculinizado, caracterizado por normas, ritos e tradições flagrantemente generificados. Pôr em evidência a presença e o trabalho das diplomatas é uma das formas de transformar uma realidade persistente de desigualdades de gênero. Ao trazer as experiências e vivências dessas mulheres em um dos ofícios mais prestigiados da arena internacional, é possível ressignificar o caráter da carreira e reinventar as modalidades pelas quais as relações internacionais são arquitetadas. Porém, um passo fundamental no processo de revelação das hierarquias de gênero da diplomacia presume o aprofundamento com outras chaves interseccionais que desafiam o olhar para além do binarismo entre homens e mulheres. Se os ideais de masculinidade e feminilidade operam vis-à-vis outras clivagens sociais, outras formas de opressão se manifestam, e ignorá-las significa invisibilizar uma parte substantiva das experiências dos indivíduos na instituição. Nesse sentido, o desafio que se coloca para as análises de gênero na diplomacia em pesquisas futuras reside na sensibilidade investigativa para essas modalidades interseccionais de hierarquização e opressão institucional, o que per se exige novos diálogos teóricos e abordagens metodológicas inovadoras.

Agradecimentos

O autor e a autora agradecem os preciosos comentários das pareceristas anônimas e a Melina Mörschbächer por seus comentários na versão inicial do texto.

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Notas

  • 1
    . Os países nórdicos possuem políticas específicas para o empoderamento das mulheres nas suas instituições políticas, a ponto de a Suécia subscrever a uma “política externa feminista” (Niklasson 2018).
  • 2
    . O dossiê, publicado em 1988, é considerado o momento de ingresso dos debates feministas nas RI, servindo como ponto de referência para os estudos de gênero e diplomacia. Para mais detalhes sobre o ingresso do feminismo na disciplina de RI, ver Grecco (2020)Grecco, G. L. (2020). Feminismos y género en los estudios internacionales. Relaciones Internacionales, (44), 127-145. doi:10.15366/relacionesinternacionales2020.44.007 .
  • 3
    . Em nossas pesquisas nas bases da Scielo, Periódicos CAPES, Jstor e Google Scholar, as buscas com os termos “diplomacia”, “gênero”, “mulheres”, “mulheres diplomatas” e suas respectivas traduções ao inglês redundam nas referências utilizadas nesta pesquisa. É flagrante, ainda, a pouca disponibilidade de textos em português: menos de 10 (dez) artigos na Scielo e no Periódicos CAPES versam sobre gênero e diplomacia especificamente. Nesse sentido, optamos por uma revisão sistemática dessa bibliografia, orientada para os aspectos teóricos e metodológicos constantes nos textos.
  • 4
    . “In the West, the image of a foreign-policymaker has been strongly associated with elite, white males and representations of hegemonic masculinity.” (Tradução própria)
  • 5
    . “It grows through imaginative interdisciplinary work and critical political engagements. Feminist theory is not only about women, although it is that; it is about the world, engaged through critical intersectional perspectives”. (Tradução própria)
  • 6
    . Faz-se mister ressaltar que a narrativa das três ondas, por mais que seja a tradicionalmente contada, vem sendo ponderada por outras autoras. Hawkesworth e Disch (2018)Hawkesworth, M., Disch, L. (2018). Introduction. feminist theory: transforming the known world. In L. Disch, M. Hawkesworth (Orgs.), The Oxford handbook of feminist theory (pp. 1-15). Oxford: Oxford University Press. , por exemplo, sugerem descrever a história do feminismo por temáticas, buscando abraçar as diversas experiências feministas ao redor do mundo. Pinto (2010)Pinto, C. R. J. (2010). Feminismo, história e poder. Revista Sociologia & Política, 18(36), 15-23. doi:10.1590/S0104-44782010000200003
    https://doi.org/10.1590/S0104-4478201000...
    , por sua vez, situa as ondas dentro do contexto brasileiro específico do período ditatorial, inaugurado em 1964, e como impactou as lutas feministas. Mekgwe (2010)Mekgwe, P. (2010). Post Africa(n) feminism? Third Text, 24(2), 189-194. doi:10.1080/09528821003722116 narra a história feminista africana não por ondas, mas sim por eras políticas, que tomam o colonialismo como referência. Esses exemplos demonstram que não existe uma historiografia única, ao passo que nos convidam a refletir sobre outras possibilidades narrativas sobre os feminismos no mundo.
  • 7
    . “The male perspective is systemic and hegemonic… In this context,objectivity–the non-situated, universal standpoint, whether claimed of aspired to–is a denial of the existence of sex inequality that tacitly participates in constructing reality from the dominant point of view”. (Tradução própria)
  • 8
    . “a central set of distinctions between different categories of people, valorizes some over others, and organizes access to resources, rights, responsibilities, authority, and life options along the lines demarcating those groups”. (Tradução própria)
  • 9
    . Esse slogan é adaptado a partir do “o pessoal é político”, evocado no âmbito dos movimentos feministas durante a segunda onda. Seu significado remete às questões da esfera privada que permaneciam silenciadas e demanda a expansão da política para englobá-las no debate político. Temas associados a raça, sexualidade e privacidade da família são alguns dos que permaneciam selados na esfera privada, mas que demandam presença no debate político justamente por apresentarem violações de autonomia, violências invisibilizadas e variadas formas de injustiça. Para mais detalhes, ver Heberle (2018)Heberle, R. (2018). The personal is political. In L. Disch, M. Hawkesworth (Orgs.), The Oxford handbook of feminist theory (pp. 593-609). Oxford: Oxford University Press. .
  • 10
    . “These hierarchical arrangements are also situated internationally, as the gender configurations that the state privileges are situated within global hierarchies of power. . . . For one gendered mode of engagement to exist, it needs to be defined against others; in the case of states, the relationship between hegemonic and subordinate masculinities is essential to the construction of the international gender order . . . . the configurations of meaning that construct particular masculinities (heterosexual, white, rational, militarist, etc.) are necessarily defined against stigmatized others (real or imagined) that fail to satisfy this criterion”. (Tradução própria)
  • 11
    . “the configuration of gender practice which embodies the currently accepted answer to the problem of the legitimacy of patriarchy, which guarantees (or is taken to guarantee) the dominant posi tion of men and the subordination of women.” (Tradução própria)
  • 12
    . “When women enter politics, particularly in areas of foreign policy, they enter an already constructed masculine world where role expectations are defined in terms of adherence to preferred masculine attributes such as rationality, autonomy, and power”. (Tradução própria)
  • 13
    . “building-blocks of social order: they represent socially sanctioned, that is, collectively enforced expectations with respect to the behavior of specific categories of actors or to the performance of certain activities. Typically they involve mutually related rights and obligations for actors, distinguishing between appropriate and inappropriate, ‘right’ and ‘wrong’, ‘possible’ and ‘impossible’ actions and thereby organizing behavior into predictable and reliable patterns”. (Tradução própria)
  • 14
    . “Institutions both organize and materialize gender discourses in historically dynamic ways, while simultaneously enabling and restricting the individual involved in institutional activities”. (Tradução própria)
  • 15
    . Inclusive, os ideais de masculinidade hegemônica rechaçam a presença de homens homossexuais, uma vez que são vistos como portadores de uma masculinidade defeituosa. A diplomacia não escapa a essa discriminação ( Bashevkin, 2018Bashevkin, S. (2018). The taking of foggy bottom? Representation in US Diplomacy. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 45-63) Cham: Palgrave Macmillan. ; Towns, 2020Towns, A. E. (2020). ‘Diplomacy is a feminine art’: feminised figurations of the diplomat. Review of International Studies, 46(5), 573-593. doi:10.1017/S0260210520000315 ).
  • 16
    . “To say that an institution is gendered means that constructions of masculinity and femininity are intertwined in the daily culture or ‘logic’ of political institutions, rather than ‘existing out in society or fixed within individuals which they then bring whole to the institution’. While constructions of masculinity and femininity are both present in political institutions, the masculine ideal underpins institutional structures, practices, discourses, and norms, shaping ‘ways of valuing things, ways of behaving, and ways of being’.” (Tradução própria)
  • 17
    . Como salienta Soss (2015Soss, J. (2015). Talking our way to meaningful explanations: a practice-centered view of interviewing for interpretive research. In D. Yanow, P. Schwartz-Shea (Orgs.), Interpretation and method: empirical research methods and the interpretive turn (2a ed., pp. 161-182). Nova Iorque: ME Sharpe. , p. 177): “As entrevistas oferecem uma excelente maneira de aprender como os indivíduos criam suas próprias concepções e as utilizam. Elas podem ser usadas para descobrir lógicas de integração (amplamente compartilhadas ou idiossincráticas) e fontes de desintegração. Em ambas possibilidades, o valor é que podemos explorar as conexões substantivas que ligam crenças e sentimentos.” [No original: “Interviews offer a superb way to learn how individuals knit their own conceptions together and put them to use. They can be used to uncover logics of integration (widely shared or idiosyncratic) and sources of disintegration. On both sides of this ledger, the value is that we can explore the substantive connections that link beliefs and sentiments.”] (Tradução própria)
  • 18
    . Evidentemente, o estudo da diplomacia não necessariamente parte de uma abordagem feminista, mesmo quando se utiliza a chave de gênero. Um exemplo brasileiro recente é o estudo de Lima e Oliveira (2018)Lima, R. C., Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões de carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. doi:10.1590/0034-7612175199 , que possui um enorme valor do ponto de vista quantitativo, mas que não se apoia em abordagens feministas nem no conceito de interseccionalidade para ponderar os achados sobre gênero e raça na diplomacia nacional. O perigo de uma análise insensível ao gênero é tratar o gênero como uma variável meramente dicotômica com fins de estabelecimento de relações de causalidade, sem compreender como o mesmo faz parte de uma ordem mais ampla e estruturante da sociedade e da política ( Davies & True, 2015Davies, S. E., True, J. (2015). Reframing conflict-related sexual and gender-based violence: Bringing gender analysis back in. Security Dialogue, 46(6), 495-512. doi:10.1177/0967010615601389 ).
  • 19
    . No original: “. . . bringing women into the foreign and international policymaking does not just add new voices to existing, and historically gendered, states. Bringing diverse women as women engaged in struggles against local and global patriarchies into the debate about common values is crucial to averting the rise in global discord, violence, and conflict as well as to redressing globalized, gendered injustices”. (Tradução própria)
  • 20
    . “The volumes would have benefited from more investigation into the intersectional dynamics that create hierarchies among women.” (Tradução própria)
  • 21
    . Bashevkin (2018)Bashevkin, S. (2018). The taking of foggy bottom? Representation in US Diplomacy. In K. Aggestam, A. E. Towns (Orgs.), Gendering diplomacy and international negotiation (pp. 45-63) Cham: Palgrave Macmillan. e Towns (2020)Towns, A. E. (2020). ‘Diplomacy is a feminine art’: feminised figurations of the diplomat. Review of International Studies, 46(5), 573-593. doi:10.1017/S0260210520000315 descrevem como as perseguições contra homossexuais durante a Guerra Fria impactou no corpo diplomático dos Estados Unidos da América: entre os anos 1950 e 1960, aproximadamente mil indivíduos foram demitidos do Departamento de Estado devido à sua sexualidade. As razões por trás de tal caça às bruxas fundamentam-se na masculinidade da instituição, a qual atribui imagens de feminilidade a diplomatas homens homossexuais, imagens tidas como incompatíveis com a instituição. Alguns exemplos são histeria, propensão a “fofocas” e fragilidade. Embora a instituição hoje não seja “agressivamente homofóbica”, essas imagens do diplomata homossexual ainda permanecem ( Towns, 2020, pTowns, A. E. (2020). ‘Diplomacy is a feminine art’: feminised figurations of the diplomat. Review of International Studies, 46(5), 573-593. doi:10.1017/S0260210520000315 , pp. 591-592).
  • 22
    . Em 1938, com a Reforma Oswaldo Aranha, que fundiu os serviços diplomáticos e consulares em uma única carreira, as mulheres são formalmente proibidas de ingressar na carreira diplomática. A proibição foi formalmente revogada apenas em 1954. Para mais detalhes, ver Brandão et al. (2017).
  • 23
    . Termo utilizado para referir-se às embaixadas e missões multilaterais de maior prestígio, localizadas nas cidades de maior interesse da diplomacia brasileira e mundial: Berlim, Buenos Aires, Lisboa, Londres, Paris, Roma, Tóquio, Vaticano e Washington.
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  • Financiamento: Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Josiane Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2020
  • Aceito
    23 Jul 2021
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