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Mercados Públicos na área central de Belo Horizonte: transformações, resistências, tensões

Public Markets in the central area of Belo Horizonte: transformations, resistances, tensions

Resumo

Nos contemporâneos processos de transformação das grandes cidades, os mercados públicos têm sido um dos alvos espaciais que induzem mudanças nas práticas sociais e nos perfis de seus usuários e consumidores. Em Belo Horizonte, o Mercado Central e o Mercado Novo revelam essas tendências e tornam-se objetos privilegiados de estudo de caso. Esta pesquisa, realizada entre 2017 e 2019, buscou identificar transformações, resistências e tensões, em curso, nesses tradicionais espaços comerciais. As análises buscaram ultrapassar uma perspectiva simplista ou generalista de gentrificação, esquadrinhando lógicas de caráter segregacionista e a alteração das práticas sociais, econômicas e culturais, devido a processos ainda anteriores, como os de patrimonialização, gourmetização e turistificação, caracterizados pela exploração de atividades culturais dirigidas a um público solvente e rotativo. Utilizando observações etnográficas, entrevistas e documentos, este estudo analisa como as dimensões - história, rede de relações e identidade - são configuradas cotidianamente. Esta pesquisa mostra como os processos identitários e os sentimentos de pertencimento são diferentes em cada espaço. No Mercado Central preservam-se os padrões tradicionais de propriedade individual e longevidade das lojas. Já a iniciativa “Velho Mercado Novo” busca a “autenticidade calculada” e reforça indiscriminadamente a perspectiva do consumo do lugar.

Palavras-chave:
Mercado Público; Gentrificação; Gourmetização; Patrimonialização; Turistificação

Abstract

Nowadays, in transformation processes of large cities, public markets have been one of the spatial targets that induce changes in social practices and their users' and consumers' profiles. In Belo Horizonte, “Mercado Central” and “Mercado Novo” reveal these trends and become privileged objects of a case study. This research, carried out between 2017 and 2019, searched for transformations, resistances, and tensions taking place in these traditional commercial facilities. The analyses sought to go beyond a simplistic or generalistic perspective of gentrification, scrutinizing logics of a segregationist nature and the changes of social, economic, and cultural practices, due to quite earlier processes, such as those of patrimonialization, gourmetization, and touristification, characterized by the exploitation of cultural activities aimed at a solvent and rotating public. Using ethnographic observations, interviews, and documents, the close study considered how dimensions of history, relationship, and identity are configured daily. This research shows how identity process and sense of belonging are different in each space. In Mercado Central their traditional patterns of individual ownership have been preserved as well as the longevity of stores. While the "Velho Mercado Novo" initiative seeks for“calculated authenticity” and indiscriminately reinforces the consumption perspective of the place.

Keywords:
Public Market; Gentrification; Gourmetization; Patrimonialization; Touristification

Introdução

Os processos de transformação socioespacial, como os de gentrificação (Glass, 1964Glass, R. (1964) London: aspectsofchange. Londres: MacGibbon & Kee.), tão recorrentes nos mais variados contextos, exibem uma maneira peculiar de se apropriar da cultura como uma mercadoria a ser consumida por uma parte da população local ou de turistas, atraída em função dos “diferenciais”, veiculados como táticas de promoção dessas espacialidades. As principais críticas dirigidas às estratégias de gentrificação, de um modo geral, sublinham um caráter segregacionista e a alteração das práticas sociais, econômicas e culturais locais (Arantes, 2002Arantes, O. B. F. (2002). Cultura e Transformação Urbana. InPallamin, V., & Ludermann, M., Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana (59-70X-X). São Paulo: Liberdade.; Leite, 2008Leite, R. P. (2008). Localizando o espaço público: gentrification e cultura urbana. Revista Crítica de Ciências Sociais, 83, 35-54. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.4000/rccs.436
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; Frúgoli-Jr., & Talhari, 2014Frúgoli-Jr., H., & Talhari, J. C. (2014). Entre o tecido físico e social das cidades entrevista com Sharon Zukin. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 29(84), 7-24. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/S010269092014000100001
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). Nesse sentido, categorias de análise como identidade e rede de relações, tão imbricadas, iluminam o nosso percurso na observação de como dois importantes mercados públicos da capital mineira exibem, em simultâneo, marcas de processos de gentrificação, mas também de outros correlacionados, como os de patrimonialização (Choay, 2001Choay, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.), gourmetização (Almeida et al., 2016Almeida, R. de C., Silva, A. M., Fidelis, C. C., Nascimento, G. J. C., & OliveiraA, J. A. G. (2016). Identidades culturais e globalização: a resistência do Mercado Central de Belo Horizonte. In Anais do Congreso Internacional ContestedCities (pp. 1-9). Madrid: ContestedCities. Recuperado em 20 de fevereiro de 2020, de http://contested-cities.net/working-papers/wpcontent/uploads/sites/8/2016/07/WPCC-164513-AlmeidaSilvaFidelesNascimentoOliveira-IdentidadesCulturaisGlobalizacao.pdf.
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) e turistificação (Bhandari, 2008Bhandari, K. (2008). Touristification of cultural resources: a case study of Robert Burns. Tourism: An International Interdisciplinary Journal, 56(3),283-293. Recuperado em 11 de maio de 2022, de http://hrcak.srce.hr/file/57613
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), evidenciando assim transformações e resistências.

Com efeito, o processo de patrimonialização (Choay, 2001Choay, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.) pode ser caracterizado pela valorização cultural e histórica local e pela preservação de bens culturais materiais e imateriais. Atrelado à patrimonialização, o processo de turistificação (Bhandari, 2008Bhandari, K. (2008). Touristification of cultural resources: a case study of Robert Burns. Tourism: An International Interdisciplinary Journal, 56(3),283-293. Recuperado em 11 de maio de 2022, de http://hrcak.srce.hr/file/57613
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) é pautado no desenvolvimento de atividades turísticas que tendem a ser promotoras tanto de transformações socioeconômicas quanto de perfis populacionais locais. Nesses contextos, em geral, a culinária local passa a ser apropriada com um viés de gourmetização (Almeida et al., 2016Almeida, R. de C., Silva, A. M., Fidelis, C. C., Nascimento, G. J. C., & OliveiraA, J. A. G. (2016). Identidades culturais e globalização: a resistência do Mercado Central de Belo Horizonte. In Anais do Congreso Internacional ContestedCities (pp. 1-9). Madrid: ContestedCities. Recuperado em 20 de fevereiro de 2020, de http://contested-cities.net/working-papers/wpcontent/uploads/sites/8/2016/07/WPCC-164513-AlmeidaSilvaFidelesNascimentoOliveira-IdentidadesCulturaisGlobalizacao.pdf.
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), ou seja, os produtos são imbuídos de uma aura de distinção, de maior glamour, de ênfase na experiência, no prazer, no proveito imediato, o que no limite são formas de expressão de práticas contemporâneas de mais-valia, pois o valor do produto comercializado está muito acima do real valor dos meios de produção e dos insumos, em meio à ampliação do fetiche das mercadorias.

Desde os anos 1990, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte realiza projetos e intervenções na área central, como o concurso nacional BH-Centro (1990), Projeto 4 Estações, de 2000 e o Programa Centro Vivo, de 2004 (Jayme & Trevisan, 2012Jayme, J. G., & Trevisan, E. (2012). Intervenções urbanas, usos e ocupações de espaços na região central de Belo Horizonte. Civitas - Revista de Ciências Sociais, 12(2), 359-377. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.15448/1984-7289.2012.2.11933
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). Vários autores apontam que essas iniciativas parecem se voltar para um público interno, distanciando-se de uma competição entre as cidades frente às demandas do mundo globalizado, longe de promover uma espetacularização, um consumo cultural em larga escala ou uma alteração nas circunvizinhanças (Hoffman, 2014Hoffman, F. E. (2014). Museus e revitalização urbana: o Museu de Artes e Ofícios e a Praça da Estação em Belo Horizonte. Cadernos Metrópole (Online), 16(32), 537-563. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/22369996.2014-3211.
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; Mafra & Souza, 2019Mafra, N. B. M., & Souza, C. V. (2019). O Mercado Novo: transformações e composições no espaço urbano de Belo Horizonte, Minas Gerais. Ponto Urbe, 25, 1-28. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.4000/pontourbe.6936
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). Assim, até o presente momento, não foram constatados processos de gentrificação nos moldes das cidades europeias ou norteamericanas (Glass, 1964Glass, R. (1964) London: aspectsofchange. Londres: MacGibbon & Kee.; Smith, 1996Smith, N. (1996). The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres: Routledge.; Zukin, 2010Zukin, S. (2010). Naked city: the death and life of authentic urban places. Nova York, Oxford: University Press.), que transformam espacialmente uma área urbana e provocam uma mudança no perfil da população. Em Belo Horizonte, as iniciativas estão mais concentradas em empreendimentos privados, promovidos pelo mercado imobiliário, tendendo a uma pulverização do ponto de vista espacial. Assim, partilhamos com Jayme e Trevisan (2012) a hipótese de que as alterações no centro histórico dessa capital, mesmo imbuídas de lógicas higienistas e de embelezamento, não estão provocando grandes transformações no modo de vida dos seus moradores e usuários.

Seguindo os rastros desse fenômeno global, que atualmente se reveste dos mais distintos formatos em várias partes do mundo, este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa que vem sendo realizada desde 2017, iniciando no Mercado Central e incluindo, a partir de 2019, o Mercado Novo (Figura 1). Os dados apresentados são parte de um projeto de pesquisa bem mais amplo, que contempla estudos de caso em outras cidades, como Brasília e Lisboa, e pretende estabelecer uma perspectiva comparativa1 1 Este trabalho faz parte de uma pesquisa científica, finalizada em 2020, nomeada “Aqui e ali - Brasília, Belo Horizonte e Lisboa: a amplitude dos processos de gentrificação urbana”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), edital 04/2017. .

O Mercado Central de Belo Horizonte, um dos espaços mais representativos da identidade belorizontina e até mesmo mineira, além de retratar a cultura regional e local e, ainda, promover referências históricas por meio da comercialização de produtos característicos, é palco de interações sociais, de trocas simbólicas e materiais, de experiências e de vivências cotidianas, configurando o que Lefebvre (1999Lefebvre, H. (1999). A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG.) denominaria como uma centralidade. Tal mercado já passou por várias fases e transformações, algumas delas apontadas ao longo deste artigo, mas nos interessa observar os mencionados processos ocorridos nos últimos cinco anos.

Pari passu, desde 2018 o Mercado Novo tem se revelado um importante objeto de pesquisa na área dos estudos urbanos, uma vez que um grupo de empreendedores iniciou um movimento nomeado “Velho Mercado Novo”, delineando diretrizes de uso e ocupação das lojas de seu segundo pavimento, com um discurso assente na promoção do resgate e da valorização da cultura do Centro, da cidade de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais. O Estudo de Caso do Mercado Novo nos remete à discussão levantada por Japonica Brown-Saracino (2004Brown-Saracino, J. (2004). Social Preservationists and the Quest for Authentic Community. City and Community, 3(2), 135-156. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1111/j.1535-6841.2004.00073.x
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), ao realizar um trabalho etnográfico em dois bairros de Chicago e duas pequenas cidades de Massachusetts, observando o processo de gentrificação, pois a autora aponta que adesão à ideologia da preservação social é fluida - alguns que praticam a preservação social se tornam gentrificadores (e vice-versa)2 2 Essa questão inclusive está sendo objeto de análise deste grupo de pesquisa e será contemplada em uma publicação futura. .

Figura 1
Localização geográfica do Mercado Novo e do Mercado Central no perímetro da área planejada para ser a cidade de Belo Horizonte.

Assim, este estudo adota uma abordagem etnográfica, realizada por uma equipe de pesquisadores nas áreas de Ciências Sociais, Arquitetura e Urbanismo, tendo como pressuposto a análise «de perto e de dentro», capaz de apreender os padrões de comportamento múltiplos e heterogêneos, os grupos, as redes e os sistemas de troca. “O método etnográfico, de forma simplificada, é a condição de chegar o mais próximo possível da realidade que se propõe estudar e compreender. É uma das estratégias metodológicas para interpretar, para entender a vida urbana de um determinado lugar, onde há necessidade de se aprofundar e se prolongar na vida cotidiana” (Magnani, 2009Magnani, J. G. C. (2009). Etnografia como prática e experiência. Horizontes Antropológicos, 15(32), 129-156. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/S0104-71832009000200006
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; Uriarte, 2012Uriarte, U. M. (2012). O que é etnografia para antropólogos. Ponto Urbe, 11, 1-13. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.4000/pontourbe.300
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).

A pesquisa de campo no Mercado Central já está encerrada. Entre 2017 e 2019 foram realizadas entrevistas3 3 Ao longo do texto apresentaremos várias citações diretas, decorrentes dessas entrevistas e os nomes dos entrevistados serão resguardados. com lojistas tradicionais e novos lojistas, além de várias incursões, em momentos distintos, com o propósito de identificar as tipologias e a destinação de usos, as sucessivas fases de mudança no perfil das destinações de uso, observar os grupos sociais frequentes, bem como as interações entre lojistas, entre fregueses e lojistas e entre frequentadores assíduos. Além disso, foram realizadas pesquisas documental e bibliográfica, já que este Mercado deu ensejo a vários trabalhos acadêmico-científicos (Mergarejo Netto & Diniz, 2004Mergarejo Netto, M., & Diniz, A. M. A. (2004). O Mercado Central de Belo Horizonte: articulações locais e regionais. In Anais do III Encontro Brasileiro de Estudos Regionais (v. único, 10-20a). Belo Horizonte: PUC-Minas.; Costa, 2006Costa, J. E. da. (2006). Mercado Central de Belo Horizonte: a convivência entre iguais e diferentes (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.; Filgueiras, 2006Filgueiras, B. S. C. (2006). Do mercado popular ao espaço de vitalidade: o Mercado Central de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro.; Andrade, 2017Andrade, L. T. (2017). Os Mercados e os Dilemas da Autenticidade. Uma análise do Mercado Central de Belo Horizonte.Interseções,19(2), 443-462. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.12957/irei.2017.32020
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).

Quanto ao Mercado Novo, a pesquisa de campo foi realizada como um reconhecimento do terreno e uma primeira aproximação com os proprietários das lojas do segundo andar, os novos empresários promotores das profundas alterações ali ocorrentes. Nesse sentido, foram realizadas conversas informais com novos e antigos lojistas e seis entrevistas com os novos lojistas que ali se instalaram a partir da iniciativa “Velho Mercado Novo”4 4 A pandemia Covid-19 interrompeu o processo de pesquisa, mas, em uma próxima fase, espera-se ampliar o trabalho de campo e, especialmente, incluir também o primeiro andar e os tradicionais lojistas de ambos os andares. .

Os espaços comerciais aqui analisados não são locais de transações econômicas apenas, mas espaços onde práticas de sociabilidade urbana são conformadas, aprendidas e reproduzidas. Cada local de compras cria sua própria identidade aninhada à percepção de que o mercado é uma cidade dentro da cidade (Zukin, 2012Zukin, S. (2012). The social production of urban cultural heritage: identity and ecosystem on an Amsterdam shopping street. City, Culture and Society, 3(4), 281-291. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1016/j.ccs.2012.10.002
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). Deliberada ou silenciosamente, as intervenções engendradas no cotidiano de tais estabelecimentos refletem tensões que revelam tanto as relações dialéticas entre local versus global quanto os processos de resistência e mudanças. Consideramos que a resistência à gentrificação e a outros processos igualmente invasivos e transformadores de vivências prévias num lugar se compõe não só de oposição declarada mas também de ações cotidianas, muitas vezes invisíveis, que se consubstanciam na continuidade da presença e de práticas do dia a dia, ligadas a uma realidade que antecede a lógica da regeneração urbana engendrada em tal processo. Ressalta-se aqui nossa compreensão do processo de transformação contínua a que os espaços urbanos estão sujeitos historicamente (Lees et al., 2017Lees, L., Annunziata, S., & Rivas-Alonso, C. (2017). Resisting Planetary Gentrification: The Value of Survivability in the Fight to Stay Put. Annals of the American Association of Geographers (Online), 108(2), 346-355. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1080/24694452.2017.1365587
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); contudo, a crítica apontada por Glass (1964Glass, R. (1964) London: aspectsofchange. Londres: MacGibbon & Kee.), Zukin (2010) e Arantes (2002Arantes, O. B. F. (2002). Cultura e Transformação Urbana. InPallamin, V., & Ludermann, M., Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana (59-70X-X). São Paulo: Liberdade.) em relação às mudanças constatadas nos processos de gentrificação se justifica em razão das fortes rupturas socioculturais e exclusões promovidas num lugar a partir de ações de intervenção centradas em interesses econômicos de atores sociais já privilegiados e nem sempre pertencentes a tal lugar e nem sempre vinculados à cultura local.

As dinâmicas e tendências associadas aos processos de gentrificação sob uma base comercial, e outros correlatos, sublinham as contradições presentes na produção e reprodução das trocas materiais e simbólicas, concretizadas por meio de pessoas, de produtos e de imagens. Neste sentido, há que se considerar que essas transformações de espaços comerciais impactam as relações sociais que aí se efetivam, pois o processo de gentrificação acaba por exercer um «filtro social» e passa a integrar um processo de acumulação de capital, com seus respectivos movimentos cíclicos de fluxos de circulação (Mendes, 2014Mendes, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, 16(32), 487-511. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/2236-9996.2014-3209
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).

Nosso argumento principal está alinhado ao pressuposto de que tais dinâmicas e tendências colocam em xeque a capacidade de esses espaços serem o suporte e fazerem parte da construção de uma sociabilidade urbana plural e inclusiva: processo que é produzido e reproduzido cotidianamente por meio do enraizamento da propriedade individual das mais variadas lojas; pelo caráter dos produtos comercializados; pelas tradicionais negociações culturais que acontecem entre lojistas e clientes habituais; além de dois fundamentais princípios da vida urbana: familiaridade e estranheza (Zukin, 2012Zukin, S. (2012). The social production of urban cultural heritage: identity and ecosystem on an Amsterdam shopping street. City, Culture and Society, 3(4), 281-291. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1016/j.ccs.2012.10.002
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).

A dimensão histórico-cultural do Mercado Central e do Mercado Novo

Os mercados são um lugar de referência de produtos e de mercadorias sui generis, comumente expostos e comercializados de maneiras específicas, que dependem de cada lugar ou região. Historicamente, as origens dos programas de espaços comerciais, voltados aos desejos e necessidades de consumo de produtos diversos, podem ser associadas às informais feiras, montadas de tempos em tempos em espaços abertos nas mais remotas aldeias. Podemos citar, por exemplo, os corredores dos milenares estabelecimentos chan, do mundo islâmico (Cornell, 1998Cornell, E. (1998). Arquitetura da relação cidade-campo. Brasília: ALVA.); a influente stoa grega, com sua galeria de colunatas; o macellum romano, com seus andares de lojas enfileiradas; e o bazar, tão difundido no Oriente (Mumford, 1982Mumford, L. (1982). A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes.). Caracterizados por ocupações temporárias de vazios urbanos, tal programa espacial se consolidou, posteriormente, como um espaço público, administrado pelo poder local com a participação efetiva de comerciantes, por vezes, arrendatários ou inquilinos de tais espaços físicos.

A partir da Revolução Industrial, a crescente diversificação e especialização dos serviços estabeleceu uma série de tipologias espaciais semelhantes e diversificadoras dessa base histórica dos mercados (Sennett, 2009Sennett, R. (2009). O artífice. Rio de Janeiro: Record.). É nesse contexto que surgem edifícios-galeria, lojas comerciais, hipermercados, magazines e shopping centers, coexistindo nas cidades e enfatizando a dimensão comercial de tais ambientes. Todavia, desde a segunda metade do século XX, têm sido crescentes as constatações, reflexões e críticas a muitos dos preceitos que pautaram o pensamento e as ações do homem industrial - como seus ideais de setorização e padronização espacial para uma concepção ideal de homem universal.

Sob esse novo contexto é que se verifica, numa via de mão dupla, tanto uma valorização sensível (Canclini, 2005Canclini, N. G. (2005). O papel da cultura em cidades pouco sustentáveis. In Serra, M. A. (Org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano (pp. 185-198). São Paulo: Iluminuras.) quanto uma manipulação econômica (Choay, 2001Choay, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.) de expressões representativas de práticas culturais, de identidades e de memórias de lugares que, em meio a tal processo de reconfiguração espacial, passaram a alterar suas singularidades, o que afeta tanto áreas metropolitanas ou rurais quanto países desenvolvidos ou emergentes. Assim, espacialidades como a dos tradicionais mercados públicos recebem novos olhares que buscam evidenciar suas particularidades culturais, como fim ou meio (Gusmão, 2017Gusmão, R. (2017). Requalificação pela desqualificação: o discurso da reurbanização no “novo” Rio Vermelho. Geousp - Espaço e Tempo (Online), 21(2), 531-549. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.11606/issn.21790892.geousp.2017.121837
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; Calabrese & Amparo-Santos, 2019Calabrese, D.M., & Amparo-Santos, L. (2019). De mercado à vila: práticas alimentares e higiene frente ao processo de gentrificação na cidade de Salvador, Bahia. In Bosi, M. L. M., Prado, S. D., & Amparo-Santos, L. Cidade, corpo e alimentação: aproximações interdisciplinares (pp. 99-118). Salvador: EDUFBA.; González & Dawson, 2018González, S., & Dawson, G. (2018). Resisting gentrification in traditional public markets: Lessons from London. In González, S. (Ed.). Contested Markets Contested Cities. Gentrification and urban justice in retail spaces (pp. 54-71). London: Routledge.; González, 2020).

Nesse sentido, para compreendermos nossos objetos, vamos começar a percorrer suas dimensões históricas. O Mercado Central de Belo Horizonte iniciou “suas atividades, em 1929, buscando atender à necessidade de abastecimento da capital de Minas Gerais com produtos imprescindíveis, tais como gêneros alimentícios, utensílios domésticos, artesanatos diversos e artigos religiosos. Tal como diversos outros mercados públicos de grandes cidades brasileiras, o Mercado Central foi implantado em terreno público, em uma configuração próxima à feira livre, com mercadorias comercializadas em barracas de madeira” (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 754). Os comerciantes exerciam suas atividades por meio de concessão, garantida por intermédio de arrendamentos e relações de inquilinato com o poder público municipal.

Passados mais de trinta anos de sua criação, “em 1964, o então prefeito Jorge Carone alegou a inviabilidade da administração do Mercado. Sob ameaça da possibilidade de ter suas atividades encerradas, os comerciantes se uniram e conjuntamente adquiriram o terreno, construíram a atual edificação e mantiveram o funcionamento do local como propriedade particular, dando então continuidade aos negócios” (Figuras 2 e 3) (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 754).

Ao longo de sua história, o Mercado Central teve seu potencial de centralidade posto à prova em vários momentos, um deles foi a partir dos anos 1980, devido, principalmente, às tendências e dinâmicas capitalistas, com a presença de hipermercados e shoppings centers. Desde os anos 2000, o Mercado Central passou a contar com lojas de franquia com fins diversos, como Havaianas e Empada de Minas, e uma maior diversificação de segmentos, como casa lotérica, lojas de produtos alimentícios japoneses, ótica, e, saltam aos olhos, um conjunto de lojas de suplementos alimentares. Atualmente, soma-se a esse espaço, um conjunto de novos estabelecimentos com marcas peculiares, que instigam o nosso olhar, e sob as quais nos debruçaremos a seguir.

Figura 2
Tradicional forma de exposição de produtos culinários no Mercado Central.

Figura 3
Tradicional forma de exposição de produtos artesanais no Mercado Central.

Já o Novo Mercado Municipal, atualmente conhecido como Mercado Novo, criado em 1963, teve como legitimação de seu projeto o objetivo do executivo municipal de fazer de tal espaço o principal entreposto de abastecimento para a população da cidade e do estado. No entanto, esteve sempre às margens e à sombra do prestígio de seu vizinho: o Mercado Central. Assim, ao longo de mais de 50 anos, mantém seu funcionamento contínuo (Figuras 4 e 5) a despeito do fato de sua obra nunca ter sido finalizada e ainda apresentar parte de suas lojas desocupadas.

Figura 4
Corredores 1º andar Mercado Novo.

Figura 5
Loja Tradicional do Mercado Novo.

Há muitas décadas, as atividades de maior destaque do Mercado Novo consistem na feira livre da madrugada e nas lojas de serviços especializados como gráficas e uniformes. Essa feira atende às pequenas mercearias e restaurantes das proximidades, dirigidos aos trabalhadores com menor qualificação profissional, e tais atividades encontram-se, predominantemente, no nível térreo, criando uma forte relação com a dinâmica da rua e do entorno. O segundo andar foi, com o tempo, sendo apropriado pelas atividades mais relacionadas aos serviços.

O terceiro e quarto andar estiveram praticamente desocupados até 2010, quando o quarto andar passou a ser utilizado com recorrência para a realização de eventos articulados por pessoas ligadas à arte, tornando-se um novo locus da cultura jovem local e, claro, também dos turistas mais alternativos. Nomeado de Mercado das Borboletas, ali aconteciam festivais, blocos de carnaval, shows culturais e festas, como a promovida em 2012, chamada “Salve o Mercado”, que visou angariar fundos para obras do telhado. Esse espaço, em seus cinco anos de funcionamento, configurava um ambiente de viés alternativo, underground e cool, sem iluminação adequada, com piso e paredes inacabados, com um acesso por corredores estreitos e escuros, além de banheiros incapazes de atender ao número de usuários. Tanto que, em 2015, o evento de carnaval “Chama o Síndico” foi cancelado, pouco antes do horário marcado, pela ausência de um Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. De maneira semelhante, a Incubadora de Artes e Negócios Sustentáveis ali criada pelo mesmo grupo se dissipou ao não conseguir apresentar à Prefeitura o Estudo de Impacto de Vizinhança (Mafra & Souza, 2019Mafra, N. B. M., & Souza, C. V. (2019). O Mercado Novo: transformações e composições no espaço urbano de Belo Horizonte, Minas Gerais. Ponto Urbe, 25, 1-28. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.4000/pontourbe.6936
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).

Em síntese, tal processo de apropriação por jovens estudantes, artistas e microempreendedores belorizontinos foi marcado por um forte caráter alternativo, vinculado a valores e tendências emergentes como a ocupação de espacialidades possíveis nas centralidades urbanas, pautada em baixo custo de investimento e permanências efêmeras - seja por sua essência calcada no inesperado (que necessita ser temporário), seja pelas dificuldades de ordem diversa em se formalizar. Esse foi um passo para que em seguida olhares mais estratégicos e financistas se voltassem a essas potencialidades, como anuncia o seguinte entrevistado, empresário(a) do setor de bebidas:

[...] um espaço que estava abandonado no centro da cidade, espaço bem legal, e tipo rola coisa da cena espetacular, tava totalmente abandonado, totalmente abandonado, praticamente abandonado, só de ocupar isso, fazer uso desse espaço, já é excelente (Entrevista 1, 2020).

De fato, daí nasceu a iniciativa de um novo uso no segundo andar do Mercado Novo, a partir do interesse de um grupo formado por alguns empresários, em sua maioria homens e jovens, proprietários de outros bares e restaurantes na cidade de Belo Horizonte, que identificou nesse vazio urbano um potencial para estabelecer o que chamaram de distrito cultural, como nesse relato de outro(a) empresário(a) do setor de bebidas:

[...] Acabou que o projeto deles não foi pra frente, muito por conta deles serem uma… eles não eram uma empresa, né, não tinham verba assim pra bancar aluguéis, eles tavam muito no intuito de trazer pessoas aqui, comércios e marcas da cidade, mas só pra centralizar isso. E isso não foi pra frente (Entrevista 2, 2020).

Quando tais empresários começaram a perceber que o volume financeiro de investimento seria muito alto, passaram a realizar convites, feitos dentro de uma rede de amigos/conhecidos, tanto para exercerem atividades semelhantes às dos ramos nos quais já atuam quanto para abrirem filiais de empresas já estabelecidas em outros pontos da cidade. Como praticamente todas as lojas desse andar pertencem a um único proprietário, as negociações tornaram-se mais simples, e a rede de amizades configurou uma rede de empreendedores, tal como explicado a seguir por um(a) dos lojistas - empresário(a) do setor de alimentação:

A minha história com o Mercado, ela é na base da amizade, né? Não tinha noção nenhuma, aliás, eu, criança, eu vinha aqui reformar violão, então depois nunca mais tinha entrado, quando eu comecei a trabalhar com o meu pai em 2005 eu vim aqui olhar algumas gráficas que mexem com material reciclável e depois, quando abriu a [nome do restaurante], o [nome da pessoa] que é o chefe de cozinha de lá, ele é da família da namorada do meu irmão e aí eu tenho um primo que é casado com a irmã dele e eu sou padrinho dela, então tem essa questão familiar e de amizade mesmo, depois veio a [nome da loja] que é de três amigos meus e, beleza, quando surgiu isso veio o interesse meu e do [nome do sócio] de “vamos fazer alguma coisa lá (Entrevista 3, 2020) .

Como um desdobramento desse contexto, em 2019, a iniciativa “Velho Mercado Novo” foi estabelecida a partir da criação de um estatuto, regido por uma Curadoria, que determinava as diretrizes de ocupação local ou o que denominaram de “artifícios para a construção da identidade”, com finalidade de se alcançar os objetivos propostos, dentre eles a construção de uma “autenticidade calculada”, termos empregues no referido documento (Figuras 6 e 7). Essa Curadoria é conduzida por esse grupo de investidores iniciais com o objetivo de “receber projeto de pessoas que queriam abrir e tentar segmentar isso pra não ter uma concorrência desleal” (de acordo com empresário(a), setor bebidas, informação verbal, 5 de fevereiro de 2020).

Figura 6
Nova Loja Moda no Mercado Novo.

Figura 7
Novo Restaurante/Lanchonete no Mercado Novo.

A dimensão relacional no Mercado Central e no Mercado Novo

Para compreendermos a dimensão relacional do Mercado Central, é preciso percebermos a rede em torno dos produtos, começando pelos insumos, passando pela produção até a exposição e, finalmente, negociação e comercialização. Essa é uma cadeia não apenas de produtos mas de relações sociais e de peculiares formas de sociabilidade construídas cotidianamente.

Os produtos encontrados no Mercado revelam as tradições regionais relacionadas principalmente à culinária e ao artesanato, reconhecidos bens imateriais do estado de Minas Gerais. Esse rol de referências culturais é ali expresso, tanto no “saber fazer” de doces, queijos, cachaças e determinados pratos típicos, a exemplo do “fígado acebolado”, quanto no saber fazer de artigos artesanais, produzidos com base na utilização de matérias primas como madeira, pedra sabão, estanho, cabaça, folha de bananeira, palha, dentre outros recursos naturais e minerais, provenientes das diversas regiões do estado.

Devido à pluralidade de sentidos ali sempre aguçados em meio a aromas, cores, sons, temperaturas, texturas e sabores (sim, ainda se pode pegar e experimentar os produtos), o Mercado se torna uma cidade dentro da cidade (Zukin, 2012Zukin, S. (2012). The social production of urban cultural heritage: identity and ecosystem on an Amsterdam shopping street. City, Culture and Society, 3(4), 281-291. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1016/j.ccs.2012.10.002
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). Logo, “cabe reforçar o papel do Mercado Central como um lócus de circulação, de criações e de trocas, tanto materiais quanto simbólicas, efetivadas por meio de pessoas, de produtos, de imagens, capazes de polarizar fluxos, de concentrar e aproximar uma diversidade de ações e indivíduos” (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 755), em um mesmo ambiente, onde cada lojista vai tecendo suas redes sociais, como revela o seguinte depoimento de um empresário(a) do setor de açougue/frigorífico:

Tem gente que chega aqui e fala: “entrega lá em casa que lá eu te pago!” É igual interior. As pessoas ligam, pedem pra levar. Tem uma cliente aqui que compra e só paga no final do mês, eu levo lá é um quilo, meio quilo, todo mês. Tem que levar né? (Entrevista 4, 2018) .

Assim, o Mercado Central se configura como um espaço público: de “todos e para todos; e as relações ali almejadas e estabelecidas são comparadas àquelas concebidas entre pessoas que vivem em cidades interioranas, onde todos se conhecem” (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 758).

Logo, é possível notar que o Mercado Central é um espaço de expressão e de suporte de práticas e significados que obtém extrema relevância histórica e até mesmo patrimonial, retratada em hábitos e relações socioculturais apreendidas e reproduzidas pela população local e regional. Com efeito, “materializa-se neste espaço público o sentimento de mineiridade, sentimento este que se tornou parte de um imaginário coletivo dos habitantes da cidade” (Mergarejo Netto & Diniz, 2004Mergarejo Netto, M., & Diniz, A. M. A. (2004). O Mercado Central de Belo Horizonte: articulações locais e regionais. In Anais do III Encontro Brasileiro de Estudos Regionais (v. único, 10-20a). Belo Horizonte: PUC-Minas.), como relatado por um proprietário(a) tradicional, empresário(a) do setor de bebidas:

A principal característica do Mercado é ser um local único em Belo Horizonte, onde os mineiros se encontram, um local que ele entende que é a cara dele, a cara de Belo Horizonte, nisso estão envolvidos produtos tipicamente mineiros: o queijo, a goiabada, o corredor dos animais e o artesanato. Aqui envolve tudo que Minas tem, então vou falar que é a cara do mineiro. O Mercado é o seu principal produto, que é o tradicionalismo (Entrevista 5, 2018) .

Parte da conformação de “tradicionalidade imputada ao Mercado Central pode ser atribuída ao fato de que “pertencer” a ele é também uma tradição de família. A maioria dos lojistas são herdeiros de seus comércios, sendo as lojas transferidas de pais para filhos em contínua sucessão. Em alguns casos, a terceira geração já está à frente dos negócios, exercendo atividades que têm seu surgimento atrelados ao próprio tempo de existência do Mercado” (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 757), conforme relato do(a) mesmo(a) empresário(a) do setor de bebidas já citado anteriormente:

Eu não escolhi, fui escolhido. Meu avô plantava legumes na região do Barreiro nos anos 30 e o quê que acontece, ele vinha e vendia as frutas e legumes no mercado, colocava um lençol no chão e fazia sua venda, daí comprou a loja, depois meu pai herdou a loja e eu herdei a loja, então é uma história de família, estou na terceira geração mexendo em atividades aqui (Entrevista 5, 2018) .

Ainda que haja desafios contemporâneos no Mercado Central de ordens opostas, como a indisponibilidade de lojas para alugar ou comprar, ou como a tradição do legado familiar vir diminuindo por falta de herdeiros ou de interesse desses pelo negócio5 5 Mais informações a esse respeito ver Andrade (2019). , tal espaço se configura como um local de encontro e, ao mesmo tempo, de deriva por seus corredores labirínticos. É palco de relações próximas entre clientes e comerciantes, de amizades entre os lojistas, de familiaridade e de pertencimento. Considerado como “a cara de Belo Horizonte”, o Mercado é a expressão da cidade, um ambiente que favorece o consumo cultural e do lugar, mas que, concomitantemente, cria oportunidades de não se comprar nada, apenas contemplar, apreciar e absorver a rica dinâmica desse espaço em uma aquisição imaterial do simbólico, como sugere o relato do(a) mesmo(a) empresário(a) supracitado:

(...) tem um amigo que de vez em quando encontro com ele “o que você veio fazer aqui Ronaldo?”, ele vira pra mim “vim fazer nada, comprar nada, vim achar meus amigos que tão aqui dentro perdido”. E o mercado, eu falo, é o local onde você se perde encontrando (Entrevista 5, 2018) .

Com efeito, neste espaço, tanto o público assíduo quanto o ocasional ou mesmo o turista revelam uma forma de sociabilidade em que todos têm no Mercado Central um lugar para compartilhar relações, experiências e vivências.

No entanto, nos últimos cinco anos, temos observado a implantação de algumas novas lojas, especialmente queijarias, cachaçarias, cafés e padarias, a exemplo da “Padaria Du Pain” e “Roça Capital: Armazém Mineiro” (Figuras 8 e 9). O que estes estabelecimentos têm em comum do ponto de vista relacional? Seus produtos ganham uma outra estética de apresentação, vinculada a padrões globais, que tende a estabelecer um viés de gourmetização. Assim, esses tais novos produtos reforçam o consumo da cultura, quer seja pela “destradicionalização” de determinados conjuntos de práticas associadas ao hábito alimentar, quer seja pelo estímulo à segregação ao estabelecer um padrão seletivo de clientes.

Figura 8
Nova Padaria, inaugurada em 2016, no Mercado Central.

Figura 9
Loja de cerveja artesanal inaugurada em 2018, ao lado de uma tradicional loja de utensílios domésticos, no Mercado Central.

De modo similar ao já estudado por Viana Cerqueira (2014Cerqueira, E. D. V. (2014). A evolução das formas de gentrificação: estratégias comerciais locais e o contexto parisiense. Cadernos Metrópole, 16(32), 417-436. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/22369996.2014-3206
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), no caso das ruas de Paris, as novas lojas do mercado central, diversificam e associam múltiplas práticas e padrões culturais que se tornam cada vez mais complexos, como sugere o relato a seguir de um empresário(a) do setor de laticínios:

Algumas lojas estão se adequando com as mudanças do cliente, estão se modernizando. […] Então a tendência é essa mesmo, ir inovando, na verdade não é nem inovar, é renovar (Entrevista 6, 2018).

Os clientes estão mudando ou está havendo uma mudança de perfil de clientela? Ambos os processos estão em curso e sugerem um padrão seletivo de clientes, o que exerce um filtro social e configura um espaço de conotação simbólica associada tanto às práticas globais de consumo quanto à homogeneização de paisagens comerciais.

Tais mudanças no Mercado Central iluminam as observações sobre a dimensão relacional no Mercado Novo. Pois, já no Mercado Novo nenhum dos empreendedores entrevistados, ou seja, os lojistas atuais, revelou qualquer relação anterior com o espaço do mercado, e a relação que se estabelece agora é a de interesse pelo empreendimento. Há uma constante hesitação em relação ao investimento realizado, aos resultados, ao sucesso dos negócios e decorrente retorno financeiro, o que reafirma o frágil compromisso que esses empresários estabelecem com a história do lugar. Com efeito, a evidência de que a não efetivação dos negócios, conforme almejado, os levará à procura de outros espaços, sem qualquer preocupação com o futuro do lugar, torna-se bastante clara no relato do(a) mesmo(a) empresário(a) do setor de alimentação já citado anteriormente:

Belo Horizonte vive uma incerteza de tudo o que você abre né? Pô, vou colocar um negócio aqui que vai sair a duzentos, trezentos e cinquenta mil reais essas quatro lojas e como é que vai ser? [...] Então, vou ter retorno ou não vou… Entendeu? Então esse era o risco (Entrevista 3, 2020).

Assim, os novos empreendedores, do ponto de vista relacional, delineiam traços de uma relação contratual. O modo de uso do espaço é um elemento do contrato racional, que elimina as relações subjetivas; portanto, o contrato orienta relações efêmeras, instantâneas, sem vínculos entre os partícipes e a despeito do lugar onde acontecem. A descrição que os novos lojistas do Mercado Novo fazem do seu público iluminam a compreensão dessa relação:

[...] é um público que tem a cabeça mais aberta, é um público que se comparado ao público que está lá embaixo é um público que tem um poder aquisitivo maior, mas não é necessariamente a classe mais alta, é a classe média alta (Entrevista 7, 2020).

Esse aspecto é muito significativo, pois no Mercado Central de Belo Horizonte nota-se relações fortes e intensas dos lojistas com a história e a identidade do local, uma vez que lá as lojas são passadas de pais para filhos, há mais de três gerações, sendo que muitos deles, inclusive, não aventam a hipótese de manter o negócio fora daquele espaço, já que o que atribui significado ao negócio é a associação entre ambiente físico e relações historicamente estabelecidas entre os comerciantes, entre comerciantes e fregueses, entre as pessoas e a espacialidade (Almeida et al., 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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; Almeida et al., 2016).

Tal como indicado por Ruth Glass (1964Glass, R. (1964) London: aspectsofchange. Londres: MacGibbon & Kee.) e Neil Smith (1996Smith, N. (1996). The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres: Routledge.), em seus estudos sobre Londres e Nova York, e, mais recentemente, Sharon Zukin (2010Zukin, S. (2010). Naked city: the death and life of authentic urban places. Nova York, Oxford: University Press., 2012), nas abordagens sobre ruas comerciais em Amsterdam, espaços valorizados e concorridos, do ponto de vista material e simbólico, são reapropriados quase que exclusivamente por um seleto grupo social, conforme percebemos pela fala de um empresário(a) do setor de design:

[...] querendo ou não eu acho que ainda, talvez até porque a gente ainda esteja no início, essa ocupação tem um outro público que até então não viria para o Mercado Novo se não fosse por essa ocupação. O que as pessoas acreditam é que esse outro público, que é um público que tem um poder aquisitivo maior e tá vindo pra cá, pode começar também a consumir o que já está oriundo do Mercado, eu acho particularmente isso pouco provável, pode acontecer mas eu acho muito difícil alguém vir aqui pra sentar num barzinho lá embaixo e beber cerveja lá (Entrevista 7, 2020).

Dentre os desdobramentos dos processos de gentrificação constatados na produção de lugares internacionalizados ou de lugares engendrados sob essa «deficiência imaginativa» ressaltada por Massey (2008Massey, D. (2008). Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.), comumente o que se delineia são espaços de base relacional pouco diversificada diante do foco em um público solvente - o que também reverbera em suas dimensões identitária e histórica, boa parte das vezes desconsideradas em sua cristalização ou manipuladas e capitalizadas por tal foco econômico enquanto o negócio se mostrar rentável.

Observando tais processos de gentrificação, a partir das décadas de 1970 e 1980, foi possível identificar que as condicionantes do processo de substituição de classes se deram por iniciativas esparsas conduzidas pelo mercado para a reapropriação e revitalização de zonas centrais, nas grandes cidades norteamericanas e europeias. Nesse sentido, seria possível traçar paralelos entre centros urbanos degradados e o segundo andar do Mercado Novo a partir das iniciativas de revitalização daqueles e do processo em curso no Mercado Novo, conduzido pela nova onda de empreendedores. Além da recuperação do uso do espaço, agora mais embelezado ou até mesmo reificado, há uma ressignificação do uso, onde o que se observa é um distanciamento entre as classes que frequentam os andares e uma possível substituição dos próprios lojistas, mais tradicionais, pelos novos empreendedores, tal como indica o relato de empresário(a) do setor de alimentação a seguir:

Uma ocupação dessa aqui do Mercado já está mexendo com uma ocupação que é de anos, você vê gráficas antigas já saindo daqui, sabe? Aí eu nem sei se eu vejo isso como positivo ou negativo, eu acho que o próprio lojista está se sentindo excluído do negócio, a gente fez a ocupação com um monte de pessoas colocando investimento, vendo os locais mais bonitos e elaborados como negócio e o cara tem ali a gráfica dele, onde ele faz toda a operação dele quase que toda fora da loja, ele vai se sentir excluído (Entrevista 3, 2020).

A dimensão identitária no/do Mercado Central e no/do Mercado Novo

Segundo Antônio Firmino Costa (1999Costa, A. F. (1999). Sociedade de bairro: dinâmicas sociais de identidade cultural. Oeiras: Celta.), nas últimas décadas, o conceito de identidades culturais tem sido empregado como base de equívocos e efeitos perversos, que o concebem de forma redutora, essencialista e reificante, portanto deve ser empregado com cautela. É preciso considerar que as identidades culturais são sempre socialmente construídas e, por isso, múltiplas e mutáveis. Para o autor são construções sociais relacionais, pois são sempre produzidas em relação social e sempre relativas a outras. Além disso, são simbólicas na medida em que envolvem categorizações culturais e porque significam o destaque simbólico seletivo de algum ou alguns atributos sociais (Almeida, Silva, & Nascimento, 2019Almeida, R. de C., Silva, A. M., & Nascimento, G. J. C. (2019). Mercado Central de Belo Horizonte: A dialética entre resistência e gentrificação. In Associación Latinoamericana de Sociologia (Orgs.). Anais do XXXII Congresso Internacional Alas Peru (pp. 750-766). Lima: Associación Latinoamericana de Sociologia. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://sociologia-alas.org/wp-content/uploads/2020/12/Dossier-GT2-CONTENIDO.pdf.
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, p. 756).

Dentre os três modos principais de manifestação contemporânea das identidades culturais elencadas por Costa (2002Costa, A. F. da. (2002). Identidades culturais urbanas em época de GlobalizaçãoIdentidades culturais urbanas em época de Globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(48), 15-30. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/S0102-69092002000100003
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), identidades experimentadas, identidades designadas e identidades tematizadas, o primeiro modo é o que mais se aproxima do contexto manifestado no Mercado Central de Belo Horizonte, pois, segundo o autor:

(...) têm a ver com as representações cognitivas e os sentimentos de pertencimento, reportados a coletivos de qualquer espécie (categoriais, institucionais, grupais, territoriais, ou outros), que um conjunto de pessoas partilha, emergentes das suas experiências de vida e situações de existência social (Costa, 2002Costa, A. F. da. (2002). Identidades culturais urbanas em época de GlobalizaçãoIdentidades culturais urbanas em época de Globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(48), 15-30. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/S0102-69092002000100003
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, p. 27).

As identidades experimentadas cotidianamente no Mercado Central reforçam ainda mais o papel deste espaço na produção de espaços públicos. Como pressupõe Leite (2008Leite, R. P. (2008). Localizando o espaço público: gentrification e cultura urbana. Revista Crítica de Ciências Sociais, 83, 35-54. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.4000/rccs.436
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, p. 47), para que um espaço se caracterize como público, dois conceitos devem ser relacionados: espaço e sociabilidade pública. Logo, essa relação acarreta a indicação de dois processos interdependentes e ao mesmo tempo convergentes: “a construção social do espaço, enquanto produto e produtor de práticas sociais, e a construção espacial da sociabilidade pública, enquanto produto e produtor das espacializações da vida social” (Leite, 2008, p. 47).

Voltamos a invocar o conjunto de trabalhos acadêmicos desenvolvido no mercado e nossos dados que indicam um processo que se realiza cotidianamente: espaços e práticas sociais produzem e reproduzem o sentimento de pertencimento social, de identidade local e de continuidade histórica (Andrade, 2017Andrade, L. T. (2017). Os Mercados e os Dilemas da Autenticidade. Uma análise do Mercado Central de Belo Horizonte.Interseções,19(2), 443-462. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.12957/irei.2017.32020
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; Mergarejo Netto & Diniz, 2004Mergarejo Netto, M., & Diniz, A. M. A. (2004). O Mercado Central de Belo Horizonte: articulações locais e regionais. In Anais do III Encontro Brasileiro de Estudos Regionais (v. único, 10-20a). Belo Horizonte: PUC-Minas.; Costa, 2006Costa, J. E. da. (2006). Mercado Central de Belo Horizonte: a convivência entre iguais e diferentes (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.; Filgueiras, 2006Filgueiras, B. S. C. (2006). Do mercado popular ao espaço de vitalidade: o Mercado Central de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro.). As alterações recentes precisam ser observadas com atenção, pois podem provocar mudanças nessas dinâmicas, o que geraria rebatimentos no espaço e na sociabilidade pública.

Já o Mercado Novo expõe as chamadas identidades designadas, pois “reportam-se a construções discursivas ou icônicas de entidades coletivas, com as quais aqueles que as produzem não têm relação subjetiva de pertença” (Costa, 2002Costa, A. F. da. (2002). Identidades culturais urbanas em época de GlobalizaçãoIdentidades culturais urbanas em época de Globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(48), 15-30. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.1590/S0102-69092002000100003
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, p. 27). Como revelamos na sessão anterior, o grupo de jovens investidores do Mercado Novo não estabelecem relações de pertença com o espaço, e suas ações são pautadas por uma lógica contratual. Quanto à construção discursiva, os relatos nas entrevistas e o documento intitulado “O novo é o velho mercado novo”, elaborado pela curadoria do projeto Velho Mercado Novo, expressam uma construção discursiva e icônica do processo de produção de uma autenticidade calculada. A construção do argumento em torno da autenticidade calculada começa assim:

Os lojistas deste lugar, porém, são diferentes de muitos outros. Da fabricação artesanal de velas, a impressos feito em tipografia, seus corredores estão repletos de práticas de tempos atrás. Ainda carregam toda autenticidade e simplicidade dos dias de sua fundação. O Mercado Novo é um retrato histórico da riqueza cultural dos comércios da região central de Belo Horizonte. E isso o torna único e insubstituível (Estatuto de Ocupação, 2019, p. 1).

E, na sequência, associando discurso e materialidade icônica, listam alguns elementos que, segundo informam, “ajudam a tornar esse lugar único, dentro de uma autenticidade calculada.” Tal lista apresenta uma relação de materialidades que segundo os próprios “valorizam a identidade estética original”. Como apontam os estudos de Sharon Zukin (2010Zukin, S. (2010). Naked city: the death and life of authentic urban places. Nova York, Oxford: University Press.), o paradoxo da autenticidade, comum nos processos de gentrificação, reside no fato de que é precisamente o anseio por lugares muitas vezes identificados com lugares "originais", dotados de forte identidade local, uma estética "descolada" ou mesmo uma "vibração" específica que em escala leva à progressiva eliminação de sua originalidade. Desse modo, a cultura material e imaterial torna-se objeto de apropriação simbólica, promovida e vendida como mercadoria, e essa mercantilização cultural associa-se ao processo de elitização.

Além disso, por trás dessa calculada autenticidade está, como explica Andrade (2017Andrade, L. T. (2017). Os Mercados e os Dilemas da Autenticidade. Uma análise do Mercado Central de Belo Horizonte.Interseções,19(2), 443-462. Recuperado em 11 de maio de 2022, de https://doi.org/10.12957/irei.2017.32020
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), a perda da dimensão aurática da autenticidade, inspirada em Walter Benjamin e, portanto, mais centrada na contemplação, como ocorria com as obras de arte originais. Para Benjamin, a reprodutibilidade técnica a partir dos novos meios mecânicos desvinculou a arte de sua função ritual, de seu local de origem, e desvalorizou seu valor tradicional e sua autenticidade, fundados na herança cultural. Atualmente, vigora uma dimensão da experiência. Uma experiência que passa pelo consumo rápido, do lugar, da cultura, incluindo aí a própria experiência gastronômica.

Nesse contexto, na análise do Mercado Novo, mesmo que ainda não seja perceptível a saída dos lojistas tradicionais, assiste-se à criação de um espaço internacional, segregado pelo preço e pelas estratégias de segurança, homogêneo e sem raízes culturais. Com efeito, identifica-se ali o que Doreen Massey (2008Massey, D. (2008). Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.) vinculou a uma significativa deficiência imaginativa, reprodutora de discursos hegemônicos por ser receosa de possibilidades próprias de invenção e de alternativas na reconstrução contínua do lugar. A Curadoria passa a ter papel central na definição das novas atividades, como relatado pelo(a) mesmo(a) empresário(a) do setor de alimentação já citado anteriomente:

[...] a ideia nossa era uma lojinha, um negocinho pequeno, um custo baixo de investimento, depois fomos na Curadoria, né? ... na reunião ... e vimos que não dava pra ser assim, tinha que ser um negócio elaborado e tal, um tanto de pessoas que estavam lá e que hoje são lojistas, todo mundo com projetos bem desenhados, então não pode ser assim (Entrevista 3, 2020) .

O que se pode apreender pela fala do entrevistado(a) é que a intenção da Curadoria é estabelecer um padrão específico para as lojas, uma estética homogênea, uma unidade codificada, porém legível e sedutora ao público que pretende atrair. O fato é que esse público pode ser de em qualquer lugar ou estar em qualquer lugar do mundo, pois percebe-se que as lojas pretendem ser globais, atendendo aos pressupostos da turistificação. Tais espaços oferecem, além de uma estética gourmetizada, uma experimentação internacional, a começar pelos nomes das lojas (Figuras 10 e 11), que apresentam termos, mesmo que “abrasileirados”, derivados da cultura europeia (ex.: charcutaria, derivado do francês charcuterie, ou rotisseria, derivado de rotisserie) e da cultura norte americana (mills, made in). Não por acaso, o trocadilho feito com o título do estatuto “Velho Mercado Novo” ilustra bem as intenções de sua ressignificação globalizada: transformar o conhecido Mercado Novo, atrelando-o, pela adoção desse adjetivo, à concepção de tradição e de história que, ainda que já existentes no Mercado Novo, não alcançou a mesma relevância simbólica do velho mercado da cidade, o Mercado Central. Criado como um mercado de suprimentos, desde cedo muito apropriado pelas esferas de serviço, o crescente investimento local em atividades vinculadas ao entretenimento parece buscar, de fato, uma ancoragem em alguma referência, mesmo que incipiente ou até mesmo externa, em meio a sua dinâmica assim marcada por oscilações sucessivas.

De fato, cabe ressaltar, o processo de patrimonialização, conforme tão bem desvelado por Choay (2001Choay, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.), crescente mundialmente por meio da valorização da cultura e da história de um lugar, auxiliou e auxilia a valorização e preservação de numerosos bens culturais materiais por todo o globo, desde a valorização inicial dos monumentos históricos, engendrada na Europa no século XIX e expandida, já em meados do século XX, para a categoria de bens imateriais. No entanto, há que se apontar os excessos constatados nesse processo (Choay, 2001), sobretudo nas últimas décadas, quando a cultura e a historicidade singulares dos lugares passaram a ser assimiladas por seu potencial mercadológico, direcionadas principalmente a um público solvente e movido cada vez mais por dados informacionais veiculados numa comunicação em rede. Em tais situações, marcadas por intensas apropriações, que vão da estetização (Jeudy, 2005Jeudy, H. (2005). Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.) à espetacularização (Debord, 1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto.), conduzidas sob o viés da lucratividade monetária ou financeira, o que tende a ser constatado e amplamente criticado (Glass, 1964Glass, R. (1964) London: aspectsofchange. Londres: MacGibbon & Kee.; Arantes, 2002Arantes, O. B. F. (2002). Cultura e Transformação Urbana. InPallamin, V., & Ludermann, M., Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana (59-70X-X). São Paulo: Liberdade.) é a gradativa perda de sua essência, ou seja, sua representatividade para os atores sociais que produziram ou produziam tal cultura e historicidade até então.

E, assim, processos como os de gentrificação têm sido frequentemente observados entre os desdobramentos de intervenções urbanas calcados no impacto da novidade ou em manipulações histórico-culturais.

Figura 10
Novos Letreiros no Mercado Novo, setor ali-mentação.

Figura 11
Novos Letreiros no Mercado Novo, setor moda.

Considerações finais

Centrando este estudo em dois estabelecimentos tradicionais da capital mineira, o Mercado Central e o Mercado Novo, as análises das transformações em seus usos e apropriações revelam as diferenças e as nuances de cada contexto histórico-cultural.

Processos como o de gentrificação, assim como os de turistificação, gourmetização e patrimonialização, já há algum tempo presentes em estudos sobre o espaço urbano e suas transformações contemporâneas, foram constatados entre observações e entrevistas com proprietários ou locatários das lojas durante esta pesquisa.

E, no que se refere aos desdobramentos desses processos por meio de adequações pontuais ou transformações radicais entre resistências e exclusões provocadas, a dimensão identitária de ambos os estabelecimentos analisados se expressa por diferenças significativas e compreensíveis, uma vez que a base relacional configura a identidade. Assim, as distintas apropriações de tais mercados por parte de seus lojistas têm enfatizado uma «identidade experimentada», baseada na tradicionalidade, no caso do Mercado Central, e uma «identidade designada», baseada nas transformações em curso, no caso do Mercado Novo.

Especificamente os dados revelados neste artigo confirmam que a iniciativa “Velho Mercado Novo” promove um «filtro social» na mudança do perfil do empresário/lojista, pois os jovens empreendedores do segundo andar do estabelecimento se diferenciam dos tradicionais lojistas em aspectos como: racial/cor, educacional, econômico e ocupacional. De fato, as considerações feitas revelam a busca pela atração de um público de classe social média à alta, altamente escolarizada e economicamente capaz de absorver a precificação de produtos que assumem uma roupagem renovada ou gourmetizada, portanto bastante restritiva.

Nesse caso, a alteração de um determinado grupo social por outro, ou seja, a substituição de uma classe socioeconômica mais baixa por uma mais elevada, buscada sobretudo pelo Mercado Novo, denota o processo de forma clara, pois este acaba por exercer um processo de acumulação de capital, com seus respectivos movimentos cíclicos de fluxos de circulação. As estratégias de produção dessa espacialidade - lojas e corredores, incluindo a sugestão de materiais que valorizem uma determinada identidade estética - de definição dos produtos, com a inclusão do ingrediente central - a gourmetização - revelam a busca pela “autenticidade calculada” e reforçam a perspectiva do consumo do lugar e do “consumo da cultura”, algo que também já se nota no Mercado Central, mas, até o momento, em marcha lenta pela tradição ali valorizada por boa parte dos comerciantes locais e esperada por boa parte de seus clientes, uma tradição expressa pela rusticidade artesanal de seus produtos, algo não encontrado nos sofisticados e padronizados produtos gourmetizados.

Em linhas gerais, mais do que as mudanças pontuais até o momento percebidas no Mercado Central, onde ainda se destacam suas raízes de fato tradicionais, as mudanças ocorrentes no Mercado Novo, sobretudo em seu segundo andar, destacam-se como uma identidade forjada entre referências a, por um lado, externalidades vizinhas, como a tradição do Mercado Central, e, por outro, a externalidades genéricas, como a fluidez dos comércios “do momento”. Nesse sentido, o lugar se torna mais constrangedor do que libertador, devido à racionalidade subjacente da sua organização, à excessiva codificação, ao poder das imagens e do espetáculo a elas associado. O Mercado Novo, estrategicamente renomeado como Velho Mercado Novo, aos poucos, passou a se caracterizar pela grande circulação de pessoas, coisas e imagens, em um tempo acelerado, transformando o mundo em um espetáculo, em um evento que, como tal, tem caráter efêmero ou necessita se reconfigurar constantemente para atrair e impressionar um público pagante, mas amorfo, ou sem vínculos locais, tal como os empreendedores dessa sua fase, os ambientes por eles criados e os produtos desde então ali comercializados.

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  • Declaração de disponibilidade de dados

    O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.FPW65L
  • 1
    Este trabalho faz parte de uma pesquisa científica, finalizada em 2020, nomeada “Aqui e ali - Brasília, Belo Horizonte e Lisboa: a amplitude dos processos de gentrificação urbana”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), edital 04/2017.
  • 2
    Essa questão inclusive está sendo objeto de análise deste grupo de pesquisa e será contemplada em uma publicação futura.
  • 3
    Ao longo do texto apresentaremos várias citações diretas, decorrentes dessas entrevistas e os nomes dos entrevistados serão resguardados.
  • 4
    A pandemia Covid-19 interrompeu o processo de pesquisa, mas, em uma próxima fase, espera-se ampliar o trabalho de campo e, especialmente, incluir também o primeiro andar e os tradicionais lojistas de ambos os andares.
  • 5
    Mais informações a esse respeito ver Andrade (2019).

Editado por

Editor responsável:

Rodrigo Firmino

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2021
  • Aceito
    30 Nov 2021
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