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(Con)figurar o Empreendimento, (Con)formar a Vida: Estratégia de Viver a Vida em Refúgio como Empreendedor Étnico à Luz do Trabalho Imaterial

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar e analisar a estratégia de viver a vida de refugiados sírios, tomando o empreendimento étnico à luz da noção de trabalho imaterial. Realizou-se um estudo qualitativo e exploratório na cidade de Porto Alegre (Brasil), a partir de um corpus de pesquisa que teve como foco temático a etnicidade nos empreendimentos do ramo alimentício de refugiados sírios. Os dados foram acessados por meio de notícias de jornal, visitas aos empreendimentos, consumo de produtos, entrevistas narrativas e observação direta com registros fotográficos e em diários de campo. Participaram da pesquisa refugiados sírios interligados por laços familiares e de origem que compartilham dois empreendimentos — uma lancheria e uma confeitaria étnica. A análise resultou em três eixos: (a) percursos e percalços no refúgio; (b) trabalho imaterial como empreendimento étnico; e (c) ser empreendedor étnico como estratégia de viver a vida em refúgio. Evidencia-se que os modelos metafóricos de errante e de jogador auxiliam a ilustrar a produção de subjetividade se delineando em direção ao empreendedor étnico como uma estratégia de viver a vida de refugiado operacionalizada pelo trabalho imaterial. Tais conclusões trazem a perspectiva analítica da subjetividade aos empreendimentos étnicos ao mostrar que o empreendedor étnico em correspondência ao empreendedor de si no trabalho imaterial opera no sentido da produção/composição/afirmação da estratégia de viver a vida em refúgio. Assim, ao (con)figurar o empreendimento, (con)forma a vida.

refugiados; sírios; trabalho imaterial; subjetividade; empreendedorismo étnico

Abstract

This article aims to present and analyze the strategy for living life of Syrian refugees, examining the ethnic enterprise in light of the notion of immaterial labor. A qualitative and exploratory study was conducted in the city of Porto Alegre (Brazil), based on a corpus of research whose thematic focus was ethnicity in the food-sector enterprises of Syrian refugees. The data were accessed by means of newspaper reports, visits to the enterprises, the consumption of products, narrative interviews, and direct observation with photographic and field diary records. The participants were Syrian refugees interconnected through family ties and a common origin who share two enterprises – an ethnic snack bar and confectionery. The analysis resulted in three axes: (a) routes and obstacles in refuge; (b) immaterial labor in the ethnic enterprise; and (c) being an ethnic entrepreneur as a strategy for living life in refuge. It is highlighted that the metaphorical models of wanderer and player help to illustrate the production of subjectivity outlining the ethnic entrepreneur as a strategy for living life as a refugee operationalized by immaterial labor. These conclusions provide an analytical perspective on the subjectivity for ethnic enterprises by showing that the ethnic entrepreneur in correspondence with the self-entrepreneur in immaterial labor operates in the sense of producing/composing/affirming the strategy for living life in refuge. Thus, by shaping the enterprise, it shapes the life.

refugees; Syrians; immaterial labor; subjectivity; ethnic entrepreneurship

Introdução

As transformações do trabalho relativas às formas de vida e à produção de subjetividade correspondem à realidade capitalista global ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 ; Cocco, 1995Cocco, G. (1995). A produção e a cidade no pós-fordismo: as noções de trabalho imaterial e de “bacia” de trabalho imaterial. Work presented at the 6th National ANPUR Conference, Brasília, DF. ; Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ; Lazzarato, 2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. São Paulo, SP: N-1 edições. ; Scherer, Grisci, & Chanlat, 2021; Sennett, 2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. . Compreendidas pela noção de trabalho imaterial, essas transformações ressaltam que o trabalho como produção não pode prescindir e deixar de combinar com o trabalho sobre si ( Lazzarato, 2014)Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. . Isso remete ao entendimento de que o trabalho imaterial consiste na mobilização total do indivíduo para o trabalho manual e intelectual concomitantemente, sendo a demanda por seu conhecimento, comunicação, informação, cooperação, cultura e afetividade a ênfase direcionada para a produção capitalista ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 ; Cocco, 1995Cocco, G. (1995). A produção e a cidade no pós-fordismo: as noções de trabalho imaterial e de “bacia” de trabalho imaterial. Work presented at the 6th National ANPUR Conference, Brasília, DF. ; Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ; Lazzarato & Negri, 2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. .

Assim, o “capitalismo dos dias de hoje encontra o saldo positivo que procura . . . na implicação subjetiva que todo ‘trabalhador imaterial’ deve demonstrar”, inclusive aqueles mais vulneráveis e imbricados em fluxos de deslocamento ( Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. , p. 51), como o caso de refugiados. Para Scherer et al. (2021)Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 , as associações provenientes do trabalho imaterial são capazes de formar alternativas favoráveis aos modos de trabalhar e viver de refugiados, como a criação de empreendimentos em redes de cooperação.

Nesse sentido, este estudo busca associar à lógica do trabalho imaterial o empreendedorismo étnico, que tem como base a conexão entre o capital social e o uso de recursos étnicos em empreendimentos (Dabić, Vlačić, Paul, Dana, Sahasranamam, & Glinka, 2020; Light, 1998)Light, I. H. (1998). Immigrant Entrepreneurs in America: Koreans in Los Angeles. In D. Jacobson (Ed.), The immigration reader – America in a multidisciplinary perspective (pp. 265-284). Malden: Blackwell Publishers. . Considera-se que características culturais e sociais específicas de cada grupo contemplam e operam elementos como valores, conhecimentos, habilidades, informação, solidariedade e ética profissional ( Light, 1998Light, I. H. (1998). Immigrant Entrepreneurs in America: Koreans in Los Angeles. In D. Jacobson (Ed.), The immigration reader – America in a multidisciplinary perspective (pp. 265-284). Malden: Blackwell Publishers. ; Rahman, Alshawi, & Hasan, 2021; Zhou, 2004)Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x , em uma rede de cooperação ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ; Sennett, 2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. que refugiados atentam a favor do empreendimento étnico, o que de antemão leva ao argumento de uma correspondência do trabalho imaterial ao exercício e à performance do empreendedor étnico.

Dada a vulnerabilidade no deslocamento forçado que caracteriza a migração do refugiado, argumenta-se, também, que o empreendedor étnico apresenta uma estratégia de viver a vida que contempla percursos e percalços no refúgio. Modelos metafóricos relativos à estratégia de viver a vida em deslocamento, apresentados por Bauman (2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. — andarilho, jogador, turista e errante —, mostram-se relevantes para a discussão do refúgio também na realidade brasileira.

A Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR, 2021) divulgou que, até 2020, 26,4 milhões de indivíduos que atravessaram fronteiras de países foram reconhecidos como refugiados, 4,1 milhões aguardavam decisão relativa à solicitação de refúgio com necessidade de proteção e 51,9 milhões estavam em situação similar de deslocamento. No Brasil, dados do Relatório Refúgio em Números divulgam 57.099 indivíduos reconhecidos como refugiados até 2020, embora o número de solicitações desse reconhecimento seja consideravelmente maior — foram 265.729 pedidos entre 2011 e 2020 (Silva, Cavalcanti, Oliveira, Costa, & Macedo, 2021).

Tal fato ocorre porque o Brasil reconhece como refugiados somente aqueles que se enquadram no conceito das Nações Unidas — indivíduos em deslocamento forçado devido à perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opinião política, conflitos, violência ou grave e generalizada violação de direitos humanos (UNHCR, 2021) —, que foi definido na Convenção de Genebra em 1951 e estabelecido no país pelo Estatuto dos Refugiados (Lei nº 9.474/1997). Para os demais solicitantes, conforme a nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), há outras categorias como imigrante, fronteiriço, visitante e apátrida. É o caso dos haitianos que, em sua maioria, são imigrantes e recebem visto de acolhida humanitária ( Yamamoto & Oliveira, 2021Yamamoto, G. C., Oliveira, J. S. (2021). Imigração como prática de organização: discussões sobre práticas de organização, deslocamento e integração de imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia, em Goiás, Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 292-306. doi:10.1590/1679-395120200015 ). Embora exista a distinção e reconhecimento legal, na prática os desafios para integração no país anfitrião podem se assemelhar para aqueles em situação de vulnerabilidade (Faria, Ragnini, & Brüning, 2021).

Até 2018, a Síria era o país com maior número acumulado — 3.326 refugiados reconhecidos em todo o país ( Brasil, 2018Brasil. (2018). Refúgio em números – 3ª edição. Brasília, DF: Ministério da Justiça. ). Desde 2019, passou para a segunda posição (3.594 refugiados em 2020), sendo a Venezuela o primeiro país (46.412 refugiados em 2020) ( Silva et al., 2021Silva, G. J., Cavalcanti, L., Oliveira, T., Costa, L. F. L., Macedo, M. (2021). Resumo executivo — refúgio em números, 6ª edição. Brasília, DF: OBMigra. ). Entre as cidades brasileiras, Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, está entre aquelas que mais recebem imigrantes e refugiados (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2019).

Diante do exposto, objetiva-se apresentar e analisar a estratégia de viver a vida de refugiados sírios, tomando o empreendimento étnico à luz da noção teórica de trabalho imaterial. Para isso, realizou-se pesquisa qualitativa exploratória com seis refugiados sírios, interligados por laços familiares e de origem, a partir de suas vivências em dois empreendimentos étnicos na cidade de Porto Alegre, pertencentes ao ramo alimentício e condizentes com a noção de trabalho imaterial.

Ao considerar a revisão integrativa realizada por Dabić et al. (2020)Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 , o tema empreendedorismo imigrante tem apresentado bases teóricas da sociologia (como capital social, teorias culturais e da desvantagem e teorias clássicas), economia (como custos de transação e teorias clássicas), psicologia (como competências e análise em nível micro) e estudos organizacionais e empreendedorismo (como teoria baseada em recursos, redes sociais e relações interorganizacionais e teorias de estratégia) com predominância de pesquisas positivistas e quantitativas em contextos da América do Norte, Europa e Ásia.

Nesse sentido, este artigo se diferencia, pois contribui para a compreensão da dinâmica do empreendedorismo étnico de imigrantes no Brasil, especialmente por tratar do surgimento de empreendimentos gerenciados por indivíduos em situação de refúgio, cuja característica da migração forçada os distingue dos demais imigrantes. O estudo também se diferencia por ser realizado a partir de uma pesquisa qualitativa com narrativas, diários de campo e fotografias que auxiliam a ilustrar as migrações sul-sul, fenômeno atual que se difere dos destinos comuns de migração para o norte global. Assim, adiciona-se aos estudos já existentes a noção de trabalho imaterial como impulsionador da dinâmica de funcionamento de tais empreendimentos, problematizando as consequências do trabalho para a subjetividade dos trabalhadores refugiados em um contexto diferente dos estudos que são realizados predominantemente na Europa, Ásia e América do Norte. A seguir, encontram-se o referencial teórico, o caminho metodológico e a apresentação e análise dos resultados. Por último, as considerações finais.

Aproximando refúgio à noção de trabalho imaterial

O debate sobre trabalho imaterial nasce da preocupação de sociólogos e filósofos em estudar as transformações do capitalismo, os modos de trabalhar e os consequentes impactos dessas mudanças para a subjetividade dos trabalhadores. André Gorz, Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, engajados no chamado movimento de operaísmo italiano e do pós-estruturalismo francês, foram os precursores desses estudos ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 ). Atualmente, outros autores dão continuidade a esse debate e outros, ainda que não utilizem o termo, abordam características demandadas e investidas pelo trabalhador contemporâneo que coincidem com a noção teórica de trabalho imaterial. Esses estudiosos desenvolveram teses que, embora não sejam idênticas em seus pontos de partida epistêmicos e em seus desdobramentos, se conectam quando analisam os modelos de produção pós-fordista e as relações concebidas a partir deles, tendo como cerne a mobilização e centralidade do conhecimento do trabalhador como força produtiva por meio de redes de cooperação.

A noção de trabalho imaterial pode ser compreendida pelas “atividades que produzem um bem material ou imaterial, que se caracteriza pela prevalência da comunicação, informação, cooperação e cultura na produção de uma determinada mercadoria” ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 , p. 8). Ela também é caracterizada por descontinuidades constitutivas e gera implicações às concepções de tempo e espaço, de modo que se mostra cada vez mais improvável a demarcação de tempos e espaços de trabalho e não trabalho. De acordo com Gorz (2005)Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. , o trabalho imaterial passa a apelar para as atividades de lazer (ou qualquer modo de não trabalho) como forma de investimento, fato que levaria indivíduos a subtraírem parte de suas vidas à aplicação integral no trabalho.

De repente os aspectos mais humanos do homem, seu potencial, sua criatividade, sua interioridade, seus afetos, tudo isso que ficava de fora do ciclo econômico produtivo, e dizia respeito antes ao ciclo reprodutivo torna-se a matéria-prima do próprio capital, ou torna-se o próprio capital. Isso tudo que antes pertencia à esfera privada, à vida íntima, ou até mesmo do que há de artístico no homem, daquilo que caracteriza mais o artista do que o operário, passa a ser requisitado na produção. ( Pelbart, 2003Pelbart, P. P. (2003). Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo, SP: Iluminuras. , p. 99)

Segundo Grisci (2011)Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. , Mansano (2009)Mansano, S. R. V. (2009). Transformações da subjetividade no exercício do trabalho imaterial. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(2), 512-524. Recuperado de https://bit.ly/3CiFN2r
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e Pelbart (2003)Pelbart, P. P. (2003). Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo, SP: Iluminuras. , a reivindicação por um trabalho mais criativo e imaginativo obrigou a lógica capitalista a operar no inconsciente, na sensibilidade e nos afetos dos indivíduos, de modo a colocá-los sempre à disposição do trabalho, mobilizando-os por inteiro. Nessa lógica, relações afetivas e momentos de lazer podem ser, gradativamente, deixados em segundo plano em prol de compromissos organizacionais, ou rentabilizados para o trabalho imaterial, que conta com as experiências de vida.

A mobilização do indivíduo, apontada por Gorz (2005)Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. , diz respeito a esse alcance do trabalho em todos os âmbitos da vida. O trabalhador do imaterial, diz o autor, dá “às atividades lúdicas, esportivas, culturais e associativas, nas quais a produção de si é a própria finalidade, uma importância que enfim ultrapassa a do trabalho” (p. 23).

Para Lazzarato e Negri (2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. , a transformação que começou na década de 1970 caminha para uma direção hegemônica e se apresenta de forma irreversível, caracterizando um trabalho vivo, cada vez mais intelectualizado e comunicativo. O sentido dessa hegemonia do trabalho imaterial em relação ao trabalho material não diz respeito à substituição de um por outro. Mais do que isso, as tarefas de trabalho imediato estão cada vez mais subordinadas à capacidade de tratamento da informação.

Em síntese, entende-se que as novas práticas do management produzem na sua centralidade um trabalho vivo e tornam cada vez mais fluídas as divisões entre produtor e consumidor, trabalho físico e intelectual, tempo-espaço de trabalho e de tempo-espaço de não trabalho ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ; Sennett, 2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. . Nessa lógica, associa-se a noção de trabalho imaterial a todo trabalho realizado, sendo esse intelectual, braçal, produtor de mercadorias ou de serviços. Segundo Cocco (1995)Cocco, G. (1995). A produção e a cidade no pós-fordismo: as noções de trabalho imaterial e de “bacia” de trabalho imaterial. Work presented at the 6th National ANPUR Conference, Brasília, DF. , “no cruzamento da nova relação que liga a produção e o consumo, o trabalho imaterial pode ser justamente definido como a interface que torna ativa e organiza a relação criativa produção-consumo inovando continuamente as condições de comunicação” (p. 1171). Lazzarato e Negri (2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. pontuam que o trabalho imaterial se desenvolve por meio de formas cooperativas, de redes produtivas criadas a partir do envolvimento, cada vez mais acentuado, do trabalhador com o seu trabalho.

Estudos mais recentes no cenário brasileiro têm abordado a perspectiva do trabalho imaterial para pensar as relações contemporâneas e analisar campos de trabalho em contextos diferentes daqueles estudados pelos autores precursores, que se aprofundavam especialmente na Europa. Como exemplos, podem ser citados estudos sobre o trabalho docente ( Hypolito & Grishcke, 2013Hypolito, Á. M., Grishcke, P. E. (2013). Trabalho imaterial e trabalho docente. Educação, 38(3), 507-522. doi:10.5902/198464448998 ), pesquisas de designers ( Mansano & Périgo, 2020)Mansano, S. R. V., Périgo, A. M. R. (2020). O trabalho imaterial do designer e a sustentabilidade: impasses. Desenvolvimento em Questão, 18(51), 297-316. doi:10.21527/2237-6453.2020.51.297-316 , de músicos independentes ( Grillo, 2016)Grillo, A. P. (2016). Cultura e trabalho imaterial: música independente e produção cultural no novo mundo do trabalho. PragMATIZES — Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, 10(6), 53-65. doi:10.22409/pragmatizes.v0i10.10424
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v0i...
; de modelos de moda expatriados ( Prestes & Grisci, 2017)Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2017). Modelo de moda: trabalho imaterial e estratégia existencial consumista na expatriação. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 20(2), 111-127. doi:10.11606/issn.1981-0490.v20i2p111-127 e de refugiados artesãos, artistas e chefs de cozinha ( Scherer et al., 2021)Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 . Tais esforços são relevantes no sentido de que campos de atuação distintos, por meio do trabalho imaterial, acabam apropriando a subjetividade e até mesmo a existência dos trabalhadores em prol do capital. Desse modo, a mobilização do trabalhador se constitui como pilar de sustentação da produção e da riqueza.

Assim como transformações do trabalho prometem emancipação pela experimentação de novas formas de vida que surgiriam por meio do trabalho ético-político sobre si, ou seja, pela imposição de capacidade produtiva de cada indivíduo, transformações do capitalismo global impelem deslocamentos forçados. Nessa perspectiva é “imperativo tomar para si os riscos e os custos para os quais nem a atividade comercial, nem o Estado estão dispostos a pagar” ( Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. , p. 51).

Deslocamentos fazem circular não apenas os indivíduos, mas uma multiplicidade que diz respeito à terra natal, à língua materna, aos costumes locais, aos modos de relacionamento, aos gestos, aos ritmos e ritos, à retórica, à arte, às normas estéticas, enfim, à vida engendrada nos diversos espaços sociais ( Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ; Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ). Inerentes ao indivíduo, tais multiplicidades ultrapassam fronteiras. É disso que o trabalho imaterial se vale no sentido de que, conforme Lazzarato e Negri (2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. , são as atividades desenvolvidas fora do trabalho que estimulam sua vivacidade. Logo, os modos de trabalhar se apropriam e exploram os investimentos em saberes característicos de um determinado país, região e/ou cultura, gerando valor ao indivíduo.

Segundo Scherer et al. (2021)Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 , o refugiado, “no país de acolhimento ou de trânsito, é aquele que se encontra em posição menos estável e em diferentes ancoragens precárias como inserções parciais e provisórias também condizentes com a lógica do trabalho imaterial” (p. 379). Outros estudos realizados no contexto brasileiro corroboram o entendimento sobre as limitações de acesso e de mobilidade social disponíveis para imigrantes e refugiados no país de acolhimento. Faria et al. (2021)Faria, J. H., Ragnini, E. C. S., Brüning, C. (2021). Deslocamento humano e reconhecimento social: relações e condições de trabalho de refugiados e migrantes no Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 278-291. doi:10.1590/1679-395120200018 , por exemplo, ressaltam que, embora haja o reconhecimento legal e a inclusão laboral de imigrantes e refugiados no Brasil, ainda não se legitimou o reconhecimento social. Ainda permanecem obstáculos e exclusão do ponto de vista cultural (discriminação e racismo), político (reconhecidos como mão de obra barata, e não como cidadãos) e econômico (trabalhos informais, precários e de baixa qualificação). Já Yamamoto e Oliveira (2021)Yamamoto, G. C., Oliveira, J. S. (2021). Imigração como prática de organização: discussões sobre práticas de organização, deslocamento e integração de imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia, em Goiás, Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 292-306. doi:10.1590/1679-395120200015 discorrem que a busca pela inclusão social e laboral demanda deslocamentos para além da migração internacional. Os imigrantes realizam práticas organizativas do cotidiano por meio de redes sociais, que engendram as experiências de mobilidade em um contexto não só econômico, mas também político. Tal prática organizativa pode ser associada às redes de cooperação afetivas e inventivas do trabalho imaterial.

Aproximar refúgio e trabalho imaterial implica considerar refugiados como trabalhadores que buscam inserção social e laboral no país de acolhimento, em uma perspectiva de vida correspondente à vontade de viver diante de situações-limite. Para refugiados, o empenho de si relativo à ultrapassagem de barreiras de acesso aos sistemas e à morosidade dos processos burocráticos relativos ao refúgio, exemplos apontados por Jardim (2016)Jardim, D. F. (2016). Imigrantes ou refugiados? As tecnologias de governamentalidade e o êxodo palestino rumo ao Brasil no século XX. Horizontes Antropológicos, 22(46), 243-271. doi:10.1590/S0104-71832016000200009 , também podem ser considerados como uma etapa do trabalho realizado.

Conforme esclarece Lazzarato (2014)Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. , a “força do capitalismo reside em sua capacidade de integrar o funcionamento do desejo como ‘economia dos possíveis’ dentro de seu próprio funcionamento, a fim de promover e solicitar uma nova figura subjetiva: o sujeito econômico como ‘capital humano’ ou empresário de si mesmo” (p. 50). Na ideologia da realização de si é o próprio potencial de desenvolvimento que se coloca em sinergia com os propósitos de rentabilidade da empresa. Uma boa gestão de si, na perspectiva da autorrentabilização, seria, portanto, o fator chave do sucesso tanto do indivíduo como da empresa ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ). Ainda que “o capital explore a vida, não significa que a vida coincida com o capital. . . . Essa separação sempre é possível, pois o processo de subjetivação está sempre por fazer”, alerta Lazzarato (2017Lazzarato, M. (2017). O governo do homem endividado. São Paulo, SP: N-1 edições. , p. 237).

Diante da exaustiva divulgação de liberdades ampliadas, as escolhas recaem, cada vez mais, sobre os ombros do indivíduo — do qual é demandado que saiba gerir, controlar, e vigiar a si ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ). Essa atividade invisível de produzir-se (a si mesmo), embora silencie sobre a precariedade do trabalho, é a chave que possibilita o acesso ao mundo social do emprego, como de antemão é possível avistar o modo como refugiados formam suas redes de cooperação e direcionam seus esforços em relação ao trabalho no país de destino. Sennett (2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. alerta que o laço com a comunidade era forte característica do trabalhador em um período fordista, o que era evidente entre imigrantes de mesma nacionalidade em seus empreendimentos étnicos. Entretanto, no pós-fordismo esses laços se tornaram mais frágeis, devido à prevalência do individualismo como uma nova característica do trabalho, com especialização flexível, fluidez, adaptação, correr riscos, agilidade — tal qual o trabalho imaterial. O autor afirma que os laços da comunidade ainda são uma passagem, ainda que “de forma mais elementar, do senso de mútua dependência” para compor-se no mundo dos negócios (p. 160) — o que pode se configurar como uma das estratégias de sobrevivência de refugiados por meio do investimento em empreendimentos étnicos.

Empreendimento étnico

Durante as últimas décadas, o empreendedorismo étnico, minoritário e imigrante tem suscitado um crescente interesse acadêmico ( Dabić et al., 2020Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 ). O empreendimento étnico é uma das principais atividades desempenhadas por indivíduos que migram para outros países, gerando renda e desenvolvimento econômico para a sociedade que os recebe ( Cruz & Falcão, 2016Cruz, E. P., Falcão, R. P. Q. (2016). Revisão bibliométrica no tema empreendedorismo imigrante e étnico. Internext, 11(3), 78-94. doi:10.18568/1980-4865.11378-94 ). O produto étnico, aquele que contempla herança cultural e identitária, é a principal razão para o surgimento de empreendimentos de imigrantes, sobretudo em locais onde a demografia é composta por um histórico de migração ( Rahman et al., 2021Rahman, M. M., Alshawi, A. A. H., Hasan, M. (2021). Entrepreneurship in Ethnic Enterprises: The Making of New Immigrant Businesses in New York. Sustainability, 13(20), 1-19. doi:10.3390/su132011183 ; Zhou, 2004)Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x , embora seja preciso salientar que nem todo empreendedor imigrante é um empreendedor étnico ( Zhou, 2004)Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x .

Com relação a refugiados, especificamente, o empreendimento étnico pode ser uma das poucas alternativas encontradas por esse grupo minoritário diante das escassas oportunidades de trabalho que se apresentam no país de destino ( Cruz & Falcão, 2016Cruz, E. P., Falcão, R. P. Q. (2016). Revisão bibliométrica no tema empreendedorismo imigrante e étnico. Internext, 11(3), 78-94. doi:10.18568/1980-4865.11378-94 ), agravadas por uma “mobilidade bloqueada”, que se refere a um contexto de fortes barreiras estruturais aos estrangeiros ( Light, 1998Light, I. H. (1998). Immigrant Entrepreneurs in America: Koreans in Los Angeles. In D. Jacobson (Ed.), The immigration reader – America in a multidisciplinary perspective (pp. 265-284). Malden: Blackwell Publishers. ; Rahman et al., 2021Rahman, M. M., Alshawi, A. A. H., Hasan, M. (2021). Entrepreneurship in Ethnic Enterprises: The Making of New Immigrant Businesses in New York. Sustainability, 13(20), 1-19. doi:10.3390/su132011183 ; Waldinger, Aldrich, & Ward, 1990). Sendo essas as características fundamentais que atravessam o empreendedorismo étnico, minoritário e imigrante ( Dabić et al., 2020)Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 , o foco desta pesquisa recai na atividade empreendedora iniciada por imigrantes e refugiados, que tem como cerne um produto ou serviço étnico.

Estudos precursores sobre o tema, como o de Waldinger et al. (1990)Waldinger, R. D., Aldrich, H., Ward, R. (1990). Ethnic entrepreneurs: Immigrant business in industrial societies. Newbury Park: SAGE Publications. , sustentavam a tese da assimilação econômica, a qual previa que os empreendimentos de imigrantes, mesmo que tivessem começado seus negócios com foco na etnicidade, perdiam sua identidade étnica ao longo do tempo, buscando aproximação com os mainstream businesses locais. Ressalta-se a prevalência de indagação acerca do processo de adaptação desses indivíduos em um país diferente do seu de origem. Aldrich e Waldinger (1990)Aldrich, H. E., Waldinger, R. (1990). Ethnicity and entrepreneurship. Annual Review of Sociology, 16(1), 111-135. doi:10.1146/annurev.so.16.080190.000551 , por exemplo, verificaram que os empreendedores étnicos apresentam maleabilidade em relação ao ambiente que os recebe, adaptando especificidades dos seus negócios conforme as demandas do mercado. Essa maleabilidade também se refere aos recursos disponibilizados na localidade, que variam substancialmente entre as sociedades e ao longo do tempo.

Estudos mais recentes mostram que empreendedores étnicos preservam relacionamento próximo a grupos de mesma etnia, uma vez que compartilham cultura e origem, e acabam direcionando seus produtos e serviços para esses compatriotas, também conhecidos como coétnicos. Manter a clientela de compatriotas também pode trazer inovação ( Rahman et al., 2021Rahman, M. M., Alshawi, A. A. H., Hasan, M. (2021). Entrepreneurship in Ethnic Enterprises: The Making of New Immigrant Businesses in New York. Sustainability, 13(20), 1-19. doi:10.3390/su132011183 ), bem como estratégias coletivas de enfrentamento à precariedade e à falta de reconhecimento social de seus empreendimentos ( Idriss, 2021Idriss, S. (2021). The ethnicised hustle: Narratives of enterprise and postfeminism among young migrant women. European Journal of Cultural Studies, 25(3), 807-823. doi:10.1177/1367549421988948 ). Há, ainda, estudos que mostram que outros empreendedores apostam no ineditismo da oferta de produtos para a cultura do país de destino, tendo como público principal os nativos que ainda desconhecem os produtos e serviços a serem ofertados ( Zhou, 2004Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x ). Percebe-se que as estratégias de empreendedorismo imigrante são diversificadas, podendo alcançar participação no mercado étnico e não étnico, a depender de especificidades demográficas, políticas e econômicas locais. Vislumbra-se, desde já, a formação de uma rede de cooperação própria do trabalho imaterial, favorável ao surgimento e à manutenção do empreendimento étnico.

As redes de laços sociais a partir de uma lente sociológica se configuram como tema presente nos estudos de empreendedorismo étnico, pois elas impulsionam capital financeiro, social e humano, além de operar como rede de apoio emocional aos imigrantes ( Dabić et al., 2020Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 ; Diniz, Guimarães, & Fernandes, 2019; Idriss, 2021Idriss, S. (2021). The ethnicised hustle: Narratives of enterprise and postfeminism among young migrant women. European Journal of Cultural Studies, 25(3), 807-823. doi:10.1177/1367549421988948 ; Zhou, 2004)Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x . O estudo de Diniz et al. (2019)Diniz, G. C. S., Guimarães, L. O., Fernandes, D. M. (2019). Empreendedorismo imigrante e étnico: o papel das redes sociais no processo empreendedor de um imigrante sírio no Brasil. Internext, 14(2), 161-174. doi:10.18568/internext.v14i2.467 destaca o impacto das redes sociais no acolhimento de empreendedores refugiados no Brasil — a partir da história de vida de um sírio que começou a vender quibe na sua comunidade religiosa e atualmente gerencia seus dois restaurantes étnicos —, sendo essa uma importante estratégia de apoio utilizada durante a implementação, o desenvolvimento e a divulgação dos negócios, o que também remete a uma estratégia para inserção econômica e social.

Wessendorf e Farrer (2021)Wessendorf, S., Farrer, J. (2021). Commonplace and out-of-place diversities in London and Tokyo: migrant-run eateries as intercultural third places. Comparative Migration Studies, 9(28), 1-17. doi:10.1186/s40878-021-00235-3 apontam que restaurantes são alternativas de empreendimentos comuns para imigrantes, como também mostra a presente pesquisa, pois funcionam como ponto de interação de pessoas com diferentes culturas, etnias, religiões e idiomas, até mesmo em locais onde a diversidade cultural ainda é emergente. Os autores explicam que embora os imigrantes proprietários busquem adaptar seus empreendimentos a hábitos culturais locais, a comida pode ser uma oportunidade de os clientes conhecerem as normas culturais da origem dos proprietários dos empreendimentos étnicos.

Compreende-se que a cultura de origem, apesar de ser o fator crucial dos empreendimentos étnicos e ponto discutido nas áreas de administração e sociologia, incluindo estudos internacionais sobre empreendedorismo e migração ( Dabić et al., 2020Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 ), ainda é pouco discutida quando se relaciona à subjetividade. Prestes e Grisci (2021)Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2021). Ritornelos de chefs imigrantes: ritmos e marcas da e na cozinha. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 24(2), 201-215. doi:10.11606/issn.1981-0490.v24i2p201-215 se aproximam dessa perspectiva ao evidenciarem que imigrantes utilizam sua origem como um modo de (re)criar seus territórios, ou seja, usam elementos étnicos pregressos no país de destino como um modo de se sentirem mais seguros e fazerem daquele novo ambiente a sua nova casa a partir desses elementos de origem que levam consigo ou buscam organizar para além das fronteiras de seus países.

A partir disso, argumenta-se que as configurações das atividades empreendedoras são diversas e podem ser analisadas em relação aos modos de produção de subjetividade que mobilizam os indivíduos até o país de destino e que configuram seus empreendimentos. Tais configurações repercutem em diferentes estratégias de viver a vida em deslocamento.

Estratégia de viver a vida em deslocamento

Ao discutirem acerca da ideia de um projeto de vida, Bauman e Raud (2018)Bauman, Z., Raud, R. (2018). A individualidade numa época de incertezas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. argumentam sobre a pertinência e a sustentação, nos dias que correm, de um projeto de vida a realizar-se nos seguintes moldes, aquele que: (a) desde cedo, de uma vez por todas, se forjaria passo a passo, estabelecido para toda uma vida; (b) ainda não totalmente visualizado, comportaria a esperança de vir a ter suas brechas preenchidas ao longo do caminho; e (c) inconcluso, é tomado em uma perspectiva flexível, aberto e ávido por experimentações — conhecidas ou não — a serem aprendidas.

Para os autores, os dois primeiros modelos são fadados ao fracasso, e o terceiro se mostra condizente com os contínuos desvios de rota apresentados em tempos líquidos. Tais desvios podem ilustrar-se em perspectiva ainda mais exacerbada como exemplificam conflitos, guerras, desastres e colapsos sociais, econômicos e ambientais, compreendidos como elementos provocadores de deslocamentos forçados, como é o caso dos refugiados deste estudo que se deslocaram pela força da guerra.

Diante de deslocamentos forçados, uma estratégia de viver poderá ser condizente com o que anunciam Bauman e Raud:

Flexibilidade, não coerência; a disposição e a habilidade de mudar destinos e veículos no curso da jornada existencial, e não fixação em crenças e hábitos adquiridos; no final das contas, esquecer em vez de memorizar: esses são os lemas da vez. Trabalhar não tanto em função de uma condição ideal distante, mas aproveitando ao máximo as oportunidades, endemicamente transitórias, do momento. ( Bauman & Raud, 2018Bauman, Z., Raud, R. (2018). A individualidade numa época de incertezas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 80)

Associa-se a vulnerabilidade da vida em refúgio ao horror de estar preso e fixo, aspecto que Bauman (2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. relaciona aos quatro estilos de vida — andarilho, jogador, turista e errante – que, conjuntamente, remetem à metáfora para a estratégia da vida líquida. Esses quatro estilos cantam “às vezes em harmonia, mas com mais frequência em cacofonia” ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 126). Embora tomados entrelaçados, há restrições no sentido de considerá-los como um estilo padronizado de vida, uma vez que, de acordo com o autor, cada um deles guarda certa dose de ambivalência e segue “de alguma forma na direção de dar conta da inquietação, da inconstância e da indecisão notórias das estratégias de vida praticadas” (p. 137).

O andarilho é o indivíduo que vive a “vida-como-passeio”, tendo “todos os prazeres da vida moderna sem os tormentos a ela inerentes” ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 127). Passear significa repetir a realidade em uma série de episódios e ensaiar encontros e desencontros sem grandes impactos. O presente é valorizado de forma distante do passado e do futuro. Segundo Bauman, o andarilho vive em um mundo consumista, privado, seguro, trancado, solitário.

O jogador é o indivíduo que vê o mundo como um jogo, o qual se divide em uma sucessão de partidas, com início e fim indolores. Jogadores, parceiros e adversários devem estar cientes de que o jogo é apenas um jogo e, embora seja difícil de aceitar, ele não contempla piedade ou cooperação. “O jogo é como a guerra, mas a guerra que o jogo é não deve deixar cicatriz mental, nem nutrir rancores” ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 136). Ao se fixar no aqui e agora, não projeta o futuro, não prevê a durabilidade de relacionamentos.

O turista é o indivíduo que se move de propósito, devido a sua inquieta insatisfação e desejo por experiências. Ele busca lugares estranhos que possam lhe trazer prazer e que ao mesmo tempo proporcionem segurança e rotas de fuga bem sinalizadas. Quando a aventura termina, o turista pode voltar para o seu lar, lugar seguro e familiar. As escapadas turísticas consomem cada vez mais a vida, se transformando em um modo de viver, em que fica cada vez menos nítido qual é o lugar de visita e qual é a sua casa.

O errante1 1 . O termo utilizado na obra de Bauman (2011) , traduzido para a língua portuguesa do Brasil, foi vagabundo. Contudo, optou-se por substituí-lo por errante ao entender que mantém o sentido do conceito — aquele que se desloca de modo errático — retirando, pois, a conotação pejorativa atribuída pela língua portuguesa no Brasil — aquele que não gosta de trabalhar. é o indivíduo que vagueia sem destino definido, que não se contenta com o espaço gerido e supervisionado e por isso busca uma nova ordem. O que tornou o errante tão visado foi sua imprevisibilidade e apenas aparente liberdade de se mover e escapar das redes de controle locais. Seu percurso é integrado pouco a pouco. Sua estadia em determinado lugar depende da generosidade e paciência dos moradores locais. Assim, o errante busca os lugares que lhe acenam, os menos cruéis, os mais hospitaleiros, capazes de oferecer oportunidades que lhe foram negadas em outros lugares ou em seu próprio lugar.

Estar em condição de deslocamento é a estratégia sensata, a única possibilidade de adiamento do futuro, é o que alivia o sofrimento presente ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ; Bauman & Raud, 2018Bauman, Z., Raud, R. (2018). A individualidade numa época de incertezas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ).

Caminho metodológico

Para atender o objetivo de apresentar e analisar a estratégia de viver a vida de refugiados sírios, tomando-se o empreendimento étnico à luz da noção de trabalho imaterial, este estudo privilegiou a construção de um corpus ( Bauer & Aarts, 2008Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. ) para a realização de uma pesquisa qualitativa exploratória que aborda situações complexas — vulnerabilidade da vida em deslocamento e sua relação com empreendedorismo étnico e trabalho imaterial — ainda prementes de sistematização.

Para Bauer e Aarts (2008)Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. , um corpus é construído de forma alinhada ao objetivo da pesquisa e é definido por um foco temático, conforme o contexto que será pesquisado, podendo incluir material escrito e não escrito, como imagem e som. Os materiais do corpus desta pesquisa têm como foco temático a etnicidade nos empreendimentos dos sírios, e foram acessados pelas pesquisadoras por meio de notícias de jornal, visitas no local dos empreendimentos, consumo de produtos, entrevistas narrativas e observação direta com registros em diários de campo e em fotografias.

O estudo contou com a participação de seis refugiados sírios com atuação em dois empreendimentos étnicos, de pequeno porte e do ramo alimentício, situados em dois bairros da cidade de Porto Alegre. A pesquisa teve início a partir de uma notícia veiculada em jornal de grande circulação, cuja manchete anunciava a novidade no preparo de comida típica oferecida por refugiados de guerra da Síria — (a) uma confeitaria que comercializa doces e salgados árabes e bolos para festas; e (b) uma lancheria, que também comercializa doces e salgados árabes, mas tem como carro-chefe o shawarma, sanduíche de pão sírio típico do oriente médio.

Como estratégia de aproximação para a coleta de dados na forma de observação direta, inicialmente houve visitas e consumo dos produtos oferecidos nos respectivos empreendimentos, o que oportunizou uma conversa a respeito da possibilidade e consentimento de participação no estudo. À época da pesquisa, dos seis sírios com atuação nos empreendimentos, um faleceu de morte natural (Abdul) e outro se mudou para São Paulo (Samir). Embora eles tenham participado de conversas informais durante a observação, na fase de realização das entrevistas narrativas, foram quatro os entrevistados: um que atuava na confeitaria (Salim) e três na lancheria (Saib, Jamil e Kaleb).

A observação direta foi feita durante diversas visitas na confeitaria e na lancheria entre os meses de maio e dezembro de 2019. O objetivo da observação era encontrar no cenário dos empreendimentos e na vivência dos empreendedores características relativas ao trabalho imaterial e ao empreendimento étnico e que, na sua articulação, se configurassem como estratégia de viver a vida em deslocamento, indo além da dinâmica do negócio. Durante as visitas, foram produzidos registros que contemplaram fotografias dos locais e um diário de campo, relatando sobre a dinâmica dos empreendimentos, os modos de comunicação, as conversas informais, as relações com clientes e parceiros, a apresentação dos empreendedores e os elementos étnicos visuais e sensoriais presentes nos dois estabelecimentos.

Em linha com Loizos (2008)Loizos, P. (2008). Vídeo, filme e fotografias como documentos de pesquisa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 137-155). Petrópolis, RJ: Vozes. , destaca-se que a fotografia é parte de um complexo maior de ações passadas, podendo documentar especificidades históricas e culturais. Conforme a observação era realizada, elementos étnicos chamaram a atenção das pesquisadoras, que, por serem de cultura e origem diferentes dos empreendedores, conseguiam facilmente constatar sua identidade estrangeira e associá-los às perspectivas teóricas deste estudo. Logo, as fotografias de tais elementos iam sendo tiradas com a autorização dos sírios, momento em que eles comentavam de forma descontraída sobre o significado do objeto ou situação fotografada. Essa variedade do corpus ocorreu em uma crescente gradual e cessou quando julgou-se haver material necessário para a magnitude crítica da análise ( Bauer & Aarts, 2008Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. ), bem como quando já apresentava elementos que propiciavam robustez complementar às narrativas ( Jovchelovitch & Bauer, 2008)Jovchelovitch, S., Bauer, M. W. (2008). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 90-113). Petrópolis, RJ: Vozes. dos refugiados.

Para a realização das entrevistas narrativas, foram seguidas as orientações de Jovchelovitch e Bauer (2008)Jovchelovitch, S., Bauer, M. W. (2008). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 90-113). Petrópolis, RJ: Vozes. , que indicam a reconstrução do contexto vivido da maneira mais adequada que julgar o informante, o que dispensa esquemas de pergunta-resposta. Dessa forma, as narrativas referiram-se às experiências pessoais e laborais dos sírios, tendo como guia o enredo do refúgio, o que evidenciou a combinação entre história de vida e contexto sócio-histórico. Segundo Jovchelovitch e Bauer, é o enredo que demarca o início e o fim da história, estabelecendo critérios de seleção de ações, na tentativa de ligar acontecimentos e proporcionar sentido à narrativa, indicação seguida neste estudo.

As entrevistas ocorreram no local de trabalho dos participantes, conforme disponibilidade de agenda. Elas tiveram duração média de sessenta minutos e aconteceram na língua de preferência dos entrevistados: uma em português, uma em inglês e duas com auxílio da tradução português-árabe-português de um dos empreendedores. Salienta-se que durante o transcorrer das entrevistas, por vezes, houve pausas para que os sírios pudessem atender clientes ou demandas de trabalho.

A análise do corpus seguiu orientações de Bauer e Aarts (2008)Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. e de Jovchelovitch e Bauer (2008)Jovchelovitch, S., Bauer, M. W. (2008). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 90-113). Petrópolis, RJ: Vozes. para transcrição na íntegra e/ou organização dos materiais — conteúdo das entrevistas narrativas e do diário de campo e fotografias — e para o agrupamento dos materiais em eixos de análise, de modo a contar a história dos refugiados e seus empreendimentos com base no referencial teórico. Implicou-se, na análise, a dimensão cronológica, buscando apresentar as narrativas em episódios sequenciais, embora a dimensão não cronológica também estivesse presente quando se fazia indispensável para a construção do enredo. Ambas as dimensões são complementares e, segundo Jovchelovitch e Bauer (2008)Jovchelovitch, S., Bauer, M. W. (2008). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 90-113). Petrópolis, RJ: Vozes. , trazem sentido analítico às narrativas. Da análise resultaram três eixos:

  1. percursos e percalços no refúgio — de Saib, Samir, Salim, Jamil, Abdul e Kaleb: priorizou-se descrever estratos, funções e categorias já conhecidas ( Bauer & Aarts, 2008Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. ) como idade, formação, experiências de trabalho e relação familiar no país de destino, bem como o processo de refúgio, as experiências laborais e o surgimento dos empreendimentos no Brasil.

  2. trabalho imaterial no empreendimento étnico: escolheu-se analisar representações ainda desconhecidas ( Bauer & Aarts, 2008Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. ), evocando as relações vivenciadas no cotidiano dos refugiados que levaram à configuração dos empreendimentos étnicos pelo exercício do trabalho imaterial.

  3. ser empreendedor étnico como estratégia de viver a vida em refúgio: optou-se por relacionar estratos, funções, categorias e representações a fim de compreender a combinação das perspectivas teóricas que desenham esse espaço social ( Bauer & Aarts, 2008Bauer, M., Aarts, B. (2008). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Bauer, M. W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed.) (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes. ), refletindo, assim, na estratégia de viver a vida de refugiado.

(Con)figurando o empreendimento, (con)formando a vida: narrativas de refugiados sírios

Percursos e percalços no refúgio

Os irmãos Saib, Samir e Salim — 30, 32 e 34 anos, respectivamente — desde a infância acompanharam o trabalho da padaria-confeitaria da família, lugar da formação de laços familiares e valores relacionados ao trabalho ( Sennett, 2012Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. ).

Estávamos bem na Síria. Trabalhava meu pai, meu tio, meus primos, meus irmãos e quase sessenta funcionários. Desde pequeno, nossos pais nos ensinaram a ficar sempre do lado deles. Nós estudávamos, mas no fim de semana tínhamos que ir ao trabalho, entrar na fábrica mesmo que tivesse que subir em cima da cadeira para alcançar a mesa . (Saib, 2019)

Em 2011, a família de Saib se antecipou aos desdobramentos da Primavera Árabe nos países vizinhos e migrou para um país-fronteira. “ Meu pai sentiu que a guerra chegava à Síria, conseguiu fechar a loja e todos os funcionários saíram. Fugimos para a Jordânia para salvar o que tínhamos ” (Saib). Nessa primeira decisão de deslocamento para autoproteção, já é possível notar o indivíduo assumindo os custos e os riscos que o Estado não era capaz de arcar ( Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ). Além disso, essa escolha evidencia a aproximação do ser refugiado à metáfora do errante ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ), alguém que se move para escapar de redes de controle, que busca uma nova ordem e oportunidades que lhe são negadas no local de origem. Tal mobilização de si — a qual Gorz (2005)Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. compreende que abrange todos os aspectos da vida — é motivada pela sobrevivência, mas também pelo investimento para não se afastar do meio produtivo.

Saib, com formação em cinema, não trabalhou na área, pois se identificava com o trabalho de confeiteiro e sempre se dedicou ao negócio familiar. Entre 2011 e 2014, além da Jordânia, tentou trabalhar na Malásia e na China, mas sem oportunidades satisfatórias, especialmente pelas barreiras legais relacionadas ao visto de trabalho como estrangeiro, o que exige de si trabalho gratuito ( Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ) na forma de driblar dispositivos de governamentalidade mobilizados para gerir a vida de refugiados ( Jardim, 2016Jardim, D. F. (2016). Imigrantes ou refugiados? As tecnologias de governamentalidade e o êxodo palestino rumo ao Brasil no século XX. Horizontes Antropológicos, 22(46), 243-271. doi:10.1590/S0104-71832016000200009 ). A rede de contatos foi propulsora e prolongadora da rota de refúgio, algo comum no processo organizativo de imigrantes ( Yamamoto & Oliveira, 2021Yamamoto, G. C., Oliveira, J. S. (2021). Imigração como prática de organização: discussões sobre práticas de organização, deslocamento e integração de imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia, em Goiás, Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 292-306. doi:10.1590/1679-395120200015 ). Ele migrou novamente em 2015 a convite de um amigo sírio que trabalhava em um restaurante no Brasil.

Eu fiz muita pesquisa sobre o Brasil antes de viajar. Eu não queria que acontecesse que nem na Malásia e na China. . . . daí eu fui na ONU e perguntaram: o que tu queres fazer no Brasil? Eu não sei o que eu vou fazer . (Saib, 2019)

A habilidade de se relacionar e se arriscar mostram, de antemão, indícios da capacidade empreendedora consubstanciada ao trabalho imaterial ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ). Essa subjetividade ilustra a figura do jogador no início de mais uma partida ( Bauman, 2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , no anseio de não se deslocar às cegas, precaveu-se como pôde frente às incertezas inevitáveis.

Conseguir status de refugiado e estar no país de acolhimento não significa inexistência de percalços. Ao ocorrer um acidente no local de trabalho indicado pelo amigo no Brasil, Saib fez uso da rede de contatos que vem estabelecendo no país. “ Eu trabalhei lá quase dois meses, houve explosão de gás . . . mandaram todo mundo embora. Daí eu fiquei sozinho. Meu amigo foi para São Paulo e eu vim para Porto Alegre, com a ajuda de amigos brasileiros ” (Saib, 2019). Em Porto Alegre, batia de porta em porta nos estabelecimentos do ramo alimentício, contava sua história e pedia trabalho. “ Arrumei emprego numa confeitaria, trabalhei pouquinho num restaurante árabe, só fim de semana. Depois fiz um currículo, mandei pra todo mundo. Trabalhei em hotel, por dia, até conseguir emprego em setembro de 2016. Todo esse tempo, sem carteira assinada ” (Saib, 2019). Saib figurava como errante, dispondo-se a esquadrinhar a cidade e se expor a desconhecidos à procura de um sinal a seguir ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ), empenhando suas habilidades comunicativas, informativas e culturais ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ) para vendabilidade de si.

Saib chegou ao Brasil em uma época em que a crise econômica iniciava e as ofertas de trabalho diminuíram, por isso mobilizou como pôde a capacidade de “gestão da sua força de trabalho” ( Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. , p. 24). “ Quando fui demitido foi um momento difícil, não tinha dinheiro guardado, porque eu estava comprando batedeira, forno, espátulas, colheres para mim, entende? ” (Saib, 2019). Administrando ganhos nas oportunidades esporádicas, que dependiam de sua mobilização ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ; Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ; Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ). Saib projetava um futuro baseado na sua autodeterminação e investimento a conta-gotas. Nessa época, Samir juntou-se a ele.

Samir, também confeiteiro, ainda na Jordânia, não conseguia se inserir no mercado de trabalho e pediu ajuda ao irmão Saib. A regra de reunificação familiar facilitou a aquisição do status de refugiado no consulado brasileiro. Na chegada ao Brasil em 2016, Samir conseguiu trabalho na mesma doceria que o irmão. Autônomos, ambos produziam os doces que a doceria vendia. “ Caiu um pouquinho o movimento do trabalho, estava pegando a crise e daí ficamos mal, eu e o meu irmão, um dia trabalhávamos, três dias não ” (Saib, 2019). Vê-se que as incertezas do jogo se mantêm ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ), mas laços familiares são tomados como pontos de apoio ( Sennett, 2012Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. ) ao refúgio e como rede de cooperação ao trabalho imaterial ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ). Nesse entremeio, chegou o irmão Salim.

Salim estudou engenharia, mas também sempre se viu como confeiteiro. Por impedimentos relativos ao trabalho, migrou da Jordânia para a Arábia Saudita, onde trabalhou como executive chef responsável por mais de cem funcionários. Com sua carteira de trabalho vencida e não podendo mais voltar à Jordânia, pediu ajuda aos irmãos. Chegou ao Brasil em 2017, depois de sete anos sem ver alguém da família.

Meus irmãos enfrentaram algumas dificuldades aqui no Brasil. Mas nós estávamos com esperança de começar uma nova vida para nossa família, um futuro com liberdade. Não é tudo sobre dinheiro, é sobre sua liberdade! É sobre poder entrar em outros países quando você quiser, estabelecer algo para você. Por isso o Brasil. Era o país com a mente mais aberta para refugiados . (Salim, 2019)

Refletir sobre o trabalho além do valor monetário permite antever a ação empreendedora consubstanciada ao trabalho imaterial relacionada à existência social ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ) e ao desenvolvimento social do indivíduo ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ), alicerce essencial para despontar empreendimentos étnicos ( Dabić et al., 2020)Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 .

Em 2018, eles fundaram uma confeitaria na cidade de Porto Alegre, um empreendimento de reencontro dos irmãos refugiados. A confeitaria é, para os irmãos, referência de trabalho como reunião familiar em torno de um mesmo negócio; e de tempo passado-presente-futuro. Ela concentra a história vivida e o porvir. À época da coleta de dados, Salim acumulava funções de chef confeiteiro e administrador geral da confeitaria; Samir foi para São Paulo em busca de melhores oportunidades, pois não havia demanda de trabalho para todos; Saib entrelaçou sua história com as histórias de outros refugiados apresentados na sequência.

Jamil, 30 anos, morava com a família e estudava administração na Síria. Em 2011, ano em que seu irmão foi uma das vítimas da guerra, Jamil partiu para a Jordânia, onde permaneceu por três anos e trabalhou como vendedor de lojas. Insatisfeito com impedimentos legais relativos ao trabalho, em 2016 partiu para a Rússia com amigos na expectativa de abrir seu próprio negócio. Lá roubaram sua documentação e dinheiro. Impossibilitado de retornar à Jordânia por impeditivo legal, viu no Brasil uma possibilidade de refúgio. Retrospectivamente, avalia seu percurso.

Foi tanta coisa que eu não lembro nem do dia que eu fechei a porta de casa e saí. Eu cheguei aqui sem nada e o Brasil me aceitou. A guerra na Síria me impediu de ir a muitos lugares, queria trazer meus amigos, minha segurança, mas não pude. Eu não conseguia falar com ninguém, ninguém falava nem inglês, eu me senti sozinho . (Jamil, 2019)

Entre outros, seu relato delineia o percurso do errante “não pela dificuldade de se estabelecer, mas pela escassez de locais assentáveis” ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 131). Inicialmente, Jamil se estabeleceu trabalhando em uma grande indústria em outro estado da região sul. Sua relação com os três irmãos surgiu da descoberta que seus pais fizeram da existência de filhos de amigos refugiados em Porto Alegre. Em busca de um ponto de apoio durante o refúgio, Jamil se viu temporariamente trabalhando na confeitaria até o dia em que os laços de trabalho se expandiram, alcançando Abdul.

Abdul, 49 anos, foi dono de um grande restaurante na Síria, que vendia shawarma, esfirra e churrasco árabe. Assim como Jamil, teve sua família vítima de bombardeios consecutivos durante a guerra, perdendo a mãe, um irmão e seu sócio. Detalhes de sua vinda ao Brasil escapam da história relatada pelos demais refugiados. Abdul chegou ao país em 2015 e trabalhou em diferentes restaurantes. Na mesquita frequentada, conheceu Jamil, a quem convidou para abrir uma lancheria árabe — é comum locais religiosos serem pontos de socialização e oportunidade para empreendedorismo étnico ( Cruz & Falcão, 2016Cruz, E. P., Falcão, R. P. Q. (2016). Revisão bibliométrica no tema empreendedorismo imigrante e étnico. Internext, 11(3), 78-94. doi:10.18568/1980-4865.11378-94 ; Diniz et al., 2019Diniz, G. C. S., Guimarães, L. O., Fernandes, D. M. (2019). Empreendedorismo imigrante e étnico: o papel das redes sociais no processo empreendedor de um imigrante sírio no Brasil. Internext, 14(2), 161-174. doi:10.18568/internext.v14i2.467 ; Idriss, 2021)Idriss, S. (2021). The ethnicised hustle: Narratives of enterprise and postfeminism among young migrant women. European Journal of Cultural Studies, 25(3), 807-823. doi:10.1177/1367549421988948 . Ambos chamaram Saib para atender clientes em razão da facilidade de comunicação em língua portuguesa. Em 2019, alguns meses após a inauguração da lancheria e do acolhimento do refugiado Kaleb, Abdul faleceu de morte natural.

Kaleb, 21 anos, era adolescente quando, em 2013, saiu da Síria com os pais, irmãos e cunhadas. A perda de um amigo em bombardeio e o provável recrutamento de seus irmãos para a guerra foi o estopim para fugirem para um campo de refugiados na Jordânia. De lá, com muito esforço, conseguiram ir para a capital, onde permaneceram por sete anos. Ele não conseguiu voltar a estudar, vendia frutas e verduras na rua para ajudar sua família. Inconformado com a situação, Kaleb bateu à porta de consulados de diversos países. Em um movimento que delineia o errante, encontrou no Brasil um caminho a seguir na encruzilhada ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). “ Queria ir atrás do meu sonho, não importava onde. Quero voltar a estudar, falar português e trabalhar para conseguir trazer minha família ” (Kaleb, 2019). Onde se esperaria fragilidade existencial frente à precariedade da condição vivida, vê-se força e mobilização para seguir adiante. No Facebook, Kaleb buscou em grupo de refugiados sírios no Brasil algum ponto de apoio para o refúgio e, em 2019, Abdul lhe ofereceu residência e trabalho na lancheria — estratégia que se mostra como novidade para aproximação de coétnicos e na configuração do empreendedorismo étnico da contemporaneidade.

Após o falecimento de Abdul, Saib se tornou sócio da lancheria, onde já dedicava tempo integral. Embora compartilhe tarefas com Jamil e Kaleb, o atendimento ao público é a sua prioridade.

Nota-se que os percursos dos sírios não necessariamente se repetem, mas se aproximam em tempos, distâncias percorridas, perdas, impedimentos, sofrimento e buscas de condições para trabalhar e viver. Sobressai a figura do errante com pontos de apoio, laços familiares e de trabalho, que se revelam apaziguadores da vivência de refúgio, podendo sustentar a formação de empreendimentos étnicos e suas conexões — conforme mostra a Figura 1 —, cedendo mais espaço, assim, à figura do jogador.

Figura 1
Laços e fluxos no refúgio: a formação dos empreendimentos étnicos

Os percursos e percalços dos refugiados se entrelaçam nos dois empreendimentos étnicos, que, pelo trabalho imaterial, refletem a vida de cada um dos refugiados.

Trabalho imaterial no empreendimento étnico

Durante o percurso dos três irmãos, eles relatam as dificuldades encontradas, especialmente durante a fase preparativa para a abertura da confeitaria. Esses obstáculos estão alinhados com as características que regem a sociedade e o trabalho imaterial, como o tempo exíguo, curto prazo e laços frágeis de confiança e compromisso ( Sennett, 2012Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. ), e que se acentuam em relações entre “estranhos”, ou até mesmo sendo indesejáveis, como o errante ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). “ Como somos novos aqui, é quase impossível encontrar alguém que confie em você, que dê garantias. É difícil para brasileiros, não é? Imagina para nós ” (Salim, 2019).

Começamos a procurar uma loja para alugar, mas tínhamos pouco dinheiro. Foi muito, muito difícil. Mais de seis meses procurando fiador. E nós gastando. Depois eu conheci um cara, ele é dentista e a mulher advogada. Nós conversávamos normal e ele falou: eu vou ser teu fiador, eu vou te ajudar, do nada . (Saib, 2019)

Ainda que em um jogo de negócios não exista espaço para comiseração, se deslocar como errante remete a uma constante exposição até obter empatia dos nativos ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). É nesse andar errante que se formam as redes sociais e de apoio, aquelas que, assim como mostrou o estudo de Diniz et al. (2019)Diniz, G. C. S., Guimarães, L. O., Fernandes, D. M. (2019). Empreendedorismo imigrante e étnico: o papel das redes sociais no processo empreendedor de um imigrante sírio no Brasil. Internext, 14(2), 161-174. doi:10.18568/internext.v14i2.467 , podem dispor de recursos financeiros para impulsionar o empreendedorismo de imigrantes.

A confeitaria “ inaugurou seis meses depois que eu cheguei. Nós enfrentamos várias dificuldades para abri-la. Muitas coisas que eu nunca imaginei que seria capaz de fazer. Construímos essa parede, tudo que você está vendo aqui em volta, nós que construímos ” (Salim, 2019). “ Eu e meus irmãos fomos pedreiros, pintores, eletricistas . . ., as madeiras nós mesmo cortamos ” (Saib, 2019). A partir das falas de Salim e Saib, nota-se o indivíduo multitarefa em tempo integral ( Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Transformações da subjetividade no exercício do trabalho imaterial. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(2), 512-524. Recuperado de https://bit.ly/3CiFN2r
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; Sennett, 2012Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. ) solicitado em sua capacidade máxima, “capaz de fazer frutificar a diversidade de seus talentos” ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. , p. 191), tomando para si os riscos e os custos da mobilização em prol do trabalho ( Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ).

As esfirras, os doces sírios, o falafel e o shawarma produzidos e oferecidos nos estabelecimentos se diferenciam no mercado gastronômico por serem produzidos por um recém-chegado da Síria, alguém com traços do errante, aquele que “ainda cheira a outros lugares” ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , p. 30). Assim como no estudo de Scherer et al. (2021)Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 , não é preciso o refugiado ser um chefe de cozinha, basta saber cozinhar, mobilizando seu savoir-faire de origem e seu background étnico. Nota-se que é o trabalho imaterial demandante da cultura, da interioridade, dos afetos (que a princípio ficavam de fora do ciclo econômico produtivo) que rentabiliza os produtos ( Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Transformações da subjetividade no exercício do trabalho imaterial. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(2), 512-524. Recuperado de https://bit.ly/3CiFN2r
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; Pelbart, 2003Pelbart, P. P. (2003). Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo, SP: Iluminuras. ). Os refugiados são unânimes ao dizer que seus produtos não teriam o mesmo valor se fossem produzidos por brasileiros — o que remete à subjetividade originária de seu país de origem empenhada em seu trabalho ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ) — e ainda se diferenciam daqueles produzidos por árabes imigrantes já conhecidos dos brasileiros. “ Os clientes nos contam que tem outros restaurantes árabes em Porto Alegre, mas que preferem o nosso ”, comenta Saib (Diário de campo, 15/08/2019).

Nesse contexto, o imigrante de outrora já faz parte do cenário urbano, e o que emerge como novidade é a ideia de ser refugiado. De modo complementar, outro dispositivo de captura dos consumidores também se dá por causa da recente atenção midiática acerca da situação de guerra na Síria. Tal exposição, segundo Salim, fomenta a busca por produtos sírios e, consequentemente, por suas histórias de vida. Entra em cena o jogador-empreendedor, que precisa reconhecer o que busca o jogo do mercado ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). “ As pessoas são curiosas para nos conhecer, a nossa história, o que fazemos aqui, se estamos confortáveis. Nos sentimos muito bem acolhidos. Eu nunca senti nenhum tipo de racismo aqui, eu só sinto as boas-vindas das pessoas ” (Salim, 2019). Essa situação leva o empreendedorismo étnico a um patamar de empreendedorismo mobilizado pela subjetividade do refugiado. No trabalho imaterial, é a “própria vida subjetiva que se encontra em evidência, sendo tomada como uma espécie de matéria-prima” para o marketing ( Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Transformações da subjetividade no exercício do trabalho imaterial. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(2), 512-524. Recuperado de https://bit.ly/3CiFN2r
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, p. 519).

Além dos convidativos doces expostos no balcão externo, ao entrar na confeitaria, é possível notar escritos em português, árabe e inglês na vitrine, no cardápio e na decoração. Se alguém tiver dúvida sobre qual é o idioma da caligrafia que se diferencia entre as demais, lá está um dicionário árabe-português na estante. Mais escondido, há um livro de gramática de língua portuguesa.

Na lancheria, a chegada é marcada pelo som da música típica árabe e pela fachada com fotografias de produtos árabes. Em um olhar mais atento, percebe-se que está escrito kibe frtio , com um erro de digitação na segunda palavra, de fácil constatação para um nativo, mas não para um estrangeiro. É possível ver o espeto vertical de carne e frango sendo preparado pelos funcionários uniformizados, um deles com Brazil , grafado em inglês, bordado na manga de seu dólmã. Nas comandas, os pedidos são anotados em árabe (Diário de campo, 24/05/2019). A Figura 2 apresenta registros fotográficos de alguns desses elementos que remetem ao trabalho imaterial pela manutenção do idioma de origem nas diferentes atividades do restaurante, ao reforço da etnicidade do empreendimento por meio de elementos sensoriais e visuais, à composição da cultura de origem com a cultura do país de destino e ao empenho em aprender português para rentabilizar o trabalho.

Figura 2
Elementos étnicos nos empreendimentos dos refugiados sírios

Sobre o processo de adaptação dos produtos da confeitaria para o mercado do país de destino, houve, previamente, dedicação de tempo para pesquisa e estudo local. Os doces sírios, em geral, são produzidos com massa folhada, nozes, pistache e outras especiarias, não são tão doces quanto à preferência de paladar dos brasileiros. Por isso, no momento de servi-los, a confeitaria disponibiliza uma porção de calda de açúcar embalada separadamente. Com relação ao sabor, os sírios relatam que é preciso manter a originalidade e (re)conhecer a disponibilidade de insumos no país de acolhimento ( Aldrich & Waldinger, 1990Aldrich, H. E., Waldinger, R. (1990). Ethnicity and entrepreneurship. Annual Review of Sociology, 16(1), 111-135. doi:10.1146/annurev.so.16.080190.000551 ). “ Usamos dezenove temperos na carne e catorze no frango. Alguns temperos não têm aqui no Brasil, nós pedimos de fora, da Jordânia ” (Jamil, 2019).

Entender o paladar local é um jogo que se aprende conforme se joga ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ), exige paciência e atenção ao que o cliente tem a dizer, nem sempre é fácil, em um país com costumes tão diferentes. Sobre essa situação, Salim desabafa:

Nós estamos trabalhando para entender. Como eu notei, as pessoas aqui gostam de doce, açúcar, condimentos fortes, nós tentamos balancear nossas ideias com a cultura brasileira. Eu recebo dicas dos clientes, mas é muito difícil entender verdadeiramente, porque tem gente que gosta dos nossos produtos e tem gente que não gosta. Então ainda não sabemos para que lado vai, entende? . (Salim, 2019)

Essa busca pela compreensão da cultura local própria do empreendedor étnico ( Aldrich & Waldinger, 1990Aldrich, H. E., Waldinger, R. (1990). Ethnicity and entrepreneurship. Annual Review of Sociology, 16(1), 111-135. doi:10.1146/annurev.so.16.080190.000551 ; Zhou, 2004)Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x impulsiona os refugiados a novos processos de produção de subjetividade, especialmente à mobilização central do saber do indivíduo em prol do trabalho, características do trabalho imaterial ( Camargo, 2011Camargo, S. (2011). Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural, 9, 37-56. doi:10.15210/pp.v0i9.3625 ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ; Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ; Lazzarato & Negri, 2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. .

Em geral, os entrevistados se mostraram adaptáveis, disponíveis e proativos em relação ao trabalho que desempenham. Entretanto, não renunciam aos segredos que constituem sua gastronomia de origem, característica também identificada no estudo de Prestes e Grisci (2021)Prestes, V. A., Grisci, C. L. I. (2021). Ritornelos de chefs imigrantes: ritmos e marcas da e na cozinha. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 24(2), 201-215. doi:10.11606/issn.1981-0490.v24i2p201-215 sobre chefes de cozinha imigrantes no Brasil.

Temos uma coisa que é o “segredo do chefe”. Nós podemos ter funcionários, mas temos um baldinho, uma coisa dentro desse balde, que é o resto da receita não mostrada na ficha técnica. O funcionário não sabe o que tem dentro, se ele for copiar a ficha técnica para fazer noutro lugar, não vai conseguir fazer a receita . (Saib, 2019)

O rigor de manter a essência étnica no produto também se visualiza na seleção de carnes de gado e frango utilizadas nos shawarmas. Saib conta que foi pessoalmente conhecer os fornecedores para garantir a manutenção de padrões conforme sua origem. “ Eles têm que obedecer os procedimentos do halal, que, conforme a religião muçulmana, significa que a carne permitida para consumo deve seguir padrões de alimentação, criação e abate dos animais ” (Diário de campo, 21/11/2019).

Um dos primeiros elementos que refugiados necessitam para viver no país de acolhimento é o domínio do idioma local ( Dabić et al., 2020Dabić, M., Vlačić, B., Paul, J., Dana, L.-P., Sahasranamam, S., & Glinka, B. (2020). Immigrant entrepreneurship: A review and research agenda. Journal of Business Research, 113, 25-38. doi:10.1016/j.jbusres.2020.03.013 ). Em linha com Gorz (2005)Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. , Lazzarato (2014)Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. e Lazzarato e Negri (2001)Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. , investir em si para ter o domínio do idioma agrega valor ao trabalho dos refugiados. Essa habilidade fez com que Saib fosse chamado para trabalhar na lancheria com Jamil e Abdul. Kaleb ilustra essa lógica quando revela seu sonho: “ aprender português para poder voltar a estudar e concluir o colégio. Só assim terei melhores oportunidades de trabalho e ajudar minha família que continua na Jordânia ” (Diário de campo, 06/06/2019). Jamil e Salim se comunicam por meio de um “português de negócios”, atendem os clientes, sabem os nomes dos produtos e ingredientes, a forma de pagamento e demais vocabulários que circundam o cotidiano dos empreendimentos. Entretanto, quando a conversa se aprofunda, eles voltam a se comunicar na língua materna.

Kaleb e Jamil manifestaram o interesse em buscar um curso de português em uma organização da sociedade civil que atende refugiados de forma gratuita, fora de seus horários de trabalho, ação comum para muitos trabalhadores imigrantes ( Scherer et al., 2021Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 ). Salim comenta que não tem grande disponibilidade de tempo para estudar português, uma vez que a administração da confeitaria demanda seu empenho durante todo o dia — nesse sentido, nota-se que o espaço-tempo de vida coexiste com o do trabalho. Há um investimento, nesse caso, no conhecimento do idioma e da cultura do local de destino, que toma a vida dos refugiados em prol de melhorias direcionadas para o trabalho ( Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras. ; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Transformações da subjetividade no exercício do trabalho imaterial. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(2), 512-524. Recuperado de https://bit.ly/3CiFN2r
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; Pelbart, 2003Pelbart, P. P. (2003). Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo, SP: Iluminuras. ; Sennett, 2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. . Como estratégia de aproximação ao idioma, Salim comprou uma gramática, estuda sozinho e pratica português com seus clientes. Com um deles, ocorre uma relação de troca, um jogo de ganha-ganha. O cliente ensina português e Salim o ensina a língua árabe. Emocionado, ele lembra o dia em que esse cliente-professor-aluno lhe fez uma surpresa: “ este dicionário [bilíngue árabe-português] é muito famoso [risos] foi um presente de um cliente. Isso é muito comovente, tocou meu coração. Eu quase nem conhecia ele e ele me deu um presente. Todo mundo que vem aqui tira uma foto do dicionário ”.

A maior parte do público consumidor de produtos dos dois empreendimentos é brasileira, atraída por sabores diferentes e pelo preço baixo, o que se constitui como uma das frentes estratégicas do negócio ( Zhou, 2004Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x ). Além disso, são preservados relacionamentos com grupos de mesma etnia, iniciativa que também proporciona inovação ( Rahman et al., 2021Rahman, M. M., Alshawi, A. A. H., Hasan, M. (2021). Entrepreneurship in Ethnic Enterprises: The Making of New Immigrant Businesses in New York. Sustainability, 13(20), 1-19. doi:10.3390/su132011183 ) e reconhecimento social para os empreendimentos étnicos ( Idriss, 2021Idriss, S. (2021). The ethnicised hustle: Narratives of enterprise and postfeminism among young migrant women. European Journal of Cultural Studies, 25(3), 807-823. doi:10.1177/1367549421988948 ). Em uma das observações das pesquisadoras, realizada na lancheria, presenciou-se a visita de um grupo de adolescentes descendentes de imigrantes de diferentes países árabes. Na chegada, exclamaram: “ Oi, primos! ”, manifestação comum entre os compatriotas, e seguiram a conversa em árabe (Diário de campo, 12/09/2019).

Cabe destacar que, além dos nativos e dos coétnicos, os empreendimentos também recebem pessoas de religiões historicamente em conflito com a religião dos refugiados. Sobre esse aspecto, Saib aponta o ecumenismo em prol de um “viver em paz” e do prosperar do empreendimento em território brasileiro:

Nossa religião é muçulmana. Uma vez uma mulher judia parou na porta: “oi, eu posso entrar? Gosto muito do produto de vocês, mas eu sou judia”. Eu falei: “antes de tu entrares, eu vou te dar um abraço e agora tu podes entrar com certeza, fica à vontade. Nós não temos problema com nenhuma religião, nenhum país. Aqui todo mundo é irmão, judeus, muçulmanos, cristãos. Não se preocupe, nós gostamos e respeitamos todo mundo. Se alguém tem história de guerra, briga, não é conosco”. Ela ficou muito feliz e agora é nossa cliente. Quase 80% daqui desse bairro, dos nossos clientes, são judeus. (Saib, 2019)

À medida que a situação de refúgio exigiu romper laços com grande parte dos familiares, também possibilitou a produção de outros laços com compatriotas e nativos. Os refugiados relataram ter estabelecido laços de amizade com os seus clientes, tendo mobilizado características pessoais em prol de uma aproximação com eles. Produziram, assim, relações de afeto que acompanham a relação capitalista de produção/consumo que compõe o trabalho imaterial ( Cocco, 1995Cocco, G. (1995). A produção e a cidade no pós-fordismo: as noções de trabalho imaterial e de “bacia” de trabalho imaterial. Work presented at the 6th National ANPUR Conference, Brasília, DF. ; Grisci, 2011Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho Imaterial. In A. D. Cattani & L. Holzmann. Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 456-458). Porto Alegre, RS: Zouk. ; Lazzarato, 2014Lazzarato, M. (2014). Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo, SP: Edições Sesc. ; 2017; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ).

A produção/consumo que acompanha ideias e histórias de refugiados sírios requer a utilização de seus saberes originários ( Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ), suas características culturais e sociais, além de suas experiências laborais para operarem a favor do empreendimento ( Light, 1998)Light, I. H. (1998). Immigrant Entrepreneurs in America: Koreans in Los Angeles. In D. Jacobson (Ed.), The immigration reader – America in a multidisciplinary perspective (pp. 265-284). Malden: Blackwell Publishers. . Implica dizer, portanto, que o trabalho imaterial empenhado por eles se configura no empreendimento étnico desde a concepção até os modos de trabalhar cotidianos da lancheria e da confeitaria. Assim, para os refugiados deste estudo, o trabalho imaterial é um elemento que (con)figura o empreendimento étnico e (con)forma a vida, como se verá a seguir.

Ser empreendedor étnico como estratégia de viver a vida em refúgio

Articularam-se os eixos anteriores a fim de prover reflexões sobre a estratégia de viver a vida dos refugiados sírios. Seja pelo pressentimento da guerra ou pela ânsia de viver, os percursos e percalços dos sírios se apresentam como um constante andejar, aberto, flexível e ávido ( Bauman & Raud, 2018Bauman, Z., Raud, R. (2018). A individualidade numa época de incertezas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). A imposição do distanciamento de seus lugares de origem acarreta passagens por lugares que menosprezam a ideia de sua fixação e desencorajam a ideia de estabelecer-se ( Bauman, 2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. . O percurso de refúgio desenrolou-se conforme as oportunidades de vida e trabalho acenadas aos refugiados-errantes nos vários países por onde passaram, cenário também apontado nos estudos de imigração no Brasil como o de Diniz et al. (2019)Diniz, G. C. S., Guimarães, L. O., Fernandes, D. M. (2019). Empreendedorismo imigrante e étnico: o papel das redes sociais no processo empreendedor de um imigrante sírio no Brasil. Internext, 14(2), 161-174. doi:10.18568/internext.v14i2.467 , Faria et al. (2021)Faria, J. H., Ragnini, E. C. S., Brüning, C. (2021). Deslocamento humano e reconhecimento social: relações e condições de trabalho de refugiados e migrantes no Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 278-291. doi:10.1590/1679-395120200018 e Yamamoto e Oliveira (2021)Yamamoto, G. C., Oliveira, J. S. (2021). Imigração como prática de organização: discussões sobre práticas de organização, deslocamento e integração de imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia, em Goiás, Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 292-306. doi:10.1590/1679-395120200015 . O Brasil surgiu como uma aposta em jogo ( Bauman, 2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. que minimamente lhes ofertou a base de sustentação para o recomeço de suas vidas. Assim como para muitos refugiados-jogadores, (re)criar o seu próprio trabalho e território, por meio do empreendedorismo étnico, se mostrou como única alternativa viável ( Cruz & Falcão, 2016)Cruz, E. P., Falcão, R. P. Q. (2016). Revisão bibliométrica no tema empreendedorismo imigrante e étnico. Internext, 11(3), 78-94. doi:10.18568/1980-4865.11378-94 e desejável, pois é o que pode contribuir para que os refugiados escapem da exclusão cultural, política e econômica, além de proporcionar reconhecimento social, características comuns da imigração brasileira, conforme Faria et al. (2021)Faria, J. H., Ragnini, E. C. S., Brüning, C. (2021). Deslocamento humano e reconhecimento social: relações e condições de trabalho de refugiados e migrantes no Brasil. Cadernos Ebape.BR, 19(2), 278-291. doi:10.1590/1679-395120200018 .

Embora os percursos sejam individuais, a vivência coletiva entre compatriotas refugiados nos empreendimentos étnicos foi fator determinante para a construção de laços e para a constituição de uma rede de vínculos afetivos em contexto de refúgio, sendo essa a base para o exercício do trabalho imaterial. Em situação de recomeço, os três compatriotas que atuam na lancheria moram juntos e próximos ao seu empreendimento. O trabalho, para eles, proporciona a expectativa de juntar familiares em um futuro próximo. “ Eu trabalho para um dia ajudar minha família ” (Kaleb, 2019). “ Eu não sei como vou ver minha família até agora, entende? ” (Saib, 2019). As falas revelam um sentimento de percurso sem retorno. Apreende-se, assim, que o trabalho compartilhado com familiares e compatriotas possibilita a manutenção de hábitos de origem e, consequentemente, a sensação de segurança em outro país, conforme evidenciam as falas a seguir: “ Cozinhamos aqui comida árabe para comermos ” (Saib, 2019). “ Aqui o Jamil tem a gente e nós o temos, ele nos ajuda e nós o ajudamos ” (Saib, 2019).

Ser empreendedor étnico em situação de refúgio demandou dos refugiados assumir vários papéis manuais e intelectuais ( Gorz, 2005Gorz, A. (2005). O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume. ; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M., Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ) — cozinheiros, administradores e até construtores do próprio local de trabalho. Conforme conta Salim, essa vida em outro país possibilitou-lhes vislumbrar novos sonhos. “ Nosso sonho é grande e vamos alcançá-lo. Criar algo maior do que eu imaginava e eu acredito que posso fazer isso. Porque no nosso país não tínhamos futuro ” (Salim, 2019). Como característica distintiva de um empreendedor, percebe-se que eles imaginaram um empreendimento e trabalharam em prol do futuro por intermédio de seus negócios. “ Aqui é o nosso começo. Estamos caminhando a passos de bebê, mas espero que no futuro consigamos algo maior. Eu costumava trabalhar em grandes empresas, produção em massa, muitos funcionários. Este é meu sonho ” (Salim, 2019).

Juntamente com Sennett (2012)Sennett, R. (2012). A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com o novo capitalismo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso. , depreende-se que o aumento do número de refugiados no contexto do país de destino expande a rede e, consequentemente, a possibilidade de acolhimentos. Na rede vislumbrada, o ponto de apoio para o refúgio foi Saib, visto por Salim como “ o verdadeiro aventureiro, quem veio primeiro. Eu nunca teria feito isso se não tivesse Saib e meu outro irmão aqui. Ele veio sem conhecer ninguém, sem saber falar a língua, sem conhecer nada, mas conseguiu se virar. Foi assim que começou a confeitaria no Brasil ” (Salim, 2019). Remodela-se, assim, a vida, o trabalho, a própria questão do refúgio.

Nesse sentido, compreende-se que a estratégia de viver a vida em deslocamento para os sírios está vinculada ao seu percurso de refúgio, aos laços criados ou fortificados e às experiências vividas na terra natal. Os idealizadores dos dois empreendimentos — os três irmãos e o Abdul — tinham vasta experiência como proprietários de negócios do mesmo ramo e aplicaram esse conhecimento na situação de refúgio. Jamil e Kaleb contaram com o know-how de seus compatriotas. Nenhum deles teve apoio de organizações sociais que ajudam refugiados, diferentemente do estudo de Scherer et al. (2021)Scherer, L. A., Grisci, C. L. I., & Chanlat, J.-F. (2021). Trabalho imaterial e organizações da sociedade civil: alternativa aos modos de trabalhar e de viver de refugiados. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 377-390. doi:10.1590/1679-395120200013 em que as organizações da sociedade civil desempenharam papel impulsionador de empreendimentos. Assim, a estratégia remete à autonomia possível, aos recursos próprios e ao empreender — características demandadas pelo capitalismo ao trabalhador.

A partir dessas evidências, percebe-se que características como adaptabilidade e inventividade em contexto de refúgio são corriqueiras e necessárias ( Bauman & Raud, 2018Bauman, Z., Raud, R. (2018). A individualidade numa época de incertezas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Entretanto, salienta-se que a estratégia de viver a vida também é moldada conforme a condição socioeconômica do indivíduo a priori . Nesse sentido, nem todo refugiado poderia empreender, sendo a classe social do país de origem um dos marcadores relevantes para tal iniciativa, uma vez que ela demanda exigências burocráticas e econômicas ( Anwar & Daniel, 2017Anwar, M. N., Daniel, E. M. (2017). Ethnic entrepreneurs and online home-based businesses: an exploratory study. Journal of Global Entrepreneurship Research, 7(6), 1-21. doi:10.1186/s40497-017-0065-3 ; Jardim, 2016)Jardim, D. F. (2016). Imigrantes ou refugiados? As tecnologias de governamentalidade e o êxodo palestino rumo ao Brasil no século XX. Horizontes Antropológicos, 22(46), 243-271. doi:10.1590/S0104-71832016000200009 .

Na especificidade do trabalho imaterial no empreendimento étnico, depreendeu-se que os refugiados sírios investem muito de si e da sua cultura de origem em prol da vendabilidade dos seus produtos. Se o que eles trazem como bagagem cultural é considerado como vendável, também o é aquilo que eles são e a situação em que se encontram — o fato de serem sírios e estarem refugiados os destaca na sociedade, gerando mídia gratuita para os seus empreendimentos e despertando a curiosidade da população local. O produto alimentício étnico, ao atender tanto consumidores coétnicos quanto nativos ( Idriss, 2021Idriss, S. (2021). The ethnicised hustle: Narratives of enterprise and postfeminism among young migrant women. European Journal of Cultural Studies, 25(3), 807-823. doi:10.1177/1367549421988948 ; Rahman et al., 2021Rahman, M. M., Alshawi, A. A. H., Hasan, M. (2021). Entrepreneurship in Ethnic Enterprises: The Making of New Immigrant Businesses in New York. Sustainability, 13(20), 1-19. doi:10.3390/su132011183 ; Zhou, 2004Zhou, M. (2004). Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, 38(3), 1040-1074. doi:10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x ), reafirma o ramo alimentício como um tipo de negócio que convida à diversidade cultural pela interação de pessoas de diversas origens ( Diniz et al., 2019Diniz, G. C. S., Guimarães, L. O., Fernandes, D. M. (2019). Empreendedorismo imigrante e étnico: o papel das redes sociais no processo empreendedor de um imigrante sírio no Brasil. Internext, 14(2), 161-174. doi:10.18568/internext.v14i2.467 ; Wessendorf & Farrer, 2021Wessendorf, S., Farrer, J. (2021). Commonplace and out-of-place diversities in London and Tokyo: migrant-run eateries as intercultural third places. Comparative Migration Studies, 9(28), 1-17. doi:10.1186/s40878-021-00235-3 ), o que pode contribuir para a desconstrução de estereótipos e preconceitos em relação aos refugiados. Sua estratégia de viver a vida condiz e mescla nuances do errante e do jogador e sem projetar a vida a longo prazo, demanda aproveitar ao máximo as oportunidades e o contexto do “aqui e agora”. Exposição constante a estranhos e adoção de um trabalho do tipo faça-você-mesmo ( Bauman, 2017)Bauman, Z. (2017). Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. dizem respeito ao modo de ser dos participantes. Essas metáforas auxiliam a ilustrar a produção de subjetividade se delineando em direção ao empreendedor étnico como uma estratégia de viver a vida de refugiado operacionalizada pelo trabalho imaterial. Logo, das ações do empreendedor de si presentes no trabalho imaterial se visibiliza, portanto, o empreendedor étnico como uma estratégia de viver a vida de refugiado.

Considerações finais

Objetivou-se, neste artigo, apresentar e analisar a estratégia de viver a vida de refugiados sírios, tomando o empreendimento étnico à luz da noção de trabalho imaterial. O estudo qualitativo e exploratório empreendido a partir de um corpus de pesquisa resultou três eixos: (a) percursos e percalços no refúgio; (b) trabalho imaterial como empreendimento étnico; e (c) ser empreendedor étnico como estratégia de viver a vida em refúgio.

Considera-se que vários elementos são acionados para a composição dessa estratégia: o contexto social, a formação, as experiências e a condição financeira pregressa, os laços familiares/amizade, o ponto de apoio para o refúgio, a religião, o idioma, os alimentos da sua terra. Dos quatro estilos de vida em deslocamento apontados por Bauman (2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , constatou-se que os refugiados sírios se harmonizam com nuances do errante — ao serem tratados como estrangeiros, que vêm de outros lugares e buscam uma nova ordem; e com o jogador — ao jogarem o jogo do “aqui e agora”, investindo aquilo que podem mobilizar de si, o que de antemão anuncia o empreendedor étnico/trabalhador imaterial. Ainda que a vida os tenha empurrado para o refúgio, em sua bagagem conservam características socioeconômico-culturais do país de origem que, na lógica do capitalismo globalizado, serão rentabilizadas como trabalho imaterial.

Conclui-se que os modelos metafóricos de estilo de vida ( Bauman, 2011Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ) contribuem para ilustrar a produção de subjetividade delineando a estratégia de viver a vida em refúgio, na qual o empreendedor étnico ganha contorno pelo exercício do trabalho imaterial. Isso proporciona uma nova perspectiva analítica aos empreendimentos étnicos, ao mostrar que o empreendedor étnico, em correspondência ao empreendedor de si no trabalho imaterial, opera no sentido da produção/composição/afirmação de uma estratégia de viver a vida em refúgio. Assim, ao (con)figurar o empreendimento, o refugiado (con)forma a própria vida no refúgio.

Julga-se que, ao visibilizar a correspondência entre empreendedor étnico e trabalho imaterial, este estudo corrobora e avança em relação à literatura pertinente ao empreendedorismo étnico e ao trabalho imaterial; e que ao visibilizar circunstâncias de mobilidade e trabalho compostas pela subjetividade dos refugiados, avança em relação à literatura pertinente a refúgio.

Importa ressaltar, ainda, que a estratégia de viver a vida em deslocamento é delineada a partir de oportunidades ou obstáculos que dependem do contexto e da realidade a ser analisada, que pode se diferenciar inclusive internamente nos países. Sabe-se que o contexto brasileiro apresenta ampla desigualdade inter e intrarregional e, portanto, a depender do estado, cidade ou região, podem ser encontradas diferentes barreiras e graus de inclusão e de reconhecimento social.

Como limitação do estudo, aponta-se a impossibilidade de realização de entrevista com dois dos refugiados devido a circunstâncias inesperadas. Contudo, salienta-se que a composição do corpus metodológico, que abrangeu a combinação de visitas aos empreendimentos, narrativas, observações, diários e fotografias, se mostrou frutífera para estudos com imigrantes e refugiados, além de auxiliar a solucionar entraves relativos ao idioma — característica de pesquisas com estrangeiros. Para futuros estudos, sugere-se a análise dos desdobramentos decorrentes do período de pandemia para os refugiados e seus empreendimentos, bem como o estudo do empreendimento étnico como estratégia para outras minorias em situação de vulnerabilidade.

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Notas

  • 1
    . O termo utilizado na obra de Bauman (2011)Bauman, Z. (2011). Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. , traduzido para a língua portuguesa do Brasil, foi vagabundo. Contudo, optou-se por substituí-lo por errante ao entender que mantém o sentido do conceito — aquele que se desloca de modo errático — retirando, pois, a conotação pejorativa atribuída pela língua portuguesa no Brasil — aquele que não gosta de trabalhar.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores agradecem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — Processo 406343/2021-7.
Editora Associada: Josiane Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2022
  • Aceito
    26 Jul 2022
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