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A Mobilidade Internacional Voluntária Vivida em Riso, Choro e Ressignificação: Experiências de Brasileiros Compartilhadas em Canais no Youtube

Resumo

A mobilidade internacional voluntária exige maior responsabilidade, visto que não há estrutura e suporte organizacional para o desafio de viver em outro país. O objetivo deste trabalho é analisar o processo de adaptação intercultural de brasileiros imigrantes e autoexpatriados em países “fora do eixo” (menos procurados/sem comunidade estruturada de brasileiros) a partir de seus relatos e interações em canais no YouTube. O estudo emprega abordagem qualitativa, com pesquisa narrativa de quatro indivíduos. Os dados foram coletados entre março e maio de 2021 de acordo com as categorias: adaptação intercultural; tipos de adaptação; estrutura e funcionamento do canal. Confirmou-se a aplicabilidade das teorias de adaptação intercultural para analisar a mobilidade voluntária, porém com necessidade de considerar aspectos específicos, como as ações de ajuste antecipado, a influência dos canais no foco e esforço de adaptação ao ambiente geral e de interação com os locais e o surgimento de aspectos e comportamentos individuais (como flexibilidade à mudança e autoconhecimento), que se mostraram relevantes para o processo de adaptação intercultural na mobilidade voluntária. Como contribuição teórica, compreende-se que para utilizar as teorias sobre adaptação intercultural com o intuito de analisar a mobilidade voluntária é necessário considerar alguns aspectos específicos desse tipo de mobilidade ainda no país de origem, o peso e importância de cada ambiente de adaptação para o objetivo do expatriado voluntário e o quanto essa experiência é compartilhada e exposta em diferentes meios com o seu respectivo impacto nas escolhas e (re)criação de significados.

mobilidade geográfica internacional; mobilidade voluntária; autoexpatriado; imigrante; pesquisa narrativa

Abstract

Voluntary international mobility requires greater responsibility, given that there is no structure and organizational support for the challenge of living in another country. The aim of this study is to analyze the intercultural adaptation process of Brazilian immigrants and self-initiated expatriates in “off-axis” countries (less sought after/without a structured community of Brazilians) based on their reports and interactions on YouTube channels. The study employs a qualitative approach, with narrative research of four individuals. The data were collected between March and May of 2021 according to the following categories: intercultural adaptation; types of adaptation; structure and functioning of the channel. We confirmed the applicability of the theories of intercultural adaptation to analyze voluntary mobility, but with the need to consider specific aspects, such as advance adjustment actions, the influence of the channels on the focus and effort to adapt to the general environment and interact with the locals, and the emergence of individual aspects and behaviors (such as flexibility to change and self-knowledge), which were shown to be relevant for the intercultural adaptation process in voluntary mobility. As a theoretical contribution, it is understood that to use the theories about intercultural adaptation with the aim of analyzing voluntary mobility it is necessary to consider some specific aspects of this type of mobility while still in the country of origin, the weight and importance of each adaptation environment for the voluntary expatriate’s objective, and how much that experience is shared and exposed on different media with their respective impact on choices and (re)creation of meanings.

international geographic mobility; voluntary mobility; self-initiated expatriate; immigrant; narrative research

Introdução

Em um de seus vídeos, Ana comenta:

Eu estava cansada da vida louca que a gente tinha lá [Brasil], de violência, poluição, de pegar muito trânsito . . ., já tenho 37 anos e a energia para batalhar São Paulo já estava menor. . . . Então, a gente veio procurar qualidade de vida aqui e algumas coisas diferentes no dia a dia que a gente gostou muito. Mas claro que a Polônia também tem muitos problemas . . . ( O Mundo. . ., 2020O Mundo Não É Para Iniciantes. (2020, October 23rd). A Polônia é muito diferente! Primeiras impressões de uma brasileira [Vídeo]. Retrieved from https://bit.ly/3SQDNUD
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)

Ela é uma entre tantas pessoas em processo de mobilidade geográfica internacional, que pode ser classificada de diferentes formas, dependendo de seus motivos, duração, vínculo ao país de origem e de destino ( Andresen, Bergdolt, Dickmann, & Margenfeld, 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo, Teixeira, Cruz, & Malini, 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. , 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture. The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-2509. doi:10.1080/09585192.2012.743470 ; Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ; Gallon, Fraga, & Antunes, 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 . A mobilidade internacional pode se configurar como exílio, imigração, expatriação tradicional e expatriação voluntária ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Freitas & Dantas, 2011)Freitas, M. E., Dantas, M. (2011). O estrangeiro e o novo grupo. RAE – Revista de Administração de Empresas, 51(6), 601-608. Retrieved from https://bit.ly/3JrfyrZ
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. A mais conhecida no ambiente de negócios é a expatriação tradicional, chamada também de expatriação profissional, que consiste em participar de uma missão internacional para cumprir um objetivo organizacional ( Freitas, 2010Freitas, M. E. (2010). Expatriação profissional: o desafio interdependente para empresas e indivíduos. Gestão e Sociedade, 4(9), 680-708. doi:10.21171/ges.v4i9.1235
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; Gallon et al., 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 , como abrir uma nova subsidiária, implantar um projeto ou gerenciar uma área específica. Por ser do interesse da organização (empresas, na maior parte dos casos), ela fornece suporte antes, durante e para o retorno do profissional ao país de origem, além de incentivos financeiros ( Andresen et al., 2014)Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 .

Já termos como imigração e autoexpatriação (ou expatriação voluntária) se referem a iniciativas dos indivíduos que, portanto, assumem a maior parte dos custos e dos riscos envolvidos no processo ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo et al., 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture. The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-2509. doi:10.1080/09585192.2012.743470 ; Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 . No caso da imigração, o intuito é obter uma forma de remuneração (com contrato de trabalho ou pela abertura do próprio negócio) para ter acesso à documentação de permanência no país de destino e lá criar uma base para construir uma nova vida ( Andresen et al., 2014)Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 . A autoexpatriação pode ser entendida como imigração ( Scherer, Prestes, & Grisci, 2019Scherer, L. A., Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2019). Usos/desusos/abusos de termos sobre mobilidade internacional e trabalho: diálogos possíveis entre administração e antropologia. Revista de Ciências da Administração, 21(55), 8-20. doi:10.5007/2175-8077.2019v21n55p8 ) com características específicas quanto ao tempo de permanência. Ela é de caráter transitório e o tipo de vínculo ou documentação no país de destino pode ser um visto estudantil ou de trabalho, que expira no encerramento do vínculo com a instituição de ensino ou empregadora ( Andresen et al., 2014)Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 . Nesse caso, o indivíduo está em busca de novas experiências e competências que podem se desenvolver e alavancar sua carreira, por exemplo, ampliando as possibilidades de atuação no seu país de origem ou em outros lugares ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 . Por isso, alguns autores aproximam mais a expatriação voluntária da expatriação tradicional do que da imigração ( Cerdin & Selmer, 2014)Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 . Mesmo com as diferenciações, sabe-se que as comunidades de brasileiros em outros países servem, de muitas formas, como redes de apoio aos imigrantes e autoexpatriados.

Os motivos para decidir viver para além das fronteiras de seu país de origem são muitos e complexos ( Zwysen, 2019Zwysen, W. (2019). Different patterns of labor market integration by migration motivation in Europe: the role of host country human capital. International Migration Review, 53(1),59-89. doi:10.1177/0197918318767929
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), podendo advir de objetivos particulares dos indivíduos ou de fatores externos relacionados aos países de origem e de destino ( Freitas, 2010Freitas, M. E. (2010). Expatriação profissional: o desafio interdependente para empresas e indivíduos. Gestão e Sociedade, 4(9), 680-708. doi:10.21171/ges.v4i9.1235
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; Freitas & Dantas, 2011Freitas, M. E., Dantas, M. (2011). O estrangeiro e o novo grupo. RAE – Revista de Administração de Empresas, 51(6), 601-608. Retrieved from https://bit.ly/3JrfyrZ
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; González & Oliveira, 2011González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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; Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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. Pode ser o momento de realizar o sonho de conhecer o mundo, testar a si próprio, se reinventar e encontrar pessoas de culturas diferentes ( Freitas & Dantas, 2011)Freitas, M. E., Dantas, M. (2011). O estrangeiro e o novo grupo. RAE – Revista de Administração de Empresas, 51(6), 601-608. Retrieved from https://bit.ly/3JrfyrZ
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ou reencontrar raízes familiares, mas diferentes estudos mostram que os fatores externos têm um grande impacto nessas escolhas, como um contexto econômico estável, melhores oportunidades de trabalho e estudo, ganhos na carreira profissional, boas condições de vida, entre outros ( Lima & Domingues, 2021Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 ; Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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.

Apesar de reconhecer os diferentes objetivos e tipos de mobilidade internacional, a literatura da área de administração é abundante somente quando se trata da expatriação tradicional ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Gallon et al., 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ) e uma das frequentes preocupações é com a adaptação intercultural do expatriado e sua família ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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. As teorias da Curva em U, da Curva em J de adaptação e do aprendizado social têm sido muito referenciadas, apesar das críticas ( González & Oliveira, 2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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, para compreender esse processo ( Black, Mendenhall, & Oddou, 1991Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 ; González & Oliveira, 2011González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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; Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 .

Questiona-se se as abordagens e teorias conseguem explicar a adaptação (ou falta dela) referente a outros tipos de mobilidade internacional, além dos casos de expatriação profissional, como a imigração e autoexpatriação em diferentes países e quais são as alternativas de carreira ( Lima & Domingues, 2021Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 ; Jannesari & Sullivan, 2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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e de suporte que esses indivíduos têm para enfrentar os desafios inerentes à adaptação intercultural ( Araújo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ). Apesar de haver estudos sobre características demográficas, traços individuais e proficiência no idioma, são poucos os que tratam das interações dos indivíduos em mobilidade internacional voluntária com os locais e como isso pode influenciar na adaptação, já que eles não podem contar com o suporte de uma organização responsável por sua estadia no país e, geralmente, possuem poucos recursos e conhecimento sobre o local de destino ( Araújo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Jannesari & Sullivan, 2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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. Faltam estudos que explorem os diferentes fatores que afetam a adaptação intercultural na mobilidade voluntária, pois a maior parte foca em aspectos de desempenho e gestão relacionados a esse tipo de mobilidade ( Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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. Além disso, faltam pesquisas que tratem da experiência internacional de modo mais abrangente, contemplando elementos relacionados ao trabalho e às dimensões da vida do indivíduo ( Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 .

De forma a contribuir com o preenchimento dessa lacuna, o objetivo desta pesquisa é analisar o processo de adaptação intercultural de brasileiros imigrantes e autoexpatriados em países considerados “fora do eixo” (menos procurados e sem uma comunidade em formação ou estruturada de brasileiros), a partir de seus relatos e interações em canais no YouTube, com base no método da pesquisa narrativa. Assim, foi considerado o ambiente virtual de interação dos canais como espaços de criação e compartilhamento de sentido sobre a experiência vivida, além de influenciar decisões sobre expatriação voluntária.

Pretende-se contribuir para a discussão sobre a aplicação e o alcance de teorias sobre a adaptação intercultural para a expatriação voluntária, bem como a necessidade de observação de elementos inerentes a esse tipo de mobilidade internacional. Busca-se evidenciar a importância e o papel de redes sociais digitais, como os canais no YouTube, na experiência da mobilidade voluntária como espaço de interação, estímulo, suporte e fonte de renda para os indivíduos em mobilidade. Ainda, este estudo tem o objetivo de exemplificar a aplicação de diferentes métodos e fontes de dados para analisar as experiências de mobilidade geográfica internacional.

Este artigo está estruturado em cinco seções, sendo esta introdução a primeira, seguida do referencial teórico-empírico, em que é apresentado o quadro teórico de referência que embasa este estudo. Na terceira seção, são apresentados os procedimentos metodológicos e na quarta seção são mostrados os resultados e a discussão dos dados da pesquisa. Por fim, na quinta seção, é apresentada a conclusão deste trabalho.

Referencial teórico-empírico

Conceitos e diferenciações

A interligação e interdependência das economias dos países em um contexto globalizado e interconectado têm demandado e estimulado uma intensa movimentação de pessoas, capital, informações, organizações, mercadorias e serviços ( Freitas, 2010Freitas, M. E. (2010). Expatriação profissional: o desafio interdependente para empresas e indivíduos. Gestão e Sociedade, 4(9), 680-708. doi:10.21171/ges.v4i9.1235
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). A movimentação, ou mobilidade, de pessoas ocorre de forma voluntária ou a serviço de organizações, com diferentes intuitos e influenciada por diversos fatores e motivos ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. , Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ; Gallon et al., 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ; Scherer et al., 2019)Scherer, L. A., Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2019). Usos/desusos/abusos de termos sobre mobilidade internacional e trabalho: diálogos possíveis entre administração e antropologia. Revista de Ciências da Administração, 21(55), 8-20. doi:10.5007/2175-8077.2019v21n55p8 . Alguns autores focam em fatores externos ao indivíduo como motivadores da sua mobilidade internacional, dividindo-os em aspectos relacionados ao país de destino, como estabilidade econômica e política, boas condições de vida, oportunidades de trabalho ou de criação de negócio, possibilidades de estudos e crescimento na carreira profissional etc., e em elementos relacionados ao país de origem, que envolvem questões como altos índices de violência, conflitos políticos, desemprego, desigualdade social, educação precária ou inacessível e pouca perspectiva de melhoria nas condições de vida ( Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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.

Assim como o indivíduo pode decidir pela mobilidade por causa de um ou vários fatores combinados, a percepção das pessoas do país de destino sobre o papel do estrangeiro, a imagem que eles têm sobre o país do estrangeiro e sobre as razões e condições de sua migração, bem como os privilégios que precisarão ser compartilhados, vão determinar o modo como ele será percebido e recebido pelo novo grupo. Freitas e Dantas (2011)Freitas, M. E., Dantas, M. (2011). O estrangeiro e o novo grupo. RAE – Revista de Administração de Empresas, 51(6), 601-608. Retrieved from https://bit.ly/3JrfyrZ
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chamam a atenção para as diferenças de percepções e interações quando o estrangeiro é refugiado, migrante ou expatriado. De acordo com os autores, a mobilidade geográfica leva o indivíduo a ser visto como um elemento integrador, mediador, colaborador ou destruidor da ordem social estabelecida ou arranjo organizacional existente ou esperado. Por isso, é preciso diferenciar os tipos de mobilidade, suas formas de inserção e interação no novo contexto nacional ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ).

Dado o foco deste trabalho, serão tratadas aqui as figuras do imigrante e do expatriado. O imigrante é um termo mais amplo e foco de interesse de diferentes áreas de estudo, como a administração e a antropologia ( Scherer et al., 2019Scherer, L. A., Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2019). Usos/desusos/abusos de termos sobre mobilidade internacional e trabalho: diálogos possíveis entre administração e antropologia. Revista de Ciências da Administração, 21(55), 8-20. doi:10.5007/2175-8077.2019v21n55p8 ). Ele pode ser definido como alguém que decidiu viver em outro país, mas não tem nenhum impedimento para retornar ao seu país de origem, sendo várias as razões para essa mobilidade ( International Organization for Migration [IOM], 2019International Organization for Migration. (2019). International migration law: glossary on migration. Geneva: IOM. ). Essas razões são difíceis de classificar, dada a sua complexidade e multiplicidade ( Zwysen, 2019Zwysen, W. (2019). Different patterns of labor market integration by migration motivation in Europe: the role of host country human capital. International Migration Review, 53(1),59-89. doi:10.1177/0197918318767929
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), mas, de forma geral, podem estar ligadas à vontade de se aventurar por locais desconhecidos ou por razões mais pragmáticas, como a busca por melhores oportunidades de emprego e condições de vida para si e sua família ( Freitas & Dantas, 2011Freitas, M. E., Dantas, M. (2011). O estrangeiro e o novo grupo. RAE – Revista de Administração de Empresas, 51(6), 601-608. Retrieved from https://bit.ly/3JrfyrZ
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).

Sobre os expatriados, por muito tempo a literatura sobre esse tipo de mobilidade internacional, principalmente da área de administração, tratou de forma homogênea os indivíduos que vão viver e trabalhar em outro país ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ; Gallon et al., 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 . No entanto, vários autores têm procurado diferenciá-los, usando algumas classificações. Uma das mais amplas é aquela que distingue o expatriado organizacional (ou profissional) do autoexpatriado ou expatriado voluntário ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Jannessari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 .

O expatriado profissional é aquele que sai de seu país de origem para cumprir uma missão de trabalho por tempo determinado em outro país, atendendo objetivos da organização em que está vinculado ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Freitas, 2010Freitas, M. E. (2010). Expatriação profissional: o desafio interdependente para empresas e indivíduos. Gestão e Sociedade, 4(9), 680-708. doi:10.21171/ges.v4i9.1235
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; Gallon et al., 2017Gallon, S., Fraga, A. M., Antunes, E. D. (2017). Conceitos e configurações de expatriados na internacionalização empresarial. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 23(esp.), 29-59. doi:10.1590/1413-2311.174.63854 ; Lima & Domingues, 2021Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 ). Ele conta com o suporte organizacional para questões como trâmites legais, hospedagem, acompanhamento com a família, treinamento intercultural, além de benefícios como aumento de remuneração e de benefícios, ganho de bônus especiais e garantia da sua posição quando ocorrer a repatriação ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo et al., 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture. The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-2509. doi:10.1080/09585192.2012.743470 ; Lima & Domingues, 2021)Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 . Além das vantagens de ordem financeira, esse tipo de expatriação é visto como uma estratégia de carreira, principalmente quando o indivíduo volta ao seu local de origem ( Araujo et al., 2012)Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. .

Já o autoexpatriado é um termo derivado do conceito de imigração ( Scherer et al., 2019Scherer, L. A., Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2019). Usos/desusos/abusos de termos sobre mobilidade internacional e trabalho: diálogos possíveis entre administração e antropologia. Revista de Ciências da Administração, 21(55), 8-20. doi:10.5007/2175-8077.2019v21n55p8 ), mas que apresenta características relacionadas à expatriação ( Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ), podendo ser definido como aquele indivíduo que, por livre iniciativa, busca a mobilidade internacional ( Doherty, 2013)Doherty, N. (2013). Understanding the self-initiated expatriate: a review and directions for future research. International Journal of Management Reviews, 15(4), 447-469. doi:10.1111/ijmr.12005
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para procura de trabalho ou período de estudos ( Araujo et al., 2012)Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. , com qualificação profissional, e que pretende retornar ao seu país de origem em algum momento ( Cerdin & Selmer, 2014)Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 . Por diferentes motivos, o valor dos autoexpatriados tem aumentado para as organizações, principalmente para as multinacionais. Uma razão é o fato de que muitas empresas não conseguem suprir sua demanda com os profissionais locais e por isso contratam estrangeiros para determinadas funções ( Jannesari & Sullivan, 2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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. Outra razão é que os autoexpatriados têm sido considerados profissionais com mais iniciativa pessoal ( Andresen, Pattie, & Hippler, 2020Andresen, M., Pattie, M. W., Hippler, T. (2020). What does it mean to be a ‘self-initiated’ expatriate in different contexts? A conceptual analysis and suggestions for future research. The International Journal of Human Resource Management, 31(1), 174-201. doi:10.1080/09585192.2019.1674359 ), com competências globais e apresentando mais flexibilidade ( Jannesari & Sullivan, 2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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. A contratação de autoexpatriados também pode ser uma maneira de aumentar a diversidade de talentos e de conhecimento transcultural.

Apesar do aumento de interesse das organizações por autoexpatriados, nem todos os autoexpatriados obtêm êxito em seus processos de mobilidade internacional. A não adaptação intercultural tem sido apontada como uma das principais causas para o encerramento antecipado de contratos de trabalho e retorno ao país de origem, quando as características pessoais e contextuais não se alinham ( Oh & Jang, 2021Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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). Os autoexpatriados estão mais expostos e vulneráveis aos estressores do ambiente ( Cerdin & Selmer, 2014Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 ; Jannesari & Sullivan, 2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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, assim como os imigrantes.

Como pontos comuns, os imigrantes e os autoexpatriados compartilham alguns motivos que levaram à mobilidade geográfica, a iniciativa, a falta de uma estrutura de suporte organizacional, a abertura maior para a adaptação intercultural e para interagir com os locais ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ). No entanto, eles se diferem no tipo de documentação e trâmites legais, na qualificação profissional (maior do autoexpatriado) e, por consequência, nas funções ocupadas e remuneração recebida, na vontade de empreender (geralmente, do imigrante), no tempo de permanência e estrutura familiar (é comum o autoexpatriado ir sozinho e o imigrante com a família) e nas pretensões em relação à carreira profissional ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Lima & Domingues, 2021Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 ).

Adaptação intercultural

Uma definição comumente aceita sobre a adaptação intercultural é que ela se refere ao grau de facilidade (ou de dificuldade) que o indivíduo apresenta diante de vários aspectos da experiência internacional ( Takeuchi & Chen, 2013Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 ). Os estudos acadêmicos têm fornecido diferentes teorias e abordagens sobre o processo de adaptação de expatriados organizacionais e suas etapas, com foco maior nos fatores externos ao indivíduo e pouco aprofundamento sobre os aspectos psicológicos e as subjetividades envolvidas ( González & Oliveira, 2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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. Uma dessas teorias amplamente citada e utilizada, também criticada, é a teoria da curva em U de adaptação intercultural, baseada em estudos empíricos preliminares de autores como Sverre Lysgaard, em 1955, apresentada e analisadas as suas implicações em Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 e Black et al. (1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 , entre outros ( Araujo et al., 2012)Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. .

A teoria da curva em U de adaptação intercultural prevê que a adaptação ocorrerá em, basicamente, quatro etapas: a lua de mel, o choque cultural, a adaptação e o domínio ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ). Na etapa da lua de mel, os indivíduos estão fascinados com a nova cultura e tudo ao seu redor. Com o passar dos dias (ou semanas ou meses), a sensação de euforia vai dando lugar a momentos de desilusão e frustração à medida que os estrangeiros vão lidando com a nova cultura no dia a dia, o que caracteriza o início da etapa do choque cultural ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 . Superada essa fase sem que o indivíduo tenha renunciado ao seu projeto de vida fora do seu país ( González & Oliveira, 2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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, começa a etapa do ajuste ou adaptação intercultural, de forma gradual, momento em que o indivíduo vai aprendendo novas bases de interpretação da realidade a sua volta e de comportamentos considerados adequados às normas culturais do outro país. A última etapa, a do domínio da cultura, se caracteriza pelos pequenos ganhos incrementais na habilidade de cada um em agir efetivamente na nova cultura ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 .

No artigo de Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 sobre a teoria da curva em U, os autores apontam que os trabalhos da época não conseguiram validá-la estatisticamente, fragilizando sua qualidade e consistência como teoria explicativa da adaptação intercultural. Além disso, alguns estudos mostraram que a adaptação ocorria também na forma de uma curva em J ( Calderón, Guedes, & Carvalho, 2016Calderón, P. A. L., Guedes, A. L. M., Carvalho, R. W. (2016). Gestão internacional de recursos humanos: Adaptabilidade intercultural na expatriação de brasileiros. Internext – Revista Eletrônica de Negócios Internacionais da ESPM, 11(2), 6-20. doi:10.18568/1980-4865.1126-20 ; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 , ou seja, o indivíduo já inicia sua experiência na etapa do choque cultural, sem passar pela lua de mel. Com isso, os autores contestaram a obrigatoriedade da etapa da lua de mel e reforçaram o papel de diferentes variáveis individuais e externas no processo de adaptação, que podem levar o indivíduo a enfrentar maiores dificuldades no início do processo de mobilidade internacional ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ; González & Oliveira, 2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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. Outro questionamento sobre a teoria da curva em U e estudos semelhantes foi sobre o uso e a conotação do termo “choque cultural” como uma doença, algo indesejado e negativo, uma vez que essa etapa significa uma experiência profunda e complexa de ressignificação e aprendizado, que aumenta a autoconsciência, provoca mudança e crescimento individual ( González & Oliveira, 2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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.

Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 sugeriram, então, um novo começo para essa teoria, associando-a à teoria da aprendizagem social, pois aprender quais são os comportamentos aceitos e os não aceitos em uma determinada cultura promoveria uma base teórica lógica para discutir o processo de adaptação intercultural. A teoria da aprendizagem social resulta da integração de teorias cognitivas e comportamentais e tem a premissa de que os indivíduos podem aprender e se comportar socialmente por meio da própria ação e experiência, mas também por meio da observação do comportamento de outras pessoas, das consequências dessas ações e da imitação dos modelos de comportamentos observados.

Desse modo, Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 e Black et al. (1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 analisaram cada uma das etapas de adaptação da teoria da curva em U, relacionando-as com os elementos centrais da teoria da aprendizagem social: a atenção, a retenção, a reprodução e os incentivos (a frequência e qualidade dos incentivos são entendidas como propulsoras ou limitadoras dos demais elementos e da aprendizagem social como um todo). Sendo assim, na etapa da lua de mel, os indivíduos tendem a prestar atenção nos elementos da nova cultura que são similares aos da sua própria cultura, sobrepondo familiaridade a algo que se assemelhe à cultura de origem. Para todo o restante que é diferente da sua cultura de origem, os indivíduos tendem a buscar referências da sua cultura e por isso, muitas vezes, apresentam ações e comportamentos considerados inadequados, com consequências negativas. Essas situações resultam na próxima etapa, que é a de choque cultural, quando há uma alta proporção de feedbacks negativos sobre seus comportamentos (considerados inapropriados) em relação aos comportamentos novos e apropriados que aprenderam. Quanto maior a diferença entre a cultura de origem e a de destino, mais duradoura e severa poderá ser a etapa do choque cultural e quanto maior a disponibilidade dos locais em interagir com os indivíduos em mobilidade, mais rapidamente os estrangeiros aprenderão os comportamentos novos e considerados apropriados à cultura de destino. Para a fase do ajuste, ou adaptação intercultural, começar, depende de quanto os indivíduos conseguem prestar atenção nos modelos de comportamento dos locais e incorporá-los ao seu próprio comportamento, além do grau de feedback positivo e reforço que recebem das pessoas do país hospedeiro. Quanto mais isso ocorre, mais os indivíduos se sentem confortáveis e vão assimilando os novos comportamentos, incrementando o seu repertório com o passar do tempo e recebimento de feedback .

Uma importante contribuição da teoria da aprendizagem social para a teoria da curva em U de adaptação intercultural, segundo Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 , é o conceito de ajuste antecipado, que significa, resumidamente, que os indivíduos podem antecipar a adaptação intercultural por meio do conhecimento e da observação do que outras pessoas fizeram antes de eles mesmos passarem por tal experiência. Dois fatores auxiliam no ajuste antecipado: a acurácia das informações utilizadas e a forma como essas informações são apresentadas. Para os autores, quanto maior o ajuste antecipado (ensaio simbólico e participativo antes da partida – pode ser feito via treinamento intercultural), menor será a etapa de lua de mel e possibilidade de ocorrer a adaptação em curva em J. Quanto mais o indivíduo se expõe à cultura hospedeira, menos severa será a etapa do choque cultural.

Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 também sugeriram que fontes de ajuste antecipado, como o treinamento intercultural e a experiência internacional prévia, aumentariam a atenção e a retenção, ao passo que encurtariam as etapas de lua de mel e de choque cultural. Nessa mesma direção, Takeuchi e Chen (2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 argumentam sobre a necessidade de relacionar o ajuste intercultural com a experiência internacional prévia do indivíduo, avaliando seu impacto a partir de diferentes elementos, como o tipo de experiência prévia estar ligado ou não ao ambiente de trabalho, número de ocorrências, duração, variedade, grau de desafio, densidade (intensidade ligada à interação) e impacto (em que momento ocorreu, qual é o seu peso para o momento atual e qual é a carga emocional envolvida).

Há que se considerar o impacto moderador que as variáveis individuais podem ter na adaptação intercultural, conforme Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 , que citam algumas delas: a vontade de se comunicar, vontade de estabelecer relacionamentos, a tolerância à ambiguidade, o grau de etnocentrismo e a vontade de substituir reforçadores que também são apontados em outros trabalhos sobre adaptação de autoexpatriados e competência intercultural ( Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Melo, Bueno, & Domingues, 2021Melo, J. L. L., Bueno, J. M., Domingues, C. R. (2021). As dimensões do cross-cultural competence inventory como estruturantes do desenvolvimento de competência intercultural em programas de mobilidade acadêmica internacional. Revista de Gestão e Secretariado, 12(1), 53-78. doi:10.7769/gesec.v12i1.1221 ). A autoeficácia, entendida por Black e Mendenhall como uma das principais variáveis que afeta a adaptação intercultural, é vista como o grau em que os indivíduos acreditam que podem executar com sucesso os comportamentos esperados. Se o grau inicial de autoeficácia for baixo, maior a chance de o indivíduo não persistir na tentativa de reproduzir novos comportamentos e experimentar um choque cultural mais severo, o que explicaria alguns retornos antecipados. A autoeficácia está relacionada positivamente com a adaptação intercultural em indivíduos que têm alto grau de necessidade de feedback ( Black et al., 1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 .

Adicionalmente, o trabalho seminal de Black et al. (1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 , ao incorporar elementos de estudos sobre adaptação intercultural no âmbito nacional e internacional, propõe que a adaptação intercultural em processos de mobilidade internacional é composta por três facetas: a adaptação geral, a adaptação ao trabalho e a adaptação na interação com as pessoas do país hospedeiro ( Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Calderón et al., 2016Calderón, P. A. L., Guedes, A. L. M., Carvalho, R. W. (2016). Gestão internacional de recursos humanos: Adaptabilidade intercultural na expatriação de brasileiros. Internext – Revista Eletrônica de Negócios Internacionais da ESPM, 11(2), 6-20. doi:10.18568/1980-4865.1126-20 ; González & Oliveira, 2011González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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; Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 . A adaptação geral (fora do trabalho) está relacionada com o grau de diferenças entre a cultura do país de origem e de destino, incluindo fatores como religião, relações de gênero, normas de convivência, tradições, entre outros. A adaptação no ambiente de trabalho ocorre a partir das diferenças e semelhanças entre as atividades executadas em cada país, da cultura organizacional de cada subsidiária, do acompanhamento e suporte ao indivíduo em mobilidade. A adaptação na interação entre expatriado e colega local ocorre mais rapidamente e efetivamente quando há clareza de papéis, demandas e discernimento entre as particularidades de cada local para a atuação da organização ( Black et al., 1991Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 ; Calderón et al., 2016)Calderón, P. A. L., Guedes, A. L. M., Carvalho, R. W. (2016). Gestão internacional de recursos humanos: Adaptabilidade intercultural na expatriação de brasileiros. Internext – Revista Eletrônica de Negócios Internacionais da ESPM, 11(2), 6-20. doi:10.18568/1980-4865.1126-20 .

Assim, Black et al. (1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 propõem que as expectativas acuradas (relacionadas e não relacionadas ao trabalho) estão positivamente relacionadas ao ajuste antecipado, ao grau de adaptação internacional e ao treinamento intercultural prévio à mobilidade. Essas expectativas acuradas podem advir de experiência prévia internacional (de trabalho ou não). Por outro lado, há menos chances de falhas e retorno antecipado quando a organização utiliza vários critérios de seleção. A clareza sobre a função e atividades no trabalho e o suporte social de colegas estão positivamente relacionados à faceta de adaptação a esse ambiente, assim como conflitos e novas atividades estão negativamente relacionados à adaptação no trabalho. Na perspectiva das interações com os locais, quanto maior as diferenças, mais difícil é a adaptação e quanto mais o cônjuge do imigrante ou do autoexpatriado estiver adaptado, mais fácil será a adaptação do indivíduo.

Estudos mostram que tanto em relação aos expatriados organizacionais quanto aos autoexpatriados, as organizações têm utilizado um leque de diferentes táticas para ajudar os indivíduos a lidarem com as incertezas e aumentarem sua confiança e autoeficácia, potencializando suas chances de adaptação intercultural, que incluem programas de orientação, treinamento e suporte de colegas locais ( Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Oh & Jang, 2021)Oh, S.-Y., Jang, K. (2021). Self-initiated expatriate adjustment: South Korean workers in Vietnam. Career Development International, 26(1), 16-43. doi:10.1108/CDI-09-2019-0212
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. O suporte dado para o expatriado organizacional difere do autoexpatriado. Enquanto o primeiro supera com mais facilidade as dificuldades iniciais e tem a oportunidade de morar em lugares mais privilegiados, os autoexpatriados e imigrantes precisam resolver sozinhos questões sobre trâmites legais e documentação e podem ter de viver em lugares mais afastados do trabalho. Devido à duração da missão internacional ser predeterminada, os expatriados organizacionais estão mais inclinados a buscar menos conhecimento sobre o país e interagir menos com os locais enquanto lá estiverem do que os autoexpatriados e imigrantes, que buscam aumentar seu conhecimento e melhorar sua adaptação ao novo ambiente, sendo mais abertos à interação com as pessoas do país hospedeiro ( Araujo et al., 2012)Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. .

Nessa linha de terem mais interesse e iniciativa e em tempos de conectividade e redes sociais virtuais, os imigrantes e os autoexpatriados têm utilizado diferentes ambientes virtuais para se comunicar com as pessoas que ficaram no país de origem, como parentes e amigos, ajudando interessados em morar no país escolhido, mas também como forma de rendimento financeiro ao ofertarem serviços (de forma presencial ou virtual) voltados para a mobilidade internacional, como consultorias para trâmites legais, serviços como guias turísticos, serviço de compras, comércio eletrônico, entre outros. Em uma reportagem para a BBC Brasil, Neves (2016)Neves, E. (2016, February 19th). Brasileiros viram celebridades do YouTube dando dicas sobre vida no exterior. BBC Brasil. Retrieved from https://bbc.in/3PYCktQ
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afirma que por causa da crise no Brasil, a partir de 2015, houve um salto de popularidade de canais e perfis em redes sociais de brasileiros no exterior, alguns dobrando sua audiência e aumentando seus rendimentos com o crescimento do interesse de brasileiros em tentar uma oportunidade em outro país. Esse fenômeno será melhor explorado a partir da próxima seção.

Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, com o uso da pesquisa narrativa como método que possibilita ao pesquisador compreender um fenômeno a partir da coleta de histórias sobre um tema, com característica de ser colaborativa entre pesquisador e participante. As histórias são acessadas de diferentes formas, como entrevistas, autobiografias, gravação de narrativas orais, narrativas escritas, entre outras ( Creswell, 2014Creswell, J. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Porto Alegre, RS: Penso. ; Paiva, 2008aPaiva, V. L. M. O. (2008a). A pesquisa narrativa: uma introdução. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 8(2), 261-266. doi:10.1590/S1984-63982008000200001
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). A pesquisa narrativa utiliza a (re)historização das histórias dos indivíduos, aplicando elementos estruturais como enredo, local, atividades, clímax e desfecho (Clandinin & Connelly citado por Creswell, 2014Creswell, J. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Porto Alegre, RS: Penso. ). Para este trabalho, elas foram obtidas por meio de narrativas orais gravadas no formato de diversos vídeos publicados em canais individuais na plataforma digital YouTube, cuja missão oficialmente declarada é “dar a todos uma voz e revelar o mundo” ( Duque, 2020)Duque, K. (2020, October 22nd). Um novo espaço para aprender sobre o combate à desinformação no YouTube. Youtube Official Blog. Retrieved from https://bit.ly/3Ql3cnV
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.

Para sua execução, foram definidos alguns critérios de inclusão e exclusão dos canais a serem analisados. Os critérios de inclusão foram: (a) o tempo de existência (pelo menos dois anos), que é o tempo médio apontado por diferentes autores ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 para ocorrer a adaptação intercultural; (b) estar ativo e com envios recentes (em 2021), pois muitas pessoas deixam de publicar por um longo período, sendo difícil analisar ou inferir o que houve e se estão ainda naquele país ou mesmo em mobilidade internacional; (c) o país de destino ser “fora do eixo”, no sentido de destino pouco visado, e não haver uma comunidade já estabelecida ou grupos de brasileiros organizados para servirem de apoio ao imigrante ou autoexpatriado.

A partir de buscas na plataforma de vídeos YouTube, durante os meses de janeiro e março de 2021, inicialmente foram selecionados cerca de quinze canais que atenderam aos critérios de inclusão. Depois de analisar os conteúdos dos vídeos postados, foram aplicados os critérios de exclusão: (a) não apresentar um número elevado de vídeos postados (abaixo de cem); (b) postar menos de um vídeo quinzenalmente; e (c) baixo número de interações do(a) dono(a) do canal com seus seguidores (ter respondido menos de cinco comentários por vídeo, em média). Com esses critérios, buscou-se assegurar que os canais escolhidos apresentassem elementos que viabilizassem a consecução deste estudo, com os elementos de representatividade, continuidade e interação nas postagens.

Aplicados os critérios de exclusão, restaram quatro canais e o seu conjunto de vídeos postados formam o corpus da pesquisa, apresentados na Tabela 1 . É importante mencionar que foram feitas algumas tentativas de contato com os donos dos canais a fim de agendar entrevistas com eles para obter mais dados e confirmar as informações disponíveis nos canais, mas não houve retorno até o momento do encerramento da pesquisa.

Tabela 1
Informações sobre os canais de brasileiros

Como o objetivo da pesquisa é analisar o processo de adaptação intercultural de brasileiros imigrantes e autoexpatriados, verificando a aplicação e o alcance das teorias sobre adaptação intercultural e o papel dos seus canais no YouTube como mais um ambiente de interação, foi elaborado um roteiro com base no referencial teórico e nas estruturas dos canais. As narrativas apresentadas nos vídeos foram, então, capturadas e analisadas a partir desse roteiro, contendo as categorias: processo de adaptação intercultural (lua de mel, choque cultural, adaptação, domínio); os tipos de adaptação (geral, no trabalho e social); a estrutura e funcionamento do canal (data de início, quantidade de vídeos postados, número de seguidores, número médio de visualizações, motivos para sua criação e manutenção, interações com seguidores).

A análise narrativa com interesse na subjetividade, segundo Moutinho e Conti (2016)Moutinho, K., Conti, L. (2016). Análise narrativa, construção de sentidos e identidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(2), 1-8. doi:10.1590/0102-3772e322213 , considera como focos do estudo as narrativas e os lugares onde são construídos os sentidos, de forma conjunta, em uma relação entre o indivíduo e uma audiência. Para fazer a análise narrativa neste trabalho, conforme Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber (1998)Lieblich, A., Tuval-Mashiach, R., Zilber, T. (1998). Narrative research: reading, analysis, and interpretation. Thousand Oaks: Sage. , primeiramente, é preciso defini-la com base em duas dimensões: se visão holística ou foco em trecho específico/categorias; e conteúdo ou forma. Optou-se pela chamada categorial-conteúdo, que privilegia a identificação e análise de trechos específicos e seu conteúdo, de acordo com as categorias previamente definidas, assemelhando-se em alguns aspectos, como apontam as autoras, à análise de conteúdo.

Depois de identificar os vídeos (pelos títulos, descrições, trechos iniciais e comentários) em que eram relatadas as experiências de mobilidade internacional, os autores deste trabalho assistiram aos vídeos selecionados para fazer a análise e interpretação dos dados, estabelecendo uma cronologia dos fatos narrados relacionados às etapas da adaptação intercultural. De acordo com Creswell (2014)Creswell, J. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Porto Alegre, RS: Penso. , essa etapa é um dos passos da análise narrativa, necessária para encadear os vídeos de cada canal. Posteriormente, foram identificados trechos nos vídeos que representassem as categorias analisadas, como em Aragão (2008)Aragão, R. (2008). Emoções e pesquisa narrativa: transformando experiências de aprendizagem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 8(2), 295-320. doi:10.1590/S1984-63982008000200003 , e seleção de excertos de falas específicas, como em Paiva (2008b)Paiva, V. L. M. O. (2008b). Aquisição e complexidade em narrativas multimídia de aprendizagem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 8(2), 321-339. doi:10.1590/S1984-63982008000200004 , para ilustrar o processo de adaptação e o papel dos canais.

Na próxima seção, são apresentadas algumas informações e características dos quatro canais estudados, assim como a descrição e discussão das categorias de análise em relação ao referencial teórico abordado.

Apresentação e análise dos resultados

A partir da categoria estrutura e funcionamento do canal , observou-se que cada um dos quatro canais pesquisados apresenta objetivos e trajetórias próprias, assim como tempo de existência, frequência de postagens, número de seguidores, entre outros dados levantados. Para facilitar o entendimento sobre as características de cada um e facilitar a comparação entre eles, algumas informações são apresentadas na Tabela 2 .

Tabela 2
Informações sobre a categoria estrutura e funcionamento do canal

Inicialmente, todos os canais apresentam o objetivo de colaborar com outras pessoas que buscam a mobilidade internacional para que possam compreender as realidades desses países, principalmente por estarem fora do eixo de países mais escolhidos. No entanto, em um segundo momento, há um movimento indicando que o objetivo dos canais passa a ser também a sua monetização. Com isso, eles deixam de ser uma via para comunicação com família e amigos próximos. Esse contato mais íntimo e familiar muda para outras mídias e os canais se tornam mais sofisticados, tanto no uso dos equipamentos e tecnologias empregadas como no conteúdo, muito mais centrado e influenciado pelos seguidores, assim como pelas normas do YouTube. Outras redes sociais passam a ser usadas de modo mais intensivo.

A interação com os seguidores traz proximidade com o país de origem. Além disso, observa-se a necessidade dos donos dos canais de compartilhar suas experiências como se estivessem fazendo isso para amigos próximos em uma relação de cumplicidade que permite a sinceridade, a exposição das dúvidas, das angústias, das alegrias e das conquistas. Por outro lado, assim como não são só momentos felizes vivenciados durante a mobilidade internacional, a interação com outros brasileiros, seguidores dos canais, mostra também um lado negativo e, às vezes, perverso. Isso ocorre principalmente quando o(a) dono(a) do canal toma decisões que não correspondem ao que o seguidor considera adequado. É recorrente a proliferação de comentários raivosos, xingamentos, juízos de valor, que levaram a diferentes reações por parte dos donos dos canais, indo desde a suspensão desse membro, uma resposta privada ou uma resposta em um próximo vídeo.

Esses conflitos causaram angústias e decepções que não são decorrentes da mobilidade internacional, mas sim das relações com pessoas do país de origem, que estimulam e fortalecem a decisão de seguir no exterior e criam dúvidas sobre a vontade de prosseguir com o canal. Por outro lado, a possibilidade de renda advinda da monetização do canal e oferta de serviços (como consultorias para trâmites legais, serviços como guias turísticos e de compras) estimula a sua continuidade e condiciona, cada vez mais, o conteúdo e as interações nas redes sociais.

Na Tabela 3 , são apresentados trechos extraídos que exemplificam o que foi encontrado na categoria processo de adaptação intercultural dos imigrantes e autoexpatriados donos dos canais, conforme relatado nos vídeos:

Tabela 3
Etapas do processo de adaptação intercultural

Apesar de não usar os termos imigrante e autoexpatriado, a partir dos conteúdos das narrativas sobre sua decisão de morar no exterior e com base na literatura ( Andresen et al., 2014Andresen, M., Bergdolt, F., Margenfeld, J, & Dickmann, M. (2014). Addressing international mobility confusion: developing definitions and differentiations for self-initiated and assigned expatriates as well as migrants. The International Journal of Human Resource Management, 25(16), 2295-2318. doi:10.1080/09585192.2013.877058 ; Araujo et al., 2012Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. ; Lima & Domingues, 2021Lima, D. F., Domingues, C. R. (2021). Mobilidade internacional com contrato local: impactos nas estratégias e ações de Recursos Humanos Internacional. Revista Ciências Administrativas, 27(1), 1-13. doi:10.5020/2318-0722.2021.27.1.10427 ), foi possível depreender que a dona do canal Noruega e eu é uma imigrante no país, vive lá há mais de dez anos, se casou com um local, estabeleceu residência e obteve emprego na Noruega. Os outros dois (Caique Jr e O mundo não é para iniciantes) podem ser considerados autoexpatriados, pois foram buscar oportunidades de estudo e, eventualmente, trabalho, não têm perspectiva de permanecer definitivamente no país (por enquanto) e não têm parceiro ou cônjuge local. Já a situação da dona do canal Brasileira no Egito foi mais complexa. Ela foi para o Egito como autoexpatriada para estudar, mas conheceu e se casou com um local, tornando-se uma imigrante. Devido à indefinição de dispensa ou não do serviço militar do marido, eles resolveram que ela deveria voltar para o Brasil até a situação ser resolvida. Ela permaneceu no Brasil até março de 2021, quando retornou ao Egito.

Por meio de suas narrativas, observou-se que o processo de adaptação ocorreu seguindo as etapas previstas na teoria da curva em U de adaptação cultural (conforme revista por Black e Mendenhall em 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ), porém de forma e intensidade diferentes do relatado na literatura sobre expatriados tradicionais. Foram identificadas também similaridades e diferenças no processo de adaptação entre os indivíduos analisados. Alguns fatores ajudam a explicar essas diferenças: (a) a natureza da mobilidade internacional (ser imigrante ou autoexpatriado); (b) os objetivos da mobilidade internacional; (c) a relação com a distância/proximidade cultural do país de destino; (d) ações para o ajuste antecipado; e (e) o papel do canal no processo.

Para a dona do canal Noruega e eu, o fato de migrar para o país depois de já ter conhecido seu esposo facilitou seu processo de adaptação, pois ele atuou como uma ponte entre ela e a cultura, os costumes, os serviços e as normas sociais do país. Como seu objetivo era se estabelecer definitivamente lá, seu empenho em dominar o idioma e relevar as diferenças foi importante para a transição mais branda entre as etapas da lua de mel, choque cultural e adaptação cultural. Ela está, atualmente, na etapa do domínio, fazendo ajustes na sua vida e nas interações com locais. A relação com seu esposo, enquanto ela ainda estava no Brasil, serviu como uma das formas de ajuste antecipado, conforme definido por Takeuchi e Chen (2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 .

No caso do dono do canal Caique Jr, o processo de adaptação foi facilitado pelo objetivo da mobilidade: “era meu sonho estudar na Rússia” ( Caique Jr, 2018aCaique Jr. (2018a, September 9th). Em qual universidade russa irei estudar | Intercâmbio na Rússia #008 [Vídeo]. Retrieved from https://bit.ly/3bPm13F
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). A partir disso, ele entrevistou russos residentes no Brasil e brasileiros que moraram na Rússia, começou a estudar o idioma ainda no Brasil, caracterizando-se como ações de ajuste antecipado ( Black & Mendenhall, 1991Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 ; Takeuchi & Chen, 2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 . Por outro lado, ele não teve suporte local e não conhecia ninguém na cidade onde foi morar. Apesar do encantamento inicial e estudo prévio, o dono do canal sofreu com o idioma, com as diferenças culturais e com o clima severo, ocasionando várias mudanças de endereço e de turmas das aulas de idiomas (pré-requisito para a universidade). Por isso, a fase do choque cultural foi muito intensa e parece ter durado mais do que a dos outros casos analisados. Como já apontado por Jannesari e Sullivan (2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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, os autoexpatriados estão mais expostos aos estressores do ambiente e têm que lidar, ao mesmo tempo, com muitos aspectos da vida em outro país.

A dona do canal O mundo não é para iniciantes também fez o ajuste antecipado, mas ocorreu de modo mais natural e menos intencional, já que é descendente de poloneses e já havia ido passar férias no país. Seu conhecimento da língua, apesar de básico, foi o suficiente para conseguir se comunicar com os parentes que lá residem e a hospedaram quando chegou na Polônia. Ter familiares no país foi mais um facilitador no seu processo de adaptação, eles também atuaram como ponte entre ela, a cultura e as normas sociais locais, além de terem um vínculo afetivo já construído. O fato de a universidade receber muitos alunos estrangeiros e o idioma falado ser, na maior parte do tempo, inglês fez ela se sentir parte da comunidade de estudantes, e não uma autoexpatriada isolada.

A dona do canal Brasileira no Egito não fez ações de ajuste antecipado e não tinha vínculo ou conhecimento sobre a cultura egípcia. Como seu objetivo com a mobilidade internacional era buscar oportunidade de estudo, ela teve a facilidade de poder se comunicar em inglês na maior parte do tempo na universidade e fora dela, já que a maioria da população fala esse idioma, assim como seu, inicialmente, namorado egípcio, com quem se comunicava em inglês.

Observaram-se outros elementos que afetaram o processo de adaptação que são inerentes ao meio ambiente, mas são condicionantes de comportamentos sociais. Isso é facilmente identificável nas regiões mais frias, onde as pessoas não se banham nas praias em decorrência do frio e, portanto, não há o contato social como nos países em que isso é possível. Outra questão é a inexistência de determinadas estruturas de comércio como padarias (como as existentes no Brasil), que permitem que as pessoas se alimentem de forma mais despojada, diferentemente de cafeterias e confeitarias.

A categoria tipos de adaptação foi analisada na perspectiva de Black et al. (1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 , baseada na teoria da aprendizagem social. Foi observado que a dinâmica dos processos de ambientação (geral, no ambiente de trabalho e interação social) se desenvolveu em um contínuo e foi mais facilitada ou não conforme o momento da curva de adaptação e os fatores inerentes à adaptação identificados. Ademais, a ambientação é altamente dependente do domínio do idioma local, principalmente para o ambiente geral e de interação, pois é na língua nativa que as pessoas expressam com mais sinceridade, detalhe e emoção suas percepções sobre as situações e os outros.

Especificamente, as donas dos canais Noruega e eu e O mundo não é para iniciantes tiveram mais facilidade na ambientação geral e interação social desde o início, devido à ajuda dos familiares locais (esposo, tios), mas com experiências diferentes no ambiente de trabalho/estudo. Enquanto a primeira relatou dificuldades iniciais e processo de adaptação mais lento, para a segunda, o fato de ser estudante de uma universidade que recebe muitos estrangeiros e fala-se inglês na maior parte do tempo fez ela se sentir parte de um grupo maior, com pessoas que estão passando pela mesma situação e com quem poderia trocar experiências. Para o dono do canal Caique Jr, todo o processo de adaptação foi intenso e difícil, principalmente no ambiente geral e no trabalho/estudo: desde o dia a dia na Rússia enfrentando as diferenças culturais, dificuldades com o sistema de ensino e, principalmente, devido à barreira do idioma. A adaptação na interação com colegas e locais foi mais fácil (ele mora com colegas estrangeiros e russos) e isso contribuiu para que ele superasse os problemas inerentes aos outros ambientes. A dona do canal Brasileira no Egito teve uma experiência menos facilitada que as outras donas dos canais analisados, mas menos dura que a de Caique Jr, pois pôde se comunicar em inglês inicialmente. Ao começar a se relacionar com um local, ele também atuou como ponte para o ambiente geral e para outras interações além do ambiente universitário. No ambiente geral, ela sentiu com mais intensidade o choque cultural devido às diferenças com as tradições familiares e religiosas, passando a fazer parte de uma família egípcia.

É preciso considerar também o impacto moderador dos aspectos individuais no processo, citados por Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 , que foram identificados e comuns às quatro narrativas: a vontade de se comunicar e estabelecer relacionamentos ( Jannesari & Sullivan, 2021Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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; Melo et al., 2021)Melo, J. L. L., Bueno, J. M., Domingues, C. R. (2021). As dimensões do cross-cultural competence inventory como estruturantes do desenvolvimento de competência intercultural em programas de mobilidade acadêmica internacional. Revista de Gestão e Secretariado, 12(1), 53-78. doi:10.7769/gesec.v12i1.1221 , flexibilidade para mudança (de trabalho, de moradia) e certo grau de autoeficácia ( Black et al., 1991)Black, J. S., Mendenhall, M., Oddou, G. (1991). Toward a comprehensive model of international adjustment: an integration of multiple theoretical perspectives. Academy of Management Review, 16(2), 291-317. doi:10.2307/258863 . Ainda, houve o desenvolvimento da autoconsciência que os levou a reconhecer a distância ou proximidade cultural e a passar por um processo de desconstrução e reconstrução identitária.

Relacionado ao desenvolvimento da autoconsciência, verificou-se que ter um canal público no YouTube resultou em mais uma forma de rever e dar sentido às experiências vividas. Além de vivenciar o processo de adaptação à nova cultura no dia a dia, os youtubers publicaram essa experiência em seus canais, o que permite reviver as situações diárias, compartilhá-las, dar novos significados a elas e consolidá-las de modo mais cristalizado. Isso evidencia o que González e Oliveira (2011)González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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já haviam apontado sobre a mobilidade internacional ser uma experiência de transformação e ressignificação de sentidos e identidade.

Discussão

Verificou-se que a trajetória apresentada pelos indivíduos em mobilidade voluntária reflete as etapas da adaptação intercultural preconizadas pela teoria da curva em U. No entanto, há que se considerar aspectos específicos como a intensidade, a duração, as ações e reações que foram diferentes em cada uma das etapas do processo. Destaca-se que as ações de ajuste antecipado tiveram papel fundamental e foram responsáveis por minimizar e amenizar possíveis dificuldades futuras ainda no país de origem. As ações principais relatadas para o ajuste antecipado foram: já ter um relacionamento afetivo (cônjuge ou familiares) com pessoas do país de destino; buscar informações sobre diferentes aspectos a respeito do país; estar exposto ao idioma, seja por convivência ou estudo; e ter contato prévio com o país por meio de viagens de turismo, aproximando-se de ações dessa natureza encontradas em outros estudos como de Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 e Takeuchi e Chen (2013)Takeuchi, R., Chen, J. (2013). The impact of international experiences for expatriates’ cross-cultural adjustment: a theoretical review and a critique. Organizational Psychology Review, 3(3), 248-290. doi:10.1177/2041386613492167 . Quanto a estabelecer/ter laços familiares com pessoas do outro país, essa é uma questão mais ligada a um dos motivos da expatriação voluntária, que é buscar um local melhor para viver, em diferentes sentidos, e menos para atender à perspectiva profissional, como na expatriação tradicional.

Sobre os tipos de adaptação em relação aos três ambientes (geral, no trabalho e interação com locais), também foi possível identificá-los na mobilidade voluntária dos quatro indivíduos. Observou-se que foi dada mais atenção e exigiram maiores esforços a adaptação ao ambiente geral e a interação com os locais, sendo menos abordadas situações envolvendo seus ambientes de trabalho. Estudos como de Araujo et al. (2012)Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., Malini, E. (2012). Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e diferenças no contexto brasileiro. Revista de Administração, 47(4), 555-570. doi:10.5700/rausp1058. , Cerdin e Selmer (2014)Cerdin, J. L., Selmer, J. (2014). Who is a self-initiated expatriate? Towards conceptual clarity of a common notion. The International Journal of Human Resource Management, 25(9), 1281-1301. doi:10.1080/09585192.2013.863793 e Jannesari e Sullivan (2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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já haviam relatado que os expatriados voluntários estão mais sujeitos aos estressores do ambiente externo ao trabalho. No entanto, nos casos estudados, houve outro fator que influenciou a adaptação ao ambiente geral e à interação com os locais: as interações em seus canais no YouTube. As sugestões dos seguidores sobre pautas para os vídeos e lives levaram os expatriados a se empenharem para conhecer e compreender elementos da vida local, como sua história, tradições, festas e comemorações, funcionamento da rotina diária, transporte, visitas a pontos turísticos.

Outros pontos de destaque, ligados aos aspectos individuais da adaptação intercultural, foram a vontade de se comunicar e se relacionar de forma mais próxima com os outros e ampliar o autoconhecimento, já citados por estudos anteriores como Black e Mendenhall (1991)Black, J. S., Mendenhall, M. (1991). The U-Curve adjustment hypothesis revisited: a review and theoretical framework. Journal of International Business Studies, 22(2), 225-247. doi:10.1057/palgrave.jibs.8490301 e Jannesari e Sullivan (2021)Jannesari, M. T., Sullivan, S. E. (2021). How relationship quality, autonomous work motivation and socialization experience influence the adjustment of self-initiated expatriates in China. Cross Cultural & Strategic Management, 28(2), 309-331. doi:10.1108/CCSM-02-2020-0056
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. Como um elemento não mencionado pela literatura, foi citada em relatos de diferentes momentos da mobilidade voluntária a flexibilidade para mudanças, sejam de tipo e local de emprego, troca de moradia entre bairros e mudança para outras cidades ou regiões do país. Além de ser um esforço de adaptação e de tentar “fazer dar certo” a mobilidade voluntária, o intuito também foi conciliar um conjunto de fatores que contribuíssem para uma melhor experiência de vida nos países, pensando em diferentes aspectos que não só o trabalho e a carreira, como acontece mais comumente com expatriados tradicionais.

É importante dizer que a criação e a manutenção dos canais adicionaram mais um elemento à adaptação intercultural, que, de modo geral, mobilizam mais energia para perspectivas e projetos futuros dos indivíduos. A dinâmica desse mecanismo de interação, canal no YouTube, promove um constante resgatar de memórias e ressignificação de fatos e situações. Com isso, houve reforço no processo de autoconsciência, para além do que já foi apontado por outros autores como relevante para a experiência da expatriação ( González & Oliveira, 2011González, J. M. R., Oliveira, J. A. (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved from https://bit.ly/3Qfj4I5
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). Isso é potencializado com a entrada de novos membros no canal, visto que é comum que se façam perguntas sobre temas já abordados, provocando situações em que se repetem histórias e explicações já dadas e, como consequência, vêm à tona emoções fortes, o resgate de percepções que antes faziam sentido e que hoje não fazem mais e novos olhares diante das situações. Essa constante exposição eleva o número de catarses e momentos de elaboração, uma vez que a repetição eleva o grau de compreensão das emoções, assim como fixa determinadas experiências e aprimora a capacidade de avaliar situações e emoções.

Foi dito pelos donos dos canais que, apesar de terem tido algumas experiências ruins, percebem o espaço virtual como um ambiente em que há pessoas interessadas na sua vivência, preocupadas com seu bem-estar e que dão suporte emocional, criando uma outra dimensão no processo de adaptação intercultural e sentido para mobilidade voluntária.

Conclusão

O objetivo deste trabalho foi analisar o processo de adaptação intercultural de brasileiros imigrantes e autoexpatriados em países considerados “fora do eixo”, a partir de seus relatos e interações em seus canais no YouTube. Com esse intuito, verificou-se a aplicação e o alcance das teorias de adaptação intercultural, levando em conta o papel dos canais como ambiente de interação e de influência nos rumos da mobilidade voluntária.

A partir da análise dos achados de pesquisa, conclui-se que a trajetória apresentada pelos indivíduos nos outros países reflete as etapas da adaptação intercultural preconizadas pela teoria da curva em U, os tipos de adaptação nos diferentes ambientes e a presença de características e comportamentos individuais, mostrando o alcance dessas teorias para análise de experiências de mobilidade internacional voluntária. No entanto, é preciso considerar em cada uma delas aspectos específicos como os tipos de ações de ajuste antecipado que fazem com que as etapas da curva em U comecem no país de origem, afetando sua intensidade e duração, além de o foco ser maior em atenção a elementos do ambiente geral e de interação com habitantes locais, reforçado pela demanda e sugestões dos seguidores dos canais no YouTube. Aspectos individuais como a flexibilidade à mudança e o autoconhecimento mostraram-se relevantes para essas experiências de mobilidade voluntária e foram impulsionados pela adaptação aos diferentes ambientes e pela dinâmica de interação com os canais.

Como contribuição teórica, compreende-se que para utilizar as teorias sobre adaptação intercultural com o intuito de analisar a mobilidade voluntária é necessário considerar alguns aspectos específicos desse tipo de mobilidade, como as diferentes ações de ajuste antecipado, o peso e a importância de cada ambiente de adaptação conforme o objetivo do expatriado voluntário com a experiência e um comportamento mais flexível à mudança do que o observado em expatriados organizacionais. Além disso, é importante considerar o quanto essa experiência é compartilhada e exposta em diferentes meios, como redes sociais digitais, e o seu respectivo impacto nas escolhas e (re)criação de significados.

O uso da pesquisa narrativa sobre um conjunto de vídeos publicados em canais da plataforma YouTube exemplifica e reforça o uso desse tipo de material como mais uma possibilidade de acessar as trajetórias de indivíduos, suas reflexões e ressignificações de experiências, mediadas pelo diálogo com a audiência, que, neste caso, são os seguidores dos canais. Assistir aos vídeos e analisar as interações nos canais permitiu a imersão em vários contextos compartilhados pelos indivíduos e o entendimento da importância de suas vivências.

Uma das limitações deste trabalho foi não ter obtido retorno dos contatos com os donos dos canais para que houvesse a confirmação de informações e interpretações, reforçando a análise na perspectiva dialética recomendada em pesquisas narrativas. Além disso, não foram utilizadas outras técnicas para análise dos vídeos que poderiam complementar as informações e o entendimento das narrativas de forma mais aprofundada, como a análise de imagem em movimento e dos elementos do contexto, por exemplo.

Como estudos futuros, sugere-se ampliar a pesquisa, incluindo outros canais de brasileiros e diferentes redes sociais como Twitter, Instagram e Facebook. Complementarmente, recomenda-se o uso de outras fontes de coleta de dados, como entrevistas e grupos focais, além de diferentes técnicas de avaliação das informações que podem contribuir com a análise narrativa, como foi feito neste trabalho. Investigar outras questões sobre a vida em outro país, fundamentando-se em diferentes bases teóricas, a fim de gerar distintos panoramas e perspectivas sobre essas experiências também é um percurso metodológico recomendado, assim como analisar as interações entre dono(a) do canal e seus seguidores em cada um dos momentos do processo de adaptação intercultural.

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  • Financiamento: O(s) autor(es) não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Letícia Fantinel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2021
  • Aceito
    08 Jun 2022
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