Acessibilidade / Reportar erro

A Aprendizagem Coletiva e em Rede Desenvolvida em Empreendimentos Formados por Mulheres da Economia Solidária: Uma Análise Pós-Colonialista Sobre uma Prática Feminista de Autogestão

Resumo

Esta pesquisa surge dos estudos das práticas de gestão de mulheres a partir do lugar da autogestão no âmbito da Rede Feminista da Economia Solidária (Resf) e, por isso, desenvolveu-se ao longo da pesquisa o termo práticas feministas de autogestão, considerando-se as práticas que se performatizam na Economia Solidária (ES). O objetivo desta pesquisa é identificar e analisar uma das práticas feministas de autogestão observadas em campo: o desenvolvimento da aprendizagem coletiva e em rede. Os principais aportes teóricos articulados partem estudos sobre práticas de gestão feministas, da perspectiva da racionalidade substantiva, dos estudos sobre aprendizagem organizacional e a visão pós-colonialista que adere ao contexto das mulheres na ES. A coleta de dados foi implementada a partir da história oral temática em entrevistas semiestruturadas com mulheres da Resf e observação direta e indireta em campo entre os anos de 2018 e 2021, registradas em diários de campo. A perspectiva adotada para a análise dos dados é a análise crítica do discurso. Os resultados apontam para os seguintes achados: (I) não hierarquização da organização das práticas de aprendizagem; (II) troca intensa de informações dentro e fora da rede baseada nos laços de reciprocidade; (III) uma forma de aprendizagem que prioriza as experiências com um sistema de atividades no qual o conhecer não é separado do fazer. Para as mulheres, o conhecimento é integrado e distribuído na vida da comunidade, o que requer necessariamente o envolvimento que advém do sentimento de pertencimento e cuidado mútuo que as une.

economia solidária; redes de cooperação; autogestão; práticas feministas de autogestão; aprendizagem coletiva

Abstract

This research arises from studies of women's management practices from the place of self-management within the scope of the Feminist Solidarity Economy Network (Resf) and, therefore, the term feminist practices of self-management was developed throughout the research, considering the practices that are performed in the Solidarity Economy (ES). The objective of this research is to identify and analyze one of the feminist practices of self-management observed in the field: the development of collective and networked learning. The main theoretical contributions used to mediate the discussion are based on studies of feminist management practices, on the perspective of substantive rationality, on studies on organizational learning and the post-colonialist view that adheres to the context of women in the SE. The data collection was implemented based on thematic oral history in semi-structured interviews with women from Resf and direct and indirect field observation between the years 2018 and 2021, recorded in field diaries. The perspective adopted for data analysis is critical discourse analysis. The results point to the following findings: (I) no hierarchization of the organization of learning practices; (II) intense exchange of information inside and outside the network based on reciprocal ties; (III) a form of learning that prioritizes experiences with a system of activities in which knowing is not separated from doing. For the women, knowledge is integrated and distributed in the life of the community, which necessarily requires the involvement that comes from the sense of belonging and mutual care that unites them.

Solidarity Economy; cooperation networks; self-management; feminist self-management practices; collective learning

Introdução

No mundo, a Economia Social é mais conhecida como espaço de geração de renda e promoção da cidadania, contudo, no Brasil, a Economia Solidária (ES) é o movimento que tem reunido essas qualidades, acrescendo a solidariedade nas relações como traço que se manifesta nas relações de proximidade com a comunidade envolvente, demonstrando assim uma vontade política de transformação das relações sociais e, por consequência, da sociedade (Guérin, 2005). A ES é reconhecida como um espaço alternativo, onde os empreendimentos são de posse dos trabalhadores e baseiam-se em práticas de autogestão, que permitem a formação de uma cidadania ativa em vista da construção de outra cultura econômica e outra racionalidade nas práticas de gestão (Pinheiro & Paula, 2014).

As mulheres trazem para a ES um conjunto de reivindicações que contemplam a preocupação não só com as demandas do processo produtivo, mas também com equipamentos e ações para dar conta de necessidades comunitárias e de fomento ao desenvolvimento local (Guérin, 2005). De fato, o entrelaçamento das dimensões, econômica e social, aponta para uma qualificação da ES no sentido de chegar aproximar-se das demandas e potencialidades as comunidades locais. Outro aspecto igualmente importante que se apresenta nas narrativas é o aprendizado com funcionamento coletivo e compartilhado dos empreendimentos como base para o desenvolvimento de uma capacidade autogestionária, alicerce necessário para um projeto emancipatório (Laville & Gaiger, 2009; Mance, 2006; Scherer-Warren, 2006, 2012).

Partindo do contexto do movimento social, de onde surge a ES, para o contexto da pesquisa, o campo de estudos em ES experimenta uma fase de amadurecimento e de crescente internacionalização. Diversas áreas de conhecimento em diversos países têm realizado pesquisas nos empreendimentos da ES, sob diferentes perspectivas, no intuito de compreender as dinâmicas de organização do movimento da ES (Costa & Carrion, 2008; Gaiger, 2011; Silva, 2018)Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea. . Identificam-se pesquisas que analisam os fatores que orientaram o surgimento dos empreendimentos da ES (Benine & Benine, 2012; Singer, 2008; Gaiger, 2011), estudos que observam a ES como movimento social de natureza popular ( Costa, 2011Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27. ; Singer, 2008), verificações sobre os impactos dos empreendimentos nas economias locais ( Andion, 2005Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. In: Journal of Contemporary Administration, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005.
https://doi.org/10.1590/S1415-6555200500...
; França Filho, 2013; Silva, 2018)Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea. , estudos que observam as relações de trabalho da mulher no contexto da ES (Guérin, 2003; Santos, 2017)Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
, pesquisas sobre as políticas públicas no âmbito da ES (Dagnino, 2011; Monje-Reyes, 2011)Monje-Reyes, P. (2011). Economía solidaria, cooperativismo y descentralización: la gestión social puesta em práctica. In: Cadernos EBAPE BR, 9(3), 704–723. , estudos sobre os dilemas da Economia Solidária (Barreto; Paula, 2009), análises sobre a formação de redes de cooperação entre os empreendimentos (Mance, 2003, 2006; Scherer-Warren, 2006), pesquisas sobre as dinâmicas organizacionais no âmbito dos empreendimentos da ES (Costa & Carrion, 2009; Faria, 2017Faria, J. H. de. (2017). Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. In: Cadernos EBAPE BR, 15(3), 629–650. https://doi.org/10.1590/1679-395157778
https://doi.org/10.1590/1679-395157778...
; Pinheiro& Paula, 2014; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
; Vieta, 2015)Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como um bien común. In: V ENCUENTROINTERNATIONAL “LA ECONOMÍA DE TRABAJADORES Y TRABAJADORAS. Anais. Paranaguá, Venezuela. e estudos que questionam a capacidade da ES em emancipar mulheres e como alternativa observando os limites colocados pelo sistema de mercado ( Bauhardt, 2014Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier. ; Costa, 2011Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27. ; Soares & Rebouças, 2022Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. ; Soares et al. , 2020).

Dentre esta afluência de pesquisas, não existem estudos que se detenham à observação das práticas de gestão das mulheres. Esta pesquisa parte dos estudos das práticas de gestão de mulheres de Martin (1993, 2006), contudo, a partir do lugar da autogestão desenvolvido no âmbito da Resf, e, por isso, desenvolveu-se ao longo da pesquisa o termo “práticas feministas de autogestão”, considerando-se que as práticas feministas de gestão identificadas por Martin (1993, 2006), em seus estudos no contexto da heterogestão, mas que não abrangem algumas dinâmicas que se performatizam na ES( Soares, 2019Soares, M. N. M. (2019). Práticas feministas de autogestão em empreendimentos formados por mulheres na Rede Economia Solidária e Feminista. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará. ; Soares & Rebouças, 2022Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. ; Soares et al ., 2020). O objetivo desta pesquisa é analisar a prática feminista da aprendizagem coletiva e em rede identificada ao longo de uma pesquisa mais ampla sobre práticas feministas de autogestão em rede desenvolvida pelas mulheres da Resf em suas dinâmicas de organização. Inicialmente, cabe ponderar que a proposição de práticas feministas de autogestão elaborada neste estudo não se trata de uma proposta de concepção individual, mas de observações de dinâmicas cujas construções foram coletivas, que necessitaram, sim, das reflexões no campo teórico, mas que estão especialmente alicerçadas no campo empírico, sob a perspectiva das mulheres da Resf que atuam no Ceará.

Os aportes teóricos utilizados para mediar e orientar a discussão são: a abordagem de Fraser (1997, 2010) sobre as dimensões da justiça de gênero (redistribuição, reconhecimento e representação), a abordagem de Martin (1993, 2006) sobre as práticas de gestão feministas, a perspectiva de autoras do feminismo pós-colonial, como Mohanty (2006)Mohanty, C. T. (2006). US Empire and the Project of Women’s Studies: Stories of Citizenship, Complicity and Dissent. In: Gender, Place and Culture, London, v. 13, n. 1, p. 7-20. e Lugones (2008), a perspectiva da racionalidade substantiva nas organizações pensada em Ramos (1989) e Serva (1997)Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. e os estudos sobre a prática organizacional em Guerardi (2009). A perspectiva adotada para as etapas de coleta e análise dos dados é a da história oral, especialmente sob o enfoque da nova história, através de entrevista e observação. Para Godoi, Bandeira de Mello e Silva (2006, p.182), a história oral privilegia vozes esquecidas ou invizibilizadas.

Suporte teórico

A autogestão na perspectiva das mulheres da Economia Solidária

A Economia Solidária atua na rearticulação do econômico às outras esferas da ação social. Singer (2008) reflete que a ES não é apenas uma resposta às contradições do capitalismo ou uma exclusiva reação à falta de emprego, pois, se assim o fosse, não passaria de uma forma complementar da economia capitalista. Ainda que surja no âmbito de cenários de desigualdade e desemprego estrutural, Mance (2006) alerta que a ES não é apenas uma forma de amenizar a exclusão social originada pela economia dominante. Os autores trazem uma perspectiva de que a ES seria uma alternativa no sentido da ampliação das oportunidades de desenvolvimento humano e social através da produção com a organização comunitária da vida social. Dessa forma, as pessoas obtêm não só renda, como justiça social e econômica, o direito de participar da atividade produtiva sem se submeter a uma hierarquia, valorizando a cooperação em detrimento da competição, representando um movimento multiforme para a geração de renda e o desenvolvimento local, tendo a autogestão como paradigma de organização ( Costa, 2011Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27. ; Vieta, 2015Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como um bien común. In: V ENCUENTROINTERNATIONAL “LA ECONOMÍA DE TRABAJADORES Y TRABAJADORAS. Anais. Paranaguá, Venezuela. ; Monje-Reyes, 2011Monje-Reyes, P. (2011). Economía solidaria, cooperativismo y descentralización: la gestión social puesta em práctica. In: Cadernos EBAPE BR, 9(3), 704–723. ; Silva, 2018Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea. ).

Modelos participativos de gestão vêm sendo desenvolvidos desde meados do século XX para atender às novas demandas em termos de gestão de pessoas nas organizações convencionais. Contudo, a autogestão, um dos tipos de modelo participativo, é praticada desde meados do século IX no âmbito do associativismo e do cooperativismo, embora não se deva confundir a autogestão com o cooperativismo e o associativismo, já que é independente do real conteúdo das ações supostamente identificadas como autogestionárias ( Andion, 2005Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. In: Journal of Contemporary Administration, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005.
https://doi.org/10.1590/S1415-6555200500...
; Benini & Benini, 2009; Guillerm & Bourdet, 1976; Motta, 1987; Nascimento, 2000; Rosavallon, 1980Rosavallon, P. (1980). La autogestión. Madrid: Editorial Fundamentos. ; Vieta, 2015)Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como um bien común. In: V ENCUENTROINTERNATIONAL “LA ECONOMÍA DE TRABAJADORES Y TRABAJADORAS. Anais. Paranaguá, Venezuela. . No âmbito da Economia Solidária, a autogestão tem sido um dos alicerces para o desenvolvimento dos empreendimentos, sendo considerada um paradigma de gestão a ser apropriada pelos mesmos, contrapondo-se aos modelos de heterogestão hierarquizados que predominam na economia e no sistema de mercado (Benini, 2009, 2012; França Filho, 2013; Gaiger, 2004; Vieta, 2015)Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como um bien común. In: V ENCUENTROINTERNATIONAL “LA ECONOMÍA DE TRABAJADORES Y TRABAJADORAS. Anais. Paranaguá, Venezuela. . A autogestão, que foi trabalhada nesta subseção no contexto da ES, diz respeito especialmente às dinâmicas de controle e gestão do processo e da organização do trabalho, ainda que a autogestão abranja questões mais amplas, como parte de um projeto da ciência política, como indica Nanci Valadares de Carvalho (1983).

A perspectiva de Nanci Valadares de Carvalho (1983, 1995) sobre a autogestão articula dinâmicas administrativas autônomas, participativas e emancipatórias no nível interno da organização, que no âmbito das práticas das mulheres, refletem processos específicos de organização. Para a autora, a autogestão parte de processos decisórios fundamentalmente coletivos, o que exige acesso às informações, responsabilidade com o coletivo e disciplina do grupo. A autora reflete que a autogestão conduz a experiência de gestão da própria vida, isso significa em alguma medida, em um processo de emancipação humana no âmbito político, independentemente de orientações e que, entre outras coisas, a autogestão não é apenas um método de gestão de empreendimentos, mas uma “forma política” em que as relações de produção se expandem para todas as outras esferas da vida social, onde os próprios “produtores associados” dirigem sua atividade e o produto dela derivado. Evidentemente, como aponta a autora, a autogestão “é impelida pelas condições materiais do nosso tempo e não como um amadurecimento de formas anteriores da mesma coisa” (Carvalho, 1983, p. 21).

Logo, o contexto é importante para o desenvolvimento da autogestão e define a forma e os níveis de interação que se desenvolverão nos empreendimentos ( Soares & Rebouças, 2022Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. ). Na Economia Solidária, os saberes construídos e compartilhados no dia a dia são fundamentais para o fortalecimento do movimento e refletem valores solidários cultivados (Pinheiro & Paula, 2014). Os saberes e os fazeres formam as dinâmicas vivenciadas nas diferentes instâncias do movimento e, em vista da diversidade do movimento, carregam diferentes histórias de vida e culturas, evidenciando o repertório compartilhado pela comunidade, conforme apontado por Gherardi (2009)Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! In: Management Learning.v. 40, n. 5, p. 535-550. . Tais ações educam, humanizam e contribuem para a construção de um modo de vida essencialmente coletivo. A autogestão exige a participação de todos, os praticantes aprendem pertencendo à comunidade, o sentimento de pertencimento resulta em responsabilidade e engajamento mútuo.

As mulheres que formam a ES lidam com as mesmas contradições que muitas outras se deparam na sociedade, contudo as questões são outras e estão relacionadas à própria sobrevivência da mulher. A mulher da ES não está preocupada em quebrar o “teto de vidro”, pois esse é um desafio fora de sua realidade. Ela desafia condições mais básicas em termos de geração de renda e garantia de sobrevivência. E, em vista dessa condição periférica que a atinge, a crítica (pós)colonial feminista questiona a análise limitada do contexto cultural, sociopolítico e histórico destas mulheres, muitas vezes adotando uma linguagem redutora que assume contornos excessivamente técnicos (Spivak, 1988). A subalternidade dessas mulheres parte de uma dinâmica de colonialidade econômica, a qual os países não centristas estão submetidos historicamente. Os estudos pós-coloniais da Economia auxiliam na compreensão de que tal condição resulta na realização de análises generalistas sobre a condição de vida dos indivíduos que ocupam os espaços periféricos, e refletem consideravelmente na condição das mulheres (Lugones, 2008; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
).

Inserida nesse debate sobre colonialidade está a questão da mulher periférica, subalterna, colonizada, e ela se manifesta de formas diversas em vista da diversidade e da pluralidade de contextos (Spivak, 1988). Para Lugones (2008), a colonialidade econômica se materializa nos corpos das diferentes mulheres. Dessa forma, teorias feministas que homogeneízam a condição da mulher não dão conta, a experiência das mulheres pode variar, de acordo com o contexto em que estão inseridas. Seja na luta contra os efeitos de um modelo de produção e consumo que as exclui, seja na organização de formas próprias de produzir, reunir e distribuir os recursos. As diferentes mulheres subalternaslidam com dilemas muito próprios, sendo importante considerá-los para não incorrer em análises enviesadas que não reflitam a realidade de suas dinâmicas sociais. Para Santos (2017)Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
, os estudos sobre Economia Feminista podem resvalar com certa facilidade para uma leitura homogeneizante das práticas econômicas das mulheres, corroborando, assim, os estereótipos e valendo-se do discurso centrista para representar, de forma reducionista, mulheres subalternas.

Os entendimentos dos saberes e fazeres sobre o negócio que organizam é essencial, assim os participantes devem: compreender as práticas de gestão em nível de produção e comercialização, participar dos fóruns, plenárias, reuniões de decisão do empreendimento etc. Tais fazeres carregam forte caráter educativo, uma vez que desenvolvem a percepção e a consciência da cidadania (Pinheiro & Paula, 2014; Singer, 2000). Ainda que muitas vezes não estejam sistematizados, muitos saberes no contexto da ES são desenvolvidos implicitamente e podem ser resgatados por meio das memórias coletivas (Gaiger, 2007; Soares & Rebouças, 2022)Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. . Na autogestão do trabalho ou do projeto de desenvolvimento ocorrem aprendizados fundamentais, que devem envolver a todos e incluir diversos tipos de saberes e fazeres, estimulando os envolvidos a se assumirem como sujeitos do processo, emancipando-os. Para Singer (2005b, p.19), “A Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática. A única maneira de aprender a construir a Economia Solidária é praticando-a”. As mulheres na ES atribuem valores que qualificam o movimento ao assumir a desigualdade de condições entre homens e mulheres na economia e rompem com dinâmicas de gestão heterodoxas das organizações essencialmente burocráticas ( Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
; Soares & Rebouças, 2022)Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. .

As práticas feministas de autogestão e os modos de aprender das organizações substantivas

Ao discutir soluções para as crises econômicas contemporâneas, a autora Bauhardt (2014)Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier. reflete que para a Economia Solidária tornar-se uma alternativa e solução para as crises do capitalismo que vêm sucedendo, é necessário que ela considere a questão da mulher na economia, pois, para a autora, a equidade de gênero é essencial para as mudanças na economia. Segundo a autora (2014, p.64), a primeira questão a ser enfrentada é a responsabilidade pelo cuidado, the care economy , em que ocorrem atividades de trabalho onde não flui dinheiro, e, por isso, continua invisível para a economia convencional. A segunda questão a ser enfrentada é a de que enquanto a participação social e as relações de poder estiverem estritamente ligadas a emprego e renda, a justiça de gênero estará contingencialmente dependente de uma equidade de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Segundo Bauhardt (2014)Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier. , um terceiro ponto a ser refletido é que as oportunidades de emprego e renda sofrem interferência do trabalho de cuidado, não remunerado, e deveriam ser divididas equilibradamente entre homens e mulheres. O quarto e último ponto é a necessidade de uma mudança nas concepções de trabalho reprodutivo e na cadeia do cuidado para combater a visão predominante da feminização do trabalho de cuidado. A autora realiza uma crítica à ES, no sentido de que é um desafio para o movimento romper com a lógica hegemônica de exploração do trabalho produtivo e reprodutivo da mulher, que poderia ser solucionada a partir de uma visão feminista da economia. As questões apontadas pela autora fazem parte da agenda da Economia Feminista e podem ser adotadas no contexto da Economia Solidária, aprimorando a implementação das práticas de autogestão e cooperação. Portanto, uma Economia Solidária e Feminista vai ao encontro de transformações necessárias na busca por justiça de gênero através de práticas feministas de autogestão (Fraser, 2002).

Há que se observar que, conceitualmente, as categorias “gênero” e “mulher” têm tratamentos diferenciados, visto que a primeira está relacionada à construção social e a segunda a uma distinção de ordem biológica. Esta pesquisa situa-se a partir dos estudos de Fraser (2002) e autoras feministas pós-coloniais, portanto o conceito de mulher também partirá de uma abordagem ampliada, abrigando as construções sociais e dos contextos. Compreendemos que a categoria mulher, sob o ponto de vista da categoria gênero, abrange as normas, as obrigações, os comportamentos, os pensamentos, as capacidades e até mesmo o caráter que se exigiu que as mulheres tivessem por serem biologicamente mulheres. Portanto, para este estudo, mulher é um papel social, também derivado de uma construção social, notadamente na perspicácia em captar que a repartição social do trabalho deriva de construção social e não de distinção biológica, comporta o exame crítico da divisão sexual do trabalho, da dicotomia das relações do público e do privado (Hirata, 2002; Saffioti, 2013).

As demandas por uma racionalidade substantiva nas organizações e nas dinâmicas organizativas são um dos vetores para a implementação da justiça de gênero necessária à emancipação das mulheres, conceituada por Fraser (2002) como o equilíbrio entre redistribuição, reconhecimento e representação das mulheres nos espaços públicos e privados. Parte-se do pressuposto que a organização burocrática, devido à orientação instrumental e funcionalista, utiliza-se de métodos de controles diretos e indiretos para negar e manipular conflitos, entre eles, as questões relacionadas a gênero (Fraser, 2001; Martin, 2013; Ramos, 1989; Serva, 1997Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. ). A abordagem tridimensional da justiça de gênero busca por um espaço em que a atividade da mulher seja tão valorizada nos espaços produtivos e reprodutivos, portanto a busca pela ressignificação das organizações é a busca por justiça de gênero.

Dentro dos estudos organizacionais, o modelo de práticas organizacionais feministas proposta por Martin (1993, 2003) é o que mais se alinha aos valores da ES. Essa abordagem seleciona formas de gestão feminina, nomeadamente: pergunta pela questão da mulher; utiliza a razão prática feminista; promove maior conscientização; promove laços comunitários e cooperativos; promove democracia, participação e empoderamento dos subordinados (visão do poder como obrigação); valoriza a preocupação e os cuidados mútuos; luta por resultados transformadores. Tais práticas não envolvem apenas a dimensão trabalho, e no âmbito das práticas de autogestão das mulheres nos empreendimentos solidários há um deslocamento do significado e a finalidade do trabalho. Segundo Soares e Rebouças (2022)Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23. , o contexto da ES representa uma forma social solidária de produção que se diferencia da forma tradicional de relação social de produção hierarquizada própria das organizações predominantemente burocráticas.

No contexto da Rede Economia Solidária e Feminista, as práticas de autogestão não se relacionam apenas às relações de trabalho, pois desenvolvem formas diversas de se relacionar e produzir que privilegiam a cooperação e a comunidade, além de fomentar conhecimento coletivo, livre e partilhado (Resf, 2016). Como disposto até o momento, a autogestão é, portanto, um requisito para a viabilidade desses empreendimentos, e antes de ser uma opção política, é uma necessidade concreta das mulheres frente às suas responsabilidades. Logo, para as mulheres este é um ponto de partida para fortalecimento do projeto da ES, de se afirmar como atividade econômica a partir do trabalho associado e autogestionário, na construção de outro modelo de desenvolvimento democrático, solidário e sustentável (Pinheiro& Paula, 2014; Resf, 2016; Santos, 2017)Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
.

Considerando as construções teóricas realizadas até este momento da pesquisa, as dinâmicas autogestionárias das mulheres que atuam na ES devem se basear na busca por uma organização substantiva em que a racionalidade se conforma em termos substantivos, sob uma orientação para a comunidade (Ramos, 1989), em um contexto onde as práticas são coletivistas e não individuais. Tais ações materializadas em fazeres, dizeres e fins de organização têm como fim a implementação de uma justiça de gênero que efetive mecanismos de redistribuição, reconhecimento e representação para as mulheres (Fraser, 2002), utilizando-se de práticas feministas de gestão e transformando as organizações em espaços de emancipação humana (Martin, 1993, 2003).

Para situar e sistematizar as práticas de autogestão feminista na ES, especificamente nos empreendimentos da Resf, foi observado o contexto em que se desenvolve. Os empreendimentos acontecem em um contexto periférico, marcado não apenas pela questão do gênero, mas por fatores como raça e classe. Tal contexto, historicamente subalterno, debate as teorias feministas (pós)colonialistas, articula lógicas alternativas de sobrevivência e de bem viver em seus modos de fazer cotidianos, orientando-se para o desenvolvimento da comunidade, como apontado no enclave isonomia proposto por Ramos (1989). Dessa forma, os empreendimentos da ES situam-se em um espaço de isonomia, formando organizações substantivas que buscam, além da produção e comercialização de produtos e serviços, a emancipação dos indivíduos envolvidos. Serva (1997)Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. identificou que as organizações substantivas norteiam-se por princípios, valores, ação coletiva e busca do equilíbrio entre o indivíduo e a organização. As relações interpessoais são intensas e fortes, onde os membros compartilham os valores, buscando-se a reflexão sobre o cotidiano do empreendimento.

Os processos de tomada de decisão são coletivos e baseados na troca de informações livres, as estruturas são mais flexíveis e menos burocráticas e o rendimento do trabalho é aferido coletivamente através de reuniões periódicas, remunerando-se os membros conforme o comprometimento com o trabalho. Por fim, Serva (1997)Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. observa que tais empreendimentos, sob uma lógica substantiva, buscam o respaldo de suas ações na comunidade e na sociedade. Dessa forma, as práticas nas organizações substantivas são orientadas por uma racionalidade substantiva, onde os meios e os fins seguem valores compartilhados pelo grupo. Ao relacionar tal abordagem com as práticas feministas de gestão pensadas por Martin (2003), observa-se o alinhamento teórico, visto que as dinâmicas administrativas em organizações que se permitem ser feministas trazem consigo uma visão política da organização, ao se perguntar pela questão da mulher, ao promover maior conscientização e laços comunitários, democracia e participação, valorizar a preocupação e os cuidados mútuos e buscar resultados transformadores.

Para Guerardi (2009), a prática influencia na união da comunidade a partir de três dimensões principais: empreendimento conjunto, engajamento mútuo e repertório compartilhado. Para a autora, não se trata de algo súbito, mas incremental, desenvolvendo-se aos poucos na comunidade uma percepção do valor que vai sendo agregado a partir da união das pessoas. A autora observa que o engajamento mútuo dos participantes de uma comunidade é característico e há uma ação comum entre eles, o da negociação. Em vista da diversidade, esse processo de negociação é contínuo, visto que o fato de comungarem dos mesmos objetivos não significa que compartilham as mesmas opiniões, a negociação surge para obter níveis mínimos de coesão e reciprocidade para a manutenção da comunidade. A partir dessas considerações e relações teóricas sobre a racionalidade substantiva que permeia a estrutura tele afetiva das ações empreendidas na Resf, é possível sistematizar o que podem ser consideradas práticas feministas de autogestão.

Do ponto de vista teórico, é possível considerar as relações intrínsecas que mantêm as organizações substantivas e suas práticas coletivistas com o modelo de gestão feminista pensado por Martin (1990). Nesse sentido, como desenvolvimento teórico, as práticas feministas de gestão pensadas por Martin (1993, 2003) auxiliam na sistematização de práticas feministas de autogestão. A orientação para a substantividade nos modos de fazer coletivos dos empreendimentos autogeridos por mulheres têm como fim, além da geração de renda, a emancipação das mulheres nas comunidades. Tais práticas devem buscar a consecução de uma justiça de gênero em termos reais nas dimensões de redistribuição, reconhecimento e representação das mulheres nas dinâmicas da comunidade. As práticas feministas de gestão propostas pela autora adaptam-se às abordagens utilizadas até então neste estudo, além de estarem em comunhão com o contexto específico da Economia Solidária e da Resf. Ao tratar as práticas feministas de autogestão foi possível tanto utilizar as práticas propostas pela autora, como identificar novas práticas quando do estudo em campo, portanto, tais práticas servirão de base para a investigação.

Suporte metodológico

A abordagem metodológica do problema de pesquisa, quanto à sua natureza, é qualitativa, nas etapas de coleta e análise de dados, conforme proposto por Creswell (2007) e Ramos (1989). As categorias de análise que embasaram os instrumentos de coleta foram a abordagem tridimensional da justiça de gênero, as práticas feministas de gestão e a racionalidade em organizações substantivas. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas junto a cinco produtoras da Resf e observação direta e indireta em campo das práticas das mulheres na rede entre os anos de 2018 e 2021, perfazendo 55 horas de relatos em diário de campo, mais de 18 horas de entrevistas e outras interações com as mulheres em suas práticas de produção, comercialização e gestão dos empreendimentos autogeridos da ES. A Resf atualmente abrange 29 redes, contando um total de 222 empreendimentos no país. No estado do Ceará, a rede atua com 26 empreendimentos formados por 266 mulheres, nas áreas de artesanato, confecção, agricultura ecológica e familiar e alimentação (Resf, 2013). O critério de escolha das mulheres entrevistadas baseou-se em sua área de atuação, sendo duas da área do artesanato, uma da área de confecção, uma da agricultura ecológica e familiar e outra da área de alimentação.

A análise dos dados deu-se a partir da Análise Crítica do Discurso (ACD) ( Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. ) e sob a perspectiva da história oral, especialmente sob o enfoque da nova história, através de entrevista (transcrição absoluta) e observação (Meihy, 2002). Para Godoi, Bandeira de Mello e Silva (2006, p.182), a história oral privilegia vozes esquecidas ou invizibilizadas. Para os autores, a partir dessa perspectiva do que não está no mainstream , é possível registrar “reivindicações, angústias, sugestões, críticas e apreender seus pontos de vista” que podem contribuir para a compreensão da vida organizacional contemporânea. Nesse sentido, trata-se de uma busca por representatividade de outras formas de organização por meio da alteridade, alinhando-se com a perspectiva pós-colonial dos estudos organizacionais (Meihy, 2002; Soares, 2019Soares, M. N. M. (2019). Práticas feministas de autogestão em empreendimentos formados por mulheres na Rede Economia Solidária e Feminista. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará. ). Já a ACD adere à pesquisa sobre mulheres, em vista de sua abordagem voltada para a percepção histórica e política do discurso, notadamente em Ruth Wodak, que desenvolve estudos de gênero no campo do discurso. A ACD confere possibilidade de desconstruir concepções naturalizadas, revelando processos opressores, bem como interesses adjacentes. Esta pesquisa, conforme o framework proposto por Wodak (2004), parte dos elementos dispostos na Tabela 1 .

Tabela 1
: Estruturação dos dados da ACD

A escolha de Wodak (2004)Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. como perspectiva de análise deve-se ao fato de a própria aderir à perspectiva da história oral, visto que sua proposta é de uma análise histórico-discursiva, observando as situações de fala dos sujeitos. Ainda assim, considera-se o que Gill (2002) informa, de que as descrições e avaliação das narrativas não são atividades separadas, logo, elas ocorrem simultaneamente ao longo da ACD, visto que caminham entre texto e contexto. Em virtude da adoção da história oral temática, algumas funções de análise já estavam definidas, contudo manteve-se a perspectiva aberta para os códigos e as funções que o campo empírico demonstrou, o que auxiliou na proposição de novas práticas feministas de gestão, inserida no paradigma da autogestão dos empreendimentos da Resf. Não há, portanto, uma perspectiva de uma generalização empírica ampla, pois não busca identificar processos universais, visto que a análise é adequada ao contexto interpretativo. Isso não impede que a ACD seja representativa de seu contexto, o que adere ao objetivo do estudo das práticas feministas de autogestão.

Os sujeitos de pesquisa, considerados à luz da história oral como colaboradoras de pesquisa, são produtoras da Resf em atividade no estado do Ceará, abrangendo uma amostra de 26 empreendimentos formados por mulheres, entre grupos informais, associações e cooperativas. Importante relacionar o perfil das mulheres que compõem a rede Resf. A maioria das mulheres tem, em média, 40 anos de idade, predominantemente são mães, avós, tias e têm dependentes em suas expensas, algumas sendo, inclusive, arrimos de família. As mulheres apresentam, no geral, um nível básico de formação escolar, identificando-se, em alguns casos, certo grau de analfabetismo e mesmo analfabetismo funcional. Elas apresentam, em média, mais de cinco anos nos empreendimentos.

Os nomes das colaboradoras da pesquisa, registrados no artigo, são fictícios e homenageiam mulheres brasileiras importantes para a discussão da questão do trabalho da mulher: a) Dandara dos Palmares (reconhecida como guerreira negra do período colonial brasileiro que lutou ativamente contra a escravidão); b) Nanci Valadares (professora e pesquisadora que escreveu obras importantes relacionadas à autogestão como paradigma de gestão); c) Carolina Maria de Jesus (escritora brasileira conhecida pelo livro Quarto de despejo ; d) Laudelina de Campos Melo (defensora dos direitos das empregadas domésticas, fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil); e) Eleonora Menicucci (socióloga brasileira e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres).

Análise e discussão dos resultados

A prática feminista de autogestão identificada ao longo da pesquisa nas dinâmicas organizativas das mulheres na Resf foi a que desenvolve a aprendizagem coletiva e em rede. Nas primeiras observações, e a partir das entrevistas, percebi que o aprendizado, em que as mulheres ensinam umas às outras, é uma prática comum nos empreendimentos, de forma coletiva, tanto dentro dos grupos como na interação em rede. As mulheres da Resf consideram que o aprendizado adquirido dos processos organizativos dos empreendimentos autogeridos é uma forma de consolidar a união das mulheres e dos grupos. Para Meihy e Ribeiro (2011), essas relações de aprendizagem são parte da definição de pertencimento às associações ou aos grupos comunitários que refaz seus vínculos de forma contínua.

Como informado na Tabela 1 da seção 3, este estudo articula o processo de aprendizagem a partir de lentes teóricas advindas da gestão baseada na racionalidade substantiva, mulher e trabalho e nas formas de aprendizagem, que, a partir das falas, refletem subtópicos que se relacionam com essas grandes teorias. Considerando-se a abordagem da Análise Crítica do Discurso em Wodak (2004)Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. , existem, a partir de uma rede, diversas conexões possíveis entre macrotópicos diferentes, entre subtópicos e textos, que formam as estratégias discursivas. Neste estudo foram identificadas predominantemente as estratégias de discurso de perspectivação, autorrepresentação e nomeação nas falas das mulheres.

Segundo Wodak (2004)Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. , a estratégia de perspectivação é usada quando a fala do autor do discurso aponta que o que diz é com base em seu ponto de vista particular, a autorrepresentação está presente no texto em que o falante descreve a si mesmo, como se percebe. Já a nomeação ocorre quando é interessante para o enunciador diferenciar “nós e eles”, que denota a construção em torno dos grupos internos e externos. Optou-se, em virtude da perspectiva da história oral em Meihy (2002), por trazer trechos maiores das falas das mulheres, em vez de fracionar, a fim de preservá-las e valorizá-las. Observa-se que na análise ocorrem constantes inter-relações entre as grandes, médias e pequenas teorias que orbitam os processos de aprendizagem das mulheres em suas dinâmicas de autogestão.

A aprendizagem, como processo nas organizações, não se limita a um processo de aquisição de conhecimento para uma determinada atividade produtiva, pois possibilita uma formação para a cidadania e emancipação dos sujeitos (Costa & Carrion, 2009; Faria, 2017Faria, J. H. de. (2017). Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. In: Cadernos EBAPE BR, 15(3), 629–650. https://doi.org/10.1590/1679-395157778
https://doi.org/10.1590/1679-395157778...
; França Filho, 2013; Pinheiro& Paula, 2014; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
; Silva, 2018)Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea. . Há que se observar que o perfil das mulheres, em decorrência principalmente da sua baixa ou mesmo nenhuma escolaridade, coloca-as diante de uma série de limitações em relação à busca de novos conhecimentos que elas procuram preencher com formações entre elas mesmas, portanto não se trata somente ou exatamente de falta de interesse, mas sim de certo constrangimento e mesmo certa inércia diante do desafio em adquirir conhecimentos mais técnicos relacionados aos negócios. Outro aspecto, não menos relevante a se observar, refere-se à própria condição anterior dessas mulheres, ex-empregadas domésticas ou ex-diaristas, ex-empregadas da área têxtil, cujo ofício durante toda a vida se aprendeu trabalhando, sendo transferido de uma geração para outra de artesãs.

Nos estudos da prática, o pertencimento à comunidade é um requisito para a aprendizagem. Segundo Guerardi (2009), os indivíduos aprendem pertencendo, e as dinâmicas desenvolvem o engajamento mútuo da comunidade a partir de três dimensões principais: empreendimento conjunto, engajamento mútuo e repertório compartilhado. Para o autor, não se trata de algo súbito, mas incremental, desenvolvendo-se aos poucos na comunidade uma percepção do valor que vai sendo agregado a partir da união das pessoas. O empreendimento conjunto representa os níveis de negociação no projeto, a responsabilidade mútua dos membros, as interpretações comuns e o ritmo de trabalho. O engajamento mútuo representa o fazer em conjunto, a complexidade social inserida no contexto em termos de diversidade de situações e a própria manutenção do grupo. O repertório compartilhado, por sua vez, representa as histórias e os eventos históricos, os estilos, as ações, as ferramentas e os artefatos, os discursos e os conceitos adotados no empreendimento.

Percebe-se que uma interseccionalidade dos conceitos da justiça de gênero permite que as mulheres cresçam a partir de suas experiências, ao passo que compartilham ações e modos de fazer diversos em seus cotidianos, característica percebida como familiar na interdiscursividade dos discursos das mulheres. Um exemplo disso é a interferência do trabalho doméstico na forma como os empreendimentos se organizam, a fim de abranger as necessidades das mulheres, e a própria forma de aprendizado a partir dos relatos de experiências compartilhadas em suas vivências em grupo, formando uma consciência do grupo sobre a condição das mulheres. O próprio paradigma da autogestão permite que as mulheres se organizem da forma que melhor desenvolva seu aprendizado. Elas decidirão como e quando ele ocorrerá, ao mesmo tempo esse processo de aprendizagem se dá de forma fluida em todas as interações que ocorrem nos empreendimentos. A autogestão constitui um conjunto de práticas que podem influenciar a atitude e a consciência dos seus praticantes na geração de novos comportamentos balizados pela igualdade e solidariedade.

Para Singer (2008), a prática da autogestão resulta, portanto, no compartilhamento das responsabilidades e no fomento ao pensamento coletivo, na medida em que são potencialmente dinâmicas educativas. Segundo Nicolini (2013), os ambientes formais de educação são importantes e necessários, contudo, o ambiente de trabalho é um lugar de aprendizagem importante, posto que tem-se contato com a prática e aprende-se a exercer as funções laborativas. Trabalho e aprendizagem são atividades humanas próximas e inter-relacionadas, principalmente no contexto da Economia Solidária, em que predomina a autogestão na organização das atividades. Segundo Gherardi e Starti (2014), o engajamento dos membros promove a oportunidade para que desenvolvam suas capacidades e compartilhem aprendizagens.

Na Resf, as mulheres constroem o conhecimento por meio do engajamento espontâneo, intercâmbio mútuo e de múltiplas experiências, esse processo depende do interesse das mulheres em se desenvolver num determinado domínio do conhecimento e se manter conectadas pela ligação emocional umas com as outras. O próprio engajamento mútuo das mulheres é uma necessidade para que a autogestão ocorra em algum nível, por isso Singer (2008, p. 19) reflete que o maior inimigo da autogestão é o desinteresse dos sócios. Nesse sentido, a prática da aprendizagem coletiva e em rede foi verificada especialmente ao longo das observações em campo nas reuniões periódicas na rede, que evidenciaram um engajamento das mulheres em compartilhar responsabilidades e saberes em prol do bem comum do grupo, como se verifica nos seguintes relatos de diários de campo:

A mulher que falava era a Sra. Nanci, representante da Resf, ela estava também sentada na roda, com um caderno na mão, e falava de uma encomenda que a “Dona Z” havia recebido, de cem bonecas para peso de porta para entrega dali a 4 dias. Falou que havia mais duas artesãs que trabalhavam com este tipo de produto, mas que precisariam de mais ajuda para “ dar conta ” da encomenda. Logo surgiram várias mulheres se dispondo a ajudar, começou um pequeno burburinho de mulheres falando, uma delas falou em voz mais alta pedindo ordem, falou que “era bom que a Dona Z desse uma oficina rápida pra gente de como fazer a boneca” . Muitas mulheres concordaram e se empolgaram com a possibilidade de aprender a confeccionar a boneca peso de porta. Dona Z confirmou que podia dar a oficina naquela tarde mesmo, pois estava com alguns materiais (...) Ficou acertado que após a reunião, que Nanci falou que seria muito rápida, já começariam a oficina. Houve um pequeno burburinho de vozes, as mulheres ficaram muito ansiosas com a oficina e aparentemente empolgadas com a encomenda recebida (...). (Observação n. 07, 02 de março de 2019)

(...) A representante da Resf, a Sra. Lélia, disse que “ pelo adiantado da hora ”, eram já umas 15:50, seria interessante terminar a reunião para iniciar a oficina, porque a encomenda deveria ser uma prioridade nesse momento, as mulheres concordaram. Rapidamente elas começaram a juntar as cadeiras, algumas foram em uma sala do local, pegaram 3 mesas de plástico, juntaram e colocaram uma toalha de mesa em cima. A artesã que se propôs a ministrar a oficina parecia dar as orientações iniciais. Ela pediu que as mulheres arrumassem o conteúdo da sacola dela na mesa e que pegassem também seus materiais como tesoura, agulha, linha. Aparentemente as mulheres já estavam com esses materiais. Elas pegaram as ferramentas e a Dona Z começou a ensinar os materiais que precisariam e como fazer a boneca peso de porta, outras duas mulheres cuidaram em arrumar uma mesa com um lanche, aparentemente cada uma havia levado alguma coisa para o lanche, algumas já começaram a lanchar enquanto acompanhavam a oficina (...) Acompanhei a oficina, que durou até umas 16:50, algumas mulheres precisaram sair porque precisavam pegar os filhos ou netos no colégio, ou outros compromissos de ordem doméstica. Ao final da oficina já haviam umas 8 bonecas prontas. (Observação n. 07, 02 de março de 2019)

O momento do recebimento de uma encomenda desencadeou um processo de tomada de decisões que resultou em encaminhamentos, definidos pelas próprias mulheres. Surpreendeu a rapidez com a qual elas decidiram, naquela mesma tarde, realizar uma pequena oficina de manufatura do produto, a fim de compartilhar entre elas o trabalho de produção. Tudo aconteceu de forma flexível, próprio de uma lógica substantiva de organização, quando percebi, elas já haviam decidido o que e como fazer, sem maiores obstáculos, as mulheres se organizaram rapidamente para ensinar a fazer a boneca umas às outras. A preocupação umas com as outras, as intensas interações e relações de reciprocidade entre as mulheres encaminham práticas feministas substantivas de cooperação e troca de informação, como aponta Ramos (1989) e Serva (1997)Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. , ao pensarem práticas substantivas, e Martin (2003), ao pensar práticas feministas de gestão.

A perspectiva da racionalidade substantiva, aliada a uma visão feminista da prática administrativa, volta-se para o interesse coletivo, como demonstrou a observação em campo. Não houve um momento de individualidade ou de tentar “guardar para si” o conhecimento apenas para algumas, o conhecimento foi compartilhado de forma muito tranquila, como se já fosse uma prática incorporada pelas mulheres da rede. As que desejaram aprender ficaram e aprenderam, as que não desejaram apenas ficaram ao redor lanchando e conversando assuntos diversos, outras foram embora, contudo a maioria do grupo ficou. Depois, conversando com a representante da Resf, ela me informou que a rede tem grupos de artesanato, de alimentação e de agroecologia, por isso, quando ocorre alguma oficina, todas gostam de participar para aprender coisas novas, independentemente do tipo de produto com o qual costumam trabalhar.

A representante da Resf informou, também, que muitas mulheres que trabalham com o artesanato se especializam em determinados tipos do produto, como palha, cerâmica, biscuit, então, trocam muitos conhecimentos entre elas. A prática da aprendizagem coletiva me chamou atenção, uma forma de organização e dinamização da troca de informações e conhecimentos muito rápida a partir de uma demanda. As mulheres apresentaram uma alta capacidade de organização na forma como se procederam umas com as outras, ocorrendo facilitação da aprendizagem e rápida disseminação de ideias. Tal flexibilidade na resolução de crises e organização para a produção e comercialização é própria de empreendimentos formados por mulheres e/ou que adotam a perspectiva da economia feminista ( Bauhardt, 2014Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier. ; Guérin, 2005). Percebe-se, a partir das observações, que a flexibilidade nos modos de aprender abriga uma visão não hierarquizada da aprendizagem, onde todos os conhecimentos são compreendidos como importantes, dependendo da situação e do contexto com os quais as mulheres estão lidando, o que diferencia das práticas de aprendizagem hierarquizadas das organizações predominantemente burocráticas.

No âmbito dos estudos sobre práticas, Gherardi (1994, 2012) reflete que as questões de gênero estão refletidas em toda organização, seja no ambiente físico, seja na linguagem, em procedimentos e espaços, materializando-se através das práticas dentro de um tecido de dinâmicas organizacionais, notadamente influenciadas pelos processos hierárquicos da heterogestão. A forma como as mulheres utilizam o pouco tempo que têm, em virtude do acúmulo de atividades em que se encontram, acaba por tornar o processo dinâmico, contudo essa desigualdade de condições baseadas no gênero é um obstáculo para que as mulheres possam se autogerir de forma mais planejada. Ainda que a adversidade resulte em aprendizado e que a tomada de decisão de acordo com a situação seja uma característica da gestão feminista, como aponta Martin (2003), é importante que as mulheres disponham de tempo para organizarem suas ações de forma mais planejada.

O aprendizado das mulheres ocorre desde o momento em que se inserem no grupo, pois a própria acolhida de novas participantes passa pela deliberação do grupo. De forma aberta e democrática, elas decidem, juntamente com as candidatas a sócias, a entrar no grupo. A prática da autogestão juntamente com a participação democrática é um dos grandes aprendizados para as mulheres, principalmente porque a elas é dado, por elas mesmas, o direito a deliberar e ter voz e poder de tomar suas decisões, como se observa no relato do diário de campo a seguir. Logo no momento da inserção no grupo, as mulheres percebem que as dinâmicas são diferenciadas, há que haver uma aceitação do grupo, a predominância do coletivismo fomenta o aprendizado em conjunto.

Daí, a reunião seguiu para a apresentação de duas artesãs que estavam presentes e gostariam de entrar no grupo, Clara pediu que elas se apresentassem e apresentassem “ suas artes ”. A primeira artesã disse que é natural do Maranhão, mas que já está no Ceará há dez anos, que mora na comunidade, perto do Centro Social Urbano, e que trabalha com bonecas de pano e trabalhos com costura e bordado. Disse que gostaria de participar do grupo porque tem dificuldade de comercializar seus produtos e também gostaria de trocar experiências com as outras mulheres. A segunda artesã recém-chegada disse que é natural do Ceará, que sempre morou no Conjunto Ceará, que trabalha fazendo bolsas do tipo de praia, com algodão cru e palha, pintadas à mão. Disse também que gostaria de participar do grupo para aprender coisas novas e ter mais espaço para comercializar os produtos. As mulheres do grupo escutaram com atenção, e Clara pediu que o grupo deliberasse sobre a aceitação da entrada das duas artesãs no grupo. As mulheres se mostraram receptivas, que não havia ninguém no grupo trabalhando com bolsas de praia, por exemplo, e que aceitavam a participação das mulheres. (Observação n. 06, 05 de novembro de 2018)

Percebe-se que a inserção de novos membros passa pela aceitação do grupo, não como uma forma de “testar” aquela mulher, mas de verificar seu alinhamento com os propósitos do grupo, o que resulta no aprendizado do compartilhamento de decisões e responsabilidades. Em relação ao engajamento de novos membros, Gherard e Strati (2014) informam que a participação periférica legitimada éum modo específico de engajamento pelos quais novos membros de uma comunidade se socializam e aprendem, assim como possibilita a perpetuação da comunidade. Essa participação periférica legitimada caracteriza-se como um progressivo envolvimento do novo membro na comunidade, com o desenvolvimento das ações realizadas por ele, que podem até alterar as dinâmicas do grupo, contudo somente se o grupo as legitimar. Para isso, o estabelecimento de relações de confiança entre as mulheres é essencial, tanto fruto dos laços de proximidade que se fortalecem com o tempo quanto pelos valores que se assumem ao participar da rede (Guérin, 2005; Martin, 2003; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
; Serva, 1997Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30. ).

O termo “periférico” significa o caminho que o novo membro da comunidade precisa percorrer até ser efetivado de fato na comunidade e a palavra legitimada dá a ideia de aceitação do novo membro na comunidade por meios reconhecidos como legais para o ingresso. No caso das mulheres, esse processo de inserção ocorre de forma muito rápida e fluida, ainda que essa legitimação seja gradual. As mulheres que se inserem no grupo informam também suas disponibilidades de tempo para com as atividades. Ao entrar no grupo, informam sobre suas responsabilidades para com o trabalho doméstico e de cuidado, e essa é uma marca na rede, a articulação do trabalho produtivo e reprodutivo ocorre de forma constante. Falas como “eu só posso ir para as reuniões à tarde” ou “dia de sábado não dá, meu marido tá em casa” são comuns na organização das atividades das mulheres. Portanto, percebeu-se, ao longo da pesquisa, a predominante assunção de responsabilidades e comprometimentos das mulheres com o trabalho doméstico e de cuidado, que as impedem ou dificultam, inclusive, de viver uma vida além de suas casas. Tal observação vai ao encontro do que Hirata (2002), Costa (2011)Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27. e Saffioti (2013) apontam em seus estudos sobre a divisão sexual do trabalho e seus impactos na vida produtiva das mulheres.

As estratégias de discursos das mulheres demonstram que as relações sociais são parcialmente discursivas e, portanto, os textos denotam mais sobre as interações sociais e o caráter da relação estabelecida entre as mulheres, se simétrica ou assimétrica, de poder ou subordinação, cooperativa ou competitiva, próxima ou distante ( Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. ). Na análise crítica do discurso percebe-se que a distância entre as mulheres é diminuída a partir do momento que elas adentram ao empreendimento. Essa distância não percorre o caminho de subordinação ou hierarquia, mas da formação de laços de reciprocidade entre as mulheres e as entrantes. Esse fortalecimento de laços não ocorre de forma gratuita, mas através da troca de experiências de vida e de formas de produzir e comercializar. Portanto, há que haver a troca para que a distância entre as mulheres diminua e se estabeleçam relações de confiança, ou seja, a troca faz parte do processo de aprendizagem, como observam Guerardi e Strati (2014).

O aprendizado para a emancipação, a partir das experiências que o grupo vivencia, ocorre a partir do pertencimento ao grupo, na intimidade dos lares das mulheres e do compartilhamento de suas vidas umas com as outras. Considera-se que esse tipo de aprendizado, a partir do pertencimento à comunidade, eleva a condição de reflexão das mulheres e soma-se às ações de formação que ocorrem na rede. As oficinas promovidas no âmbito da rede também se preocupam com a sustentabilidade nos processos de produção, os grupos, por exemplo, não utilizam sacolas de plástico, elas fazem as próprias sacolas com papel reciclado ou reutilizam sacolas de papel que conseguem obter.

As oficinas que trabalham com a utilização de recicláveis são comuns nos grupos, existe uma preocupação em transformar o processo de produção de forma sustentável, contudo há também uma necessidade de se voltar para matérias-primas que estejam à disposição. A utilização de materiais a partir da reciclagem não é uma opção baseada apenas em valores de sustentabilidade, mas pelo custo de oportunidade, os materiais muitas vezes são os mais acessíveis às mulheres, e por isso elas fazem uso deles na manufatura do artesanato. No entanto, sempre que ocorrem essas formações, elas se iniciam trazendo a questão da sustentabilidade como algo a ser buscado nos processos de produção e comercialização, resultando em um aprendizado coletivo e em rede sobre a sustentabilidade. Esse processo de formação para a sustentabilidade ocorre entre elas mesmas, quando uma percebe que a outra está produzindo artesanatos com matérias-primas reutilizáveis.

(...) aprendi a... fazer compostagem, a trabalhar com esse material reciclado como eu falei pra você... aproveitar, economizar água né... aproveitar qualquer coisinha pra fazer... né... e daí oh... eu tô aqui na minha porta não consigo um espaço porque todo mundo estaciona, invés de comprar um daqueles cones, eu fiz. Com cimento, uma lata... foi... (Sra. Eleonora, produtora da área de agroecologia, 65 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

(...) eu fui aprendendo uma com a outra, outros grupos passando ideias. Agora no artesanato... não costuravam já fiz duas oficinas né... de corte costura, já tô costurando algumas peças. Aprendi a fazer crochê, tô fazendo algumas coisinha de crochê... colarzinho, brincos e algumas outras coisas... (Sra. Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

As situações de falas das colaboradoras demonstram estratégias discursivas de perspectivação ao demonstrar envolvimento no próprio processo de aprendizagem, na própria construção de sua aprendizagem nos processos de produção, inclusive apontando, de forma implícita, seu ponto de vista sobre o uso dos recursos disponíveis e sua abertura a aprender novos modos de fazer na produção. Nesse sentido, foram identificadas como situações de fala: eu (aprendi), eu (fiz), grupo, rede, liberdade, troca, produzir, colaborar, cuidado, construção, trabalhar, apoio, conhecimento, diálogo, a gente faz, mulher. Ainda que essa perspectiva no discurso das mulheres descreva um ponto de vista individual, percebe-se que elas trazem elementos de dinâmicas coletivas de aprendizagem. Em diversos momentos há uma relação entre as palavras “eu” e “grupo” com a palavra “aprender”, percebendo-se que o “aprender sozinha” torna-se “aprender em grupo” à medida que as relações de confiança se estabelecem. Dessa forma, o ato de aprender como prática social se performa como dimensão política para as mulheres, tornando a aprendizagem um processo da vida produtiva e reprodutiva, onde o saber não está separado do fazer ou mesmo o indivíduo não está separado do coletivo.

Como observado por Wodak (2004)Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage. , a prática das mulheres é muito mais social que discursiva, ao passo que o poder se dá a partir das trocas de informação e estabelecimento das relações. Reside nessa prática uma dimensão política própria das vivências das mulheres, que, em seus contextos privados e públicos, sofrem processos opressores e de desigualdade social. Uma observação importante é sobre a troca de informações, aprendizagem e sustentabilidade: as mulheres compartilham as informações de forma cooperativa sobre fornecedores e insumos. A troca de informações, neste caso, está relacionada à questão da aprendizagem, principalmente no beneficiamento do produto e em melhores formas de produzir. As informações sobre o uso de recicláveis surgem como opção necessária e satisfatória para a produção do artesanato.

As mulheres se sentem empolgadas em aprender a trabalhar com insumos recicláveis. A forma com que as mulheres comercializam também é diferente, elas não se esforçam demasiadamente para atrair os clientes, mas sua própria postura de produzir o artesanato enquanto expõem o produto é uma forma de chamar a atenção do cliente, atentando para o diferencial do que é feito à mão. Percebeu-se, ao longo das observações nos pontos de venda dos terminais, que as mulheres têm o hábito de produzir enquanto realizam as atividades de comercialização. Conversando com uma das artesãs, ela informou que muitas mulheres não gostam de ir para a feira, preferem produzir e se reunir, mas no momento da venda, poucas se disponibilizam, por diversos motivos, algumas porque não têm como deixar os filhos ou familiares idosos, outras porque os próprios maridos não permitem que elas participem da feira ou porque não têm dinheiro da passagem, entre outros motivos.

A partir da análise crítica dos discursos e nas observações, foi possível perceber a timidez e o acanhamento de muitas mulheres em estarem nos pontos de comercialização, que exige um perfil de vendas mais ousado. Talvez por isso as mulheres realizem a atividade de produção enquanto vendem, a fim de amenizar o desconforto de estar “na vitrine”. Tal observação alinha-se com o que as autoras do feminismo pós-colonial apontam ao discutir a condição de subalternidade e colonialidade que afeta a mulher em sua subjetividade. A autora Indiana GayatriSpivak (1990) analisa a capacidade de o subalterno se representar. Para a autora, a condição subalterna é a do silêncio, pois sua legitimidade tem sido dada por outra pessoa, que assume seu lugar no espaço público, representando-o.

Com efeito, o subalterno se torna dependente de mediadores para que sejam considerados atores legítimos de reivindicação, entretanto ao aceitar essa condição de representado, o subalterno torna-se um objeto na mão do representante e com isso não se constitui plenamente sua representatividade, situação recorrente quando se tratam dos direitos das mulheres (SPIVAK, 1990). Daí a necessidade de o subalterno ocupar os espaços, emancipando-se de estruturas que não atendem às demandas necessárias à implementação de sua cidadania. No geral, tal emancipação ocorre por meio de movimentos sociais não cooptados, onde os atores apropriam-se dos espaços de deliberação, a partir de suas próprias reivindicações. Portanto, a Economia Solidária, em uma lógica autogestionária e substantiva, amplia sua perspectiva ao adotar práticas feministas de gestão, qualificando seu paradigma econômico.

As falas que se seguem demonstram uma dificuldade de autorrepresentação das mulheres, inclusive como estratégias discursivas, elas se postulam como tímidas, acanhadas e com dificuldade de representação. Tal percepção é apresentada como condição anterior à entrada da mulher na rede, ao passo que ao entrar nos grupos produtivos, as mulheres passam a desenvolver processos de autovalorização. Em conversas com as representantes da Resf, elas informaram que um dos trabalhos da rede é emancipar essas mulheres para que não se sintam inseguras nas atividades de venda, para isso realizam oficinas de como efetivara venda, como negociar, como se portar, entre outras. Muitas vezes o acanhamento em participar das atividades de comercialização se deve a uma lacuna de autoestima que as faz sentirem-se incapazes de se posicionar para a venda. As entrevistas demonstraram que essa questão do acanhamento das mulheres é desenvolvida em ações específicas e, a partir dos depoimentos das próprias mulheres, muitas dizem “eu melhorei muito depois que cheguei no grupo, antes eu nem passava um batom”. O aprendizado para a emancipação é um processo gradual:

(...) essa senhora que esperou o marido morrer, quer dizer... duas histórias né que... uma precisou o marido morrer pra ela poder reconhecer que ela tinha aquela liberdade, que ela não trabalhava fora, mas ela trabalhava dentro de casa, que ela fazia uma economia é isso... é a vida das nossas mulheres que a gente ainda tem muito o que aprender com elas... com todas nós, a gente tem muito o que aprender, a gente tem muito o que ensinar e a gente tem muito o que reproduzir. E dizer que ainda são muito poucos os livros e artigos que a gente encontra pra falar de toda essa questão feminista, eu acho que ainda são muito poucos, tinha que ser mais divulgados, tinha que está mais no nosso meio, a gente tinha que saber onde encontrar essas coisas pra gente buscar e trazer como forma de mostrar pras mulheres né... todas essas vivencias né... (Sra. Nanci, produtora e representante da Resf no Ceará, 52 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

(...) e aí você percebe que elas aprendem e absorvem muito mais do que com aquela que já tá todo dia ali com elas, por isso que... é por isso que eu tô precisando. Conversei com a Dandara pra vê se encontrava alguém pra fazer umas formações, abrir o diálogo... ao invés... no dia da reunião da Rede, vamo fazer uma oficina? (Sra. Nanci, produtora e representante da Resf no Ceará, 52 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

Uma estratégia de discurso muito comum nas falas das mulheres que já participam há algum tempo dos grupos é a nomeação, ao diferenciá-las no tempo e no contexto. Para as mulheres que já estão nos grupos, “elas”, “essa senhora” é uma condição anterior, uma forma de mulher anterior, que denota a construção em torno dos grupos internos e externos de mulheres, as que não estão na rede e as que estão. Elas nomeiam as mulheres que estão entrando como participantes de um processo de aprendizagem ou reaprendizagem do “ser mulher”, que se constrói de forma cooperativa, inclusive com troca de experiências.

O aprendizado para a cooperação entre as mulheres se materializa na ajuda mútua que elas prestam umas às outras, inclusive nos pontos de venda. A colaboração ocorre nas atitudes mais simples, contudo, significativas. Por exemplo, as mulheres se ajudam muito entre si, mesmo sendo de grupos diferentes, no momento do intervalo de almoço, elas se revezaram para cada uma ir, ao seu tempo almoçar, de forma fluida e organizada. Ainda que haja episódios de individualismo, porque a realidade se compõe de fenômenos mistos, a colaboração e a cooperação são predominantes e trabalhadas como forma de aprendizado.

(...) no geral existe mais a colaboração. Vocês... digamos, dos nossos 10 grupos, tem 1 grupo que a mulher é assim... que ela... e aí como eu já falei, é um processo de aprendizado muito grande que a gente precisa tratar com muito carinho e muito cuidado porque a pessoa às vezes faz sem nem se sentir, nem sabe que tá agindo assim. E como é que você vai fazer a pessoa se perceber que está fazendo isso? Não é você dizendo, chegando pra ela e dizendo com todas as palavras... é toda uma construção, você tem que fazer algumas brincadeiras, algumas dinâmicas aonde de repente, ela vai perceber que ela faz aquilo ali que tá sendo apresentado pra ela... entendeu... e aí ela começa naquele processo “olha, eu quero mudar, é difícil, mas eu vou tentar” né... então tem isso. (Sra. Nanci, produtora e representante da Resf no Ceará, 52 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

(...) isso... eu aprendi... assim... porque eu era muito individual. Porque eu trabalhava só e não tinha o apoio de ninguém né... eu quem tomava as minhas decisões, eu via o que era melhor pra mim. É tanto que hoje eu sinto falta quando eu tô aqui fazendo alguma coisa, se tivesse alguma das meninas pra dar uma opinião, pra dar uma dica... ah, isso aí era bom demais... aí isso ajuda muito. (Sra. Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

Segundo Pinheiro e Paula (2014), a autogestão permite conciliar as decisões democráticas e a eficiência econômica. Os autores argumentam que a democracia nas decisões coletivas potencializa os resultados econômicos, pois reduz conflitos, diminui a concentração de poder e aumenta a coesão do grupo, além de ampliar o processo de aprendizado em razão da diversidade de possibilidades que gera com novas ideias e valores. Essa perspectiva social abrange os processos de aprendizagem, visto que a autogestão se aprimora a partir da emancipação para a cidadania. Nesse sentido, Guerardi e Strati (2014) afirmam que a adoção de uma perspectiva social sobre a aprendizagem não implica entender qual tipo de processo cognitivo e estrutura conceitual estão envolvidos, mas procura explicar qual é a natureza dos engajamentos sociais que promovem o contexto para a aprendizagem.

A partir das situações de fala das mulheres, é possível perceber estratégias de perspectivação e autorrepresentação de si mesmas ao demonstrarem uma visão inicial individualista, que se transforma em uma visão coletiva com o passar do tempo e com as dinâmicas nos grupos ao referirem-se a si mesmas no passado: “eu aprendi”, “eu era”. À vista dessa perspectiva ontológica e epistemológica, o processo de aprendizagem se desloca do indivíduo para a estrutura na qual a aprendizagem ocorre (contexto), conformando a aprendizagem em um fenômeno coletivo que envolve toda a comunidade, unindo a aprendizagem organizacional à aprendizagem social.

(...) quando a Rede se junta é bom porque a gente tem mais conhecimento, vai debatendo, vai vendo o que está acontecendo lá fora e vai esclarecendo mais as ideias né... mais aprendizagem né... eu vejo assim (...) No grupo a gente... porque surge muitas ideias né... aí a gente vai esclarecendo, vai tendo mais conhecimento. Nos grupo é bem melhor. Quanto mais né... quanto mais a gente se junta, melhor. (Sra. Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

(...) a gente conversa muito, ninguém decide nada só, ninguém fala nada só, quando a gente tem alguma coisa decide como é que vamo fazer, como é que a gente vai levar, o que a gente vai levar, se vamos evitar as sacolas plásticas a gente evita... a gente faz tudo pra evitar as sacolas plásticas, de usar sacolas de papel... a gente já teve várias oficinas, aprender a fazer as sacolas, a gente anda por essas lojas... essas gráficas né... onde sobra aquele papel, que aquele papel vai pro lixo, tem muitas colegas que conseguem, tem condição de ter um carro, o marido tem um carro e vai lá pegar e distribui esse material pra gente e a gente vai fazendo... (Sra. Eleonora, produtora da área de agroecologia, 65 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

A natureza dos engajamentos sociais das mulheres na Rede Economia Solidária e Feminista parte das mútuas necessidades afetivas e de relacionamento, que promovem o contexto para a aprendizagem, como reflete Guérin (2005) em seus estudos sobre as mulheres na Economia Solidária. Os discursos apontam autorrepresentação e perspectivação coletiva das mulheres, o termo “a gente” é recorrente nas falas e demonstra um engajamento nos processos de formação e aprendizagem coletiva. O “a gente” traduz uma natureza de corpo, de conjunto. No tocante à eficiência econômica, a formação técnica das mulheres também é uma preocupação da Resf. Em relação ao engajamento de novos membros, Gherard e Strati (2014) informam que a participação periférica legitimada, que são modos específicos de engajamento pelos quais novos membros de uma comunidade se socializam e aprendem, também possibilita a perpetuação da comunidade. Em outras palavras, a participação periférica legitimada caracteriza-se como o progressivo envolvimento do novato na comunidade com o desenvolvimento das práticas realizadas por ele. A formação técnica é necessária para que as mulheres possam gerir os recursos, aprender a precificar seus produtos e como calcular seu tempo de trabalho, que é uma das grandes dificuldades enfrentadas por elas.

(...) a gente traz muita (barulhos de crianças ao fundo) é... formação nessa... nessa área mesmo de... de finanças né... na área de finanças, precificação, contabilidade, a gente sempre procura os nossos parceiros e diz as nossas dificuldades e eles tão trazendo. Porque a gente também ainda tem algumas mulheres que são analfabetas, elas não sabem ler e escrever e fica com vergonha e com medo, mas aí quando a gente percebe a gente vai com muito cuidado, com muito tato pra elas tarem é... entrando no processo sem... que não seja de uma forma agressiva né... a gente vai abordando ali devagarzinho... tem algumas que não querem e diz logo “não, eu não quero aprender isso não” a gente entende, mas as outras que mesmo com todas as dificuldades, elas dizem “não, eu quero é aprender. Eu to aqui é pra aprender” e aí a gente vai fundo e... tenta trazer essa mulher e a partir dessa, ela chega naquela outra ali né... (Sra. Nanci, produtora e representante da Resf no Ceará, 52 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

A prática do aprendizado coletivo e em rede é uma característica dos empreendimentos de mulheres na Economia Solidária. Para Gherardi (2009)Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! In: Management Learning.v. 40, n. 5, p. 535-550. , o processo coletivo de aprendizagem em grupo se incorpora como elemento característico do grupo e lhe garante uma identidade, tomada como um sistema de atividades no qual conhecer não é separado de fazer, portanto as mulheres da Resf produzem coletivamente o conhecimento por meio da atividade, conectando conhecer e fazer. Segundo a autora, as práticas são padrões reconhecidos, os quais, ainda que variem de acordo com o contexto no qual são desempenhados, são reconhecíveis e pela própria execução se disseminam e se modificam constantemente, recursivamente.

Trata-se de um fenômeno percebido nos empreendimentos da Resf, que são formados por diferentes grupos, mas apresentam características comuns em suas dinâmicas, bem como práticas que podem se diferenciar em algum momento,porémse mantêm similares, visto que o contexto definirá a forma de aprender (Nicolini, 2013). Os sentimentos de união e de confiança são necessários para a troca de conhecimentos, que parte da troca de experiências das mulheres, uma solução para esses grupos, bem como para a resolução de problemas, em tempo menor do que ocorreria individualmente, enfatizando a natureza coletiva do fenômeno.

(...) olha, quando tem um pedido aí a gente se junta pra produzir lá na Casa e Renda, quando não é é... pra reunião, por exemplo, elas fazer reunião pra poder a gente ficar mais junta uma da outra e às vezes “ah, eu não posso sair de casa por causa do meu neto, por causa disso e aquilo” elas vêm até mim e faz reuniões na minha casa. Então, até isso daí é facilitado. Então, por isso que a gente só tem a agradecer né... esse...esse modo, essa maneira que a gente aprendeu e ta aí aprendendo a cada dia mais com essa Rede. (Sra. Carolina, produtora da área do artesanato, 57 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

Há que se observar que não se trata de uma aprendizagem somente substantiva na autogestão, mas feminista, visto que a troca de informações depende do grau de confiança que as mulheres estabelecem a partir das trocas de suas experiências ao longo de todos os processos, não somente os de produção e comercialização. Por outro lado, a noção de aprendizagem na prática não é apenas adquirir conhecimento, pois, segundo Gherardi e Strati (2014), aprender torna-se o saber-na-prática, é algo que acontece na ação, no saber ao se desenvolverem as práticas, assim, a aprendizagem torna-se a própria transformação e conservação dos modos de fazer. Na Resf, o aprender é fazer e fazer é aprender, contudo ainda que se considere que prática e aprendizagem são aspectos centrais da constituição uma da outra, elas diferem entre si, aprende-se nas práticas, e as práticas são os campos de aprendizado. Considerando o aprendizado na Resf como um processo em constante mudança, ao mesmo tempo gradual e incremental, o futuro dessa comunidade depende do conhecimento que é integrado e distribuído na vida da comunidade (Nicolini, 2013). O aprender na comunidade é um ato de pertencimento, no qual a aprendizagem requer necessariamente envolvimento dos sujeitos. Na Resf, o sentimento de pertencimento advém essencialmente do objetivo que as une, a busca pela valorização do trabalho das mulheres na Economia Solidária.

(...) se eu pudesse nascer de novo eu nasceria, de novo, mulher. E se eu pudesse nascer com algum conhecimento, aí eu não passaria por muita coisa que eu passei né... mas se a gente não pode né... tem que seguir... viver é uma eterna aprendizagem né... viver é uma eterna aprendizagem. É você morrendo e aprendendo... você nunca deixa de não aprender... nunca. (Sra. Eleonora, produtora da área de agroecologia, 65 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

Porque através dessa valorização da mulher que eu estou aqui hoje firme e forte (tom de empolgação) porque se não fosse elas é... todo esse movimento, o Mar é... Rede, Rede Estrela, Rede Cearense, Elo Feminista e outros mais a gente... sabe... (...) foi valorizado o meu trabalho, entendeu... e aprendi tudim nessa Rede. (Sra. Carolina, produtora da área do artesanato, 57 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019)

O discurso das mulheres demonstra estratégias de perspectivação e autorrepresentação voltadas para a ação coletiva, que transforma a vida das mulheres não apenas no âmbito econômico. As situações de fala “mulher”, “firme”, “força”, “viver” aparecem com frequência nas falas, denotando processos de aprendizagem que vão além das práticas de produção, mas uma aprendizagem para a vida coletiva e de emancipação de mulheres em contextos periféricos. Há que se observar que a maioria das mulheres é o arrimo de família e encontra elos de fortalecimento na participação e organização dos grupos produtivos. A Tabela 2 apresenta uma síntese da análise sobre a prática feminista de autogestão, aprendizagem coletiva e em rede.

Tabela 2
: Análise da prática feminista de autogestão, aprendizagem coletiva e em rede

A aprendizagem não pode ter lugar se a participação não é possível, o que vai ao encontro do que a autogestão, como paradigma de organização, prevê em suas dinâmicas. (Singer, 2008; Guérin, 2005). O desenvolvimento das mulheres e as dinâmicas sustentadas pelas comunidades de mulheres caminham juntos, formando as identidades, que na Resf buscam essencialmente a valorização do trabalho feminino (Gherard & Strati, 2014). Tomando como base tais reflexões teóricas sobre a prática e a importância do contexto, dos entendimentos, das regras e das estruturas teleoafetivas, é possível realizar várias reflexões sobre a própria condição da prática no contexto da ES, em especial da mulher como sujeito na ES.

Pode-se notar o ponto de contato entre a racionalidade observada na ES como uma estrutura teleoafetiva, que apropria dinâmicas específicas em sua estrutura. As teorias da prática também situam o corpo como parte do modo de fazer, questão importante para a mulher, como arranjo material, as práticas corporais situadas em contextos específicos, subalternos, como a performance da mulher da ES, e assim pode-se ponderar o trabalho da mulher na ES, como um contexto específico, dentro de outro contexto específico, o da Economia Solidária (Guérin, 2005). A prática social da mulher inserida em um contexto como a ES, onde a autogestão é um paradigma, consegue subverter contradições importantes, vivenciadas no âmbito socioeconômico pela mulher, por exemplo, a contradição da emancipação da mulher na gestão e nas organizações, o que caracteriza a relevância do fenômeno social de mulheres periféricas autogerindo empreendimentos no terceiro setor.

Conclusões

O objetivo da pesquisa foi identificar e analisar como ocorrem as práticas organizativas de mulheres em empreendimentos da Economia Solidária e como eles refletem a racionalidade substantiva de uma gestão feminista, concretizando-se como um modelo de organizações produtivas autogestionárias. Uma das práticas feministas de autogestão identificadas foi o desenvolvimento da aprendizagem coletiva e em rede, que foi analisada nesta pesquisa, a partir das interações e dinâmicas no contexto das mulheres que se organizam coletivamente na Resf. A observação das dinâmicas das mulheres na Resf demonstra que a flexibilidade no sistema de trabalho se relaciona com uma estrutura de valores que molda a forma como o trabalho será performado, orientando-se, portanto, sob uma lógica substantiva da racionalidade, em conjunto com algum nível de instrumentalidade, contudo com a predominância da substantividade (Ramos, 1989; Serva, 1993).

Uma importante contribuição reside na articulação teórica empreendida, relacionando a ES ao debate feminista e pós-colonial no âmbito das organizações substantivas e práticas de gestão. O suporte teórico permitiu compreender e alinhar a episteme de uma prática organizacional que se performatiza sob a égide de uma racionalidade que vai ao encontro do contexto econômico e para além dele, visto que as organizações feministas buscam a emancipação da mulher em suas diversas demandas, transpondo a discussão sobre práticas de gestão que se comuniquem com a justiça de gênero e que permitam um determinado nível mínimo de cidadania para mulheres em condições periféricas (Fraser, 2007; Martin, 2003; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
).

A compreensão substantiva das organizações feministas, a partir de uma perspectiva pós-colonial, fornece conexões importantes para pesquisadores que pretendem estudar a ES e a questão da mulher nos processos de geração de renda, sob uma ampla perspectiva do conhecimento, pois o estudo utilizou tanto uma análise quantitativa quanto qualitativa dos dados empíricos coletados em campo desde o ano de 2016. Como refletido por Gaiger (2007), são escassos os estudos empíricos e abrangentes sobre a ES, e muito menos os que relacionam a questão da pós-colonialidade com a questão da mulher ( Bauhardt, 2014Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier. ; Costa, 2011Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27. ; Gonin, Zuchuat & Gachet, 2013; Kuyen & Kappes, 2013). Existe uma necessidade de se intensificar a pesquisa sobre a mulher no âmbito da ES, primeiramente em virtude de sua significativa representação, e segundo pela carência de articulação entre as atividades de pesquisa e o desenvolvimento de políticas públicas de fomento à ES que observem a questão das mulheres em contextos periféricos, que são especialmente afetadas pela escassez e a desigualdade social (Guérin, 2005; Santos, 2017)Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
.

No âmbito da prática feminista de autogestão em análise, aprendizagem coletiva e em rede, os resultados apontam para os seguintes achados: (I) não hierarquização da organização das práticas de aprendizagem; (II) troca intensa de informações dentro e fora da rede, baseada nos laços de reciprocidade; (III) uma forma de aprendizagem que prioriza as experiências com um sistema de atividades no qual o conhecer não é separado do fazer. Tais achados que constroem a prática da aprendizagem coletiva e em rede não foram previstos na pesquisa de Martin (1993) e abrigam uma contribuição teórica no campo dos estudos organizacionais voltados para uma racionalidade substantiva, no âmbito das análises sobre autogestão na Economia Solidária e das práticas feministas no fazer da economia e da gestão em si.

Os modos de construção da aprendizagem, onde as mulheres ensinam umas às outras, é uma dinâmica comum nos empreendimentos, de forma coletiva, tanto dentro dos grupos como na interação em rede. As mulheres da Resf consideram que o aprendizado adquirido nos processos organizativos dos empreendimentos autogeridos é uma forma de consolidar a união entre elas e os grupos. Para Meihy e Ribeiro (2011), essas relações de aprendizagem são parte da definição de pertencimento às associações ou aos grupos comunitários que refazem seus vínculos de forma contínua. Portanto, o aprendizado não se limita a um processo de aquisição de conhecimento para uma determinada atividade produtiva, pois possibilita uma formação para a cidadania e emancipação dos sujeitos (Costa&Carrion, 2009; Faria, 2017Faria, J. H. de. (2017). Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. In: Cadernos EBAPE BR, 15(3), 629–650. https://doi.org/10.1590/1679-395157778
https://doi.org/10.1590/1679-395157778...
; França Filho, 2013; Pinheiro& Paula, 2014; Santos, 2017Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
https://doi.org/10.4000/rccs.6797...
; Silva, 2018)Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea. .

A aprendizagem não pode ter lugar se a participação não é possível, o que vai ao encontro do que a autogestão, como paradigma de organização, prevê em suas dinâmicas (Singer, 2008; Guérin, 2005). O desenvolvimento das mulheres e das práticas sustentadas pelas suas comunidades caminha junto com a formação de identidade, que na Resf busca essencialmente a valorização do trabalho das mulheres (Gherardi & Strati, 2014). Tomando como base tais reflexões teóricas sobre a prática e a importância do contexto, dos entendimentos, das regras e das estruturas teleoafetivas, é possível realizar várias reflexões sobre a própria condição da prática no contexto da ES, e em especial, da mulher como sujeito na ES. Pode-se notar o ponto de contato entre a racionalidade observada na ES como uma estrutura teleoafetiva, que apropria dinâmicas específicas em seu sistema.

O pensamento pós-colonial atenta para a adequação do pensamento feminista à realidade das mulheres em contextos periféricos, como o da ES. Ao tratar, por exemplo, de justiça de gênero e de práticas feministas de gestão, é necessário compreender que muitas mulheres em contextos periféricos não se reconhecem na condição de desigualdade em relação aos homens e acabam reproduzindo e naturalizando as condições de opressão a que estão submetidas nas práticas cotidianas. Dessa forma, elas podem até performar uma Economia Solidária autogestionária e substantiva, contudo não feminista e não aderente à condição da mulher na economia. Nesse sentido reside a importância de uma autogestão e uma racionalidade substantiva que aponte para a questão da mulher, incorporando esse valor às práticas de autogestão.

A prática do aprendizado coletivo e em rede é uma característica destes empreendimentos de mulheres, nesse processo coletivo de aprendizagem em grupo se incorpora como elemento característico do grupo e lhe garante uma identidade, tomada como um sistema de atividades, no qual conhecer não é separado de fazer. Portanto, as mulheres da Resf produzem coletivamente o conhecimento por meio da atividade, conectando conhecer e fazer ( Gherardi, 2009Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! In: Management Learning.v. 40, n. 5, p. 535-550. ). Para além de oficinas, cursos e outras atividades de formação, é na interação umas com as outras que o aprendizado se desenvolve de maneira mais relevante. Considerando o aprendizado na Resf como um processo em constante mudança, ao mesmo tempo gradual e incremental, o futuro dessa comunidade depende do conhecimento integrado e distribuído na sua vida, pois ela considera que o aprender na comunidade é um ato de pertencimento, no qual a aprendizagem requer necessariamente envolvimento que surge da intensa troca de informações, do cuidado mútuo e do sentimento de pertencimento que advém essencialmente do objetivo que a une.

Agradecimentos

Agradecemos ao Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará (UFC), que ao longo da pesquisa contribuiu na interlocução com o campo teórico e empírico em suasatividades de pesquisa e extensão relacionadas às temáticas de direitos humanos, mulher, gênero e educação, envolvendo a formação dos/das graduandos(as) e pós-graduandos(das), contribuindo para a mudança de relações de gênero nos espaços em que se encontram.

References

  • Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. In: Journal of Contemporary Administration, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005
    » https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005
  • Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The Green New Deal, Degrowth, and the Solidarity Economy: Alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. In: Ecological Economics, v.102, n. 61, p. 60–68. Elsevier.
  • Barreto, R. O., Paula, A. P. P. (2009). Os dilemas da economia solidária: um estudo acerca da dificuldade de inserção dos indivíduos na lógica cooperativista. In: Cadernos EBAPE.BR, 7(2), 199-213.
  • Benini, É. A., Benini, E. G. (2010). As contradições do processo de autogestão no capitalismo: funcionalidade, resistência e emancipação pela economia solidária. In: Organizações & Sociedade, 17(55), 605–619. https://doi.org/10.1590/s1984-92302010000400002
    » https://doi.org/10.1590/s1984-92302010000400002
  • Borges, Thelma, De Souza, Maria. (2020). Psicologia moral e economia solidária: relações teóricas. In: Organizações & Sociedade. 27. 459-483.https://doi.org/10.1590/1984-9270944
    » https://doi.org/10.1590/1984-9270944
  • Cálas, M., Smircich, L. (2014). Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CLEGG, S. et al. Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas.
  • Carvalho, N. V. (1983). Autogestão: o governo pela autonomia. São Paulo: Brasiliense.
  • Costa, J. C.(2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação! In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 19-27.
  • Costa, P. A., Carrion, R. S. M. (2008). Situando a economia solidária no campo dos estudos organizacionais. In: Encontro de Estudos Organizacionais, 5, 2008, Belo Horizonte. Anais. Rio de Janeiro: Anpad.
  • Faria, J. H. de. (2017). Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. In: Cadernos EBAPE BR, 15(3), 629–650. https://doi.org/10.1590/1679-395157778
    » https://doi.org/10.1590/1679-395157778
  • França Filho, G. C. (2013). A problemática da Economia Solidária: um novo modo de gestão pública? In: Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 3, p.443–461.
  • Fraser, N. (2002). Políticas feministas na era do reconhecimento: uma abordagem bidimensional da justiça de gênero. In: Bruschini, C.;Unbehaum, S.G. (orgs.). Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC. 34 ed., p. 59-78.
  • Gaiger, L. I. (2011). Contribuições para uma agenda de pesquisa. In: HESPANHA, P.; SANTOS, A.M. (Orgs.) Economia Solidária: questões teóricas e epistemológicas. Coimbra: Edições Almedina.
  • Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! In: Management Learning.v. 40, n. 5, p. 535-550.
  • Gherardi, S., Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Gill, R.(2002). Análise de Discurso. In: BAUER M. W.; GASKELL G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3 ed. Petrópolis (RJ): Vozes. p.244-70.
  • Guérin, I. (2005). As mulheres e a economia solidária. São Paulo: Edições Loyola.
  • Hirata, H. (2002). Nova Divisão Sexual do Trabalho? São Paulo: Boitempo.
  • Lugones, M. (2007). Heterosexualims and the Colonial / Modern Gender System” en. In: Hypatia, 22, 186–209.
  • Mohanty, C. T. (2006). US Empire and the Project of Women’s Studies: Stories of Citizenship, Complicity and Dissent. In: Gender, Place and Culture, London, v. 13, n. 1, p. 7-20.
  • Monje-Reyes, P. (2011). Economía solidaria, cooperativismo y descentralización: la gestión social puesta em práctica. In: Cadernos EBAPE BR, 9(3), 704–723.
  • Nicolini, A. (2013). Podem indivíduos e suas práticas promover aprendizagem organizacional? In: Teoria e Prática em Administração, v. 3 n. 1, p. 19-38.
  • Pinheiro, D. C., Paula, A.P.P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. In: Desenvolvimento em Questão, vol. 12, n. 27, p.42-65.
  • Rede de Economia Solidária e Feminista [RESF] (2013). Encontro Nacional da Rede, em Brasília, maio de 2013. Recuperado de: http://guayi.org.br/?page_id=1584
    » http://guayi.org.br/?page_id=1584
  • Rosavallon, P. (1980). La autogestión. Madrid: Editorial Fundamentos.
  • Saffiotti, H. (2013). A mulher na sociedade de classes. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular.
  • Santos, L. L. dos. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. In: Revista crítica de ciências sociais, 114, 161–186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
    » https://doi.org/10.4000/rccs.6797
  • Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37. n. 2, p. 19-30.
  • Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da Economia Solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. In: Texto para Discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea.
  • Singer, P. I. (2018). Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo.
  • Soares, M. N. M. (2019). Práticas feministas de autogestão em empreendimentos formados por mulheres na Rede Economia Solidária e Feminista. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará.
  • Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P., Silva-Filho, L. (2020).The substantive rationality of selfmanagement practices: an analysis of the organizational dynamics of women in Solidarity Economy from the perspective of oral history. In: Revista de Administração da UFSM. v.13. p.1.216–1.234.
  • Soares, M. N. M., Rebouças, S. M. D. P.(2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. In: Revista Inclusiones, v. 9.p. 01-23.
  • Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como um bien común. In: V ENCUENTROINTERNATIONAL “LA ECONOMÍA DE TRABAJADORES Y TRABAJADORAS. Anais. Paranaguá, Venezuela.
  • Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In: Seale, C.; Gobo, G., Gubrium, J. F., &Silverman, D. (Eds.). Qualitative research practice (p. 197-213). London: Sage.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados

    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Josiane Silva de Oliveira

Disponibilidade de dados

A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    02 Jan 2023
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br