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Atividades criativas, especialização inteligente e oportunidades para os territórios urbanos de pequena dimensão: o caso do carnaval de Estarreja

Creative activities, smart specialization, and opportunities for small urban areas: the Estarreja’s carnival case

Resumo

No quadro da consolidação da sociedade do conhecimento, da aprendizagem e da criatividade, os territórios têm tido a necessidade de reajustar as suas estratégias em torno de atividades criativas, que consubstanciam novas lógicas de desenvolvimento territorial e de política pública. Partindo da contextualização da especialização inteligente no quadro das políticas públicas europeias e da importância das atividades e dos recursos criativos, a investigação pretende identificar novas oportunidades para territórios urbanos de pequena dimensão no sentido de redefinir as suas estratégias de desenvolvimento local. A investigação surge no sentido de realizar uma discussão em torno da valorização de dinâmicas culturais e criativas que promovam o desenvolvimento integrado e transversal dos diferentes atores e do seu território. Foi utilizado como referência de estudo o município de Estarreja (Portugal) enquanto espaço urbano de pequena dimensão com uma trajetória de especialização industrial no passado, mas com algumas dinâmicas criativas atuais. Com efeito, pretende-se discutir a exequibilidade da aplicação dessa matriz estratégica no âmbito das atuais políticas públicas de desenvolvimento.

Palavras-chave:
Criatividade; Atividades/recursos culturais e criativos; Especialização inteligente; Territórios urbanos de pequena dimensão; Estarreja

Abstract

In the context of consolidation of a society of knowledge, learning, and creativity, urban territories have had to readjust their strategies around creative activities, constituting new logic of territorial development and public policy. Building on the contextualization of smart specialization within the framework of European public policies and the importance of creative activities and resources, this study intends to identify new opportunities for small urban areas in order to redefine their local development strategies. The study aims to promote a debate on the valorization of cultural and creative dynamics that promote integrated and transversal development of the different actors and their territory. The municipality of Estarreja, Portugal, was used as a reference in the context of a small urban space with a past trajectory of industrial specialization, but with some current creative dynamics. In fact, this study intends to discuss the feasibility of applying this strategic matrix within the scope of current public development policies.

Keywords:
Creativity; Cultural and creative activities/resources; Intelligent specialization; Small urban spaces; Estarreja

Introdução

A importância da criatividade surge com a solidificação da nova economia, das novas tecnologias de informação e comunicação e da inovação. As sociedades e as regiões perceberam que deveriam reformular as suas estratégias no que se refere à educação, à liderança, à dinâmica empresarial, às relações institucionais e aos processos de aprendizagem e conhecimento. A partir do início do século XXI,

[...] a criatividade ultrapassou as barreiras da investigação académica e entrou para o campo da elaboração de políticas nacionais e regionais, passando a fazer parte de agendas de importância global ( Fundação Serralves, 2008 Fundação Serralves. (2008). Estudo macroeconómico: desenvolvimento de um cluster de indústrias criativas na região do Norte. Porto: Fundação Serralves. , p. 14).

Ao longo dos tempos, os processos de desenvolvimento local/regional têm surgido fortemente associados à criatividade, sendo que os elementos que os sustentam têm na sua gênese a criatividade dos indivíduos, das empresas, das instituições e dos diversos ativos territoriais. A criatividade urbana e a economia criativa acabam por ser denominadores comuns nos territórios urbanos atuais (diferentes escalas) e nas trajetórias adotadas a partir de alicerces do conhecimento e da inteligência territorial ( Hall, 2000 Hall, P. (2000). Creative cities and economic development. Urban Studies , 37(4), 639-649. http://dx.doi.org/10.1080/00420980050003946.
http://dx.doi.org/10.1080/0042098005000...
; Landry, 2006 Landry, C. (2006). Lineages of the creative city. Research Journal for Creative Cities, 1(1), 15-23. ; Costa et al., 2008 Costa, P., Magalhães, M., Vasconcelos, B., & Sugahara, G. (2008). On creative cities governance models: a comparative approach. Service Industries Journal , 28(3), 393-413. http://dx.doi.org/10.1080/02642060701856282.
http://dx.doi.org/10.1080/0264206070185...
, 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. ; Evans, 2009 Evans, G. (2009). Creative cities, creative spaces and urban policy. Urban Studies , 46(5-6), 1003-1040. http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103853.
http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103...
; Florida, 2008 Florida, R. (2008). Who's your city? How the creative economy is making where to live the most important decision of your life. Nova Iorque: Basic Books. ; Komninos, 2014 Komninos, N. (2014). The age of intelligent cities: smart environments and innovation-for-all strategies. Nova Iorque: Routledge. , 2016 Komninos, N. (2016). Intelligent cities and the evolution toward technology-enhanced, global and user-driven territorial systems of innovation. In R. Shearmu, C. Carrincazeaux, & and D. Doloreux (Eds.), Handbook on the geographies of innovation (pp. 187-200). Northampton: Edward Elgar. ; Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ; Fernandes et al., 2016 Fernandes, R., Gama, R., & Barros, C. (2016). Dinâmicas empresariais, redes de inovação e competitividade territorial no Centro Litoral (Portugal): uma leitura a partir dos instrumentos de apoio da Agência de Inovação (AdI). In F. Velez, J. Fernandes, & R. Gama (Eds.), Redes, capital humano e geografias da competitividade (pp. 142-179). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1197-6_5.
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1...
; Gama et al., 2018 Gama, R., Barros, C., & Fernandes, R. (2018). Science policy, R&D and knowledge in portugal: an application of social network analysis. Journal of the Knowledge Economy , 9(2), 329-358. http://dx.doi.org/10.1007/s13132-017-0447-3.
http://dx.doi.org/10.1007/s13132-017-04...
).

A criatividade está sendo encarada como uma força motriz econômica e social preponderante para a criação de mais-valias, vantagens competitivas e diferenciação dos territórios ( Landry, 2006 Landry, C. (2006). Lineages of the creative city. Research Journal for Creative Cities, 1(1), 15-23. ; Costa et al., 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. ; Evans, 2009 Evans, G. (2009). Creative cities, creative spaces and urban policy. Urban Studies , 46(5-6), 1003-1040. http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103853.
http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103...
; Flew, 2012 Flew, T. (2012). The creative industries, culture and policy. Londres: Sage. http://dx.doi.org/10.4135/9781446288412.
http://dx.doi.org/10.4135/9781446288412...
; Vale, 2015 Vale, M. (2015). Suburbs in the cognitive-cultural capitalist economy: limits to the suburban knowledge and creative strategies in Madrid and Lisbon. In J. T. Miao, P. Benneworth, & N. A. Phelps (Eds.), Making 21st century knowledge complexes: technopoles of the world revisited. Londres: Routledge. ). A redefinição dos processos de desenvolvimento (principalmente locais e regionais) encontrou nas dinâmicas criativas “respostas” à crescente globalização e aos problemas de escala, sublinhando-se a importância das ligações entre a economia, a tecnologia, a cultura, a criatividade, o bem-estar e a qualidade de vida das populações e dos ativos territoriais ( Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ).

Em paralelo, as dinâmicas e os recursos ancorados à criatividade têm recentralizado as orientações e os processos de operacionalização de governança urbana e regional, exigindo, cada vez mais, um ajustamento e uma redefinição de políticas públicas e dos conceitos de espaço urbano dinâmico (exemplo das smart cities) ( Van Winden et al., 2012 Van Winden, W., Carvalho, L., Van Tuijl, E., Van Haaren, J., & Van den Berg, L. (2012). Creating knowledge locations in cities: inovation and integration challenges . Londres: Routledge. ; Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ; Carayannis & Grigoroudis, 2016 Carayannis, E., & Grigoroudis, E. (2016). Quadruple innovation helix and smart specialization: knowledge production and national competitiveness. Foresight and STI Governance , 10(1), 31-42. http://dx.doi.org/10.17323/1995-459x.2016.1.31.42.
http://dx.doi.org/10.17323/1995-459x.20...
; Gama et al., 2018 Gama, R., Barros, C., & Fernandes, R. (2018). Science policy, R&D and knowledge in portugal: an application of social network analysis. Journal of the Knowledge Economy , 9(2), 329-358. http://dx.doi.org/10.1007/s13132-017-0447-3.
http://dx.doi.org/10.1007/s13132-017-04...
). Nesse contexto, o surgimento de estratégias de desenvolvimento têm definido novas lógicas de posicionamento em relação a diferentes escalas, sendo que os diferentes eixos e lógicas de ação (estratégica) assumem um potencial papel promotor desse tipo de estratégia territorial de desenvolvimento.

Metodologia e estrutura da investigação

Reconhecendo a importância da criatividade (territorial) e de um conjunto emergente de atividades culturais e/ou criativas, optou-se por adotar uma metodologia que valorizasse os territórios urbanos de menor dimensão no sentido de tentar compreender as características e os impactos dessas dinâmicas. Em um sentido operacional e prospectivo, pretende-se estudar as diferentes forças catalisadoras e as trajetórias das dinâmicas criativas e inovadoras para os territórios urbanos de menor dimensão.

Para além de uma revisão da literatura, torna-se importante, em termos metodológicos, “personificar” essas dinâmicas, considerando uma constante lacuna de competitividade diante dos centros urbanos de maior dimensão. Com a opção por territórios com características “urbano-industriais” e de menor dimensão, o município de Estarreja mostrou-se um bom estudo de caso quanto à transição de dinâmicas econômicas mais tradicionais (indústria transformadora) para dimensões de desenvolvimento ancoradas na cultura e na criatividade.

Pensado no largo espectro temático associado à criatividade, optou-se por discutir a representatividade e a potencialidade das indústrias criativas no caso de Estarreja, centrando o foco da análise no carnaval de Estarreja. Para além de ser encarado inicialmente como um evento que se desenvolve nesse espaço urbano, o carnaval é pensado como um elemento dinâmico de desenvolvimento local que se personifica diretamente em um conjunto de indústrias culturais e criativas dinâmicas e com forte ancoragem local. Se Florida (2004) Florida, R. (2004). Cities and the creative class. Londres: Routledge. identifica as indústrias criativas com base na classe e na dinâmica criativa, Landry (2003) Landry, C. (2003). The creative city: a toolkit for urban innovators. Londres: Earthscan Publications. encara-as como indústrias baseadas na criatividade, nas competências, nas capacidades e no talento individual. Essas indústrias têm um forte potencial para criar emprego a partir da propriedade intelectual e amenizar as diferenças de escala, principalmente no quadro da definição de políticas de desenvolvimento para espaços de pequena dimensão ( Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ).

Em termos metodológicos, partindo do estudo de caso do município de Estarreja e do carnaval como uma indústria criativa nodal para o desenvolvimento local e urbano, é central perceber os papéis e as dinâmicas dos principais agentes propulsores, o surgimento (ou a solidificação) de novas atividades e o papel do novo quadro de políticas associadas à especialização inteligente. Essa estrutura de investigação visa identificar novas oportunidades para territórios urbanos de pequena dimensão no sentido de redefinir as suas estratégias de desenvolvimento em torno da criatividade e da matriz estratégica das políticas públicas atuais.

Os principais aspectos metodológicos e objetivos da presente investigação estão organizados em seis seções. Inicialmente, é feita uma introdução na qual é apresentada a temática e os objetivos, seguida por uma apresentação da estrutura da investigação e dos principais aspectos metodológicos. Na seção 3, faz-se uma revisão da literatura que permite, a priori, ancorar a análise mais empírica e os resultados apresentados no ponto 4, o qual posiciona a análise no quadro da estratégia de especialização inteligente, explora e discute a dinâmica específica, as características e a dimensão prospectiva do caso de estudo do carnaval de Estarreja.

Com base na análise localizada e específica, existe uma tentativa de apontar estratégias, iniciativas, alterações e um “embrião” de um modelo de operacionalização do processo de desenvolvimento de Estarreja em torno da criatividade, do carnaval e das orientações de política no quadro da especialização inteligente. Por último, são apontadas as principais notas finais, com a inserção das conclusões, a identificação dos principais contributos da investigação realizada e o estabelecimento de novos desafios e metas para a investigação futura.

Das “indústrias” às cidades criativas: novas lógicas de desenvolvimento local

A dinâmica das atividades e dos recursos criativos fomenta o surgimento de novos tipos de atividade que começam a se estabelecer como os principais alicerces da economia e da indústria cultural e criativa. Todavia, a tradução atual é o reflexo da evolução do conceito inicial de “indústria cultural”, que surgiu no período do pós-guerra com base na combinação da criação, produção e comercialização de conteúdos intangíveis e/ou culturais por natureza. A importância dessas indústrias começou a ser mais evidente a partir dos anos de 1970 com base nos estudos de economia da cultura, referindo-se ao

[...] conjunto das atividades económicas que aliam funções de concessão, criação e produção a funções mais industriais de produção e comercialização em larga escala, através do uso de materiais de suporte ou de tecnologias da comunicação ( Mateus, 2010 Mateus, A. (2010). O setor cultural e criativo em Portugal. Lisboa: GPEARI. Relatório final de estudo para o Ministério da Cultura, Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. , p. 15).

As indústrias culturais devem ser consideradas as atividades envolvidas na produção e distribuição de bens simbólicos cujo valor está associado aos seus conteúdos, ao que representam e significam. Essas indústrias são centrais na “[...] promoção e manutenção da diversidade cultural e no acesso democrático à cultura”, acabando por traduzir o cruzamento entre cultura e economia ( UNCTAD, 2008 United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD. (2008). Creative economy report 2008: the challenge of assessing the creative economy: towards informed policy-making . Nova Iorque: UNCTAD. , p. 11). Esses pressupostos fazem com que se identifique uma economia cultural cada vez mais sólida, assente na criatividade individual e, principalmente, na dinâmica das indústrias culturais e nas políticas de desenvolvimento transversais em diferentes pontos do globo ( Hall, 2000 Hall, P. (2000). Creative cities and economic development. Urban Studies , 37(4), 639-649. http://dx.doi.org/10.1080/00420980050003946.
http://dx.doi.org/10.1080/0042098005000...
; Costa et al., 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. ; Evans, 2009 Evans, G. (2009). Creative cities, creative spaces and urban policy. Urban Studies , 46(5-6), 1003-1040. http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103853.
http://dx.doi.org/10.1177/0042098009103...
).

Segundo Mateus (2010) Mateus, A. (2010). O setor cultural e criativo em Portugal. Lisboa: GPEARI. Relatório final de estudo para o Ministério da Cultura, Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. , as atividades e as indústrias culturais refletem a evolução socioeconômica, os processos de globalização e a inserção tácita das tecnologias de informação e comunicação (TICs), começando a derivar no sentido de uma conceptualização mais relacionada com a criatividade. Os elementos artísticos e culturais começaram por ser um objeto muito limitado, fazendo cada vez mais sentido cruzar a dimensão cultural com as artes criativas, emergindo as denominadas indústrias criativas. Ao mesmo tempo, observou-se um crescimento da atenção dada a essas “indústrias” e ao retorno que poderão ter em um quadro de aprendizagem, conhecimento e economia. Os produtos criativos, independentemente da simplicidade do seu formato físico, começaram a assentar no conteúdo que transmitem ou no significado que têm e no valor acrescentado que poderá criar.

Essas indústrias caracterizam-se por ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam a criatividade e a propriedade intelectual como principais inputs. São constituídas por um conjunto de atividades baseadas na “aprendizagem-conhecimento” e focalizadas em dimensões culturais que potencializam a geração de contrapartidas por meio da comercialização dos direitos da propriedade intelectual e artística associada. Essa abordagem encara as indústrias criativas como o conjunto de produtos (in)tangíveis e serviços intelectuais e culturais/artísticos com valor econômico e objetivos de mercado. Independentemente da subjetividade existente em diferentes países no que se refere à classificação das indústrias criativas, a UNCTAD (2008) United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD. (2008). Creative economy report 2008: the challenge of assessing the creative economy: towards informed policy-making . Nova Iorque: UNCTAD. identifica nove setores de ação ( Figura 1 ).

Figura 1
- Classificação das indústrias criativas da UNCTAD (2008) United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD. (2008). Creative economy report 2008: the challenge of assessing the creative economy: towards informed policy-making . Nova Iorque: UNCTAD.

Partindo da gênese do conceito de criatividade, a economia criativa surge, de forma efetiva, com base na relação entre criatividade e economia. Esse autor utiliza o conceito a partir de um largo conjunto de atividades, desde as artes até os campos mais amplos da ciência e da tecnologia, fazendo uma divisão entre a criatividade específica dos indivíduos (relacionada com uma dimensão artística) e a criatividade mais comercial (direcionada ao produto e vincada nas sociedades industrializadas e inovadoras) ( Flew, 2013 Flew, T. (2013). Creative industries and urban development: creative cities in the 21st century. Londres: Routledge. ; Goldberg-Miller, 2017 Goldberg-Miller, S. (2017). Planning for a city if culture. Reino Unido: Routledege. ; Van Damme et al., 2017 Van Damme, I.; De Munck, B. e Miles, A. (2017). Cities and creativity from the renaissance to the presente. Reino Unido: Routledge. ; Watson & Taylor, 2017 Watson, A. e Taylor, C. (2017). Rethinking creative cities policy: invisible agents and hidden protagonists. Reino Unido: Routledge. ).

Apesar de não existir uma definição única, a economia criativa é o resultado de um conjunto de elementos que podem potencialmente criar crescimento econômico e desenvolvimento. A sua dinâmica pode promover a geração de resultados econômicos associados à criação de emprego e ao incremento de exportações, ao mesmo tempo que incute a inclusão social, a diversidade cultural e o desenvolvimento humano. A economia criativa relaciona (tacitamente) diferentes aspectos econômicos, sociais e culturais com a tecnologia, a propriedade intelectual e outras dimensões presentes nos territórios, refletindo um conjunto de atividades econômicas baseadas no conhecimento e na economia, significando uma estratégia e resposta transversal e multidisciplinar aos processos de desenvolvimento das cidades e regiões ( UNCTAD, 2008 United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD. (2008). Creative economy report 2008: the challenge of assessing the creative economy: towards informed policy-making . Nova Iorque: UNCTAD. ).

O conceito de indústria criativa aproxima-se da dinâmica (econômica/territorial) atual e indica a centralidade de novos atores para os processos de desenvolvimento local e regional, principalmente em territórios urbanos de pequena dimensão. Essas indústrias são encaradas como as

[...] atividades que têm a sua origem nas competências e nos talentos criativos individuais e que têm um potencial de criação de riqueza e de emprego através da geração e valorização da propriedade intelectual ( Mateus, 2010 Mateus, A. (2010). O setor cultural e criativo em Portugal. Lisboa: GPEARI. Relatório final de estudo para o Ministério da Cultura, Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. , p. 15) 1 1 Atividades, como publicidade, arquitetura, artes visuais, artesanato, joalharia, design, design de moda, cinema, vídeo e audiovisual, software educacional e de entretenimento, música, artes performativas, edição, software e serviços de informática, televisão e rádio, entre outras. .

Para Fernandes (2015) Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. , a sedimentação dessas atividades assenta no fato de a criatividade e a cultura serem aceitas como denominadores centrais e fatores competitivos estratégicos para o desenvolvimento territorial endógeno. Defende-se que a representatividade das componentes culturais e criativas, mesmo que de carácter intangível e imaterial, tem dotado os territórios de singularidades, especificidades e elementos diferenciadores de competitividade. Para além da sua centralidade em territórios de menor dimensão, como dinâmica diferenciadora em um quadro global, existe um papel social no desenvolvimento territorial de relações interpessoais, interempresariais e interinstitucionais, centradas na identidade, na autenticidade e no valor simbólico local ( Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ).

Como resultado da expressão da criatividade e da economia criativa nos sistemas econômicos e no território, é importante perceber o aparecimento, a solidificação e a estruturação de um setor cultural e criativo como ponto de partida para a percepção de dinâmicas e trajetórias de desenvolvimento. A economia criativa é o resultado de um conjunto de elementos que pode potencialmente criar crescimento econômico e desenvolvimento em territórios urbanos e no quadro da nova definição de políticas públicas de especialização inteligente no contexto europeu e português ( Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ) ( Figura 2 ).

Figura 2
- Configuração global do setor cultural e criativo

A criatividade não pode apenas ser analisada em um quadro conceitual e individualizado, associado à classe criativa e às indústrias criativas, mas sim de uma forma integrada com a componente territorial ( Landry, 2003 Landry, C. (2003). The creative city: a toolkit for urban innovators. Londres: Earthscan Publications. ; Costa et al., 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. ; Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ). Nesse sentido, é central perceber de que forma o desenvolvimento de uma economia criativa pode estar tacitamente associado aos territórios. O ciclo da criatividade urbana defendido por Landry (2003) Landry, C. (2003). The creative city: a toolkit for urban innovators. Londres: Earthscan Publications. expõe o elo de ligação entre a criatividade e sua exploração e o aproveitamento para o desenvolvimento de um lugar (cidade ou região), sublinhando a necessidade de adaptabilidade ao espaço e de gestão inteligente e coerente dos fatores de criatividade.

A criatividade, a classe criativa e as indústrias criativas requerem ambientes que estimulem e potencializem as suas características, os novos estilos de vida e as novas profissões. Paralelamente, a criatividade requer novas lógicas, organizações e espaços que tenham nas atividades criativas os seus principais alicerces, consubstanciando-se, assim, os papéis dos atores locais e das políticas públicas de desenvolvimento atuais (nomeadamente no quadro da inovação, criatividade e especialização inteligente). A coabitação entre o contexto espacial e a criatividade dos seus agentes tem sido determinante para o sucesso dos territórios e para o desenvolvimento urbano, tendo os fluxos criativos da cidade como principal espaço de produção e disseminação.

A conceptualização da cidade criativa, assente na relação entre criatividade e desenvolvimento urbano, partiu da ideia da

[...] necessidade de criatividade nos instrumentos para o desenvolvimento urbano, ou seja, do desenvolvimento de ferramentas e soluções criativas associadas aos novos contextos socioeconómicos e culturais ( Costa et al., 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. , p. 2716).

Nesse quadro, observa-se uma centralidade das atividades/indústrias criativas como bases estruturais para a cidade, como proliferadoras e potencializadoras do desenvolvimento com base no conhecimento, na inovação e na criatividade, ancoradas na necessidade de atrair competências criativas ( Landry, 2003 Landry, C. (2003). The creative city: a toolkit for urban innovators. Londres: Earthscan Publications. ; Florida, 2004 Florida, R. (2004). Cities and the creative class. Londres: Routledge. ; Costa et al., 2009 Costa, P., Seixas, J., & Oliveira, A. (2009). Das cidades criativas à criatividade urbana? Espaço, criatividade e governança na cidade contemporânea. In Actas do 15º Congresso da APDR, Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (pp. 2715-2746). Cabo Verde: APDR. ; Flew, 2012; Flew, T. (2012). The creative industries, culture and policy. Londres: Sage. http://dx.doi.org/10.4135/9781446288412.
http://dx.doi.org/10.4135/9781446288412...
Fernandes, 2015 Fernandes, R. (2015). Indústria(s), territórios inteligentes e criatividade na Região Centro Litoral de Portugal Continental: o sistema de conhecimento do Baixo Vouga (Tese de doutorado). Universidade de Coimbra, Coimbra. ; Vale, 2015 Vale, M. (2015). Suburbs in the cognitive-cultural capitalist economy: limits to the suburban knowledge and creative strategies in Madrid and Lisbon. In J. T. Miao, P. Benneworth, & N. A. Phelps (Eds.), Making 21st century knowledge complexes: technopoles of the world revisited. Londres: Routledge. ).

No sentido da solidificação de um território criativo, é necessária uma combinação de elementos que vão desde o contexto urbano físico geral até as infraestruturas e os elementos mais intangíveis. Para que se determine uma “infraestrutura criativa”, deverá valorizar-se uma força de trabalho qualificada e flexível, a existência de criadores dinâmicos, dinâmica intelectual formal e informal, conectividade e comunicações, empreendedorismo, disseminação de informação e conhecimento, entre outros. O território criativo deverá identificar, atrair e fixar o talento (classe criativa) para que se possam mobilizar ideias, dinamizar as organizações de forma ágil e difundir diversidade cultural, científica e urbana.

A cidade criativa necessita integrar novas ferramentas de competitividade urbana associadas à capacidade das suas redes, à sua riqueza e diversidade/inclusão cultural, à qualidade da sua administração e liderança e à consciencialização da importância do contexto da cidade (ambiente, urbanismo, qualidade de vida, identidade e elementos simbólicos/patrimoniais, entre outros).

Independentemente da necessidade de preencher condições globais, existem outros fatores de criatividade urbana que, segundo Landry (2003) Landry, C. (2003). The creative city: a toolkit for urban innovators. Londres: Earthscan Publications. , serão imprescindíveis para a prossecução da estratégia: qualidades pessoais; vontade e liderança; diversidade humana e talentos; cultura organizacional; identidade local; qualidade dos territórios urbanos e serviços; dinâmica de rede ( Figura 3 ). Ancorado em elementos patrimoniais, de autenticidade e de singularidade, o espaço urbano terá de começar a voltar sua população a uma identidade local forte e à valorização da criatividade. Esses espaços terão que ser preparados para as atividades e classe criativas, devendo equacionar-se a criação de um conjunto de infraestruturas e dinâmicas que suportem essas atividades nas cidades. Nesse sentido, esses recursos/dinâmicas são igualmente importantes para a transformação da paisagem urbana e para a regeneração dos espaços da cidade, definindo políticas urbanas ajustadas ao território.

Figura 3
- Fatores de criatividade urbana

Em paralelo, a centralidade dos processos de governança urbana e regional tem exigido a exequibilidade e a adaptabilidade das diferentes políticas (públicas) de desenvolvimento, bem como o correto ajustamento, a eficácia, a projeção e o posicionamento dos projetos/estratégias de desenvolvimento específicos para territórios (urbano) de menor dimensão. O poder político e os eixos estratégicos deverão ter o papel de alavancar estratégias territoriais de desenvolvimento (legislação, incentivos, infraestruturas, planejamento e ordenamento do território, inovação, entre outras) e dotar os territórios de novas ferramentas de marketing e competitividade territorial.

Criatividade e inteligência territorial em Estarreja

Especialização inteligente, políticas públicas e criatividade

No contexto das recentes alterações na economia, a cultura e a criatividade poderão ser encaradas como as forças catalisadoras de dinâmicas inovadoras para os territórios urbanos de menor dimensão. Considerando a necessidade de maior competitividade em relação aos centros urbanos mais representativos, a economia criativa poderá ser essencial para a definição/operacionalização de novas orientações de política, criação de ferramentas para os processos de planejamento urbano e constituição de novos posicionamentos para territórios urbanos específicos e de menor dimensão.

Nesse quadro, a nova Política de Coesão da União Europeia (2014-2020) centra-se na denominada especialização inteligente como umas das preocupações principais na promoção da recuperação econômica da Europa ( Foray, 2015 Foray, D. (2015). Smart specialization. Nova Iorque: Routledge. ; McCann & Ortega-Argilés, 2015 McCann, P., & Ortega-Argilés, R. (2015). Smart specialization, regional growth and applications to European Union cohesion policy. Regional Studies , 49(8), 1291-1302. http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2013.799769.
http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2013...
; Morgan, 2015 Morgan, K. (2015). Smart specialisation: opportunities and challenges for regional innovation policy. Regional Studies, 49(3), 480-482. http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2015.1007572.
http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2015...
; Carayannis & Grigoroudis, 2016 Carayannis, E., & Grigoroudis, E. (2016). Quadruple innovation helix and smart specialization: knowledge production and national competitiveness. Foresight and STI Governance , 10(1), 31-42. http://dx.doi.org/10.17323/1995-459x.2016.1.31.42.
http://dx.doi.org/10.17323/1995-459x.20...
; Kyriakou et al., 2016 Kyriakou, D., Martínez, M., Periáñez-Forte, I., & Rainoldi, A. (2016). Governing smart specialisation. Londres: Routledge. ; McCann et al., 2016 McCann, P., Van Oort, F., & Goddard, J. (2016). The empirical and institutional dimensions of smart specialisation. Reino Unido: Routledge. ). As orientações para a política pública são equacionadas para um horizonte/período até 2020 (Horizonte 2020), organizando-se em estratégias e medidas nacionais (Portugal 2020 ) e regionais (programas operacionais regionais, no caso de específico de Estarreja associado ao Programa Operacional da Região Centro de Portugal – Centro 2020). Tendo em conta os diferentes pilares da estratégia, a especialização inteligente surge no intuito de enquadrar as prioridades no potencial de desenvolvimento endógeno dos espaços territoriais nacionais e regionais ( ENEI, 2014 ENEI. (2014). Estratégia de investigação e inovação para uma especialização inteligente. Lisboa: EI&I, IAPMEI, FCT, COMPETE. ). Para além das dimensões associadas ao fomento das TICs, da inovação, da ciência, da tecnologia, das atividades industriais e de um conjunto de recursos endógenos, a Estratégia de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente visa, especificamente no seu segundo pilar, estimular as indústrias culturais e criativas em uma dimensão socioeconômica e territorial ( Tabela 1 ). A forma como os territórios têm reagido às grandes alterações econômicas, sociais e empresariais reforça a necessidade de redirecionamento das estratégias no sentido de um crescimento “inteligente”, ancorado em uma economia do conhecimento, da inovação e da criatividade ( Foray, 2015 Foray, D. (2015). Smart specialization. Nova Iorque: Routledge. ; McCann & Ortega-Argilés, 2015 McCann, P., & Ortega-Argilés, R. (2015). Smart specialization, regional growth and applications to European Union cohesion policy. Regional Studies , 49(8), 1291-1302. http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2013.799769.
http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2013...
; Morgan, 2015 Morgan, K. (2015). Smart specialisation: opportunities and challenges for regional innovation policy. Regional Studies, 49(3), 480-482. http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2015.1007572.
http://dx.doi.org/10.1080/00343404.2015...
; McCann et al., 2016 McCann, P., Van Oort, F., & Goddard, J. (2016). The empirical and institutional dimensions of smart specialisation. Reino Unido: Routledge. ).

Tabela 1
- Pilares fundamentais - Estratégia de Investigação e Inovação de Portugal para uma Especialização Inteligente

A visão das políticas públicas para 2014-2020 fortalece o estímulo às dinâmicas culturais/criativas como veículos do reforço da inovação e da criatividade dos territórios urbanos de menor dimensão. Tendo como ponto de partida todas as escalas e dimensões territoriais, pretende-se focalizar as estratégias em ações que fomentem o crescimento “inteligente” com impacto na competitividade dos diferentes stakeholders. Independentemente da importância do contexto global da estratégia do seu segundo pilar, verifica-se que a valorização da criatividade assenta na construção de vantagens estratégicas inteligentes com tradução específica no desenvolvimento endógeno, cultural e criativo dos territórios.

Para a Estratégia de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente, a aposta nos recursos criativos em territórios específicos poderá ser um desafio que reflita fatores estratégicos de competitividade, criação de empregos e riqueza, inclusão social, cidadania, afirmação da identidade dos territórios, interligação de diferentes dimensões do desenvolvimento e coesão social/territorial. Essa estratégia visa valorizar orientações de política, destacando os padrões habituais de desenvolvimento, fortalecendo a aposta “multiescalar” e “multinível” no carácter diferenciado da economia criativa e dos seus recursos. Essas novas diretrizes são igualmente preponderantes sobre as esferas social, patrimonial, identitária e simbólica, principalmente em territórios (urbanos) de menor dimensão e com características específicas, como é o exemplo do município de Estarreja.

Dinâmicas criativas de desenvolvimento local: o caso do carnaval de Estarreja

A atualidade portuguesa é marcada por uma aposta na criatividade territorial de forma relacionada com a estratégia de especialização inteligente (políticas públicas para 2014-2020), nomeadamente em territórios (urbanos) de pequena dimensão.

Para perceber as potencialidades e os desafios desta dessa aposta, considerou-se o município de Estarreja como exemplo de escala nacional. Ele tem uma área de aproximadamente 108 Km2, integra a escala regional da Região de Aveiro (NUT3) e tem um contexto histórico e socioeconômico marcado, no passado, por uma especialização na indústria transformadora (química e metalomecânica) ( Figura 4 ).

Figura 4
- Enquadramento geográfico do município de Estarreja

Estarreja é um município português com 26.997 habitantes (Recenseamento de 2011), o que corresponde a 7% da população da Região de Aveiro e 1,2% da Região Centro de Portugal Continental. Na última década, Estarreja registou um decréscimo de 4,2% da população residente (menos 1.185 pessoas), com dinâmicas bem mais regressivas que a Região Centro de Portugal (decréscimo próximo de 1%) e com uma necessidade de fixar e atrair capital humano. Independentemente da abordagem mais geral do município, quanto à escala das freguesias, existe um forte contraste entre as áreas norte e sul, que se traduz em uma delimitação relativamente vincada entre os espaços urbano e rural. As freguesias mais urbanas de Beduído, Avanca e Pardilhó representam mais de metade da população do município (66,3% em 2011), sublinhando-se Beduído com a maior densidade populacional associada ao principal aglomerado urbano (cidade de Estarreja).

O município integra um território urbano de pequena dimensão no contexto do sistema urbano regional, constituído por um núcleo urbano principal consolidado (que traduz uma importância populacional de cerca de 8 mil habitantes, a que se acresce um urbano secundário de menor dimensão situado na freguesia de Avanca) com excelentes acessibilidades aos principais centros urbanos da Região Centro do país e fora do território nacional (eixo rodoviário e ferroviário entre Aveiro e Porto e a ligação rodoviária à Espanha). Esse sistema de circulação tem constituído um fator essencial para o seu desenvolvimento, sendo central na organização do espaço e fator estruturante do desenvolvimento.

Para além das valências urbanas e de posicionamento geográfico, é importante sublinhar a centralidade da contiguidade da cidade de Estarreja à área natural do Baixo Vouga Lagunar (zona lagunar da Ria de Aveiro, unidade territorial e paisagística considerada um acidente geomorfológico e classificada como Zona de Proteção Especial da Ria de Aveiro – Rede Natura 2000 – com 4.680 hectares integrados no município de Estarreja).

Para perceber todas as características associadas a Estarreja, é central evidenciar a sua forte relação com a evolução da sua economia local/regional. Para além da importância histórica das atividades agrícolas associadas aos territórios do Baixo Vouga Lagunar, Estarreja possui uma larga tradição industrial do tecido produtivo da Região Centro (centralidade da indústria química e metalomecânica a partir, principalmente, das décadas de 1970 e 1980) e em uma crescente dinamização do setor dos serviços. Paralelamente, no sentido de fomentar lógicas de competitividade territorial, tem-se assistido a um processo de modernização/diversificação do tecido produtivo industrial enquanto alicerce da sustentabilidade econômica e social e do perfil de especialização da estrutura produtiva atual e emergente no município (manutenção de especialização na indústria química, metalomecânica e surgimento de setores emergentes, como os componentes metálicos, moldes e plásticos, entre outros).

A inserção territorial de Estarreja em uma região bastante povoada, industrializada e dinâmica da Região Centro do país não pode estar apenas relacionada à especialização industrial. As dinâmicas mais regressivas da indústria nos últimos anos (pós-crise financeira de 2008), que estabilizaram e/ou reduziram lógicas de investimento e apostas nos “clusters” petroquímico e metalomecânico, estão obrigando a (re)definição das estratégias de desenvolvimento no sentido de uma valorização de novos tipos de indústria, principalmente as culturais e/ou criativas. Nos últimos anos, surgiu uma necessidade de inversão das (crescentes) lógicas de desemprego e desajuste da formação e do emprego a partir da fixação de capital criativo, sinônimo de criação de vantagens locais/regionais.

Pensando em ações tangíveis, a regeneração urbana, para além de contribuir para o processo de renovação do espaço urbano, poderá criar ambientes que potencializem as características dessa população criativa, dos seus estilos de vida e profissões e organizações territoriais. Em paralelo a todo o patrimônio natural e cultural, a presença de algumas referências museológicas poderá ser importante para a cimentação das estratégias criativas, seja a partir dos conteúdos temáticos desses espaços e a sua dinamização, seja no que se refere à sua utilização como espaços potencialmente criativos (exemplos de alguns museus e infraestruturas culturais no município).

Independentemente da programação socioeducativa desenvolvida nos diferentes espaços culturais de forma individualizada, o território deverá conseguir canalizar e valorizar, de forma mais efetiva, a criatividade. Um exemplo de cruzamento entre a criatividade e as dimensões criativa, tecnológica e cultural prende-se com a dinamização de atividades cinematográficas do Clube de Cinema de Avanca. Nesse contexto, o cinema poderá ser a âncora da diversificação das atividades criativas de multimídia, televisão, videogames, entre outras.

Para além da importância dos diferentes elementos de cultura e criatividade de Estarreja e da centralidade da aposta no cinema, existe outro alicerce importante para a solidificação da estratégia de desenvolvimento local centrada na criatividade e nas indústrias criativas, o carnaval de Estarreja ( Figura 5 ).

Figura 5
- Carnaval de Estarreja (Grupo de Samba Tribal, ARC)

Se, no início, o carnaval de Estarreja refletia um evento cultural de simples diversão, hoje em dia remete a uma dimensão cuja dinâmica está fortemente associada ao turismo, à economia local e regional e à marca territorial do município. Essa evolução em âmbito da abordagem, da dinâmica criativa e da sua operacionalização está ancorada na (re)definição da política cultural dinamizada do município de Estarreja, nos últimos anos (a partir do início do século XXI), pela autarquia (Câmara Municipal de Estarreja). Para além da valorização que o município dá à cultura centrada em um conjunto de eventos culturais, o Carnaval tem se assumido como o principal evento e marca territorial de Estarreja.

Desde o início do século XXI, contando com cerca de 1.200 integrantes (de forma direta) e de vários indivíduos que “alimentam” indiretamente essa atividade, o carnaval passou a ser um ponto de extrema importância para o dinamismo econômico, traduzido nas atividades desenvolvidas pelas diferentes associações, pelo investimento, pelo emprego gerado e pelo valor acrescentado criado local e externamente (sonoplastia, luminotecnia, publicidade, serralharia, carpintaria, pintura, costura, retrosaria, tecidos, plumas, lantejoulas, esponjas, entre outros) e pelo número crescente de espectadores e turistas atraídos ao longo dos últimos anos. As estratégias de desenvolvimento em torno desse conjunto de atividades criativas (e, em alguns casos, mais tradicionais) definem-se por sua cada vez menor “sazonalidade”. Essas estratégias refletem (e fomentam) um conjunto de etapas, atividades e tarefas de preparação, de promoção e de dinamismo econômico ao longo de todo o ano, ancorando transversalmente mais-valias para os diferentes atores envolvidos e desenvolvendo técnica e economicamente o carnaval de Estarreja nos diferentes âmbitos de ação.

Independentemente da dinâmica endógena do próprio carnaval de Estarreja, a meta principal é estruturá-lo, enquadrando-o em uma rede de agentes criativos do município como uma das âncoras do desenvolvimento da criatividade. É importante valorizar a vertente econômica e social, perspectivando-se a sua conversão em uma grande indústria criativa com capacidade de criação de valor acrescentado. Pensando nos incentivos europeus das políticas públicas para 2014-2020, na estratégia de especialização inteligente e em um modelo ancorado em políticas ajustadas às indústrias criativas em território local/regional, é importante apontar algumas soluções e estratégias de desenvolvimento, como é o caso do projeto estruturado na ideia e no conceito da “cidade do carnaval de Estarreja” ( Figura 6 ). Esses alicerces estratégicos assentam-se na ideia relacionada com a potencialização da marca de “Estarreja” associada ao carnaval, promovendo o desenvolvimento local e regional e a sua projeção nacional e internacional, em uma ligação permanente com pressupostos de inclusão social, oferta de emprego, desenvolvimento econômico e regeneração urbana.

Figura 6
- Proposta de projeto para “cidade do carnaval”

Tendo como base os diferentes pilares da especialização inteligente , a cidade deverá ser o alicerce para essa fixação, partindo de lógicas de regeneração urbana e valorização dos territórios urbanos, em uma forte relação com a componente natural e lagunar. A ideia prevê criar um “espaço” para o carnaval, para os seus intervenientes e para os atores envolvidos. É nesse sentido que esta proposta estratégica vincula uma forte aposta na requalificação de espaços centrais e periféricos, valorizando, para além do arranjo físico do edificado, dos espaços públicos e da malha urbana, um processo de regeneração funcional e econômica do território urbano central.

A par dos processos de regeneração urbana, visa-se potencializar o desenvolvimento econômico e a criação de empregos, quer por via do fomento das atividades tradicionais, quer a partir do desenvolvimento de indústrias criativas associadas ao carnaval e ao setor cultural, bem como a promoção do turismo e do lazer, a recreação e o fortalecimento da marca “carnaval de Estarreja” no posicionamento do município. Para além da criação de um polo de animação cultural, de lazer e de atração turística, pretende-se direcionar a criatividade territorial associada ao carnaval de Estarreja para a valorização de valências de formação artística. Essa valorização não deve ser apenas relacionada com a dimensão do carnaval, mas também com o tipo de artes exploradas, no sentido de reforçar a dimensão criativa mais plural.

Paralelamente a todos elementos, a criação de emprego, a dinâmica econômica e a inclusão social devem ser encaradas como transversais aos diferentes projetos, sendo essa última central para a inserção de pessoas excluídas socialmente da comunidade (tendo em atenção a etnia, a nacionalidade, o emprego, o desemprego, o trabalho e a orientação vocacional para a atividade econômica). A “cidade do carnaval” pretende ser um elo de dinamismo econômico a partir das potencialidades do desenvolvimento das indústrias criativas, ao mesmo tempo que (re)cria a cidade a partir da regeneração urbana e da valorização da preocupação social na inclusão e na criação de emprego, dimensão turística e marketing territorial.

Um dos aspectos centrais dessa proposta é a sua localização, associando a iniciativa à regeneração de espaços urbanos degradados e subaproveitados. A localização ideal para implantação do projeto é o “esteiro de Estarreja” e o seu espaço envolvente ( Figura 7 ). Esse contexto de localização é valorizado pela dimensão relacionada com a extrema necessidade de recuperação desse espaço, no contexto da sua forte ligação com o espaço lagunar, com os projetos do “Bioria” (espaço natural classificado do Baixo Vouga Lagunar) e “Polis Ria”.

Figura 7
- Intervenção da “cidade do carnaval” – localização e enquadramento

Em uma primeira abordagem, para além da “arquitetura” institucional, funcional e econômica da “cidade do carnaval”, é importante fazer um exercício de espacialização das infraestruturas e da forma de distribuição dos agentes e equipamentos associados. A localização indicada confina-se a um espaço a poente da cidade de Estarreja, separado pela ferrovia do Norte e voltada para o Baixo Vouga Lagunar. Essa área é considerada, nos últimos 10 anos, como um setor de “transição” parcialmente abrangido por reserva agrícola e ecológica nacional, com um enquadramento de edificado devoluto e espaço urbano desqualificado. Essa localização pretende solidificar a malha urbana, estender a centralidade, voltá-la para o contexto natural e criar uma nova centralidade, afirmando territorialmente a sua marca no quadro das indústrias criativas, do desenvolvimento econômico e ambiente natural.

O projeto, no quadro da especialização inteligente, terá um papel central na valorização dos recursos humanos, na dinamização do tecido empresarial local, na oferta de emprego e na inclusão social. Uma das valências mais importantes, localizada no setor norte da proposta de localização, é a “fábrica do carnaval”. Esta visa ser uma “indústria” direcionada para o apoio ao carnaval, a outras atividades e a outros agentes territoriais do município, bem como uma central de compras e de logística para o carnaval de Estarreja. No fundo, prevê-se o desenvolvimento de uma estrutura de fabricação e fornecimento de bens e serviços destinados às necessidades do carnaval, dos grupos e de outros ativos da rede de criatividade e da comunidade de Estarreja.

Para além da dinamização e do fornecimento de bens e serviços à atividade principal (carnaval), essa “indústria” prevê a criação de uma série de postos de trabalho criativo (moda, música, design, artes plásticas, dança, eletrônica, TICs, audiovisual, pintura, escultura, entre outros) e mais tradicional (serralharia, carpintaria, mecânica, eletricidade, costura, entre outros). Essa valência pretende estar ligada a uma “incubadora de indústrias criativas”, que aproveitará parte da estrutura da incubadora de empresas de Estarreja, a qual poderá se deslocalizar para a “fábrica do carnaval” e (re)centralizar a sua atividade de incubação e de dinamização do empreendedorismo.

Independentemente da criação de emprego, essa indústria criativa visa integrar indivíduos no sentido da inclusão social, como desempregados, desajustados na profissão exercida, de contextos sociais mais frágeis, estrangeiros, entre outras situações (promovendo parcerias com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, associações e instituições privadas sem fins lucrativos, escolas, empresas, entre outros agentes). Prevê-se reforçar, a partir da atividade econômica e da relação interpessoal, as lógicas de talento e tecnologia, principalmente as dimensões da tolerância e da integração. A “cidade do carnaval” e, especificamente, a fábrica e as valências de formação artística e criativa também serão projetos relacionados com o desenvolvimento de competências socioeducativas e profissionais em alunos integrados na rede escolar e nas instituições privadas sem fins lucrativos.

A par da “fábrica do carnaval” e da “incubadora de indústrias criativas”, a “academia do carnaval” é uma das estruturas com maior importância. Independentemente do reforço do apoio ao , pretende-se colmatar uma lacuna existente no munícipio, dotando-o de uma estrutura de formação artística e profissional, bem como de um espaço de ocupação de tempos livres e entretenimento em várias áreas. Uma das funções mais importantes da academia está relacionada à formação profissional e artística. Essa segunda componente será diferenciadora para o município e para o contexto regional próximo em razão da aposta em formação artística de base e inovadora nas áreas de música, dança, canto, coreografia/cenografia, encenação, teatro, artes performativas, som, vídeo, cinema, publicidade, imagem e artes plásticas.

Em suma, visa-se criar mais-valias associadas ao reforço da formação profissional, artística, cultural e lúdica, dinamizando o emprego de forma direta e indireta, promovendo a ocupação integrada de tempos livres (principalmente da comunidade escolar) e fortalecendo a integração social e o combate à exclusão. Para além do reforço da dinâmica econômica de Estarreja, com base em atividades mais inovadoras e criativas, um dos elementos centrais a potencializar é a realização pessoal e profissional dos indivíduos. Em um contexto mais específico, essas diferentes estruturas (juntam-se a outras com características mais sociais e lúdicas 2 2 CarnaBar, Espaço Multiuso, Unidade de Alojamento, sedes dos grupos, espaços verdes etc. ), inseridas em uma lógica global da “cidade do carnaval”, visam gerar fontes de receitas para o próprio carnaval, possibilitando sua autonomia e sustentabilidade econômica.

Ainda no quadro de integração plena dos diferentes pilares da especialização inteligente, a “cidade do carnaval” visa desenvolver as dimensões turística e ambiental. No quadro da promoção turística, pretende-se criar, no espaço confinado à “cidade do carnaval”, uma unidade de alojamento e de turismo. Para além da dimensão empresarial, ela terá como objetivo albergar pessoas que pretendem desenvolver atividade temporária nas estruturas da “cidade do carnaval”, por exemplo, em período carnavalesco, frequência da academia, formação artística, entre outros. No fundo, essa residência, que poderá ter uma conotação igualmente comercial destinada a turistas e visitantes de forma mais alargada, estará inserida no espaço destinado às atividades do carnaval, mas com forte ligação ao contexto natural, nomeadamente à Bioria 3 3 Rede de percursos biourbanos (pedonais e cicláveis) no Baixo Vouga Lagunar (área referente ao município de Estarreja), com preservação do ambiente natural e antrópico. Espaço de conservação de patrimônio natural, contato com a natureza e desenvolvimento de um vasto conjunto de atividades, como birdwatching, desportos náuticos, agroturismo, passeios pedonais e cicláveis, entre outros. . A sua tipologia deverá ser enquadrada no contexto paisagístico e ambiental, fomentando a ligação ao espaço natural da Ria de Aveiro, ao mesmo tempo que privilegiará a dimensão socioeconômica e cultural do carnaval.

Essa relação entre as atividades criativas, o ambiente lagunar e a preocupação ambiental será igualmente valorizada com algumas intervenções no esteiro de Estarreja (potencialmente no âmbito do programa Polis Ria e de outros programas no quadro da estratégia de especialização inteligente ). Em associação com as intervenções do Polis Ria e, genericamente, das políticas públicas para 2014-2020 (com forte incidência em iniciativas associadas à requalificação e à regeneração urbana), prevê-se uma valorização do edificado, dos espaços verdes e dos espaços públicos em toda a área de intervenção.

A par dessa “iniciativa-piloto” na área de intervenção da “cidade do carnaval”, pretende-se alargar o âmbito das ações de regeneração urbana ao núcleo central da cidade, privilegiando a recuperação e a adaptação do edificado, principalmente em uma lógica de criação de condições para fixar a população (nomeadamente, a partir de venda e/ou arrendamento de habitação a custos controlados para jovens e classe criativa).

Notas finais

A criação de condições físicas e a potencialização de espaços já existentes tendem a desenvolver a atração de novos indivíduos criativos e o desenvolvimento de novos “quotidianos” para os territórios. A aposta nas necessidades específicas da população qualificada e criativa recairá em uma valorização de atividades associadas às artes, à música, ao teatro, ao desporto, ao patrimônio, entre outros. No quadro das necessidades de alteração das estratégias de desenvolvimento local no sentido de uma valorização (paralela) das atividades criativas, torna-se necessária a existência de um capital criativo (territorializado) que incuta aos territórios uma maior “probabilidade” de desenvolvimento econômico e social a partir da criação de vantagens competitivas ( Florida, 2002 Florida, R. (2002). The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. Nova Iorque: Basic Books. ).

O desenvolvimento da criatividade, das indústrias e dos espaços criativos está ligado à preponderância da classe criativa (população com elevadas habilitações literárias e, segundo Richard Florida 4 4 Esse conceito estrutura-se nos três Ts – Talento, Tecnologia e Tolerância – definidos por Florida (2002) , fundamentando a relação dos diferentes indivíduos criativos por lugares diferenciados, tolerantes, abertos e com maior apetência para tecnologia e inovação. , com talento, capacidades tecnológicas e tolerância), um conjunto de profissionais, cientistas e artistas cuja presença gera dinamismo econômico, social e cultural, principalmente em áreas urbanas ( Florida, 2002 Florida, R. (2002). The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. Nova Iorque: Basic Books. , 2004 Florida, R. (2004). Cities and the creative class. Londres: Routledge. ). A classe criativa integra, assim, indivíduos cuja função econômica está associada à criação de novas ideias, tecnologias e conteúdos, integrando valores de individualidade, diferença, abertura e mérito, criando valor acrescentado a partir da criatividade, patentes em um conjunto de profissões culturais e criativas.

A promoção de uma atmosfera e identidade culturais e de atividades criativas tenderá para a promoção do desenvolvimento de (novas) infraestruturas no espaço urbano e na capacitação de competências e valências diversas. A emergência das indústrias criativas deverá constituir-se um trunfo importante para o desenvolvimento dos territórios urbanos, em cooperação com as atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico (I&DT) e sistema de conhecimento e aprendizagem local.

O contributo dado para a compreensão do comportamento das atividades criativas no município de Estarreja poderá estar refletido na consolidação do desenvolvimento territorial a partir do aparecimento de “espaços criativos”, concentrando pessoas criativas, inovação e atividades de alta tecnologia, bem como dinâmicas de emprego, inclusão social e processos de regeneração urbana (associados aos espaços de implantação das atividades e indústrias criativas). A afirmação desses territórios locais reflete a aposta nas atividades culturais/criativas enquanto elementos centrais e fatores competitivos estratégicos para o desenvolvimento territorial em escala local e regional. As infraestruturas criativas e culturais, o capital criativo e a dimensão imaterial associada podem reforçar a importância dos ativos territoriais locais e dotar esses espaços de especificidades e de elementos diferenciadores de competitividade territorial, não se podendo negar o contributo dado pelas indústrias criativas na definição de estratégias de desenvolvimento industrial, empresarial e territorial ( Florida, 2004 Florida, R. (2004). Cities and the creative class. Londres: Routledge. ; Mateus, 2010 Mateus, A. (2010). O setor cultural e criativo em Portugal. Lisboa: GPEARI. Relatório final de estudo para o Ministério da Cultura, Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. ; Flew, 2013 Flew, T. (2013). Creative industries and urban development: creative cities in the 21st century. Londres: Routledge. ; Vale, 2015 Vale, M. (2015). Suburbs in the cognitive-cultural capitalist economy: limits to the suburban knowledge and creative strategies in Madrid and Lisbon. In J. T. Miao, P. Benneworth, & N. A. Phelps (Eds.), Making 21st century knowledge complexes: technopoles of the world revisited. Londres: Routledge. ).

Pensando na necessária (re)definição de estratégias de desenvolvimento local e regional e na reformulação dos alicerces das políticas cultural e econômica, o município de Estarreja terá que potencializar um novo “paradigma” que traduza apostas claras em um conjunto de condições de contexto que contribuam para a sedimentação de uma dinâmica e infraestrutura criativas. Para isso, mesmo com um conjunto de condicionantes (nomeadamente no quadro das contingências econômicas, na mudança de mentalidades e na alteração, mesmo que parcial, do perfil de especialização do território) e tendo no município e no seu poder local o principal motor, deverá valorizar-se uma força de trabalho qualificada e flexível, a existência de “criadores dinâmicos”, capacidade intelectual formal e informal, conectividade, comunicações, empreendedorismo e disseminação de informação e de conhecimento a diferentes escalas.

A economia criativa, no quadro do ajustamento das estratégias de desenvolvimento local de Estarreja assente nas estratégias de especialização inteligente , assume-se como um dos veículos centrais para a dinamização da população e do tecido econômico, fortalecendo a sua relação com as esferas tecnológica, científica, cultural e artística e com os processos de formação e valorização dos recursos humanos. A aposta em alguns espaços e infraestruturas, bem como a oferta e a diversidade de empregos, poderá ser nodal para a atratividade local, principalmente da classe criativa, segmento que valorizará o território e criará novas vantagens competitivas. Dessa forma, a potencialização de espaços criativos, dotando as cidades como meios de diversidade e fontes de criatividade, poderá ser um elemento dinamizador do valor do lugar e do seu capital intelectual, criativo e territorial, questões que se tornam (nessa escala ou em outra, nesse território ou em outro) desafios pertinentes de investigação em um futuro próximo.

  • 1
    Atividades, como publicidade, arquitetura, artes visuais, artesanato, joalharia, design, design de moda, cinema, vídeo e audiovisual, software educacional e de entretenimento, música, artes performativas, edição, software e serviços de informática, televisão e rádio, entre outras.
  • 2
    CarnaBar, Espaço Multiuso, Unidade de Alojamento, sedes dos grupos, espaços verdes etc.
  • 3
    Rede de percursos biourbanos (pedonais e cicláveis) no Baixo Vouga Lagunar (área referente ao município de Estarreja), com preservação do ambiente natural e antrópico. Espaço de conservação de patrimônio natural, contato com a natureza e desenvolvimento de um vasto conjunto de atividades, como birdwatching, desportos náuticos, agroturismo, passeios pedonais e cicláveis, entre outros.
  • 4
    Esse conceito estrutura-se nos três Ts – Talento, Tecnologia e Tolerância – definidos por Florida (2002) Florida, R. (2002). The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. Nova Iorque: Basic Books. , fundamentando a relação dos diferentes indivíduos criativos por lugares diferenciados, tolerantes, abertos e com maior apetência para tecnologia e inovação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2018
  • Data do Fascículo
    Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2017
  • Aceito
    16 Fev 2018
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