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Os Mobilizadores Precários: base social e luta pela moradia popular nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, PE

The Precarious Mobilizers: social basis and fight for popular housing in the cities of Recife and Jaboatão dos Guararapes, PE

Resumo

Este artigo discute as transformações político-econômicas provocadas pela reestruturação do capitalismo e sua repercussão nos espaços urbanos, essencialmente as cidades que são comumente transformadas em locais indutores do desenvolvimento estratégico, do empresarialismo urbano e de extração do sobrelucro, desencadeando as contradições sociais e a luta de classes, especialmente para uma população precarizada e desprovida dos elementos essenciais, a quem o viver dignamente é negado. Essa população denominamos neste estudo de Mobilizadores Precários. Para isso, analisamos a atuação de um movimento sem-teto nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, ou seja, a conjuntura de sua base social (política, econômica e social) e a repercussão política desses sujeitos coletivos na conquista de moradias e no enfrentamento de um modelo excludente. Utilizamos para isso o acompanhamento empírico dos núcleos de ocupação nas cidades supracitadas e a aplicação dos questionários entre as famílias atendidas pelo movimento em questão, retratando os mecanismos de luta e a caracterização das famílias.

Palavras-chave:
Luta de classes; Espaço urbano; Mobilização; Moradia popular

Abstract

This article discusses the political-economic transformations triggered by the capitalism restructuring and its repercussion in urban spaces, essentially cities that are commonly transformed into places of strategic development, urban entrepreneurship and overlap extraction. These changes lead to social contradictions and inequality among classes, especially for a precarious and neglected population facing deprivation of essential elements. In this study, we refer to this population as Precarious Mobilizers. We analyzed the work of a homeless movement in the cities of Recife and Jaboatão dos Guararapes, evaluating the conjuncture of their social base (political, economic and social) and the political repercussion of these collective subjects in the conquest of the houses and in facing an exclusionary model. We used empirical monitoring of occupational nuclei in the aforementioned cities and questionnaires among the families that are part of the movement in question. The study describes their methods to fight inequality and characterize the families involved in the movement.

Keywords:
Class struggle; Urban space; Mobilization; Popular housing

Introdução

Atualmente, as cidades desempenham uma função estratégica de extração da mais-valia para o capital rentista-imobiliário. Mais do que a transformação dos espaços urbanos em locais indutores de projetos estratégicos e de desenvolvimentismo, para uma ínfima parcela da população eles funcionam também como espelhos da desigualdade social e das contradições provocadas no passado recente pelo Capitalismo Fordista periférico.

Os espaços denotam, portanto, a luta de classe que é desencadeada diariamente através das ocupações urbanas, mobilizações em torno da democratização do espaço público e na luta pela reforma urbana, por exemplo.

Dessa forma, os movimentos sem-teto são resultado das contradições impostas pelo capitalismo financeiro e seus integrantes enquadram-se num contexto de precarização do mundo do trabalho e exclusão dos elementos básicos de garantia da cidadania plena (como ausência de moradia, saneamento básico, transporte público de qualidade etc.), transformando-se numa heterogênea e complexa classe trabalhadora, diferente das que historicamente ocupavam as fábricas.

Nesse contexto nos propusemos a analisar neste trabalho a atuação política de um movimento sem-teto que reflete em sua base social essas mudanças e sua relação com as famílias em cinco núcleos de ocupação nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, Estado de Pernambuco, na luta pela conquista de moradias e na ação contra-hegemônica ao capital imobiliário. Paralelamente foram gerados dados socioeconômicos de 200 representantes-beneficiários das moradias (representante familiar junto às reuniões do movimento e aos cadastros dos órgãos públicos) que compõem os núcleos supracitados, no intuito de caracterizar o quadro de precarização e negação de direitos em que se encontram as famílias, destacando os limites e as perspectivas das ações do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) numa conjuntura de desmobilização e recrudescimento das políticas sociais.

A cidade corporativa e a luta de classes

Desenvolve-se um contexto de mudanças paradigmáticas no que concerne ao capitalismo, especificamente numa conjuntura de flexibilização dos processos e do mercado de trabalho, ancorado por transformações político-econômicas do chamado capitalismo financeiro. Essa nova organização da vida econômica, política e social Harvey (2007)Harvey, D. (2007). Condição pós-moderna (16a ed.). São Paulo: Edições Loyola. denominou de acumulação flexível, numa clara antítese ao período rígido do Fordismo. Paralelamente, o que se observou, nesses últimos anos, foi o processo de globalização, amparado pelas políticas neoliberais, promover modificações significativas nos mecanismos da economia e da acumulação, cujos fatores obtiveram uma ampliação sem precedentes nos chamados países do Fordismo periférico.

Essas mudanças alteraram não apenas as estruturas sociais vigentes, mas a organização espacial de várias cidades inseridas nessa conjuntura, especialmente as cidades incluídas sob a perspectiva do planejamento estratégico1 1 Importante reflexão faz Carlos Vainer (2013) sobre a transformação das cidades em espaços da racionalização e funcionalização, sob a égide do neoliberalismo. Ver sua análise em um dos capítulos do livro: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. , através de alterações de Planos Diretores e regimentos urbanos específicos para atender a iniciativa privada e a “mercadificação corporativa”, nas quais o capital financeiro e construtivo define onde, como e em que medida deve-se construir. Além disso, o modo de produção capitalista precisa revolucionar incessantemente seus meios de produção para aumentar o sobrelucro ou a mais-valia. Logo, a cidade torna-se o lócus privilegiado desse acúmulo:

Essa é a fase da hegemonia da lógica financeira na definição do destino das cidades: do que, de onde e de como será produzido, única e exclusivamente pautando-se na lógica do fluxo de rentabilidade futura. Ela é muito diferente do fordismo e da era industrial, em que as perguntas eram “como expandir mercado?”, “como produzir mais”? e ‘como vender mais?’. A pergunta fundamental agora é onde posso investir capital excedente global, que é fruto da mais valia global e que fica pairando sobre o planeta, procurando permanentemente oportunidades que permitam que ele seja remunerado através dos juros. Por isso se fala em “Wall of Money” (Rolnik, 2016Rolnik, R. (2016). “Moradia se tornou sinônimo de mercadoria”, diz a ex-relatora da ONU Raquel Rolnik. São Paulo: Jornalistas Livres. Entrevista concedida à Camilla Hoshino e Thiago Hoshino, com fotos de Leandro Taques, especial para os Jornalistas Livres. Recuperado em 15 de outubro de 2016, de www.jornalistaslivres.org/2016/08/moradia-se-tornou-sinonimo-de-mercadoria-diz-ex-relatora-da-onu-raquel-rolnik).

Ao mesmo tempo, houve a transformação das cidades em espaços indutores do espetáculo, onde os locais efetivamente públicos se tornam cada vez mais privativos, obedecendo a uma lógica dita desenvolvimentista, na qual a construção de shoppings, obras públicas, arenas esportivas e cirurgias urbanas vêm reforçar o caráter de atuação do capital monopolista na renda da terra das cidades brasileiras2 2 Um belo e interessante trabalho é o de David Harvey (2005), denominado: A produção capitalista do espaço (ver referências). Ao caracterizar o empreendedorismo na governança urbana em cidades americanas, ele cita três exemplos tácitos: 1. O desenvolvimento da noção de “parceria público-privada”; 2. A atividade da parceria público-privada como sendo especulativa, ou seja, sujeita ao movimento do capital; e 3. Os investimentos focam mais o lucro a projetos de benefício coletivo. Os recentes projetos no Brasil, para a construção dos estádios da copa, exemplificam essas características. .

O fato é que esses aspectos têm repercutido diretamente no território urbano, segregando, tornando-o contraditório, transformando uma grande massa de famílias em meras espectadoras, excluídas das definições que ocorrem em gabinetes estatais e corporativos, logo, os direitos sociais conquistados passaram a ser sinônimo de produtos e mercadorias, através dos serviços privados. A consequência mais latente e visível dessas contradições e da luta de classes que ocorre nas cidades se materializa nas mobilizações, passeatas e nos confrontos contra o aparelho de Estado que se ancora nos mecanismos “legais” do ordenamento urbano. Tal cenário pode ser ilustrado por Bauman (1999Bauman, Z. (1999). Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor., p. 29), quando afirma que: “O território urbano torna-se o campo de batalha de uma contínua guerra espacial”.

Os despossuídos, os desalojados e os usurpados que recobrem, essencialmente, os bairros populares e carentes das grandes cidades, clamam por um viver digno, que se traduz através de postos de saúde próximos à residência e que efetivamente os atendam sem que precisem enfrentar longas filas; um sistema de transporte público, barato e eficiente; uma rede de saneamento básico que promova a saúde e o equilíbrio ambiental; o acesso a áreas de lazer e ao espaço público no entorno dos bairros, que promova a interação social, a cultura popular e a manifestação dos folguedos; a participação e o acesso democrático de todos nas decisões concernentes ao espaço urbano, entre outras reivindicações que lhes deem a dignidade e um sentimento de justiça e inclusão socioespacial, operando o valor de uso da cidade.

Muito mais do que a supressão da luta de classes, como alguns estudiosos sinalizam, essas contradições que ocorrem na cidade expressam exatamente o estágio mais acentuado dessa luta, que é travada diariamente, resultante da transformação do urbano em mercadoria:

Pode-se falar que a metrópole de hoje está para o circuito contemporâneo do capital como a fábrica esteve para o capitalismo do século XIX. A produção e apropriação de mais-valia não acontecem, prioritariamente, no chão da fábrica, nas linhas de montagens, nos latifúndios do campo; mas nas relações sociais cotidianas que se tornam cada vez mais mercantilizadas (Canettieri & Valle, 2015Canettieri, T., & Valle, W. A. (2015). Dos excluídos da cidade à revolução urbana definições de um novo sujeito político. e-metropolis, 6(23), 35-43., p. 36).

Nesse sentido, a urbanização brasileira, inserida num contexto do capital como sistema de controle sócio-metabólico (Mészáros, 2002Mészáros, I. (2002). Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo.), está vinculada ainda à superexploração da força de trabalho que se corporiza na redefinição da natureza e morfologia do trabalho, seja na precarização3 3 Ver as definições de Standing (2015) sobre o precariado: “[...] exército de desempregados e um grupo separado de pessoas hostis socialmente desajustadas, vivendo à custa da escória da sociedade” (Standing, 2015, p. 25). Outras características que o autor associa a essa classe é a insegurança de vínculo empregatício, a renda precária e vulnerável, a heterogeneidade na composição e a raiva diante da frustração da vida cotidiana. Para descrever o contexto eminentemente europeu, Standing sinaliza que o precariado vive sobre uma fronteira, isso é, exposto entre as ações reacionárias propagadas por políticos populistas (movimentos anti-imigração, por exemplo) e ações progressistas e democráticas (luta pelos direitos sociais e trabalhistas). social e na empregabilidade degradante, seja, ainda, na flexibilização, na fluidez, na perda dos direitos sindicais e trabalhistas, na degradação, no aumento de subcontratados, terceirizados e temporários, enfim, na exploração da classe trabalhadora4 4 No campo trabalhista, são introduzidas novas técnicas de gestão da força de trabalho, ocorrendo uma intensificação da terceirização, bem como o incremento de alta tecnologia, juntamente com o sistema de robótica, ocasionando o aumento da produtividade e a diminuição do capital variável em relação ao capital fixo. Mesmo com essa complexificação, há uma tendência à geração da mais-valia e uma exploração do emprego em vários segmentos, um claro exemplo é a informalidade, que assola boa parte da população brasileira. Essas características motivaram a desproletarização do trabalho industrial e o aumento do subproletariado, principalmente no setor de serviços, com o serviço mal remunerado e precarizado, além da complexificação e fragmentação da classe trabalhadora (Antunes, 2000 apud Goulart, 2011). . Todos esses aspectos verificados na cotidianidade são exemplos tácitos dessa nova modalidade de desumanização coletiva. O urbano, portanto, passa a ser o ponto central de acumulação capitalista:

As fábricas não desapareceram. No entanto, não são mais o ponto nevrálgico da acumulação capitalista. Esta agora ocorre, majoritariamente, sob a forma financeira-rentista, baseada nos serviços, em especial, nos serviços prestados no urbano (Canettieri & Valle, 2015Canettieri, T., & Valle, W. A. (2015). Dos excluídos da cidade à revolução urbana definições de um novo sujeito político. e-metropolis, 6(23), 35-43., p. 36).

Pensar o urbano na atualidade, sobretudo num país capitalista dependente como o Brasil, é compreender novas formas e modalidades que acometem esses sujeitos urbanos, ou seja, esses novos trabalhadores: trabalhadores informais que comercializam alimentos, objetos, bebidas e acessórios; diaristas que dividem as atividades do lar com a responsabilidade de limpeza e manutenção de casas alheias; “cuidadoras” de crianças que ficam com a responsabilidade enquanto os pais trabalham; vendedoras de cosméticos e roupas de porta em porta; biscateiros que desempenham as mais variadas funções entre consertar, pintar, capinar e organizar casas, estabelecimentos comerciais, executar pequenas reformas e/ou construções, enfim, qualquer serviço que venha a surgir5 5 Com o refluxo das lutas operárias do final do século XX para os dias atuais, Machado (2009) discute o protagonismo das lutas antissistêmicas latino-americanas ocupadas por movimentos populares ligados às demandas “emergenciais” (emprego, reforma agrária, reforma urbana etc.). Uma complexa formação do proletariado em classe que organiza resistências à dominação neoliberal, incorporando nesses movimentos o que o autor definiu de “subproletário” e “semiproletário”. O primeiro grupo (urbanos) seriam os assalariados de baixa renda (“peões” da construção civil, bóias-frias etc.), autônomos de baixa renda (engraxates, vendedores de rua, encanadores etc.) e não remunerados (indivíduos que trabalham para os produtores simples de mercadoria), sendo ainda caracterizados pela falta de organização política e sindical, além da inserção mais ou menos regular no mercado e nível salarial. Já os “semiproletários” rurais integram o campesinato pobre, isto é, uma ampla força de trabalho a serviço do capital em seu processo de expansão. .

O emprego informal não é o único a sofrer com as contradições do capitalismo, uma vez que no trabalho dito formal (mesmo com as garantias previstas pelas leis do trabalho) o capital consegue promover permanentemente formas e mecanismos de extração da mais-valia, através dos salários baixos, aumento da carga horária, fragmentação da atuação do sindicato, entre outras iniciativas.

A tradição marxista enxergava o sujeito coletivo como pertencente ao sistema, no qual a indústria era o ponto central dessa acumulação, cuja denominação os associava ao proletariado fabril (Harvey, 2013Harvey, D. (2013, 30 de maio). La ciudad es el lugar de La lucha anticapitalista. Buenos Aires: Revista de Cultura do Clarin. Entrevista concedida à Alejandra R. Ballester à coluna ideas. Recuperado em 5 de dezembro de 2016, de http: //www.revistaenie.clarin.com/ideas/David_Harvey-ciudad-lugar-lucha-anticapitalista_0_925707445.html/). Atualmente, é preciso refletir sobre esses novos trabalhadores, baseando-se nas modificações impostas pelo capitalismo, em que se introjeta a lógica da cidade mercadoria e do fetichismo do consumo (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). A vida cotidiana do mundo moderno. São Paulo: Ática., 2001Lefebvre, H. (2001). O direito à cidade. São Paulo: Centauro.). É nesse contexto que Harvey (2013)Harvey, D. (2013, 30 de maio). La ciudad es el lugar de La lucha anticapitalista. Buenos Aires: Revista de Cultura do Clarin. Entrevista concedida à Alejandra R. Ballester à coluna ideas. Recuperado em 5 de dezembro de 2016, de http: //www.revistaenie.clarin.com/ideas/David_Harvey-ciudad-lugar-lucha-anticapitalista_0_925707445.html/ sinaliza para a materialização da luta de classes no espaço urbano e as características que integram os grupos atuantes na cidade, compostos por sujeitos historicamente não reconhecidos por intelectuais de esquerda, os quais estão redefinindo e transformando as formas de luta:

[...] Como as cidades são centros de acumulação capitalista, mas também são centros de luta de classes nem sempre reconhecidas pela esquerda, composto por trabalhadores domésticos, trabalhadores de restaurantes, motoristas de táxi, da entrega, não muito bem visto no pensamento de esquerda, e que os torna interessante. Nós estamos começando a ver as organizações desses trabalhadores começando a se unir. Veja as cidades como um ponto forte da luta de classes em muitas questões, tais como aluguel e de crédito sistemas presentes muito fortemente nas áreas urbanas, razão pela qual as cidades se tornam um meio nas quais novas formas de luta começam a surgir (Harvey, 2013Harvey, D. (2013, 30 de maio). La ciudad es el lugar de La lucha anticapitalista. Buenos Aires: Revista de Cultura do Clarin. Entrevista concedida à Alejandra R. Ballester à coluna ideas. Recuperado em 5 de dezembro de 2016, de http: //www.revistaenie.clarin.com/ideas/David_Harvey-ciudad-lugar-lucha-anticapitalista_0_925707445.html/).

Canettieri & Valle (2015)Canettieri, T., & Valle, W. A. (2015). Dos excluídos da cidade à revolução urbana definições de um novo sujeito político. e-metropolis, 6(23), 35-43. destacam mudanças no cerne das mobilizações sociais, pois, enquanto os sindicatos pautavam suas reivindicações em questões relativas ao trabalho de produção e no desejo de outros elementos da reprodução, como a casa e o transporte, o precariado enxerga as pautas econômicas de reprodução como fundamentais, estabelecendo seus desejos de produção como pautas secundárias. Nessa circunstância é preciso reorientar a atuação das massas para questões mais materiais das populações excluídas. Dessa forma, os movimentos sociais sem-teto, por exemplo, apresentam-se como alternativas ao modelo hegemônico de dominação do capital, por redefinirem as políticas públicas de acesso à moradia e à cidade, bem como por colocar em evidência a necessidade de democratização do espaço público (Silva, 2012Silva, C. F. (2012). O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a política de autogestão: análise de uma experiência no bairro da Iputinga, Recife-PE (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.).

A condição de classe reflete as contradições do capital contemporâneo, uma vez que a dimensão explicativa que associava unicamente a condição de classe ao trabalhador inserido na fábrica, na indústria ou num sistema produtivo congênere não consegue caracterizar essa classe de trabalhadores que ascendem com essa mesma reestruturação produtiva, ao mesmo tempo, a construção conceitual da dimensão da renda termina trazendo imprecisões claras sobre a real configuração desses sujeitos. Maricato (2015)Maricato, E. (2015). Para entender a crise urbana (1a ed). São Paulo: Expressão Popular. parece concordar com Harvey (2013)Harvey, D. (2013, 30 de maio). La ciudad es el lugar de La lucha anticapitalista. Buenos Aires: Revista de Cultura do Clarin. Entrevista concedida à Alejandra R. Ballester à coluna ideas. Recuperado em 5 de dezembro de 2016, de http: //www.revistaenie.clarin.com/ideas/David_Harvey-ciudad-lugar-lucha-anticapitalista_0_925707445.html/ e conclamar. inclusive, para que as forças de esquerda reconheçam a luta de classes no espaço urbano:

Então eu me pergunto porque as forças de esquerda não enxergam que há luta de classes na cidade. O problema não se resolve com a distribuição de renda ou do salário. Porque mais salário não compra o transporte coletivo; não compra uma boa localização na cidade, porque isso fica mais caro. Aumento salarial é absorvido pelo custo da cidade e isso só se resolve com políticas públicas. Reconheço que houve distribuição de renda para comprar carros, motos, eletrodomésticos, uma televisão melhor... não condeno isso, pois uma máquina de lavar roupa, uma geladeira é importante [...] mas ninguém vive só dentro de casa: vive na cidade (Maricato, 2015Maricato, E. (2015). Para entender a crise urbana (1a ed). São Paulo: Expressão Popular., p. 108).

Se as ocupações sem-teto materializam a luta de classe nas cidades (Canettieri & Valle, 2015Canettieri, T., & Valle, W. A. (2015). Dos excluídos da cidade à revolução urbana definições de um novo sujeito político. e-metropolis, 6(23), 35-43.), as classes sociais exigem novas determinações e dimensões explicativas, como sintetiza Alves (2007)Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho (2a ed., Vol. 1). Londrina: Praxis.:

A crise do capitalismo “desenvolvimentista”, a onda neoliberal e os processos de reestruturação capitalista na produção e nas políticas públicas, impuseram novas determinações à estrutura de classes sociais, promovendo novas clivagens no interior das classes sociais no Brasil. Nas últimas décadas, o proletariado se ampliou, diferenciando-se e complexificando-se. Deste modo, o debate sobre a natureza do proletariado nas condições sócio-históricas do Estado neoliberal e do sócio-metabolismo da barbárie assume hoje uma nova relevância teórico-analítica e política, pois irá nos habilitar a apreender a base social das transformações históricas possíveis no Brasil (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho (2a ed., Vol. 1). Londrina: Praxis., p. 272).

Portanto, além dos atributos levantados anteriormente que definem essa classe trabalhadora (quando esse esse mesmo estrato social está inserido numa ordem sociometabólica do capital), tem-se a necessidade de levar em conta alguns aspectos considerados fundamentais. Entre eles estão os levantados por Gurvitch (1981)Gurvitch, G. (1981). As classes sociais. São Paulo: Global. 6 6 Concordamos com Gurvitch (1981) acerca de alguns critérios fundamentais que distinguem as classes dos outros grupamentos particulares: 1. As classes sociais são agrupamentos de fato (ricos em conteúdos e fortemente constituídos); 2. As classes exprimem uma unidade coletiva suprafuncional (englobam grupamentos unifuncionais e multifuncionais); 3. As classes possuem uma incompatibilidade radical entre elas; 4. As classes possuem uma resistência à penetração da sociedade global (ou ordem capitalista dominante), porém dois itens que complementam tais critérios colocados pelo autor não se adequam ao caráter da nossa pesquisa, ou seja: As classes sociais são agrupamentos à distância (não pertencem a grupamentos “íntimos” reunidos permanente ou periodicamente) e são grupamentos que permanecem sempre inorganizados (se exprimem através de uma organização), por levar em consideração a importância do papel do movimento e os mecanismos organizativos que incluem uma participação efetiva. , como o papel desempenhado no antagonismo da luta política pelo poder; a posição desempenhada na produção, circulação e acumulação das riquezas; a tomada de consciência, isso é, a dimensão subjetiva dos trabalhadores e a forma de socialização que singulariza a classe, que Souza (2012)Souza, J. (2012). Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? (2a ed). Belo Horizonte: Editora UFMG. descreveu da seguinte forma:

Não compreendemos a nova classe trabalhadora apenas pelas posições individuais na divisão social do trabalho, embora haja homologia nessas posições como precondição para se falar em classes. É preciso levar em conta a forma de socialização que singulariza a classe, na medida em que corresponde a uma estratégia coletivamente montada cujo sentido prático é precisamente o de reproduzir a própria classe, o seu próprio “mundo de vida”. Na nossa visão sociológica, a determinação do comportamento individual por uma lógica de classes significa que a classe é capaz de produzir o tipo de prática cujo encadeamento recursivo tende justamente a reafirmar os seus próprios horizontes, reproduzindo as fronteiras com as demais classes (Silva, 2012Silva, C. F. (2012). O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a política de autogestão: análise de uma experiência no bairro da Iputinga, Recife-PE (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa., p. 326-327).

Nesse sentido, os mecanismos de sociabilidade também são elementos importantes para caracterizar a classe trabalhadora nesse novo paradigma. Se o desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo rompeu a dimensão fronteiriça, causando a fragmentação da condição de classes no século XXI, as condições postas também exigem novas ferramentas de organização e mobilização e o espaço urbano surge como receptáculo desses novos sujeitos coletivos.

Luta pela moradia popular: a atuação do MLB nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, PE

O surgimento do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) resulta das divergências no direcionamento da ocupação da Vila Corumbiara, Região de Barreiro, em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Inicialmente, essa ocupação foi realizada conjuntamente com outros movimentos, no ano de 19967 7 Alguns integrantes que atuaram na ocupação da Vila Corumbiara desencadearam a formação de um grupo que consolidou e incentivou a fundação do MLB no ano de 1999, ao lado de outras lideranças que atuavam em vários estados do país. Os aspectos ideológicos que norteiam o movimento na atualidade são: a luta pela reforma urbana e a luta pelo socialismo, portanto, elementos essenciais à construção de territorialidades diferentes. , entretanto ela só se consolidou como ponto de partida para a fundação do MLB anos mais tarde.

Para que as ações do MLB se consolidassem do ponto de vista prático, o movimento concentra-se em áreas pobres das cidades brasileiras, organizando a população em torno da conquista da moradia e dos direitos sociais a ela vinculados, tendo como orientação de primeira ordem a luta pela reforma urbana e pelo socialismo8 8 O movimento sintetiza sua apresentação no site oficial da seguinte forma: O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) é um movimento social nacional que luta pela reforma urbana e pelo direito humano de morar dignamente. Somos um movimento formado por milhares de famílias sem-teto de todo o país vítimas da ação predatória da especulação fundiária e imobiliária. Acreditamos que a reforma urbana é um meio, um instrumento; ela faz parte da luta maior da classe trabalhadora para construir uma sociedade diferente, com igualdade, dignidade e direitos para todos: a sociedade socialista. Para o MLB, a luta pela moradia é o motor principal da luta pela reforma urbana, pois através dela conseguimos mobilizar milhares de pessoas, pressionar os governos e chamar a atenção para os problemas enfrentados pelo povo pobre nas grandes cidades. Nesse sentido, têm importância fundamental a organização e realização das ocupações. A ocupação educa o povo para a necessidade de lutar organizado e desenvolve o espírito de trabalho coletivo. Ocupar é um ato de rebeldia, de confronto com a ordem estabelecida, de questionamento à sagrada propriedade privada capitalista. Logo, enquanto morar dignamente for um privilégio, ocupar é um dever! (MLB, 2016). .

O MLB atua e impulsiona sua luta em defesa da Reforma Urbana (Figura 1) através da ocupação de prédios, terrenos abandonados e/ou subutilizados, o que acontece na tentativa de exigir dos órgãos públicos a construção de moradias populares e de rompimento com a especulação imobiliária. Para isso, o movimento desenvolve suas ações em 13 estados do Brasil, quais sejam: Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pará, Paraná, Piauí e Rio Grande do Sul, tendo como foco as principais cidades desses estados.

Figura 1
- Caravana nacional do MLB em Brasília (DF)

Na busca pela mudança da realidade, é fundamental considerar todo o processo estratégico que desencadeia a ocupação, desde os elementos da organização, mobilização até sua efetiva execução, uma vez que ela funciona como um ato de resistência ao poder vigente estabelecido, além disso, as estratégias políticas após a ocupação promovem, entre as famílias, o espírito de coletividade, a compreensão das contradições sociais no país e a importância de lutar pela reforma urbana.

A ocupação, na verdade, é apenas a materialidade de meses de preparação para tal feito, de maneira que há sempre a necessidade de seguir algumas diretrizes para que ela seja bem-sucedida. Em primeiro lugar, é preciso escolher o imóvel a ser ocupado. Para isso, o MLB prioriza imóveis (prédios e principalmente terrenos) bem localizados e com infraestrutura básica, a fim de que as famílias possam ter condições mínimas de permanência, como a possibilidade de executar a ligação com a rede de água e energia e, também, poderem usar o imóvel como uma instância de pressão popular9 9 Pensando a médio prazo pelo movimento, o imóvel a ser ocupado precisa ainda possuir as condições básicas para atender as necessidades diárias das famílias, ou seja, precisa ter fácil acesso às infraestruturas fundamentais como linhas de transporte coletivo, proximidade com áreas centrais, em função da disponibilidade de serviços essenciais como hospitais e órgãos públicos, proximidade de creches, escolas e áreas de lazer para atendimento dos filhos dos ocupantes, além do acesso a pequenos comércios locais. , fundamentalmente, são bens que não exercem uma função social.

Na maioria dos casos, em decorrência das mudanças recentes verificadas nas políticas habitacionais, é possível encaminhar, na modalidade de negociação: a regularização do imóvel ocupado; o projeto arquitetônico; a destinação de verbas para as obras; a inclusão nos programas sociais e de financiamento do governo; a discussão da implementação da infraestrutura necessária. Além disso, pode ocorrer o acompanhamento sistemático pelo MLB das ações do Estado desenvolvidas nas ocupações.

Entretanto, o processo de diálogo nem sempre funciona, diante da necessidade das famílias, resultando, muitas vezes, numa morosidade excessiva dos agentes públicos, provocando a atuação mais efusiva do movimento através de passeatas, ocupação de prefeituras, panfletagem, organização de barricadas e bloqueio de vias, reuniões, entre outras formas de reivindicação.

Duas cidades da Região Metropolitana do Recife10 10 Recife é a capital do Estado de Pernambuco, sendo a maior cidade do ponto de vista populacional, com 1.537.704 habitantes (IBGE, 2010a), limitando-se com os municípios de Jaboatão dos Guararapes, São Lourenço da Mata, Camaragibe, Paulista e Olinda. Como outras capitais do país, ela reflete o cenário de desigualdade e contradições no espaço urbano, desencadeando conflitos e disputas políticas. De acordo com a Fundação João Pinheiro (FJP, 2013), o Nordeste figura entre as regiões do país com elevado déficit habitacional absoluto, com 1,844 milhão de moradias em 2013, bem como quando se avaliam as habitações precárias, com 31% do peso do déficit, ou seja, o maior índice entre todas as regiões pesquisadas. Já no quadro da RMR o índice absoluto chega a 100.870 habitações, sendo 97.643 urbanas e 3.227 em áreas rurais. De acordo com o levantamento da Ong Habitat para a Humanidade Brasil, o déficit de moradias no Recife em 2015 era de aproximadamente 62.687 residências (Schiaffarino, 2015). Já o município de Jaboatão localiza-se no litoral do Estado de Pernambuco e possui uma extensão territorial de 256 km2, limitando-se ao norte com Recife e São Lourenço da Mata, ao sul com o Cabo de Santo Agostinho, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Moreno. Configura-se como um dos maiores da RMR, com uma população total de 644.620 habitantes em 2010 e uma população estimada para o ano de 2015 de 686.122 habitantes (IBGE, 2016). Apesar de ser o segundo município em arrecadação, ficando atrás da capital do Estado, os índices de desigualdade materializam-se em vários setores. No que se refere aos dados sobre déficit habitacional, por exemplo, a Fundação João Pinheiro calculou que o déficit era de 20.384 habitações, correspondendo a 10,5% dos domicílios do município (FJP, 2011). (Região Nordeste do Brasil) trazem algumas experiências das ocupações realizadas pelo MLB e que promoveram conquistas de casas populares para centenas de famílias (Figura 2). Para compreender as diferentes experiências do movimento nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, nos detivemos em analisar cinco núcleos de ocupação que possuem particularidades e características diferentes, relacionadas ao processo organizativo, à intermediação com as instâncias públicas e ao tempo de consolidação e entrega das moradias (em alguns dos núcleos). A ideia é problematizar criticamente suas ações e contextualizar a importância da mobilização popular na construção de cidades mais democráticas e de políticas efetivamente públicas.

Figura 2
- Distribuição espacial dos núcleos do MLB nas cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes

O atual Núcleo Dom Hélder Câmara é fruto de um intenso processo de mobilização e, fundamentalmente, de resistência desencadeado ao longo de vários anos pelo movimento, em comunhão com as famílias no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. Considerado um dos núcleos do MLB na RMR que mais obteve celeridade, quanto à construção, o conjunto em questão possui 200 moradias que foram edificadas em regime de mutirão autogestionado11 11 Ver dissertação acerca do tema e do núcleo D. Hélder Câmara em Silva (2012). , através da antiga linha de crédito que atendia a sociedade organizada (sindicatos, movimentos sociais, cooperativas etc.), denominada Crédito Solidário12 12 Programa desenvolvido pelo governo federal que permitia que famílias agrupadas em uma cooperativa, associação ou entidade privada sem fins lucrativos utilizassem o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) para compra ou reforma da casa própria com os seguintes agentes envolvidos: 1. Caixa Econômica Federal, operava financeiramente; 2. Ministério das Cidades, geria as aplicações; 3. Entidades representativas, que eram os agentes organizadores; 4. Poder público, que integrava-se como agente fomentador; e 5. Beneficiários, que eram as famílias. Todo o processo foi feito em regime de mutirão ou autoajuda, através das entidades que também realizavam a administração direta, entrega do projeto à CAIXA e do projeto técnico social. O Programa financiava 95% do valor total do investimento, enquanto as famílias contribuíam com 5%, que podiam ser integrados durante a execução da obra. Atualmente esse programa foi substituído pelo Programa Minha Casa Minha Vida Entidades (PMCMVE) (UNMP, 2016a). Ver mais detalhes sobre o Crédito Solidário em: UNMP (2016b). .

O núcleo Mulheres de Tejucupapo surge em novembro de 2007 também no bairro da Iputinga, em Recife, inicialmente com um número aproximado de 135 famílias, que se dividiam da seguinte forma: 15 famílias que não se encaixaram nos critérios restritivos colocados pelo Programa Crédito Solidário (PCS) na época do Núcleo D. Hélder Câmara e outras 120 famílias oriundas do bairro supracitado e outros circunvizinhos, que conheceram a proposta do MLB e a ideia de ocupar um imóvel através de amigos, vizinhos e parentes.

Em janeiro de 2012 foi assinado o contrato pelas famílias para a construção de 272 apartamentos em estilo “caixão” em quatro andares (térreo, primeiro, segundo e terceiro), com 35 m2 cada, uma pequena área de lazer comum para os moradores e a dotação da estrutura básica necessária (água, luz, ruas principais). O prazo de entrega ficou estabelecido inicialmente para 2014, entretanto, as obras estão paralisadas desde 2016, com apenas 40% do projeto inicial concluído (Figura 3). A companhia de habitação do Estado alega falta de recursos federais para o término, todavia, mesmo com este imbróglio, o MLB mantém as reuniões semanais para discutir novos informes e direcionar as famílias para mobilizações de retomada da construção e entrega das moradias.

Figura 3
- Situação do Habitacional Mulheres de Tejucupapo em 2016

No núcleo Ruy Frazão, o MLB realizou a ocupação com aproximadamente 300 famílias em 31 de janeiro de 2012, em um terreno pertencente à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). As demais foram sendo incorporadas à medida que a ocupação tomava força e corpo. Vários ocupantes possuíam trajetórias de vida bastante similares: donas de casa desempregadas, trabalhadores que viviam de bicos, moradores de áreas precárias da cidade que desejavam conquistar a casa própria. Em abril de 2012 é assinada, no auditório do Centro de Tecnologia da UFPE, a carta de anuência que destinaria um terreno 2,4 hectares no bairro de Afogados para as 350 famílias cadastradas no Núcleo Ruy Frazão, em articulação com a própria Universidade e o Ministério Público da União.

A aprovação do projeto para a construção das 350 moradias populares através do PMCMVE se deu em maio de 2016, como um dos últimos atos da presidente Dilma Rousseff (PT) antes do afastamento de 180 dias, porém foi suspensa com a chegada do novo governo. O movimento organiza uma série de mobilizações, tanto na esfera estadual como na esfera nacional, juntamente com outros movimentos sem-teto, no intuito de denunciar essa suspensão e exigir o imediato encaminhamento dos projetos aprovados.

A ocupação que desencadeou a formação dos atuais núcleos Mércia de Albuquerque I e II é resultante de um intenso processo de mobilização que durou cerca de 13 anos, até a conquista das primeiras moradias pelas famílias. Data especificamente de abril de 2003 a ocupação nas proximidades do bairro de Dom Hélder, Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. O local escolhido na época, nas proximidades da Lagoa do Náutico, possui extensas terras sem qualquer função social, áreas de difícil acesso e alagadiças, principalmente em épocas de fortes chuvas. Porém, utilizadas para a criminalidade, para o abandono de carcaça de carros roubados, enfim, um local que sequer entra no mapa do poder público na hora de qualquer intervenção político-social. Essa realidade é tão atual que diversos habitantes que margeiam a lagoa sofrem com a falta de saneamento, postos de saúde, transporte e área de lazer até hoje.

Após a conquista do terreno, as mobilizações ocorreram sistematicamente, para a regularização do imóvel, para a inserção das famílias em uma política de construção habitacional do governo federal (nesse caso, no Programa Minha Casa Minha Vida13 13 Há uma modalidade que opera com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) oriundos do Orçamento Geral da União (OGU) para atender a construção de unidades habitacionais e minimizar o déficit habitacional de famílias com renda de até R$ 1.600,00, considerando a estimativa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2008. A inscrição é feita pelo poder público (estados e municípios) que, encaminha a proposta de compra de terrenos e produção ou requalificação para a CAIXA. Após a análise e aprovação do projeto, a CAIXA contrata a operação e acompanha a execução da obra. Ver detalhes em: CEF (2016). ) ou mesmo para pressionar na aceleração das obras. Vale salientar que todo o processo de conquista desenvolveu-se com extrema morosidade por parte do poder público: até que as moradias de um dos núcleos (Mércia I) ficassem efetivamente prontas passaram-se 13 anos.

Em dezembro de 2015, as moradias do Núcleo Mércia I foram efetivamente entregues. Trata-se de um conjunto habitacional com 256 apartamentos com 41 m2 cada, construídos em prédio tipo “caixão” em quatro andares (Figura 4).

Figura 4
- Conjunto Habitacional Mércia de Albuquerque I concluído

O conjunto possui ainda quadra poliesportiva e um salão de festas para os moradores. Em parceria com o poder público municipal, o acesso ao conjunto e o saneamento básico necessário foram providos. Também foram articuladas parcerias com universidades para a realização do diagnóstico das famílias do núcleo, mecanismo exigido pela CAIXA para a liberação de valores. O Núcleo Mércia de Albuquerque II está em fase de finalização, sob a mesma política de cooperação com o poder público local.

Mobilizadores Precários e transformações do mundo do trabalho: a base social do MLB nos núcleos de ocupação

Na aplicação14 14 Foram realizados 50 questionários para cada um dos cinco núcleos analisados no ano de 2016, totalizando 250 questionários. Estes dados compuseram o trabalho de doutoramento do respectivo autor. dos questionários aos representantes-beneficiários das moradias conquistadas pelo movimento, pode-se perceber o grau de precarização e negação dos direitos sociais elementares a que a maioria das famílias está submetida.

Insere-se nesse contexto, por exemplo, a questão da profissão ou atividade exercida (Figura 5), uma vez que há uma parcela elevada de profissões precarizadas, típicas do capitalismo financeiro dependente e neoliberal, cuja produção e ideias se baseiam na sua flexibilização. O que podemos perceber desses indivíduos é sua inserção em trabalhos sem registro nos quais a ausência de direitos é uma constância, pela fragilidade ou inexistência dos mecanismos de defesa do trabalhador, como os sindicatos.

Figura 5
- Profissão/atividade exercida

O trabalho informal apresenta-se como um exemplo clássico dessa constatação: são vendedores autônomos, biscateiros e pessoas que realizam qualquer tipo de serviço por conta própria, caracterizando-se assim, na inexistência de uma especialidade e/ou formação específica, o que impossibilita, na maioria dos casos, a ascensão profissional ou mesmo as condições elementares de proteção e direitos trabalhistas.

Enquadram-se nesse levantamento, também, pedreiros, pintores, cortadores de grama, pessoas sem qualificação específica ou, ainda, outros profissionais que exercem qualquer atividade em troca de dinheiro. Resumindo, o que congrega esses trabalhadores, além da exploração, é a ausência do registro profissional, que garantiriam a eles direitos elementares como férias, 13º salário, auxílio doença, entre outros benefícios.

Sob a óptica da qualificação e escolaridade com que nos propusemos a analisar as características dos membros familiares: de acordo com os dados (Figura 6), há uma grande parcela de pessoas que concluíram o ensino médio, em torno de 42%, porém ainda há, também, um grande número de beneficiários que sequer terminaram o ensino fundamental, cerca de 24%, contra 9% que conseguiram finalizar o fundamental. Os números demonstram uma qualificação de nível superior bem tímida, apenas em torno de 8% concluíram ou ainda estão por concluir.

Figura 6
- Escolaridade dos beneficiários

A baixa qualificação parece ser uma característica intrínseca dos entrevistados, interferindo diretamente em sua inserção no mercado formal. Mesmo os membros que concluíram o ensino médio, os que estão cursando o ensino superior ou prestes a concluí-lo não possuem a garantia de conquistar melhores empregos no mercado, num país no qual as condições da educação elementar são sofríveis e as da educação superior privada, que passou por uma expansão imensurável para atender ao mercado, especialmente através da reforma educacional na gestão de Fernando Henrique Cardoso (Haddad & Graciano, 2004Haddad, S., & Graciano, M. (2004). Educação: direito universal ou mercado em expansão. São Paulo em Perspectiva, 18(3), 67-77. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392004000300008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392004...
).

Grande parte das famílias analisadas vive ou vivia em corredores de quartos ou cômodos alugados (Figura 7). No geral, são beneficiários que habitam locais muito pequenos, alguns com apenas um quarto, pequena sala, banheiro e cozinha, tudo isso edificado em aproximadamente 25 m2.

Figura 7
- Situação de moradia antes de engajar-se no MLB

Alguns “empreendedores” locais, como funcionários públicos, trabalhadores autônomos ou comerciantes que moram no bairro, se dedicaram a construir, paulatinamente, esses “cômodos” em terrenos comprados, de herança ou mesmo no espaço de sua residência (as chamadas lajes ou “puxadinhos”), transformando assim os imóveis que possuem em quartos ou casas com pequenos cômodos ou ainda casas na parte superior da sua, pelas quais se pode cobrar um aluguel que varia, em média, entre R$ 200,00 e R$ 500,00, dependendo do tipo de habitação, da localização (próximo de paradas de ônibus, comércio, escolas etc.) e da estrutura de saneamento disponibilizada para o bairro pelo poder público.

A grande questão que pode ser colocada nessa avaliação é quanto à oneração que a casa, o cômodo ou o quarto se reflete na renda familiar mensal dos beneficiários, ou seja, o comprometimento da renda para saldar a dívida com a moradia. Nessa conjuntura, pode-se acrescentar que a renda mensal se baseia em valores que não ultrapassam o salário-mínimo, para boa parte dos representantes familiares entrevistados (Figura 8). Creditamos isso à imagem do beneficiário como sendo uma das figuras mais importantes da composição da renda familiar, porque é, exatamente, o homem e, majoritariamente, a mulher que assume a situação de responsável pela renda familiar, baseando-se nas condições de trabalho que analisamos anteriormente, isto é, domésticas, vendedores, pequenos comerciantes, trabalhadores autônomos, entre outros, para garantir no final do mês, ao menos, um salário-mínimo.

Figura 8
- Renda familiar mensal

É verdade que muitos deles realizam alguma atividade “por fora”, como as vendedoras de cosméticos, por exemplo, que exercem suas funções paralelamente à rotina diária através da venda aos colegas de trabalho, de curso, aos patrões, aos donos das casas que limpam semanalmente e, ao final, muitas vezes, conseguem até superar o salário-mínimo.

Porém essas são atividades extremamente irregulares e que sofrem com as oscilações do mercado e do “empenho da vendedora”. Se há uma dedicação plena à atividade no mês, significando a realização de um trabalho excedente, além da sua função cotidianamente realizada, o indivíduo possui grandes chances de garantir um bom valor extra, porém isso dificilmente acontece na prática.

Alguns deles estão inseridos em programas sociais de transferência de renda como Bolsa Família, Bolsa Escola e auxílio moradia (Figura 9). Esses programas desempenham uma função importante, pois contribuem para o aumento da renda e do consumo, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, como explica Araújo (2013)Araújo, T. B. (2013). O Nordeste ainda resiste. João Pessoa: Reviste Nordeste. Recuperado em 20 dezembro de 2016, de http: //http://www.revistanordeste.com.br/coluna/taniabacelar/
http://www.revistanordeste.com.br/coluna...
:

Figura 9
- Auxílios de programas de transferência de renda

[...] o Nordeste se deu bem. O impacto positivo da massificação das políticas de transferência de renda e do aumento real do salário mínimo se associaram a ampliação do crédito e a região, junto com o Norte, passa a liderar o crescimento das vendas no varejo do país.

Portanto, as políticas de transferência de renda têm um peso significativo na vida de dezenas de famílias que integram o movimento, porque são beneficiários que utilizam os parcos recursos repassados pelo governo para ajudar na compra de gêneros alimentícios, itens de higiene pessoal, medicamentos, roupas, gás de cozinha, entre outros. Eles terminam por funcionar como um valor adicional e fundamental para complementar a renda familiar, em função exatamente das oscilações a que estão submetidos, tanto no fator econômico, quanto no social.

Considerações finais

Fundamentalmente, essa heterogênea classe trabalhadora, integrante desse movimento social aqui analisado é caracterizada não somente pela sua inserção entre os meios privados de produção e entre as forças produtivas (como força de trabalho barata e degradada) mas também pelo seu baixo grau de instrução, pelas péssimas condições de moradia e/ou habitabilidade, pelos mecanismos de acesso ou a negação dos direitos mais básicos e elementares da cidadania, como hospitais e escolas de qualidade, pela fragilidade de acesso ao transporte público, pela ausência de uma empregabilidade digna e do respeito às leis trabalhistas, pela fragmentação ou inexistência de sindicatos representativos fortes, pela resignação no trabalho em virtude do medo do desemprego, pela limitação quanto ao acesso às áreas de lazer e ao espaço público, pelo comprometimento de grande parcela de sua renda para pagar o aluguel. Enfim, é uma coletividade significativa de homens e mulheres inseridos na condição de precarizados e explorados pelo capitalismo monopolista.

As famílias que integram o movimento constituem-se de pessoas que enxergam na mobilização social e na organização uma possibilidade de mudança socioeconômica, de inserção cidadã e de garantia a um bem elementar e essencial como princípio básico dos direitos humanos, consagrado, em convenções internacionais e na Constituição Brasileira, que é o direito à moradia. Entretanto, é um bem altamente manipulado pelo capitalismo monopolista e pelas corporações imobiliárias, sejam elas de médio ou grande porte, inclusive com a anuência do Estado.

Os territórios ou os locais comumente chamados de núcleos pelo movimento se caracterizam também por unidades de representação política, representação essa que as famílias constroem do mundo (desigual), territórios de estilos de vida solidária. Esse agrupamento de indivíduos, num contexto social específico, de despertar para a luta popular, são os que denominamos de Mobilizadores Precários, atuando num contexto eminentemente urbano e de inquietude pessoal e coletiva.

É inegável a importância das ações insurgentes do movimento na democratização do espaço urbano, mas é preciso avançar para conquistar territórios verdadeiramente transformadores; romper com a dimensão da minimização do sofrimento através de políticas e ações pontuais; conquistar verdadeiramente os direitos civis (direito à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei), os direitos políticos (direito à participação do cidadão no governo, na sociedade) e os direitos sociais (direito a educação, ao trabalho, a salário justo, a saúde e a aposentadoria), uma vez que a luta pelo direito à cidade é uma luta extremamente atual. Logo, os mecanismos criados pelo acesso dos movimentos sociais às instâncias deliberativas do Estado (políticas públicas) não podem ser encarados como um fim mas como um meio fundamental de conquistas efetivamente consistentes.

Os movimentos precisam garantir sua autonomia, romper com a política de inserção de quadros na esfera administrativa, reacender lutas históricas e que foram esquecidas, como a reforma urbana e a democratização do espaço urbano, desenvolver um calendário de mobilização local/regional e propor alternativas ao modelo rentista e corporativo que estão modelando as cidades brasileiras. Promovendo, portanto, territórios humanizados e mais democráticos.

  • 1
    Importante reflexão faz Carlos Vainer (2013)Vainer, C. (2013). Quando a cidade vai às ruas. In E. Maricato (Ed.), Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (1a ed). São Paulo: Boitempo. sobre a transformação das cidades em espaços da racionalização e funcionalização, sob a égide do neoliberalismo. Ver sua análise em um dos capítulos do livro: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil.
  • 2
    Um belo e interessante trabalho é o de David Harvey (2005)Harvey, D. (2005). O novo imperialismo (2a ed.). São Paulo: Edições Loyola., denominado: A produção capitalista do espaço (ver referências). Ao caracterizar o empreendedorismo na governança urbana em cidades americanas, ele cita três exemplos tácitos: 1. O desenvolvimento da noção de “parceria público-privada”; 2. A atividade da parceria público-privada como sendo especulativa, ou seja, sujeita ao movimento do capital; e 3. Os investimentos focam mais o lucro a projetos de benefício coletivo. Os recentes projetos no Brasil, para a construção dos estádios da copa, exemplificam essas características.
  • 3
    Ver as definições de Standing (2015)Standing, G. (2015). O precariado: a nova classe perigosa (Trad. Cristina Antunes, 1a ed.). Belo Horizonte: Autêntica. sobre o precariado: “[...] exército de desempregados e um grupo separado de pessoas hostis socialmente desajustadas, vivendo à custa da escória da sociedade” (Standing, 2015Standing, G. (2015). O precariado: a nova classe perigosa (Trad. Cristina Antunes, 1a ed.). Belo Horizonte: Autêntica., p. 25). Outras características que o autor associa a essa classe é a insegurança de vínculo empregatício, a renda precária e vulnerável, a heterogeneidade na composição e a raiva diante da frustração da vida cotidiana. Para descrever o contexto eminentemente europeu, Standing sinaliza que o precariado vive sobre uma fronteira, isso é, exposto entre as ações reacionárias propagadas por políticos populistas (movimentos anti-imigração, por exemplo) e ações progressistas e democráticas (luta pelos direitos sociais e trabalhistas).
  • 4
    No campo trabalhista, são introduzidas novas técnicas de gestão da força de trabalho, ocorrendo uma intensificação da terceirização, bem como o incremento de alta tecnologia, juntamente com o sistema de robótica, ocasionando o aumento da produtividade e a diminuição do capital variável em relação ao capital fixo. Mesmo com essa complexificação, há uma tendência à geração da mais-valia e uma exploração do emprego em vários segmentos, um claro exemplo é a informalidade, que assola boa parte da população brasileira. Essas características motivaram a desproletarização do trabalho industrial e o aumento do subproletariado, principalmente no setor de serviços, com o serviço mal remunerado e precarizado, além da complexificação e fragmentação da classe trabalhadora (Antunes, 2000 apud Goulart, 2011Goulart, D. C. (2011). O anticapitalismo do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília.).
  • 5
    Com o refluxo das lutas operárias do final do século XX para os dias atuais, Machado (2009)Machado, E. (2009). Movimentos populares na América Latina: paradoxos das lutas anti-sistêmicas? Lutas Sociais, 2(23), 32-42. Recuperado em 20 de junho de 2016, de http://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/viewFile/18929/14093
    http://revistas.pucsp.br/index.php/ls/ar...
    discute o protagonismo das lutas antissistêmicas latino-americanas ocupadas por movimentos populares ligados às demandas “emergenciais” (emprego, reforma agrária, reforma urbana etc.). Uma complexa formação do proletariado em classe que organiza resistências à dominação neoliberal, incorporando nesses movimentos o que o autor definiu de “subproletário” e “semiproletário”. O primeiro grupo (urbanos) seriam os assalariados de baixa renda (“peões” da construção civil, bóias-frias etc.), autônomos de baixa renda (engraxates, vendedores de rua, encanadores etc.) e não remunerados (indivíduos que trabalham para os produtores simples de mercadoria), sendo ainda caracterizados pela falta de organização política e sindical, além da inserção mais ou menos regular no mercado e nível salarial. Já os “semiproletários” rurais integram o campesinato pobre, isto é, uma ampla força de trabalho a serviço do capital em seu processo de expansão.
  • 6
    Concordamos com Gurvitch (1981)Gurvitch, G. (1981). As classes sociais. São Paulo: Global. acerca de alguns critérios fundamentais que distinguem as classes dos outros grupamentos particulares: 1. As classes sociais são agrupamentos de fato (ricos em conteúdos e fortemente constituídos); 2. As classes exprimem uma unidade coletiva suprafuncional (englobam grupamentos unifuncionais e multifuncionais); 3. As classes possuem uma incompatibilidade radical entre elas; 4. As classes possuem uma resistência à penetração da sociedade global (ou ordem capitalista dominante), porém dois itens que complementam tais critérios colocados pelo autor não se adequam ao caráter da nossa pesquisa, ou seja: As classes sociais são agrupamentos à distância (não pertencem a grupamentos “íntimos” reunidos permanente ou periodicamente) e são grupamentos que permanecem sempre inorganizados (se exprimem através de uma organização), por levar em consideração a importância do papel do movimento e os mecanismos organizativos que incluem uma participação efetiva.
  • 7
    Alguns integrantes que atuaram na ocupação da Vila Corumbiara desencadearam a formação de um grupo que consolidou e incentivou a fundação do MLB no ano de 1999, ao lado de outras lideranças que atuavam em vários estados do país. Os aspectos ideológicos que norteiam o movimento na atualidade são: a luta pela reforma urbana e a luta pelo socialismo, portanto, elementos essenciais à construção de territorialidades diferentes.
  • 8
    O movimento sintetiza sua apresentação no site oficial da seguinte forma: O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) é um movimento social nacional que luta pela reforma urbana e pelo direito humano de morar dignamente. Somos um movimento formado por milhares de famílias sem-teto de todo o país vítimas da ação predatória da especulação fundiária e imobiliária. Acreditamos que a reforma urbana é um meio, um instrumento; ela faz parte da luta maior da classe trabalhadora para construir uma sociedade diferente, com igualdade, dignidade e direitos para todos: a sociedade socialista. Para o MLB, a luta pela moradia é o motor principal da luta pela reforma urbana, pois através dela conseguimos mobilizar milhares de pessoas, pressionar os governos e chamar a atenção para os problemas enfrentados pelo povo pobre nas grandes cidades. Nesse sentido, têm importância fundamental a organização e realização das ocupações. A ocupação educa o povo para a necessidade de lutar organizado e desenvolve o espírito de trabalho coletivo. Ocupar é um ato de rebeldia, de confronto com a ordem estabelecida, de questionamento à sagrada propriedade privada capitalista. Logo, enquanto morar dignamente for um privilégio, ocupar é um dever! (MLB, 2016Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB. (2016). Essa luta é pra valer!. Recuperado em 15 de janeiro de 2016, de www.mlbbrasil.org/our_team
    www.mlbbrasil.org/our_team...
    ).
  • 9
    Pensando a médio prazo pelo movimento, o imóvel a ser ocupado precisa ainda possuir as condições básicas para atender as necessidades diárias das famílias, ou seja, precisa ter fácil acesso às infraestruturas fundamentais como linhas de transporte coletivo, proximidade com áreas centrais, em função da disponibilidade de serviços essenciais como hospitais e órgãos públicos, proximidade de creches, escolas e áreas de lazer para atendimento dos filhos dos ocupantes, além do acesso a pequenos comércios locais.
  • 10
    Recife é a capital do Estado de Pernambuco, sendo a maior cidade do ponto de vista populacional, com 1.537.704 habitantes (IBGE, 2010aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010a). Censo demográfico ano 2010. Brasília: IBGE.), limitando-se com os municípios de Jaboatão dos Guararapes, São Lourenço da Mata, Camaragibe, Paulista e Olinda. Como outras capitais do país, ela reflete o cenário de desigualdade e contradições no espaço urbano, desencadeando conflitos e disputas políticas. De acordo com a Fundação João Pinheiro (FJP, 2013Fundação João Pinheiro – FJP. Centro de Estatística e Informações. (2013). Déficit habitacional municipal no Brasil. Belo Horizonte: FJP. Recuperado em 10 janeiro de 2017, de http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/produtos-e-servicos1/2742-deficit-habitacional-no-brasil-3/
    http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/produ...
    ), o Nordeste figura entre as regiões do país com elevado déficit habitacional absoluto, com 1,844 milhão de moradias em 2013, bem como quando se avaliam as habitações precárias, com 31% do peso do déficit, ou seja, o maior índice entre todas as regiões pesquisadas. Já no quadro da RMR o índice absoluto chega a 100.870 habitações, sendo 97.643 urbanas e 3.227 em áreas rurais. De acordo com o levantamento da Ong Habitat para a Humanidade Brasil, o déficit de moradias no Recife em 2015 era de aproximadamente 62.687 residências (Schiaffarino, 2015Schiaffarino, J. (2015, 10 de junho). Discussão sobre déficit habitacional no Recife. Recife: Diário de Pernambuco. Recuperado em 22 de maio de 2016, de www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2015/06/10/interna_politica,580587/discussao-sobre-deficit-habitacional-no-recife.shtml). Já o município de Jaboatão localiza-se no litoral do Estado de Pernambuco e possui uma extensão territorial de 256 km2, limitando-se ao norte com Recife e São Lourenço da Mata, ao sul com o Cabo de Santo Agostinho, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Moreno. Configura-se como um dos maiores da RMR, com uma população total de 644.620 habitantes em 2010 e uma população estimada para o ano de 2015 de 686.122 habitantes (IBGE, 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Cidades: Informações sobre os municípios brasileiros. Brasília: IBGE. Recuperado em 5 de dezembro de 2016, de http: //http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php/
    http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.ph...
    ). Apesar de ser o segundo município em arrecadação, ficando atrás da capital do Estado, os índices de desigualdade materializam-se em vários setores. No que se refere aos dados sobre déficit habitacional, por exemplo, a Fundação João Pinheiro calculou que o déficit era de 20.384 habitações, correspondendo a 10,5% dos domicílios do município (FJP, 2011Fundação João Pinheiro – FJP. (2011). Déficit habitacional no Brasil 2008. Belo Horizonte: Convênio PNUD/Ministério das Cidades.).
  • 11
    Ver dissertação acerca do tema e do núcleo D. Hélder Câmara em Silva (2012)Silva, C. F. (2012). O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a política de autogestão: análise de uma experiência no bairro da Iputinga, Recife-PE (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa..
  • 12
    Programa desenvolvido pelo governo federal que permitia que famílias agrupadas em uma cooperativa, associação ou entidade privada sem fins lucrativos utilizassem o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) para compra ou reforma da casa própria com os seguintes agentes envolvidos: 1. Caixa Econômica Federal, operava financeiramente; 2. Ministério das Cidades, geria as aplicações; 3. Entidades representativas, que eram os agentes organizadores; 4. Poder público, que integrava-se como agente fomentador; e 5. Beneficiários, que eram as famílias. Todo o processo foi feito em regime de mutirão ou autoajuda, através das entidades que também realizavam a administração direta, entrega do projeto à CAIXA e do projeto técnico social. O Programa financiava 95% do valor total do investimento, enquanto as famílias contribuíam com 5%, que podiam ser integrados durante a execução da obra. Atualmente esse programa foi substituído pelo Programa Minha Casa Minha Vida Entidades (PMCMVE) (UNMP, 2016aUnião Nacional Por Moradia Popular – UNMP. (2016a). Programas habitacionais. Brasília: UNMP. Recuperado em 18 de abril de 2016, de www.unmp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=277:a-resolucao-do-novo-credito-solidario-saiu&catid=75:minha-casa-minha-vida-entidades&Itemid=98). Ver mais detalhes sobre o Crédito Solidário em: UNMP (2016b)União Nacional Por Moradia Popular – UNMP. (2016b). Programa Crédito Solidário. Brasília: UNMP. Recuperado em 18 de abril de 2016, de http://www.unmp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=189:programa-credito-solidario&catid=64:credito-s
    http://www.unmp.org.br/index.php?option=...
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    Há uma modalidade que opera com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) oriundos do Orçamento Geral da União (OGU) para atender a construção de unidades habitacionais e minimizar o déficit habitacional de famílias com renda de até R$ 1.600,00, considerando a estimativa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2008. A inscrição é feita pelo poder público (estados e municípios) que, encaminha a proposta de compra de terrenos e produção ou requalificação para a CAIXA. Após a análise e aprovação do projeto, a CAIXA contrata a operação e acompanha a execução da obra. Ver detalhes em: CEF (2016)Caixa Econômica Federal – CEF. (2016). Programa Minha Casa Minha Vida. Brasília: CAIXA. Recuperado em 8 outubro de 2016, de http://www.caixa.gov.br/poder-publico/programas-uniao/habitacao/minha-casa-minha-vida/Paginas/default.aspx
    http://www.caixa.gov.br/poder-publico/pr...
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    Foram realizados 50 questionários para cada um dos cinco núcleos analisados no ano de 2016, totalizando 250 questionários. Estes dados compuseram o trabalho de doutoramento do respectivo autor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2018
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2017
  • Aceito
    27 Set 2017
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