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A coleta seletiva nas pesquisas brasileiras: uma avaliação metodológica

Selective waste collection in Brazil: comparing reports and research methodologies

Resumo

A coleta seletiva é uma atividade que tem atraído grande interesse da sociedade, tanto pela sua contribuição à sustentabilidade urbana como pela geração de renda, de cidadania e pela economia de recursos naturais que proporciona. A melhoria na prestação desse serviço depende de uma avaliação adequada da sua situação, algo normalmente realizado por meio de levantamentos estatísticos. Contudo, ao se analisar as quatro principais pesquisas brasileiras sobre o tema, descobriu-se que elas apresentam dados bastante contrastantes. Um dos mais divergentes refere-se ao número de municípios que oferecem a coleta seletiva que, segundo os relatórios, pode ser de 14%, 20%, 32% ou 60%. Por isso, buscou-se aqui comparar os procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas brasileiras sobre coleta seletiva, a fim de explicar suas divergências e esboçar um panorama da oferta desse serviço no país. Os resultados revelaram que a coleta seletiva ainda é incipiente em abrangência (ocorre em apenas 41% dos municípios) e em eficiência (apenas 10% daquilo que é potencialmente reciclável é recolhido). Descobriu-se também que há espaço para aperfeiçoamento na produção dos relatórios, especialmente nos métodos amostrais, nas técnicas estatísticas para os cálculos finais e na qualidade das perguntas dos questionários, fatores que mais influenciaram as disparidades observadas.

Palavras-chave:
Coleta seletiva; Sustentabilidade urbana; Resíduos sólidos

Abstract

Selective waste collection is an activity recognized for its role in urban sustainability. This is especially true in Brazil, where it generates wealth, employment and social inclusion. However, a better understanding of this public service depends on the proper evaluation of its situation. While analyzing the main national reports on selective waste collection, we observed some contrasting statistics. One that deserves attention is the percentage of cities that offer such programs, with values of 14%, 20%, 32% and 60% found in the reports. Therefore, the purpose here was to compare the methods used in these reports in order to find explanation for these differences. The results showed that the sampling method, the quality of the questions, and statistical techniques used in the analyses were responsible for the major variations. Furthermore, it was found that selective waste collection is still incipient in Brazil because recycling programs are available in just 41% of the cities and only about 10% of potentially recyclable waste is actually collected.

Keywords:
Selective waste collection; Urban sustainability; Solid waste

Introdução

Quando se trata de sustentabilidade urbana, um dos maiores desafios enfrentados pelos municípios brasileiros é a gestão dos resíduos sólidos. Desde os anos 1990, com o aumento do consumo das famílias, a questão dos resíduos sólidos tem ganhado notoriedade no Brasil: o lixo é visto como um problema ambiental por 28% dos brasileiros e como o principal problema ambiental urbano por 47% (Brasil, 2012Brasil. (2012). O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável. Brasília: MMA. Recuperado em 22 de agosto de 2016, de www.mma.gov.br). Mais do que os perigos sanitários e de saúde pública resultantes do acúmulo do lixo, existe a preocupação com a preservação do ambiente natural e com a reutilização de recursos. Isso obrigou as administrações municipais a prestarem maior atenção ao gerenciamento desses resíduos, processo que envolve o controle sobre o seu recolhimento, transporte, tratamento e destinação final.

Uma das opções que tem se destacado para o reaproveitamento adequado de recursos é a coleta seletiva. De fato, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) reconheceu o resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho, renda e cidadania (Brasil, 2010Brasil. (2010, 2 de agosto). Lei nº 12.305, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília: Diário Oficial da União. Recuperado em 16 de maio de 2016, de www.planalto.gov.br). Essa noção tem incentivado a implantação de novos programas municipais de coleta seletiva que, quando bem administrados, podem diminuir o impacto ambiental de lixões e aterros, melhorar a paisagem urbana e aumentar a inclusão socioprodutiva (Grimberg & Blauth, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.).

O aprimoramento na prestação de um serviço público como a coleta seletiva depende, primeiramente, da correta avaliação de como ele é oferecido no espaço urbano. Administradores municipais, entidades públicas, associações e outras instituições interessadas costumam produzir levantamentos com dados qualitativos e quantitativos sobre serviços dessa natureza, que servem de base para a avaliação de quais atividades e regiões que necessitam de maiores investimentos. No caso da coleta seletiva, mais especificamente, as pesquisas nacionais trazem dados incompatíveis: de acordo com os principais relatórios do país, a quantidade de municípios que possuem programas de coleta seletiva é de 14%, 20%, 32% e 60%, números respectivamente apontados por CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br, SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.), IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. e ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE.. A existência de valores tão divergentes pode ocasionar uma percepção distorcida da realidade, influenciando inclusive, as decisões sobre a implantação e/ou reforço dos programas.

Desse modo, buscou-se aqui comparar as pesquisas brasileiras sobre coleta seletiva para esclarecer as origens dos resultados contrastantes e identificar os espaços de aprimoramento na sistematização das informações sobre esse serviço. Adicionalmente, descrevemos, a partir dos dados numéricos obtidos, um panorama da oferta da coleta seletiva no Brasil.

Referencial teórico

A primeira experiência brasileira de coleta seletiva (infelizmente não registrada) ocorreu em São Paulo, na década de 1960. Em 1978, tentativa semelhante aconteceu em Porto Alegre (RS) e, em 1985, nos municípios de Niterói (RJ) e Pindamonhangaba (SP) (Brasil, 1985Brasil. (1985). Reciclagem dos resíduos urbanos, agropecuários, industriais e minerários. Brasília: MIC/CDI.).

Muito associada à separação e à reciclagem, a coleta seletiva não é apenas um recolhimento diferenciado do lixo e sim um ciclo que se inicia com a geração e descarte do resíduo e se completa com o material reciclável sendo reempregado em um processo produtivo (Grimberg & Blauth, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.; IBAM, 2001Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM. (2001). Manual: gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: IBAM/SEDU-PR.). O processo (Figura 1) é iniciado após o consumo domiciliar de algum produto ou serviço cujos resíduos gerados são dispostos na frente das casas, nos logradouros públicos ou em Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). Alguns domicílios podem pré-selecionar os resíduos e os acondicionar de forma a garantir a integridade dos materiais potencialmente aproveitáveis. A etapa seguinte é a coleta propriamente dita: na modalidade regular, veículos coletores municipais ou de empresas terceirizadas transportam o lixo ao seu local de disposição final (aterro sanitário, usina de incineração, lixão etc.), terminando assim o ciclo; na seletiva, a coleta pode ser feita porta a porta (quando os veículos coletores oficiais ou catadores recolhem os resíduos deixados nos logradouros públicos) ou por meio dos PEVs (caçambas, contêineres ou lixeiras de fácil acesso nas quais os cidadãos entregam materiais recicláveis ou os trocam por alimentos, material de construção, material escolar, descontos para eventos culturais etc.) (CEMPRE, 2010Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2010). Lixo urbano: manual de gerenciamento integrado. São Paulo: CEMPRE.; IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro: IBGE.; Tchobanoglous & Kreith, 2002Tchobanoglous, G., & Kreith, F. (2002). Handbook of solid waste management. New York: McGraw-Hill.). Um terceiro método, raro no Brasil, ocorre por meio de um sistema subterrâneo: os resíduos são depositados em recipientes localizados abaixo do solo e transferidos até as centrais de triagem por caminhões com guindaste ou por tubulações (Kaliampakos & Benardos, 2013Kaliampakos, D., & Benardos, A. (2013). Underground solutions for urban waste management. Austria: International Solid Waste Association. Recuperado em 17 de fevereiro de 2017, de www.iswa.org).

Figura 1
- Ciclo da coleta de lixo domiciliar urbana1 1 O ciclo apresentado é genérico. Entende-se que ele pode ser distinto em cada município, o qual acaba desenvolvendo um fluxo mais compatível com as suas características.

O material recolhido na coleta seletiva é então destinado ao tratamento: a porção orgânica dos resíduos pode ser aproveitada pela compostagem, processo que pode gerar adubos de uso doméstico, agrícola ou na jardinagem; os recicláveis secos seguem para a triagem (ou recuperação), uma espécie de separação qualificada que ocorre em usinas administradas pelo órgão municipal ou por cooperativas e associações de catadores (Grimberg & Blauth, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.). A separação nessas unidades difere bastante daquela realizada em domicílios, já que ela é feita com base no potencial reciclável e comercial de cada um dos vários subtipos de material (papel, papelão, plástico, vidro e metais). Após a recuperação, a porção de material que não pode ser transformada, está em mau estado ou não tem valor de mercado é considerada rejeito e é levada aos aterros sanitários ou outros locais de disposição final; já os recicláveis são vendidos a depósitos e comerciantes, que os compactam em grandes volumes e os revendem às indústrias recicladoras. Essas transformam o que foi recebido em insumos, reinserindo o material no ciclo produtivo.

Deve-se ressaltar que, tecnicamente, a reciclagem significa um conjunto de operações industriais que modificam as características físicas de determinado material para aprimorar suas propriedades, seu rendimento e para que possa ser transformado em outro produto (Penteado, 2011Penteado, M. (2011). Guia pedagógico do lixo. São Paulo: SMA/CEA.; Grimberg & Blauth, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.). Ele pode ser pré-consumo (referente às sobras de produção e aos resíduos gerados na fabricação de bens) ou pós-consumo (como na coleta seletiva, que envolve materiais que já passaram pelos consumidores finais e que não podem ser aproveitados para o objetivo inicialmente proposto) (ISO, 1999International Organization for Standardization – ISO. (1999). ISO 14021: environmental labels and declarations. Genebra: ISO.). Penteado (2011)Penteado, M. (2011). Guia pedagógico do lixo. São Paulo: SMA/CEA. adverte, no entanto, que a ideia de reciclável não está associada somente à existência de tecnologia de transformação física dos materiais, mas principalmente à sua viabilidade de comercialização; itens sem valor no mercado são considerados rejeitos (não recicláveis). De qualquer forma, juntamente com o reparo, o recondicionamento e a remanufatura, a reciclagem é uma das formas de se reaproveitar parte daquilo que foi descartado no ciclo produtivo (KING et al., 2006King, A. M., Burgess, S. C., Ijomah, W., & McMahon, C. A. (2006). Reducing waste: repair, recondition, remanufacture or recycle? Sustainable Development, 14(4), 257-267. http://dx.doi.org/10.1002/sd.271.
http://dx.doi.org/10.1002/sd.271...
).

Por fim, lembra-se a existência de um ator bastante participativo na coleta seletiva mas que não está representado no processo: as prefeituras, governos ou os departamentos a eles vinculados. A sua atuação é mais visível quando detêm a propriedade de caminhões, máquinas e equipamentos e quando efetivamente realizam operações de coleta. Nos casos em que há concessão ou terceirização das atividades, eles ficam responsáveis pelo gerenciamento do sistema, mediando a relação entre os atores, fornecendo infraestrutura, fiscalizando as operações, criando regulamentação e políticas públicas pertinentes e promovendo ações de sensibilização (IBAM, 2001Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM. (2001). Manual: gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: IBAM/SEDU-PR.).

Métodos

Os quatro relatórios analisados foram selecionados intencionalmente devido a sua ampla aceitação e por terem sido desenvolvidos por organizações que desfrutam de certa credibilidade. A principal razão, entretanto, foi o fato de elas declararem que suas pesquisas possuem abrangência nacional. Como os relatórios são as fontes primárias de dados, torna-se necessária uma breve explicação sobre eles e sobre as instituições que os produziram.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma entidade da administração pública federal que produz, analisa e divulga estatísticas sobre temas sociais, econômicos, demográficos e geográficos do território brasileiro. Teve seu início em 1871, como Diretoria Geral de Estatística, mas só adquiriu seu nome atual em 1937, quando o Conselho Nacional de Geografia foi incorporado ao Instituto Nacional de Estatística. Seus dois estudos com dados primários sobre a coleta seletiva são a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) e a Perfil dos Municípios Brasileiros (MUNIC). Essa última é focada na gestão municipal e avalia alternadamente áreas como estrutura, dinâmica e funcionamento das instituições públicas. Realizada anualmente desde 1999, a MUNIC foi preferida à PNSB por apresentar um conjunto mais completo e adequado de dados (IBGE, 2014Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2014). Site institucional. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 13 de março de 2016, de www.ibge.gov.br).

Também vinculado ao governo federal, mais especificamente ao Ministério das Cidades, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) é um banco de dados criado em 1996 sobre as operações, a gestão, as finanças e a qualidade dos serviços de água, esgoto e de destinação de resíduos sólidos dos municípios brasileiros. É no Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos que a coleta seletiva é anualmente avaliada e, por isso, ele foi o selecionado para a análise (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.).

As duas outras pesquisas derivam de organizações privadas e sem fins lucrativos. O Compromisso Empresarial para a Reciclagem (CEMPRE) é uma associação cujo objetivo é promover a reciclagem, a redução e a reutilização do lixo por meio de manuais, guias técnicos e seminários. Criada em 1992, um dos seus mais conhecidos trabalhos é o CICLOSOFT, levantamento bianual iniciado em 1994 e dedicado exclusivamente à coleta seletiva (CEMPRE, 2012Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br). Por fim, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) realiza estudos e outras atividades para ampliar, desenvolver e fortalecer a gestão de resíduos no país. Dentre as suas principais publicações está o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, que existe desde 2003 e prioriza o mercado de limpeza pública e de reciclagem, sendo a coleta seletiva abordada de modo complementar (ABRELPE, 2012Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE.).

A comparação entre as pesquisas foi possível devido a sua proximidade temporal, visto que elas foram conduzidas em épocas coincidentes2 2 SNIS, CEMPRE e ABRELPE realizaram suas pesquisas em 2012 e o IBGE, em 2011. Essa combinação foi a mais adequada ao estudo, dada a periodicidade variada na produção dos relatórios, o delay existente entre a sua realização e a publicação efetiva dos dados e o fato de o IBGE não ter lançado edições posteriores da PNSB. Além disso, as versões seguintes dos relatórios possuem características similares às dos ora considerados, mantendo-se, assim, a validade das análises e recomendações. . Para direcionar a análise e a apresentação dos resultados, foram estabelecidos dois conjuntos de critérios de avaliação: o primeiro, sobre o conteúdo temático, foi definido de acordo com IPEA (2012a)Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2012a). Diagnóstico dos instrumentos econômicos e sistemas de informação para gestão de resíduos sólidos. Brasília: IPEA. e inclui a existência e a cobertura da coleta seletiva, as modalidades oferecidas, a quantidade recolhida, o custo dos programas e a participação de cooperativas e catadores; o segundo, sobre os procedimentos metodológicos, foi baseado em Guimarães & Cabral (1997)Guimarães, R., & Cabral, J. (1997). Estatística. Portugal: McGraw Hill. e compreende a amostra, o método amostral, a representatividade obtida, a fonte de informações, o instrumento de pesquisa, a forma de coleta e os testes estatísticos. Os dados analisados derivam, principalmente, dos arquivos que cada instituição disponibilizou. Além disso, quando da necessidade de esclarecimento de dúvidas pontuais, houve o contato direto (via telefone e/ou e-mail) com os responsáveis pelas pesquisas.

Resultados

Os resultados estão divididos em duas partes: na primeira são apresentados os dados sobre a abrangência e a oferta da coleta seletiva, que permitem esboçar um panorama preliminar da situação desse serviço no país (ver Tabela 1); na segunda, as pesquisas são comparadas em termos metodológicos, o que facilita o entendimento das abordagens utilizadas e das diferenças encontradas.

Tabela 1
- Panorama da Coleta Seletiva no Brasil

A primeira – e talvez a principal – informação sobre a situação da coleta seletiva no país é uma das que apresentaram maior contraste entre as pesquisas: de acordo com o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br, 14% dos municípios brasileiros possuem programas de coleta seletiva; segundo o SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) eles são 20%; para o IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE., 32%; e para a ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE., 60% das cidades brasileiras oferecem o serviço. Uma análise unificada das respostas indicou que, na hipótese mais otimista, o serviço estaria presente em 2.283 cidades (41% do total)3 3 O número foi obtido com base nas respostas originais disponibilizadas, somando-se todos os municípios que afirmaram possuir a coleta seletiva em pelo menos uma das pesquisas. . Apesar de representar “o melhor dos casos”, esse número é ainda bastante inferior à cobertura da coleta regular, que chega a quase 98% dos municípios (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro: IBGE.).

Em relação à localização, uma análise conjunta dos relatórios revelou que a coleta seletiva é mais comum em grandes centros urbanos e em algumas regiões do país. Considerando as faixas de população, observa-se que 97% dos municípios com mais de 500 mil habitantes e 82% dos que possuem entre 100 e 500 mil afirmaram possuir coleta seletiva. Esse número chega a 61% nos municípios que têm entre 50 e 100 mil habitantes e diminui para 37% nos com até 50 mil. Entre as regiões, os programas de coleta seletiva predominam no Sul e no Sudeste que têm, respectivamente, 66% e 54% dos seus municípios com alguma iniciativa de coleta seletiva, percentuais que chegam a 30% no Centro-Oeste e 20% no Norte e no Nordeste (CEMPRE, 2012Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br; Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.; IBGE, 2012Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE.; ABRELPE, 2012Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE.). Mais do que isso, Sul e Sudeste possuem 74% de todos os municípios com coleta seletiva, embora abriguem 51% dos municípios brasileiros e produzam 61% de todo o lixo gerado (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.).

Outra maneira de se avaliar a abrangência da coleta seletiva é em termos populacionais. Não obstante, deve-se diferenciar a população total dos municípios que possuem coleta seletiva da população efetivamente beneficiada pelo serviço. Isso porque, em muitas cidades, a coleta seletiva só é oferecida em áreas urbanas ou em bairros selecionados e, por isso, a mensuração da população atendida depende da cobertura geográfica e territorial de cada programa. Os dados do IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. indicam que pouco mais de 53 milhões de pessoas (28% do total) seriam atendidas pela coleta seletiva4 4 Dos 1.796 municípios que afirmaram ao IBGE possuir coleta “Em Atividade”, 612 (34%) disseram que ela está presente em todo o território municipal e 823 (46%) que ela está em toda a área urbana. Para se chegar ao valor de 53 milhões, somaram-se as respectivas populações rural e urbana desses municípios. . O SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) apurou um número um pouco menor, de 42 milhões de brasileiros (22%), mas ainda superior aos 27 milhões (14%) apresentados pelo CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br. Em qualquer um dos casos, entretanto, a cobertura é novamente bastante inferior à obtida com a coleta regular, que chega a 180 milhões de habitantes (93% do total) (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.).

Dentre as modalidades de coleta seletiva, predomina no Brasil a realizada porta a porta, na qual há o recolhimento do resíduo diretamente nos logradouros e vias públicas (GRIMBERG; BLAUTH, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.). Segundo o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br, 88% dos municípios oferecem essa modalidade, número parecido com os 86% apresentados pelo SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.). Essa presença é quase o dobro da obtida pelos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), que estariam presentes em 53% das cidades para o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br e 39% delas para o SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.).

Na modalidade porta a porta, destaca-se o trabalho das cooperativas e associações de catadores. O IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. indicou que 48% dos municípios com coleta seletiva possuem alguma parceria (formal ou informal) com cooperativas ou associações. O SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) aponta percentual parecido, de 49%. O resultado encontrado pelo CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br foi um pouco maior e revelou que elas são agentes executoras da coleta seletiva em 65% dos municípios. Esses valores sugerem que as cooperativas participam da coleta seletiva em, pelo menos, 55% dos municípios que prestam o serviço. Ainda assim, o dado pode estar subestimado, pois, de acordo com o próprio IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE., em cerca de 20% dos municípios onde não há programas de coleta seletiva funcionando as prefeituras afirmam ter conhecimento da atuação de cooperativas.

O volume de resíduos recolhido pelas cooperativas, pela prefeitura ou pelos outros agentes executores também foi mensurado, embora de forma muito menos precisa. Com respostas consistentes de 650 municípios (21% dos respondentes), o SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) apurou uma média de 11,3 quilos per capita (kg/cap) recolhidos seletivamente em 2012. Dados do CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br permitiram estimar, para o mesmo ano, 13,6 kg/cap. Uma média entre os dois relatórios indica que, em 2012, coletou-se de forma seletiva um volume de 12,5 kg/cap, o que é praticamente igual ao que já havia sido coletado em 2008, calculado em 12,3 kg/cap (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro: IBGE.). Além de demonstrar que a coleta seletiva avançou menos do que se esperava, o volume representa uma pequena parcela (10%) de todo o material potencialmente reciclável que é gerado e descartado (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.).

Cada tipo de resíduo separado e recolhido seletivamente deve ser direcionado ao tratamento mais adequado. Como recicláveis secos e matéria orgânica têm destinos e preços distintos, a composição gravimétrica torna-se uma informação relevante na análise da coleta seletiva. Nesse indicador houve maior dificuldade de compatibilização dos dados, pois as instituições usaram bases diferentes: o SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) contabilizou os resíduos enviados à reciclagem; o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br mensurou aqueles coletados seletivamente; e a ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE., os coletados de modo regular. Conjuntamente, eles mostram que, no Brasil, a matéria orgânica representa mais de 50% do total de resíduos domiciliares. Considerando somente os recicláveis secos, quase 80% do material recolhido (e não gerado) são compostos de papel, papelão e plástico.

Por fim, deve-se considerar o custo dos programas de coleta seletiva. Dos quatro relatórios, só o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br trouxe dados sobre os custos, e de forma bastante limitada. Ele obteve respostas consistentes de pouco menos de 200 municípios e encontrou um custo médio de R$ 424 por tonelada recolhida, ainda muito superior aos R$ 115/ton da coleta regular (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.; CEMPRE, 2012Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br; ABRELPE, 2012Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE.). O IPEA (2010)Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2010). Pesquisa sobre pagamento por serviços ambientais urbanos para a gestão dos resíduos sólidos. Brasília: IPEA. lembra que o acompanhamento financeiro é uma tarefa complexa, e as estimativas dependem tanto das modalidades adotadas quanto do apoio que as prefeituras proporcionam aos catadores; em locais onde são oferecidos galpões, máquinas, luz etc., o gasto é maior do que quando as cooperativas atuam de forma independente e sem o conhecimento dos órgãos públicos.

Diferenças metodológicas nos relatórios

A comparação das metodologias dependeu, essencialmente, da qualidade dos dados de cada relatório e da quantidade de arquivos que cada instituição disponibilizou, como planilhas com valores primários, glossários, listas de indicadores e descrição de fórmulas. As principais semelhanças e diferenças metodológicas podem ser visualizadas no Quadro 1.

Quadro 1
- Procedimentos metodológicos comparados

Todas as instituições optaram pela pesquisa de levantamento, tendo IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. e SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) escolhido uma abordagem censitária e CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br e ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. a amostragem. Mais complexos, os processos amostrais merecem ser explicados, pois influenciaram os resultados. Segundo o responsável pela pesquisa do CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br, a amostragem não teve uma metodologia definida e foi obtida de duas formas: pelo contato proposital com cidades que sabidamente tinham programas de coleta seletiva ou com aquelas com grande geração de resíduos; e pelo envio de questionários para os representantes de qualquer prefeitura que já tivesse anteriormente procurado o CEMPRE para algum serviço, como auxílio técnico ou avaliação setorial. Esse relato sugere que a amostragem foi não probabilística, nas modalidades intencional e por conveniência (Anderson et al., 2007Anderson, D. R., Sweeney, D. J., & Williams, T. A. (2007). Estatística aplicada à administração e economia. São Paulo: CENGAGE Learning.; Guimarães & Cabral, 1997Guimarães, R., & Cabral, J. (1997). Estatística. Portugal: McGraw Hill.). A instituição ainda afirmou que foram realizadas visitas técnicas, mas não de forma sistemática. Como ela apoia o trabalho de cooperativas em todo o país, nas eventuais oportunidades em que uma visita era requerida aproveitava-se para conferir as informações prestadas pelo município.

Em contrapartida, o método amostral adotado pela ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. foi descrito da seguinte maneira: em primeiro lugar, todos os 5.565 municípios brasileiros foram listados e segmentados por Estado e por faixas de tamanho da população; eles então receberam uma numeração aleatória e foram consultados por ordem (sorteio desses números aleatórios) até fechar a cota previamente estipulada de aproximadamente 400. Quando havia dificuldade de se encontrar o responsável, inexistência da informação ou demora no retorno, o município era descartado e substituído. Assim, entendeu-se que o método amostral caracterizou-se como probabilístico, na modalidade estratificada (Anderson et al., 2007Anderson, D. R., Sweeney, D. J., & Williams, T. A. (2007). Estatística aplicada à administração e economia. São Paulo: CENGAGE Learning.; Guimarães & Cabral, 1997Guimarães, R., & Cabral, J. (1997). Estatística. Portugal: McGraw Hill.). Como a ABRELPE não permitiu o acesso a informações mais detalhadas, não se pôde conferir a adequação dos cálculos amostrais.

As pesquisas assemelharam-se quanto às fontes de informações, que foram as prefeituras ou seus setores responsáveis pela gestão de resíduos. O instrumento de coleta foi o mesmo – o questionário – alterando-se a forma de aplicação. Os pesquisadores do IBGE realizaram contatos presenciais com respondentes previamente identificados; o SNIS disponibilizou um aplicativo on-line, avisando a prefeitura no início do processo e novamente a contatando para a correção ou inclusão de algum dado inconsistente ou faltante; o CEMPRE obteve as respostas por telefone e e-mail; a ABRELPE não foi clara quanto ao procedimento exato adotado (presencial, e-mail, telefone ou outro).

Os questionários diferiram no tamanho, mas as respostas foram analisadas de modo semelhante. O IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. sugeriu seis perguntas e os resultados são baseados em estatísticas descritivas, como distribuição de frequências absolutas e relativas (medidas de formato) e média aritmética (medida de posição) (Anderson et al., 2007Anderson, D. R., Sweeney, D. J., & Williams, T. A. (2007). Estatística aplicada à administração e economia. São Paulo: CENGAGE Learning.). O SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) propôs 10 questões, cujas respostas foram utilizadas para calcular outros 10 indicadores. Houve maior cuidado com valores atípicos ou inconsistentes e, além de estatísticas descritivas, foram feitas extrapolações simples. Exclusiva para a coleta seletiva, o CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br explorou oito questões; porém mesmo as estatísticas descritivas foram limitadas, especialmente devido às respostas incompletas fornecidas pelos municípios. A ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. abordou a coleta seletiva de modo indireto com três perguntas, mas os resultados basearam-se em procedimentos mais complexos como análises de correlação, regressão e projeções. De acordo com a consultoria que desenvolveu o levantamento, a projeção específica para a coleta seletiva foi realizada da seguinte forma: a) comparação da resposta dos municípios que afirmaram ter coleta seletiva com o que havia sido informado na pesquisa do ano anterior; b) identificação de inconsistências; c) consulta a outras fontes (SNIS e sites dos municípios) para conferir essas inconsistências; e d) análise de evolução com teste de significância através do qui-quadrado. Esses esclarecimentos ajudaram no entendimento da metodologia, mas como as respostas originais e a lista dos municípios utilizados para as projeções não foram divulgados pela ABRELPE, não foi possível refazer ou verificar os cálculos.

Análise e discussão

Os dados apresentados nos relatórios proporcionam um panorama preliminar da presença e da oferta da coleta seletiva no país. No entanto, como observado, existem valores com grande discrepância, alguns dos quais podem ser explicados (ou contextualizados) pelas escolhas metodológicas realizadas.

A principal divergência entre os relatórios está relacionada à abrangência da coleta seletiva. Lembramos que eles apresentaram percentuais de 14, 20, 32 e 60 para o mesmo indicador, qual seja a quantidade de municípios com programas de coleta seletiva. Essa disparidade pode ser explicada pela análise conjunta de três fatores: o método amostral adotado, os procedimentos escolhidos para o cálculo dos resultados e a linguagem utilizada nos questionários. Inicialmente, observa-se que IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. e ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. conseguiram a resposta de toda a amostra visada e SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) e CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br obtiveram 55% e 83%, respectivamente. Com a resposta de todas as cidades, o IBGE pôde calcular a abrangência da coleta seletiva de modo simples, dividindo a quantidade dos municípios que afirmaram possuir o serviço pelo total de municípios brasileiros. Mesmo sem terem alcançado a mesma participação, SNIS e CEMPRE realizaram o mesmo tipo de cálculo, tornando seus resultados subestimados. O percentual obtido revela somente uma parte daquelas cidades que efetivamente possuem coleta seletiva, já que várias outras acabaram não integrando o conjunto dos respondentes. Nesses casos, quando não se tem a resposta de toda a população, talvez fosse mais indicado fazer cálculos projetivos, como realizado pela ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE..

Vale observar que a taxa de resposta do IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. é maior porque a instituição é beneficiada pela lei 5.534 (Brasil, 1968Brasil. (1968, 14 de novembro). Lei nº 5.534, sobre a Prestação de Informações Estatísticas. Brasília: Diário Oficial da União. Recuperado em 25 de agosto de 2016, de www.planalto.gov.br, art. 1º), que indica que “[...] toda pessoa natural ou jurídica de direito público ou de direito privado [...] é obrigada a prestar as informações solicitadas pela Fundação IBGE”. Uma alternativa para as outras instituições aumentarem a taxa de resposta é aperfeiçoar a coleta de dados. Pela escala nacional dos estudos, o questionário parece sim ser o instrumento mais adequado, mas quanto à aplicação, versões on-line permitiriam ampliar o número de respondentes sem grandes incrementos nos custos. Uma opção ainda mais avançada seria uma espécie de pré-preenchimento, exigindo que os municípios confirmassem informações básicas (e.g., dados cadastrais) e atualizassem o que fosse necessário (quantidades, volumes etc.).

O terceiro motivo que ajuda a explicar a diferença nos dados refere-se à forma como a pergunta foi realizada. Como visto, apesar de apresentar coerência entre o cálculo da amostra e o procedimento de análise, o valor de 60% projetado pela ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. é bem superior aos percentuais encontrados pelas outras pesquisas (14%, 20% e 32%). Isso não se deve simplesmente a possíveis incorreções nos complexos cálculos projetivos, as quais poderiam originar resultados bastante controversos. Observou-se que, para descrever a situação da coleta seletiva, ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE., SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) e CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br deram como opções de resposta apenas o “sim” (i.e., existe) e o “não”. Já o IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. ofereceu as alternativas: programa “Em atividade”, “Projeto piloto”, projeto “Em elaboração”, programa “Interrompido” ou “Não há programa”. Assim, os 32% encontrados pelo IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. referem-se somente aos municípios que já tinham programas funcionando de maneira completa, ou seja, “Em atividade”. Contudo, se eles fossem considerados em conjunto com os municípios que possuíam “Projeto piloto” ou projeto “Em elaboração”, o total encontrado seria de 55%, algo bem mais próximo dos 60% apontados pela ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE. (ver Figura 2). Como os programas de coleta seletiva normalmente começam como projetos piloto em determinados bairros e demoram a ser implementados de forma completa em cada município, alternativas pouco elaboradas como “sim” e “não” falham em revelar de maneira precisa a realidade do serviço. Não é de se estranhar, por exemplo, que ao receber uma dessas pesquisas, o respondente de um município que só tenha a coleta seletiva em alguns pontos opte pela resposta “sim”, descrevendo de forma incompleta, mas verídica, a situação do serviço na sua localidade.

Figura 2
- Comparação dos resultados sobre a abrangência da Coleta Seletiva

O acesso aos dados originais permitiu verificar a coerência das informações prestadas pelos municípios quanto à abrangência da coleta seletiva. As respostas dadas à pesquisa do IBGE (utilizada como base por ter obtido o retorno de todos os municípios brasileiros) foram confrontadas com aquelas fornecidas às outras pesquisas. Duas situações revelaram as divergências maiores: na primeira, 20% dos municípios que demostraram ao IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. ter programas “Em atividade” responderam “não” (isto é, não possuem coleta seletiva) aos outros levantamentos dos quais participaram; na segunda, 7% dos que declararam ao IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE. que “Não há programa” deram a resposta “sim” aos outros relatórios, em clara contradição (Tabela 2).

Tabela 2
- Comparação das respostas dos municípios nas diferentes pesquisas

Essa análise não pôde ser feita com a mesma clareza com as opções “Projeto piloto”, “Em elaboração” ou programa “Interrompido”, que podem representar tanto um “sim” quanto um “não”, dependendo da visão de quem responde. Além disso, faz-se a ressalva de que a pesquisa do IBGE foi realizada um ano antes das outras e que a situação da coleta seletiva no município pode realmente ter mudado nesse período com o (re)início do programa ou mesmo com a sua interrupção. Todavia, descobriu-se que, independentemente da resposta dada ao IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE., 252 municípios afirmaram possuir coleta seletiva a uma instituição ao mesmo tempo em que afirmaram não possuir à outra, resposta visivelmente incoerente. Quando questionado sobre as razões que explicariam essa incongruência, o responsável pela pesquisa do CEMPRE esclareceu que o contato que cada instituição tem na prefeitura nem sempre é o mesmo, e as respostas fornecidas dependem do conhecimento do informante sobre a gestão municipal de resíduos.

Os dados revelaram também que a coleta seletiva não é bem distribuída no território brasileiro, concentrando-se nos grandes centros urbanos e nas regiões Sul e Sudeste, que possuem os dois maiores PIB do país (IBGE, 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Contas regionais do Brasil 2012. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 25 de outubro de 2016, de www.ibge.gov.br). Moutinho (2013)Moutinho, C. S. (2013). Determinantes da coleta seletiva nos municípios brasileiros (Dissertação de mestrado). Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro. explica que a probabilidade de existência da coleta seletiva é maior em locais com renda domiciliar e PIB per capita mais altos. Com mais recursos, centros urbanos tornam-se grandes consumidores de bens e geradores de resíduos, possuindo ainda maior capacidade de realizar um controle estatístico apurado da coleta seletiva. Por isso há uma tentativa deliberada de incluir os grandes municípios nas amostras por parte das instituições, o que pode ser comprovado pelos números disponíveis. Como visto, a diferença na quantidade de municípios pesquisados (100%, 55%, 18% e 7% do total) é bem maior do que a diferença na população atendida pela coleta seletiva (59%, 54%, 55% e 45% do total), conforme apontado por IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012). Perfil dos municípios brasileiros 2011. Rio de Janeiro: IBGE., SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.), CEMPRE (2012)Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE. (2012). Pesquisa Ciclosoft 2012. São Paulo: CEMPRE. Recuperado em 18 de maio de 2016, de www.cempre.org.br e ABRELPE (2012)Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE., respectivamente. Ou seja, em termos populacionais, as discrepâncias são menores, tanto porque os 5% maiores municípios brasileiros concentram 55% da população total como pelo esforço de as instituições incluirem tais municípios no grupo de respondentes.

Outro fator metodológico percebido foi a utilização, em todas as pesquisas, da mesma fonte de informação: as prefeituras. Logicamente, elas não são as únicas instituições que participam do processo, que é influenciado pela atividade de outros grupos, como cooperativas e associações de catadores, Organizações Não Governamentais (ONGs), associações de bairros, empresas de coleta, organizações que disponibilizam PEVs e mesmo da população. Mais do que isso, o IBAM (2001)Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM. (2001). Manual: gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: IBAM/SEDU-PR. lembra que a coleta seletiva conta com a participação de muitos catadores informais. Esse fato é confirmado pelo IPEA (2012b)Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2012b). Diagnóstico sobre catadores de resíduos sólidos. Brasília: IPEA., que estimou que existem no Brasil entre 400 e 600 mil catadores, dos quais apenas 10% estariam cooperados ou associados. Além dos catadores, existem comerciantes autônomos (sucateiros) que tampouco possuem qualquer tipo de registro, mas são bastante atuantes no mercado de coleta e reciclagem.

Por isso, dada a diversidade de participantes, sugere-se incluir nas pesquisas os outros grupos formalizados que participam do processo e a vertente informal e independente da coleta seletiva, de modo a evitar que os dados sejam apresentados por fonte única, as prefeituras5 5 Na PNSB 2008 (não analisada), o IBGE disse que, além das prefeituras, participaram da pesquisa companhias de saneamento, fundações, consórcios intermunicipais e as associações comunitárias; no entanto, não divulgou quem e quantos foram os entrevistados. . Como essas participam ativamente dos programas de coleta seletiva e têm interesse no seu sucesso, a autodeclaração – a percepção sobre o próprio desempenho – pode influenciar a confiabilidade dos dados. Ainda, tê-las como as únicas informantes implica em aceitar integralmente as respostas fornecidas. A preocupação não se restringe a possíveis inverdades relatadas, mas ao fato de os valores ficarem sujeitos a um controle estatístico inadequado ou ao conhecimento não especializado das pessoas que foram designadas para responder os questionários, gerando aproximações, palpites ou afirmações convenientes, como evidenciado nos dados da Tabela 2.

Outros problemas observados em todas as pesquisas referem-se à falta de perguntas essenciais sobre a coleta seletiva e a dificuldade na compatibilização de alguns indicadores (como a gravimetria), que só puderam ser comparados com ressalvas ou adaptações. Em outras palavras, o tipo e a forma como o dado foi investigado alteraram a capacidade explicativa das pesquisas. Isso poderia ser resolvido com categorias de análise e unidades de medida mais claras, pois a definição de critérios de avaliação – já amplamente desenvolvidos em manuais, guias ou trabalhos científicos sobre a coleta seletiva (cf. IPEA, 2012aInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2012a). Diagnóstico dos instrumentos econômicos e sistemas de informação para gestão de resíduos sólidos. Brasília: IPEA.; Grimberg & Blauth, 1998Grimberg, E., & Blauth, P. (1998). Coleta seletiva de lixo: reciclando materiais, reciclando valores. Polis, 31, 1-100.), poderia fundamentar e dar confiabilidade aos questionários. Dentre as questões complementares que proporcionariam uma descrição mais completa da coleta seletiva estão a quantidade de PEVs disponíveis, a taxa de rejeito na triagem, o montante de resíduos aterrados, as reclamações realizadas pela população, a existência de legislação pertinente, os investimentos em educação ambiental etc.

Por fim, uma das informações fundamentais para o monitoramento adequado de um serviço público – o custo – foi uma das mais negligenciadas nos relatórios. As dificuldades de se estimar os valores não justificam que essa informação central tenha sido abordada somente por uma das instituições e de modo precário e inconsistente. A recomendação é para que essa pergunta seja incluída em todos os questionários, preferencialmente acompanhada de outra sobre os benefícios da coleta seletiva (e.g., empregos gerados, aumento da renda, recursos naturais economizados), tendo em vista que o conhecimento dos retornos positivos é um dos incentivos para que comportamentos ambientalmente corretos sejam ampliados e aderidos pela população (Lehman & Geller, 2004Lehman, P. K., & Geller, E. S. (2004). Behavior analysis and environmental protection: accomplishments and potential for more. Behavior and Social Issues, 13(1), 13-32. http://dx.doi.org/10.5210/bsi.v13i1.33.
http://dx.doi.org/10.5210/bsi.v13i1.33...
).

Além das considerações gerais já apresentadas, de forma mais específica, todas as pesquisas analisadas podem ser aperfeiçoadas. Aproveitando sua capacidade de obter respostas de todos os municípios e retratar de forma razoavelmente precisa a realidade brasileira, o IBGE deveria produzir estudos mais frequentes sobre a coleta seletiva, já que não existe periodicidade definida para relatórios sobre o tema. A qualidade das perguntas parece adequada, mas o número de questões deve ser ampliado, incentivando os municípios a divulgarem não somente informações qualitativas, mas também dados objetivos e numéricos, como a quantidade recolhida ou a composição gravimétrica dos resíduos.

O relatório do SNIS (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.) é o que mais se destaca na transparência, trazendo muitos arquivos com dados primários. As explicações são detalhadas, permitindo que todos os cálculos sejam refeitos. Sugere-se, no entanto, que eles considerem cálculos projetivos também para a coleta seletiva, pelo fato de não terem atingido a totalidade da amostra e por estarem aptos a realizar tais cálculos.

Um dos maiores desafios do CEMPRE é a divulgação. Os resultados obtidos na CICLOSOFT foram parcialmente disponibilizados no site institucional e os textos explicativos são semelhantes aos de edições anteriores da pesquisa. Não houve o mesmo cuidado presente em outras das suas publicações, como o Guia da Coleta Seletiva ou o CEMPRE Review, ambas muito bem produzidas e apresentadas. A amostra pequena, segundo o responsável pela pesquisa, deve-se à infraestrutura e aos recursos financeiros e humanos insuficientes para se alcançar o número ideal de respondentes. Os pontos positivos concentram-se em ser a única exclusiva para a coleta seletiva e de ter indagado a questão dos custos, tornando-se referência nesse quesito.

Os trabalhos da ABRELPE são, na verdade, focados no mercado de limpeza pública e o fato de abordarem a coleta seletiva acaba enriquecendo suas pesquisas. No caso analisado, ressalta-se a coerência metodológica, pois ela projetou valores para todo o grupo baseada em uma amostra estratificada. Como esses procedimentos estatísticos são mais avançados, seria apropriado que a ABRELPE permitisse o acesso aos dados primários, trazendo maior transparência aos resultados. Uma das dúvidas remanescentes, por exemplo, refere-se ao processo de amostragem que, pelo relato fornecido, deixa a impressão que os respondentes são muito parecidos em todas as edições e que a amostra não seria aleatória, como argumentado. Vale ressaltar que as boas práticas de pesquisa postulam que “[...] os dados devem, após a publicação de seus resultados, ser colocados à disposição dos colegas que desejem replicar o estudo ou desenvolver projetos a partir de seus resultados” (ABC, 2013Associação Brasileira de Ciências – ABC. (2013). Rigor e integridade na condução da pesquisa científica. Rio de Janeiro: ABC. Recuperado em 6 de setembro de 2016, de www.abc.org.br, p. 7). A instituição explicou que devido ao acordo realizado com os municípios, a maioria das respostas era sigilosa, algo que talvez deva ser revisto, já que são informações sobre a situação de um serviço que, por natureza, é público.

Considerações finais

As pesquisas analisadas revelaram pelo menos duas grandes questões sobre a coleta seletiva no país: a primeira é que, apesar da sua importância como geradora de emprego, renda e na preservação dos recursos naturais, ela é ainda incipiente, estando presente em somente 41% dos municípios. Ademais, o Brasil ainda desperdiça muito material que poderia ser transformado e reinserido na cadeia produtiva. Em 2012, por exemplo, menos de 1% da matéria orgânica gerada foi enviada a unidades de compostagem (ABRELPE, 2012Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE. (2012). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2012. São Paulo: ABRELPE.; Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.). Em relação aos recicláveis secos, foram coletados de forma seletiva apenas 10% do total de resíduos potencialmente recicláveis (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.). Se todo esse montante que é indevidamente encaminhado aos aterros e lixões fosse reciclado, isso poderia gerar benefícios de quase R$ 8 bilhões anuais, bem superiores aos valores que atualmente figuram entre R$ 1,4 e R$ 3,3 bilhões (IPEA, 2010Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2010). Pesquisa sobre pagamento por serviços ambientais urbanos para a gestão dos resíduos sólidos. Brasília: IPEA.).

Outro ponto percebido é que as pesquisas não são satisfatórias e apresentam somente uma descrição preliminar da situação da coleta seletiva. O crescimento desses programas exige que os métodos de investigação sejam cada vez mais aperfeiçoados, já que há consenso que um dos principais problemas no gerenciamento de resíduos sólidos é a falta de dados, informações, controles e comunicação, normalmente insuficientes, dispersos, desconexos e heterogêneos (IPEA, 2012aInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. (2012a). Diagnóstico dos instrumentos econômicos e sistemas de informação para gestão de resíduos sólidos. Brasília: IPEA.; Pearce & Turner, 1993Pearce, D. W., & Turner, R. K. (1993). Market-based approaches to solid waste management. Resources, Conservation and Recycling, 8(1-2), 63-90. http://dx.doi.org/10.1016/0921-3449(93)90020-G.
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; Brown & Farrelly, 2009Brown, R. R., & Farrelly, M. A. (2009). Delivering sustainable urban water management: a review of the hurdles we face. Water Science and Technology, 59(5), 839-846. PMid:19273882. http://dx.doi.org/10.2166/wst.2009.028.
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). A dinâmica dispersa da atividade de catação e a falta de infraestrutura (e.g., balanças de pesagem) deixam o controle da coleta seletiva precário e não rotineiro (Brasil, 2014Brasil. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. (2014). Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos 2012. Brasília: Ministério das Cidades / SNSA.). Mesmo assim, tem-se a impressão que ela não dispõe do acompanhamento exercido na coleta regular e na limpeza urbana, que recebem maior cuidado tanto dos órgãos públicos quanto das empresas que fazem o recolhimento.

As recomendações aqui descritas ainda podem ser incorporadas pelo SINIR (Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão de Resíduos Sólidos), projeto concebido na Política Nacional de Resíduos Sólidos e cuja finalidade é coletar e compartilhar estatísticas sobre as metas e impactos dos programas nacionais, estaduais e municipais de resíduos sólidos. A melhoria na produção, sistematização e disseminação dos dados pode estimular um acompanhamento mais atento das prefeituras, das cooperativas, das organizações interessadas e da sociedade, visto que a indisponibilidade de dados (ou sua baixa qualidade) prejudica uma compreensão mais abrangente da coleta seletiva e impede que políticas públicas e ações conjuntas sejam realizadas com foco e dimensões adequados.

  • 2
    SNIS, CEMPRE e ABRELPE realizaram suas pesquisas em 2012 e o IBGE, em 2011. Essa combinação foi a mais adequada ao estudo, dada a periodicidade variada na produção dos relatórios, o delay existente entre a sua realização e a publicação efetiva dos dados e o fato de o IBGE não ter lançado edições posteriores da PNSB. Além disso, as versões seguintes dos relatórios possuem características similares às dos ora considerados, mantendo-se, assim, a validade das análises e recomendações.
  • 3
    O número foi obtido com base nas respostas originais disponibilizadas, somando-se todos os municípios que afirmaram possuir a coleta seletiva em pelo menos uma das pesquisas.
  • 4
    Dos 1.796 municípios que afirmaram ao IBGE possuir coleta “Em Atividade”, 612 (34%) disseram que ela está presente em todo o território municipal e 823 (46%) que ela está em toda a área urbana. Para se chegar ao valor de 53 milhões, somaram-se as respectivas populações rural e urbana desses municípios.
  • 5
    Na PNSB 2008 (não analisada), o IBGE disse que, além das prefeituras, participaram da pesquisa companhias de saneamento, fundações, consórcios intermunicipais e as associações comunitárias; no entanto, não divulgou quem e quantos foram os entrevistados.
  • 1
    O ciclo apresentado é genérico. Entende-se que ele pode ser distinto em cada município, o qual acaba desenvolvendo um fluxo mais compatível com as suas características.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2016
  • Aceito
    22 Maio 2017
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