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Urbanização precária: descontinuidades e impactos das políticas habitacionais nos assentamentos consolidados da Região Metropolitana de Curitiba

Precarious urbanization: discontinuities and impacts of housing policies on established settlements in the metropolitan region of Curitiba

Resumo

Este artigo discute as constantes interrupções de intervenções em programas de urbanização de favelas. A ação incompleta frustra os moradores, pois etapas de obra fundamentais deixam de ser executadas. Agrava as condições de salubridade das ocupações e limita a possibilidade de os pobres alcançarem os plenos direitos à cidade e à moradia. A pesquisa investigou programas de habitação em três municípios da Região Metropolitana de Curitiba e teve por objetivos reconhecer as consequências das descontinuidades dos programas na vida dos moradores de assentamentos precários consolidados, a relação de confiança ou desconfiança estabelecida com o Estado, e compreender suas escolhas e processos de resistência pela melhor localização urbana. O método utilizou estudos de caso, com entrevistas de moradores e lideranças comunitárias de quatro assentamentos precários. As ocupações foram selecionadas a partir dos conceitos sobre localização e periferização urbana, conforme entendimento sobre o “espaço intraurbano” de Villaça. As conclusões indicam que a ação estatal foi diferente, a depender da localização de cada área. Ademais, os moradores consideram o Estado responsável pelo equacionamento dos problemas relacionados à moradia, enquanto a luta é constante e os movimentos de moradia exercem um papel fundamental na organização popular para conquista dos direitos.

Palavras-chave:
Urbanização de favelas; Assentamentos irregulares; Precariedade habitacional

Abstract

This article discusses the constant interruption in interventions in slum upgrading programs. Unfinished upgrading processes frustrate slum dwellers, as essential work stages are not completed. This aggravates the health conditions of these populations and limits their access to full rights to the city and housing. Housing programs in three cities in the metropolitan region of Curitiba, state of Parana, Brazil, were investigated aiming to identify the impacts of discontinuity of slum upgrading on the lives of residents of precarious established settlements and their relationship of trust or distrust with the State, as well as to understand their choices and resistance processes for better urban location. To this end, case studies were conducted and residents and community leaders from four precarious settlements were interviewed. The settlements were selected according to the concepts of location and urban peripherization as defined by Villaça. The results show that government actions varied according to the location of each settlement and that their residents consider that the State is responsible to solve housing problems, while there is constant struggling where housing movements play a fundamental role so that slum dwellers achieve their rights.

Keywords:
Slum upgrading; Irregular settlements; Housing precariousness

Introdução

As políticas habitacionais realizadas no Brasil promoveram ou iniciaram a urbanização de inúmeros assentamentos precários e produziram um número substancial de unidades habitacionais. Contudo, durante a implementação dos programas de urbanização, muitos dos assentamentos contemplados sofreram descontinuidades ou morosidades das intervenções, que não foram concluídas no prazo ou integralmente finalizadas.

A urbanização incompleta frustra a população envolvida, uma vez que o processo gera expectativas e anseios que não são atendidos devido a essas intermitências. Etapas fundamentais deixam de ser realizadas e dificultam sobremaneira o acesso das famílias mais pobres ao direito à moradia digna e à cidade.

Este artigo apresenta os resultados do estudo acerca da implementação de programas de urbanização em quatro assentamentos precários consolidados, situados em três municípios da Metrópole de Curitiba: Curitiba, Colombo e Piraquara. O objetivo foi reconhecer as consequências na vida dessas famílias, bem como suas expectativas e frustrações diante das descontinuidades das intervenções, por meio de entrevistas e depoimentos de moradores e lideranças. A Vila Parolin e a Vila Torres localizam-se na região central de Curitiba; a Vila Zumbi dos Palmares e Guarituba situam-se respectivamente em Colombo e Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

O padrão de urbanização excludente empreendido em Curitiba se aproxima do modelo desenvolvido nas demais grandes metrópoles brasileiras e fomentou a irregularidade na produção de moradia nos municípios vizinhos. A riqueza se concentra nos bairros mais bem localizados, e a ocupação irregular nos bairros e municípios periféricos é consentida pelas autoridades municipais. Além disso, a política habitacional prioriza a remoção das famílias, com algumas exceções, e não sua permanência nos locais ocupados.

À vista disso, as ocupações foram escolhidas por sua importância territorial por apoiar a discussão sobre localização e periferização urbana. A Vila Torres e a Vila Parolin, situadas em localizações privilegiadas próximas ao centro de Curitiba, contrapõem-se à localização periférica da Vila Zumbi e do Guarituba, estabelecidos às margens de seus municípios. O cotejamento das diferentes realidades locacionais visou contribuir para a discussão sobre o espaço intraurbano de Villaça (1998)Villaça, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute..

A hipótese que norteou a pesquisa é a de que a incapacidade ou negligência das políticas públicas, exemplificada pelas descontinuidades dos programas de urbanização de favelas, cria no imaginário da população a ilusão de que é possível conquistar a moradia com recursos próprios, particularizando uma questão que não pode ser equacionada sem o comprometimento do Estado. O presente artigo apresenta e discute os resultados da etapa dos estudos de caso, que possibilita o entendimento de fenômenos sociais complexos, realizados nas quatro áreas mencionadas, à luz do referencial teórico de suporte. A investigação utilizou o método de pesquisa comparativo qualitativo, por meio de entrevistas e depoimentos. O diálogo com moradores e lideranças permitiu aprofundar questões que fragilizam o cotidiano dessas famílias e entender como as descontinuidades das políticas habitacionais prejudicam o acesso dessa população ao direito à cidade e à moradia adequada.

Efeitos da produção de localizações no espaço intraurbano nos assentamentos precários

Os atributos “localização” e “deslocamento” são objetos de disputa entre as classes sociais e apropriados pelas classes dominantes para obter a dominação do espaço urbano (Villaça, 2015Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Blog da Boitempo. Recuperado em 06 de abril de 2021, de https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30/flavio-villaca-1929-2021-o-territorio-e-a-dominacao-social/
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). De acordo com Villaça (2012)Villaça, F. (2012). A terra como capital (ou a terra-localização). In F. Villaça. Reflexões sobre as cidades brasileiras (pp. 25-40). São Paulo: Studio Nobel., o espaço por si só não pode ser considerado um produto, pois não é fruto do trabalho humano, somente quando o espaço se associa à localização é que transfere valor de uso à terra urbana. A esta associação, o autor designa de “terra-localização”1 1 O conceito terra-localização se origina dos termos terre matière e terre capital, decorrentes da teoria de Karl Marx (Villaça, 2015). . Este atributo não pode ser reproduzido, uma vez que sua identidade é única no espaço. Isto torna sua distribuição desigual e antagônica (Villaça, 2015Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Blog da Boitempo. Recuperado em 06 de abril de 2021, de https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30/flavio-villaca-1929-2021-o-territorio-e-a-dominacao-social/
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).

O conflito decorre das escolhas realizadas entre as classes sociais por sua localização no espaço intraurbano. As classes dominantes escolhem para si as terras mais bem localizadas e providas de infraestrutura urbana. Para os pobres, como não há possibilidade de escolha, sobram os terrenos mais distantes, muitas vezes sem infraestrutura adequada e que requerem um maior deslocamento para se chegar ao trabalho. Nessas localizações é que são implantados os conjuntos habitacionais para população de baixa renda, bem como toleradas as invasões e ocupações de terra para fins de moradia.

Villaça (1986Villaça, F. (1986). O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global., p. 53) esclarece que é formada uma estrutura de preços e que, por ela, há “[…] uma distribuição das vantagens e desvantagens da cidade, de suas qualidades e de seus defeitos, todos estes socialmente produzidos, porém privadamente apropriados através da localização pela qual se paga”. Essa distribuição desigual no espaço urbano, proveniente da disputa de classes sociais, produz um processo denominado “segregação urbana”.

A segregação urbana, conforme Villaça (2015)Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Blog da Boitempo. Recuperado em 06 de abril de 2021, de https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30/flavio-villaca-1929-2021-o-territorio-e-a-dominacao-social/
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, é resultado das ações dos governos locais em diminuir os tempos de deslocamento realizados para exercer as funções urbanas, privilegiando as áreas de interesse das classes de alta renda. Nesse processo, ocorrem as disputas entre as classes sociais pelos meios de transporte, vias de acesso e gestão para potencializar o tempo utilizado: “[...] não podendo atuar diretamente sobre o tempo (de deslocamento), as classes sociais atuam sobre o espaço (urbano, no caso). Nunca, como nesse caso, fica tão clara a relação entre tempo e espaço” (Villaça, 2015Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Blog da Boitempo. Recuperado em 06 de abril de 2021, de https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30/flavio-villaca-1929-2021-o-territorio-e-a-dominacao-social/
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).

Para selecionar as áreas integrantes dos estudos de caso, o critério de localização dos assentamentos precários e conjuntos habitacionais nas cidades da RMC foi aplicado. O recorte escolhido de duas áreas periféricas e duas mais bem localizadas permitiu verificar diferenças significativas na ação estatal em função deste atributo. Os casos demonstram distintas dinâmicas de produção do espaço de moradia precária, que por sua vez impactam os programas de urbanização de favelas. A Vila Torres e a Vila Parolin possuem localização privilegiada, situadas aproximadamente a três quilômetros do centro de Curitiba. Configuram ilhas de pobreza urbana em bairros de classe média e classe média alta, exemplos de segregação urbana e de resistência por permanecerem após diversas tentativas de remoção. Já a Vila Zumbi dos Palmares e o assentamento Guarituba, situados em área de proteção aos mananciais e nos limites de seus municípios, configuram um contraponto entre a centralidade dos assentamentos de Curitiba e a localização periférica desses núcleos. Essas áreas, por distintos ou semelhantes motivos, são objeto de intensos debates pelo governo e sociedade quanto a sua permanência ou remoção, pela extensa e populosa porção territorial que ocupam e, ainda, pela intensa precariedade socioambiental e urbana presente.

Lacarrieu (2018)Lacarrieu, M. (2018). Futuros inciertos y precarios: asentamientos precarizados en la ciudad de Buenos Aires. Oculum ens. 15(3), 377-398. esclarece, em pesquisa efetuada em assentamentos localizados em áreas centrais de Buenos Aires, que o poder público ainda prioriza a implementação de conjuntos habitacionais em detrimento da urbanização no local. O processo de urbanização da Vila Parolin ilustra essa tendência nitidamente, já que a prefeitura de Curitiba condicionou a continuidade das obras de intervenção desse assentamento, relocando parte dos moradores para conjuntos habitacionais em bairros periféricos. Em outras áreas irregulares que receberam recursos do Governo Federal, o município também concentrou os recursos nas áreas de reassentamento em localizações distantes, em vez de aplicar os investimentos na urbanização das ocupações (Silva et al., 2018Silva, M. N., Vasco, K. M. C. M., & Teixeira, A. G. (2018). O arcabouço institucional e normativo da política municipal de habitação e as contradições na execução do PAC em Curitiba. In A. L. Cardoso & R. Denaldi. Urbanização de favelas no Brasil: um balanço preliminar do PAC (pp. 291-314). Rio de Janeiro: Letra Capital.), evidenciando que a Vila Parolin não é uma exceção na política habitacional e urbana de Curitiba.

Aglomerado metropolitano de Curitiba: produção de espaços de moradia precária

O planejamento urbano de Curitiba promoveu a valorização da terra urbana e da moradia, o que elevou os custos dos tributos locais, induzindo o crescimento da ocupação das famílias mais pobres nas áreas periféricas do município polo, irrompendo seus limites e ocupando as margens das cidades vizinhas (Moura & Rodrigues, 2009Moura, R., & Rodrigues, A. L. (Org.) (2009). Como andam Curitiba e Maringá. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles.; Polli, 2006Polli, S. A. (2006). Curitiba, metrópole corporativa: fronteiras da desigualdade (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Prestes, 2018Prestes, M. F. (2018). Requalificação ambiental em assentamentos precários: o PAC Favelas na franja leste da Metrópole de Curitiba (Tese doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Silva, 2014Silva, M. N. (2014). Produção dos espaços informais de moradia na Metrópole de Curitiba. Mercator (Fortaleza), 13(1), 63-78. http://dx.doi.org/10.4215/RM2014.1301. 0005.
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; Stroher, 2017Stroher, L. (2017). Reestruturação da metrópole periférica e o impasse da reforma urbana em Curitiba. EURE. Revista Latinoamericana de Estudios Urbano Regionales, 43(128), 273-294. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612017000100012.
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).

A franja leste da RMC abrange os municípios de Colombo, Pinhais, Piraquara e São José dos Pinhais, e alguns fatores determinaram que a expansão urbana ocorresse nessa direção: (i) ampla oferta de lotes mais baratos; (ii) boas condições de relevo, com declividades menores que em outras regiões do aglomerado, ainda que passíveis de inundação pelo rio Iguaçu e afluentes; e proximidade do centro de Curitiba. A concentração populacional na região provocou a partir de 1980 um processo de conurbação entre os municípios de Colombo, Piraquara e São José dos Pinhais (Prestes, 2018Prestes, M. F. (2018). Requalificação ambiental em assentamentos precários: o PAC Favelas na franja leste da Metrópole de Curitiba (Tese doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.). Esta porção territorial é demarcada como área de proteção aos mananciais da Bacia do Altíssimo Iguaçu e garante cerca de 70% do abastecimento de água da população da RMC.

Embora inicialmente a implementação de loteamentos populares desobrigue o Estado a investir em políticas públicas de habitação, a longo prazo o custo de levar infraestrutura urbana a esses territórios longínquos, em terrenos muitas vezes em encostas ou em áreas alagáveis, dificulta ainda mais a resolução dos problemas habitacionais e urbanos (Kowarick, 2019Kowarick, L. (2019). Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34.).

No início da década de 1990, houve aumento de domicílios em assentamentos irregulares em Curitiba e municípios do entorno. Esse movimento tanto intensificou a ocupação de núcleos mais antigos, como também a ocorrência de núcleos novos, apresentando simultaneamente movimentos de concentração e dispersão espacial (Firkowski & Moura, 2014Firkowski, O. L. C. F., & Moura, R. (2014). Introdução: transformações na ordem urbana da RMC. In O. L. C. F. Firkowski & R. Moura (Orgs.), Curitiba: transformações na ordem urbana (pp. 21-60). Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles.). Conforme Prestes (2018)Prestes, M. F. (2018). Requalificação ambiental em assentamentos precários: o PAC Favelas na franja leste da Metrópole de Curitiba (Tese doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo., entre 1990 e 1994 ocorreu o recrudescimento das ocupações irregulares em áreas ambientalmente sensíveis e fundamentais para a manutenção dos recursos hídricos da Bacia do Altíssimo Iguaçu. É o caso das ocupações da Vila Zumbi, em Colombo, e Guarituba, em Piraquara. Ambas ocorrem em áreas de preservação permanente.

A produção dos espaços de moradia precária no aglomerado possui algumas peculiaridades. A periferia da metrópole foi formada pela ação de agentes privados, as favelas se consolidaram no polo e a produção de moradia pelos órgãos públicos ficou concentrada em Curitiba (Silva, 2014Silva, M. N. (2014). Produção dos espaços informais de moradia na Metrópole de Curitiba. Mercator (Fortaleza), 13(1), 63-78. http://dx.doi.org/10.4215/RM2014.1301. 0005.
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).

Para Rolnik (2015)Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo., a consolidação dos assentamentos precários é mediada e promovida principalmente pelo poder público. A implementação de serviços de infraestrutura, necessária para regularizar as ocupações e incorporá-las à cidade, é utilizada como moeda político-eleitoral em embates políticos e corrobora para a manutenção das desigualdades (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo.). A população mais pobre se torna refém de disputas e promessas políticas que oferecem a implementação incompleta dos serviços urbanos, perpetuando, assim, o processo de dominação e mantendo a precariedade existente nesses locais.

O Programa de Aceleração do Crescimento – Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP), iniciado em 2007, foi responsável por dar magnitude às políticas de urbanização de favelas, ampliando e facilitando o acesso aos recursos pelos governos locais. Entretanto, a partir de 2014 os problemas apresentados no andamento das obras contribuíram para que o programa deixasse de ter a mesma relevância dentro do Governo Federal (Cardoso & Denaldi, 2018Cardoso, A. L., & Denaldi, R. (2018). Urbanização de favelas no Brasil: um balanço preliminar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). In A. L. Cardoso & R. Denaldi. Urbanização de favelas no Brasil: um balanço preliminar do PAC (pp. 17-48). Rio de Janeiro: Letra Capital.).

A política habitacional da RMC passou por uma grande transformação ao receber recursos do Governo Federal por meio do PAC–UAP, quando a atuação da COHAPAR se concentrou ainda mais na RMC. Essa convergência vinha ocorrendo desde o Programa Direito de Morar, implementado em 2003 pelo Governo do Estado do Paraná. Os recursos do governo estadual tinham por objetivo recuperar e preservar os mananciais da região, atribuídos aos municípios de Piraquara, Pinhais e Colombo, na franja leste da RMC, e Campo Magro, na franja oeste, em parceria com as prefeituras.

Em Curitiba, a COHAB-CT foi responsável pela destinação dos recursos e implementação de projetos e obras em 49 favelas do município (COHAPAR, 2012Companhia de Habitação do Paraná – COHAPAR. (2012). Plano Estadual de Habitação de Interesse Social do Paraná – PEHIS-PR. Curitiba: Grupo de Coordenação PEHIS-PR.; Prestes, 2018Prestes, M. F. (2018). Requalificação ambiental em assentamentos precários: o PAC Favelas na franja leste da Metrópole de Curitiba (Tese doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Silva et al. 2018Silva, M. N., Vasco, K. M. C. M., & Teixeira, A. G. (2018). O arcabouço institucional e normativo da política municipal de habitação e as contradições na execução do PAC em Curitiba. In A. L. Cardoso & R. Denaldi. Urbanização de favelas no Brasil: um balanço preliminar do PAC (pp. 291-314). Rio de Janeiro: Letra Capital.). Com a possibilidade de conjugar os programas Minha Casa, Minha Vida e o PAC-UAP, a prefeitura utilizou o percentual máximo de remoção permitido por estes programas para reassentar até 50% dos moradores das intervenções realizadas (Vasco, 2018Vasco, K. M. C. M. (2018). O Programa Minha Casa Minha Vida como ferramenta para intervenção nas favelas de Curitiba: o caso da Vila Santos Andrade (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.). A intervenção da Vila Parolin promoveu a remoção de 40% dos domicílios com a justificativa de que o assentamento era muito adensado. Em termos gerais, a implementação das intervenções ocorridas em Curitiba privilegiou a remoção das famílias para áreas de reassentamento, com a construção de conjuntos habitacionais, muitas vezes distantes da ocupação de origem, em vez de concentrar os recursos na execução de melhorias no local, na recuperação ambiental e na regularização fundiária.

Descontinuidades: processos de urbanização da Vila Parolin e Vila Torres, Curitiba; Vila Zumbi dos Palmares, Colombo e Guarituba, Piraquara

O presente trabalho verificou como ocorre a diferenciação no espaço intraurbano (Villaça, 1998Villaça, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute.) da Região Metropolitana de Curitiba a partir da análise de intervenções de urbanização de favelas em quatro ocupações consolidadas em três dos quatorze municípios que formam o aglomerado metropolitano de Curitiba2 2 O aglomerado metropolitano ou Núcleo Urbano Central (NUC) é formado por 14 municípios da RMC (Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José dos Pinhais), que formam uma mancha urbana contínua, com padrão de ocupação semelhante, onde se concentra a dinâmica regional mais acentuada (COMEC, 2006). : Curitiba, Colombo e Piraquara.

A Figura 1 apresenta o recorte do aglomerado metropolitano e a localização dos municípios e assentamentos precários objetos desta pesquisa: Curitiba e os assentamentos Vila Parolin e Vila Torres; Colombo e a Vila Zumbi dos Palmares, e Piraquara e o Guarituba. Estão representadas a mancha urbana do aglomerado metropolitano, a integração viária entre os municípios e as Unidades Territoriais de Planejamento (UTPs). O Guarituba está incorporado na UTP Guarituba.

Figura 1
- Localização dos assentamentos pesquisados. Fonte: Autoras a partir da base de dados da COMEC (2012)Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC. (2012). Base de dados. Recuperado em 15 de janeiro de 2021, de https://www.comec.pr.gov.br/Pagina/Dados-geograficos
https://www.comec.pr.gov.br/Pagina/Dados...
.

A figura destaca os assentamentos estudados, a mancha urbana e os municípios do NUC; as UTPs; as unidades de conservação e as vias principais.

Há duas significativas diferenças nos projetos de urbanização realizados nos assentamentos estudados. As remoções efetuadas nos núcleos localizados em Curitiba, Vila Parolin (Figura 2) e Vila Torres (Figura 3) não foram totalmente reassentadas no próprio local. As relocações se deram em terrenos no entorno da ocupação e em conjuntos habitacionais em bairros periféricos. Já as ocupações localizadas na região metropolitana previram o reassentamento de todas as moradias removidas na própria área.

Figura 2
- Localização da Vila Parolin e das áreas de reassentamento. Fonte: IPPUC (2016)Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC. (2016). Ocupação irregular. Recuperado em 10 de janeiro de 2021, de https://ippuc.org.br/geodownloads/geo.htm
https://ippuc.org.br/geodownloads/geo.ht...
. Elaborado pelas autoras a partir de imagens do Google Maps (2021)Google Maps. (2021). Google Developer Center. Recuperado em 14 de janeiro de 2021, de https://www.google.com.br/maps/place/Curitiba+-+PR/@-25.4949783,-49.5579137,41350m/data=!3m2!1e3!4b1!4m5!3m4!1s0x94dce3f5fc090ff1:0x3c7a83b0092bb747!8m2!3d-25.417019!4d-49.252474
https://www.google.com.br/maps/place/Cur...
. Vila Parolin e as áreas de reassentamento: Residencial Pinheiros, Moradia dos Profetas e Residencial Parque Iguaçu III.
Figura 3
- Localização da Vila Torres e das áreas de reassentamento. Fonte: IPPUC (2016)Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC. (2016). Ocupação irregular. Recuperado em 10 de janeiro de 2021, de https://ippuc.org.br/geodownloads/geo.htm
https://ippuc.org.br/geodownloads/geo.ht...
. Elaborado pelas autoras a partir de imagens do Google Maps (2021)Google Maps. (2021). Google Developer Center. Recuperado em 14 de janeiro de 2021, de https://www.google.com.br/maps/place/Curitiba+-+PR/@-25.4949783,-49.5579137,41350m/data=!3m2!1e3!4b1!4m5!3m4!1s0x94dce3f5fc090ff1:0x3c7a83b0092bb747!8m2!3d-25.417019!4d-49.252474
https://www.google.com.br/maps/place/Cur...
. Localização da Vila Torres, Vila Prado (contígua) e do Conjunto Habitacional Moradias Sítio Cercado IV (periférica).

Outra característica observada é o fato de as ocupações de Curitiba terem sofrido tentativas de remoção no decorrer das décadas, sobretudo na Vila Parolin, além de a urbanização na Vila Torres ocorrer no final da década de 1980. Estas particularidades contrastam com as ocupações da RMC, que foram ignoradas pelo poder público até os anos 2000, aumentando a compreensão de sua invisibilidade pelo Estado que, por cerca de vinte anos, não propôs quaisquer soluções para os moradores da Vila Zumbi e do Guarituba.

O Quadro 1 apresenta a síntese das semelhanças e singularidades observadas nos assentamentos.

Quadro 1
- Síntese das semelhanças e singularidades do processo de urbanização nas áreas pesquisadas

Para Lacarrieu (2018)Lacarrieu, M. (2018). Futuros inciertos y precarios: asentamientos precarizados en la ciudad de Buenos Aires. Oculum ens. 15(3), 377-398., a reincidência de políticas e programas implementados nos assentamentos precários leva a um processo de descrédito da população em relação ao poder público, o que ocasiona uma relação tensa com o Estado, fazendo com que os moradores busquem suas próprias soluções.

Em alguma medida, os moradores vivenciaram as descontinuidades das ações governamentais ao longo de sua trajetória, fatos estes apurados nas entrevistas, conforme segue.

Entendimento dos moradores dos quatro assentamentos sobre os impactos de uma urbanização precária

Além da sistematização das semelhanças e diferenças dos programas e projetos efetuados nas quatro comunidades estudadas, conforme o Quadro 1, foram aplicados questionários com os residentes e coletados depoimentos de lideranças. Em função da pandemia de covid-19, que impossibilitou parte das visitas a campo, as respostas foram coletadas por meio questionário com 38 perguntas pela plataforma Google Forms, e houve retorno de 42 formulários recebidos. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, que aprovou tanto os procedimentos de coleta de dados, como as questões aplicadas. O questionário mesclou questões estruturadas, com alternativas predefinidas, e questões semiestruturadas, possibilitando respostas espontâneas que não estavam previamente estabelecidas nas alternativas indicadas. O depoimento de uma liderança de cada área foi realizado à distância, por videochamada. O recurso “depoimento” permite que outras impressões possam ser captadas, não possíveis de se conseguir em uma entrevista estruturada (Flick, 2013Flick, U. (2013). Introdução à metodologia de pesquisa: um guia para iniciantes (M. Lopes, Trad.). Porto Alegre: Penso.). A inclusão de mais de um mecanismo na pesquisa tornou possível aprofundar a compreensão dos anseios e frustrações dos moradores e lideranças relativos às intermitências das políticas habitacionais e a relação com o Estado.

A pandemia de covid dificultou a adesão dos moradores, impactando a proporcionalidade entre questionários respondidos e quantidade de moradores por assentamentos. Este impacto fez com que a aferição das entrevistas se desse por método qualitativo.

O questionário aplicado e as entrevistas com lideranças buscaram reunir indícios que apontassem a leitura dos moradores em relação às intervenções realizadas, o impacto que as intermitências causam na vida dos moradores e a relação de confiança ou desconfiança estabelecida entre os moradores e o Estado. Os resultados completos, detalhados e discutidos, estão publicados em Souza (2021)Souza, C. S. (2021). Urbanização precária: descontinuidades e impactos das políticas habitacionais nos assentamentos consolidados da Região Metropolitana de Curitiba (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.. Segue um resumo dos principais aspectos encontrados.

Quanto à satisfação dos moradores referente à urbanização implementada, a comunidade Guarituba foi a que apresentou o maior nível de satisfação, provavelmente porque a obra está em andamento e existe uma grande expectativa por parte dos moradores de que sejam concluídas. A seguir, a Vila Zumbi apresenta o maior nível de resultado satisfatório, pois a população não está totalmente satisfeita, principalmente pela deterioração e ausência de manutenção dos serviços de infraestrutura. Somente metade dos moradores da Vila Torres expressam um nível de satisfação ou resultado satisfatório, reflexo de um processo de urbanização gradual com muitas precariedades habitacionais e de infraestrutura na ocupação. Por último, a Vila Parolin é o assentamento com o maior nível de insatisfação. Os serviços de infraestrutura implementados não equacionaram os problemas de alagamentos e enchentes na ocupação e a situação se agravou. Curitiba privilegiou o reassentamento das famílias para conjuntos habitacionais em áreas periféricas, em detrimento da intervenção na ocupação. Nesse caso, as decisões políticas do poder público levaram a uma situação de descrédito dos moradores em relação à efetividade das ações do Estado.

O ponto de vista dos entrevistados foi complementado pelos relatos de moradores ou lideranças dos assentamentos. O Entrevistado 3 destaca em seu depoimento que a urbanização realizada com recursos do PAC qualificou os serviços de infraestrutura, antes extremamente precários:

É claro que melhoraram, principalmente a questão de infraestrutura urbana. […] Naquele momento de ocupação, sabe, a infraestrutura era muito precária […] o grande marco divisor daí foi com o recurso do PAC, né? E daí com esse recurso começou a dar uma alavancada na questão de infraestrutura urbana do bairro. (Entrevistado 3, informação verbal, 3 de maio de 2021).

A infraestrutura foi um dos itens mais citados pelos moradores, principalmente no que concerne à sua manutenção. Nesse sentido, Iacovini (2019)Iacovini, R. F. G. (2019). Direito à moradia adequada e urbanização de favelas: reflexões e desafios para uma nova abordagem. Revista Brasileira de Direito Urbanístico, 8, 201-232. http://dx.doi.org/10.55663/rbdu.v5i8.631.
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esclarece que, dentre as dimensões que visam efetivar o direito à moradia adequada, a inclusão de serviços de infraestrutura é a mais incorporada pelos programas de urbanização de favelas e a que confere maior concretude. Como a precariedade dos serviços de infraestrutura afeta os moradores de diferentes modos, inclusive pela perda de bens materiais, esse é um serviço que a população considera essencial.

Um dos benefícios possíveis e perseguidos pelos programas de urbanização desde a década de 1990, a integração urbanística, foi incorporada às intervenções nos assentamentos precários por meio da urbanização integrada (Denaldi et al., 2016Denaldi, R., Moretti, R., Paiva, C., Nogueira, F., & Petrarolli, J. (2016). Urbanização de favelas na Região do ABC no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento – Urbanização de Assentamentos Precários. Cadernos Metrópole, 18(35), 101-118. http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3505.
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; Samora, 2010Samora, P. R. (2010). Projeto de habitação em favelas: especificidades e parâmetros de qualidade (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.) e foi destacada pelo Entrevistado 4:

A ocupação hoje é um bairro que se transformou, principalmente as ruas principais são centros comerciais. Então […] dentro desse projeto de regularização […] só trouxe vantagens, hoje é um bairro, que tem nome, onde as pessoas têm emprego próximo para trabalhar. É óbvio que, como toda obra que acontece, algumas coisas não saem como o gestor gostaria, como a população gostaria, então, sempre sobram algumas situações que têm que continuar aí nas reivindicações …, mas simplesmente mudou a vida das pessoas para melhor. (Entrevistado 4, informação verbal, 4 de maio de 2021).

Complementando a questão sobre a integração do assentamento ao bairro, o Entrevistado 1 relata que acompanhou todo o processo de urbanização e considera que houve uma melhora, mas ressalva que a urbanização do assentamento não foi planejada:

Não houve um planejamento para a Vila […], [o órgão público] entrou, regularizou, mas não foi nada planejado… assim, dividiu os terrenos, cada um paga o seu, e cada um faz a sua casa, então saíram casas de todo o jeito [...] hoje ainda têm barracos […] se ela tivesse um apoio de arquitetos, se ela tivesse um apoio para as pessoas … [...] então as pessoas que fizeram casas, elas fizeram por conta própria … [...] ela é paga, ela é escriturada, mas não existe planta […] se um dia precisar vender [...] pela Caixa ou algo assim, não se consegue porque ela não tem registro de planta. (Entrevistado 1, informação verbal, 27 de abril de 2021).

Em seu depoimento, o Entrevistado 1 questiona a ausência de planejamento na urbanização e destaca um dos problemas decorrentes dessa insuficiência, a aparência do assentamento, que muitas vezes difere da cidade formal, com muitas construções inacabadas e precárias e a dificuldade em regularizar o imóvel. O morador sugere que o poder público desenvolva projetos que apoiem as famílias a readequar e regularizar sua moradia. Zuquim et al. (2016)Zuquim, M. L., Nogueira, F. R., Moretti, R. de S., & Canil, K. (2016). Remanescência da ilegalidade, da irregularidade, da precariedade e dos riscos pós-urbanização de favelas. In Anais do II Seminário Nacional de Urbanização de Favelas. II URBFAVELAS. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro. observam que a complexidade da legislação urbanística impede seu cumprimento e que não vislumbram a simplificação da legislação, ao contrário, seu rigor faz com que apenas privilegiados tenham acesso aos benefícios decorrentes da legislação. Dessa forma, uma ínfima parcela da população de assentamentos é atendida pelos recursos citados.

Dentre as dimensões que efetivam o direito à moradia adequada, a habitabilidade visa garantir a segurança, salubridade e o conforto da construção (Iacovini, 2019Iacovini, R. F. G. (2019). Direito à moradia adequada e urbanização de favelas: reflexões e desafios para uma nova abordagem. Revista Brasileira de Direito Urbanístico, 8, 201-232. http://dx.doi.org/10.55663/rbdu.v5i8.631.
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). Ações como a assistência técnica, já garantida pela Lei Federal nº 11.888/ 2008 (Brasil, 2008Brasil. (2008, 24 de dezembro). Lei n. 11.888, de 24 de dezembro de 2008. Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social e altera a Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005. Brasília: Diário Oficial da União, seção 1.), mas ainda de alcance restrito, poderiam auxiliar os moradores a reformar suas moradias e a regularizar seu imóvel. Além disso, são necessários outros programas e projetos que apoiem os moradores a regularizar seus imóveis. Com isso, seria possível atender à reivindicação do Entrevistado 1.

Outro ponto levantado no questionário diz respeito à opinião dos moradores em relação à interrupção das obras. Os moradores da Vila Parolin relataram que foram prejudicados com a paralisação da urbanização. Na Vila Torres e no Guarituba, parte da população se sentiu afetada, e um percentual bem menor de moradores da Vila Zumbi se sentiu atingido pela intermitência da obra. Esse diagnóstico está relacionado à etapa de urbanização em que se encontra cada um dos assentamentos e como o nível de descontinuidade das intervenções pode afetar os moradores. O Entrevistado 1 relata como as intermitências das obras se relacionam aos ganhos eleitorais:

Já aconteceu obras que elas começam, ela para um período, parece assim que em época de política a coisa começa a caminhar e depois ela sossega. […] Eu vejo aqui na Vila, as pessoas são muito gratas sem entendimento do que é direito delas […] Eu procuro muito que eles entendam que não devem favor para o político, porque se mora aqui hoje, teve que pagar pelo seu terrenoe paga imposto, e paga saneamento, e paga iluminação públicaentão eles têm direito a isso com qualidade, como nos outros lugares. (Entrevistado 1, informação verbal, 27 de abril de 2021).

O Entrevistado 1 afirma que a população de assentamentos precários tem os mesmos direitos e não se diferencia do restante da cidade. Santos (2007Santos, M. (2007 [1987]). O espaço do cidadão (7a ed.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo., p. 55) faz um alerta para a incredulidade em relação aos direitos do indivíduo enquanto cidadão e o atendimento realizado pelos governantes: “[...] a conformidade com a espoliação, o desconhecimento do direito de reclamar, a descrença em que a reclamação seja atendida”. Para o autor, nem sempre o eleitor, enquanto membro atuante de uma comunidade, exerce seu direito de cidadão, contudo, “[...] para ser transcendente, a luta urbana deve enfocar a cidade como um todo e o indivíduo total” (Santos, 2007Santos, M. (2007 [1987]). O espaço do cidadão (7a ed.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo., p. 98). Nesse sentido, os moradores de assentamentos precários devem exercer igualmente os direitos de cidadão e eleitor e exigir do Estado direitos correspondentes aos ofertados aos demais habitantes da cidade.

O Relato do Entrevistado 2 apresenta um quadro mais grave relativo aos impactos que as interrupções conferem às ocupações:

Essa obra eu ouço falar dela desde quando eu cheguei em Curitiba […] elas foram iniciadas já tem 4 ou 5 anos e ela não é terminada… e a gente não têm uma resposta. […] Então quando chove a gente tem a barragem, é tudo concreto, então não tem vazão, né… antigamente a água não ficava tanto tempo porque era tudo árvores [...] então a terra sugava. E agora não, com tudo concretado, só piorou para a gente, então a gente perde mais móveis ... […] do ano passado para cá que a gente está com falta de água… das vezes que houve enchente, estava faltando água… uma das vezes que a SANEPAR não desligou para que a gente conseguisse tirar o barro e organizar tudo. […] então algumas famílias conseguiram, mas tem famílias ainda que estão na beira do rio e ainda não foram relocadas e sofrem muito mais agora com a enchente, porque a água demora para vazar para dentro do rio novamente, para a água recuar. (Entrevistado 2, informação verbal, 28 de abril de 2021).

O relato do Entrevistado 2 é extremamente pertinente e sério por ser praticamente uma denúncia. Ao relatar que as obras de urbanização agravaram os serviços de infraestrutura, o depoimento indica a necessidade de qualificar os projetos de urbanização, principalmente os que interferem na contenção de riscos, mas também na integração entre os projetos elaborados para a intervenção. O Entrevistado 2 ainda observa que, antes das obras, a vazão das cheias do rio era absorvida pelo solo, entretanto, as soluções propostas para pavimentação e drenagem não equacionaram o problema, outrossim, agravaram o risco de inundação na área. Ainda que a intervenção tenha contemplado a remoção de quase todas as moradias de área de risco, a interrupção das obras e as escolhas projetuais equivocadas agravaram a situação da ocupação, intensificando a vulnerabilidade social dessas famílias.

Quanto ao nível de participação dos moradores nas reuniões durante a urbanização, os entrevistados responderam que quase não participaram. Contudo, os relatos apresentam um nível de envolvimento da população bastante acentuado, principalmente antes do início das obras:

Foram feitas muitas manifestações [e] muitas reuniões junto aos poderes públicos… foram várias vezes lotados ônibus e ido até a [administração pública] onde se fizeram grandes reuniões reivindicando a regularização. Até que 2004 em diante se concretizou. (Entrevistado 4, informação verbal, 4 de maio de 2021).

O Entrevistado 4 ainda salienta que a intenção inicial do poder público era remover as famílias que moravam em áreas de risco para conjuntos habitacionais em outro município da RMC, mas, por pressão popular, essas famílias foram realocadas para sobrados no próprio assentamento.

A luta dos moradores em permanecer no local diz respeito à manutenção dos laços familiares, à proximidade com o local de trabalho e dos equipamentos públicos. Santos (2007Santos, M. (2007 [1987]). O espaço do cidadão (7a ed.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo., p. 141) destaca que a “[…] localização das pessoas no território é, na maioria das vezes, produto de uma combinação entre forças de mercado e decisões de governo”. Nesse sentido, o autor esclarece que remoções feitas contra a vontade dos moradores é um indutor à pobreza, ao invés de amenizá-la. A escolha de uma localização adequada condiz com “[…] uma política efetivamente redistributiva, visando a que as pessoas não sejam discriminadas em função do lugar onde vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial” (Santos, 2007Santos, M. (2007 [1987]). O espaço do cidadão (7a ed.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo., p. 141). Dessa forma, o respeito às escolhas dos moradores e sua permanência nos assentamentos ou no entorno, sempre que possível, é fundamental na formulação de políticas de desenvolvimento urbano e habitação.

Sobre as remoções e reocupações, o Entrevistado 2 aponta que a remoção induzida ou forçada acarreta danos à população. Também perguntamos ao entrevistado se foram verificadas novas ocupações nas margens do rio:

Não teve novas ocupações nessas áreas retiradas. Houve permanência de, acho, umas 5 ou 6 famílias né, que não saíram porque não tinham estrutura e eles [o poder público] não tinham projeto nem se permitia conversar com as famílias que tinham conhecimento do que eles estavam fazendo… E daí algumas pessoas que foram retiradas, elas voltaram… aí vendeu a casa onde tinha ganho que era em locais distantes, distante da família, distante do centro, porque a maioria também eram pessoas de reciclagem, e o centro era mais fácil pra estar trabalhando, e daí voltaram para dentro da casa de outros familiares, ou ocupando outras casas vazias. [...] (Entrevistado 2, informação verbal, 28 de abril de 2021).

A partir deste relato, é possível discutir duas questões pertinentes aos programas de urbanização de favelas: a localização das famílias pobres na cidade e o retorno dos moradores para as áreas de origem. Diversos autores e as próprias diretrizes do Governo Federal para o PAC-UAP vão no sentido de evitar ao máximo a remoção das famílias de seus locais de origem (Samora, 2010Samora, P. R. (2010). Projeto de habitação em favelas: especificidades e parâmetros de qualidade (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Silva et al., 2018Silva, M. N., Vasco, K. M. C. M., & Teixeira, A. G. (2018). O arcabouço institucional e normativo da política municipal de habitação e as contradições na execução do PAC em Curitiba. In A. L. Cardoso & R. Denaldi. Urbanização de favelas no Brasil: um balanço preliminar do PAC (pp. 291-314). Rio de Janeiro: Letra Capital.). Essas remoções acarretam transtornos aos moradores, que poderiam ser refreadas se houvesse um envolvimento maior da população no desenvolvimento do projeto.

No exemplo citado, o direito ao lugar não foi respeitado, pois os moradores que trabalham com coleta de materiais recicláveis dependiam da localização próxima ao centro da cidade, e seu deslocamento para bairros distantes trouxe uma série de transtornos, motivando o retorno dessas famílias à ocupação.

O resultado referente à opinião sobre a efetividade dos programas implementados pelo Estado está relacionado ao estágio das obras de urbanização. Os moradores da Vila Parolin entendem que os programas não contribuíram para melhorar sua moradia nem a vida de suas famílias. Parte dos moradores da Vila Torres e da Vila Zumbi tem essa mesma compreensão. Já a maioria dos moradores do Guarituba, único assentamento em que as obras não foram paralisadas, entende que os programas implantados pelo governo interferiram positivamente em suas vidas e de seus familiares. Apesar da morosidade das obras, os moradores estabeleceram uma relação de confiança com o poder público e esperam que sejam concluídas. O fato de o Estado estar presente no cotidiano dos moradores do Guarituba confere a eles uma sensação de efetividade das políticas públicas. A avaliação é diferente nos assentamentos onde as obras não foram concluídas ou interrompidas: os moradores já identificam a ineficiência e apartação das ações do poder público e estabelecem uma relação de desconfiança em relação ao Estado.

A intervenção interrompida antes de equacionar os mais graves problemas apresentados ou imperfeições no desenvolvimento dos projetos, como é o caso dos riscos de inundação que afetam constantemente os moradores da Vila Parolin, torna a população desconfiada em relação à efetividade das ações realizadas pelo Estado. Ainda nesse caso, em que as ações do governo reiteradamente removeram famílias para áreas distantes do município ao longo das décadas, em sua última intervenção, novamente, o governo falhou em minimizar os complexos problemas apresentados por essa comunidade.

O panorama encontrado na Vila Parolin pode ser enquadrado no que Rolnik (2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo., p. 171) chama de “[…] transitoriedade permanente articulada ao estigma territorial”. A autora esclarece que essas situações, nas quais os moradores vivem constantemente lutando por permanecer em seu lugar, não se restringem ao Brasil ou aos países latino-americanos, mas podem ser vistos inclusive em Mumbai, na Índia. São territórios “[…] construídos a partir de pressões, mediações políticas e camadas de ilegalidades” (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo., p. 173), e as ações do governo transformam esses moradores em transgressores de uma legislação que não foi concebida para contemplar as famílias mais pobres (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo.; Zuquim et al., 2016Zuquim, M. L., Nogueira, F. R., Moretti, R. de S., & Canil, K. (2016). Remanescência da ilegalidade, da irregularidade, da precariedade e dos riscos pós-urbanização de favelas. In Anais do II Seminário Nacional de Urbanização de Favelas. II URBFAVELAS. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro.).

Finalmente, no sentido de elucidar a hipótese da pesquisa, os entrevistados foram indagados se consideram que a população deve buscar soluções individuais para resolver o problema de sua moradia ou se é obrigação do Estado equacionar essa questão. A maior parte dos moradores entende que o Estado é o responsável por apresentar soluções para o problema habitacional. As narrativas trouxeram outras perspectivas sobre o assunto e sopesam as obrigações das partes envolvidas. O Entrevistado 1 entende que o morador é responsável pela sua moradia, o Estado tem o dever de implementar a infraestrutura urbana e a comunidade deve zelar por ela. Entretanto, nos casos em que as famílias são mais carentes, o entrevistado sugere que o poder público promova ações e projetos para atender essas situações.

O Entrevistado 2 considera que a oferta dos serviços existentes na cidade formal deve ser equiparada para os assentamentos precários, e o papel do morador é justamente cobrar do Estado a garantia desses serviços:

O governo tem verba para isso, tem projeto para isso, tem engenheiros, tem áreas específicas dentro da prefeitura ou dentro do Estado para resolver isso, e o papel da população nesse momento, nessa situação, é ter conhecimento de quem precisa executar a obra e finalizá-la e cobrar isso. […] Eu acho que o Estado [...] tem que fazer para os cidadãos, independente se é um bairro nobre ou é na periferia, ou é na favela [...]. O cuidado, o atendimento […] a qualidade de serviço prestado tem que ser a mesma. (Entrevistado 2, informação verbal, 28 de abril de 2021).

A qualidade dos serviços prestados para a população da cidade formal, em sua maioria, difere do que é implantado nos assentamentos precários, sobretudo no que diz respeito à manutenção desses serviços. Nesse sentido, a população teria que cobrar não só a urbanização, mas também a manutenção posterior. O Entrevistado 3 considera que o Estado tem a estrutura e a capacidade de desenvolver políticas públicas que atendam a população mais pobre, e os moradores, por sua vez, devem exercer seu direito de cidadania e cobrar do poder público, por meio de pressão popular, o atendimento de suas carências:

Eu acho que é um misto das duas coisas. Tanto a administração municipal, estadual ou federal, eles conseguem mensurar porque eles têm dados, indicadores [...] de várias áreas para fazer com que as políticas públicas cheguem até a população. Em contrapartida, a população também tem que exercer a sua cidadania, tem que exercer o controle social. […] têm várias lideranças políticas, lideranças comunitárias dentro do [assentamento] que lutaram muito para que as coisas se desenvolvessem. E se organizaram para que isso acontecesse. Então, muita coisa é fruto mesmo da luta das pessoas, da luta popular lá do bairro, de pressionar políticos, de pressionar o Executivo para que as coisas chegassem a favorecer a população. (Entrevistado 3, informação verbal, 3 de maio de 2021).

Os moradores entendem que o Estado é o responsável pela execução de políticas públicas de habitação, ainda que se observe a ineficiência em algumas situações. Contudo, o relato destaca que muito do que se conquistou foi pela pressão dos moradores, para que o poder público efetuasse as melhorias na ocupação. Os assentamentos precários, segundo Caldeira (2017)Caldeira, T. P. R. (2017). Peripheral urbanization: autoconstruction, transversal logics, and politics in cities of the global south. Environment and Planning. D, Society & Space, 35(1), 3-20. http://dx.doi.org/10.1177/0263775816658479.
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, são movidos por luta, negociação e sobretudo por política. As lideranças entrevistadas consideram que o seu papel é o de lutar, de pressionar o poder público para implementar melhorias em seus assentamentos, e dessa forma exercem seus direitos de cidadania. A luta é constante e os movimentos de moradia exercem um papel importante para organizar a população.

Ainda que os moradores apontem a obrigação do Estado em equacionar os problemas habitacionais, fica a cargo dos mais pobres o peso de continuar lutando pela conquista de benefícios. Nesse sentido, os moradores continuam sendo afetados pelo processo de espoliação urbana, conforme Kowarick (2019)Kowarick, L. (2019). Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34.. Não há trégua para as famílias de baixa renda. Quando conquistam as melhorias para o assentamento, têm que continuar a exigir manutenção, ou ainda a continuação das obras. É um processo infindável, árduo e desgastante. O Estado é também responsável por criar mais essa sobrecarga aos mais pobres, pois só constata os problemas existentes e aufere melhorias nos assentamentos precários após grande esforço e luta (Kowarick, 2019Kowarick, L. (2019). Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34.).

Lacarrieu (2018)Lacarrieu, M. (2018). Futuros inciertos y precarios: asentamientos precarizados en la ciudad de Buenos Aires. Oculum ens. 15(3), 377-398. questiona se olhar para a favela e percebê-la como um território distinto do restante da cidade ainda possui algum significado. A autora entende que essa é uma forma de ver o problema de forma fragmentada e invisibiliza a população de assentamentos precários. Nesse sentido, o território da favela não deve ser visto de forma diferenciada do restante da cidade.

Conclusões

O desafio proposto neste trabalho foi o de reconhecer, caracterizar e discutir os impactos que as intermitências e morosidade dos programas de urbanização de favelas causam na população afetada. O estudo buscou compreender, com base na literatura consultada e por meio dos estudos de caso, como essas descontinuidades ocorrem e qual o entendimento dos moradores e lideranças sobre elas, bem como o peso da localização nas diferentes atuações do poder público.

As experiências apresentadas pelos diferentes sujeitos – moradores e lideranças –-trouxeram perspectivas distintas.

As ocupações selecionadas possuem semelhanças e singularidades entre si, o que permitiu averiguar que o entendimento das famílias difere de acordo com o resultado ou incompletude das intervenções. E esses resultados impactam diretamente na relação de confiança ou desconfiança estabelecida entre os moradores e o Estado. A presença constante do poder público nessas áreas proporciona o entendimento de que o governo, em qualquer esfera, está comprometido em resolver os problemas acometidos por essa população em seu cotidiano. Por outro lado, a implementação parcial dos serviços de infraestrutura ou a supressão de programas de apoio à adequação ou substituição de moradias precárias motivam um grau elevado de insatisfação e desconfiança quanto à efetividade das ações promovidas pela administração pública. O padrão excludente de urbanização verificado em Curitiba, decorrente de um planejamento urbano que concentra a riqueza nos bairros mais bem localizados, fomenta a irregularidade nos bairros e municípios periféricos.

Os resultados foram claros quanto ao entendimento dos moradores que, apesar da incapacidade ou negligência do poder público em desenvolver políticas efetivas de habitação, a administração pública é a responsável por equacionar os problemas relacionados à moradia. No entanto, os direitos à moradia e à cidade só se concretizam por meio de grandes lutas e muita pressão realizada sobre o Estado para auferir suas conquistas. Os resultados da pesquisa mostram que a pressão popular foi fundamental para o alcance dos direitos e manutenção das conquistas. Além disso, a atuação das lideranças exerceu peso ao ampliar a conscientização da população de que sua condição precária está associada à ineficiência das políticas públicas. Os dados coletados demonstraram que os movimentos de moradia exercem um papel imprescindível na organização dos moradores de assentamentos precários e-ampliam as chances de a população mais pobre alcançar moradia adequada e o direito à cidade. A localização do assentamento também desempenha um fator notável no alcance desse direito, já que as áreas mais bem localizadas foram mais vezes objeto de tentativas de remoção, por vezes disfarçadas de programas habitacionais, do que aquelas mais periféricas.

Por isso, o Estado deve depreender um esforço maior para evitar as descontinuidades das intervenções para minimizar retrocessos que impactam o cotidiano da população afetada e incitam o aumento da precarização dos assentamentos, levando à “urbanização precária”, título deste artigo. As descontinuidades impactam de diferentes maneiras os moradores das ocupações. Seja quanto à desconfiança em relação à efetividade e manutenção das obras realizadas, seja por constatar o descumprimento de ações acordadas no início das urbanizações, que geraram expectativas, não equacionaram os problemas existentes e fragilizaram ainda mais as famílias mais pobres

À guisa de aperfeiçoamento de futuras políticas para favelas, os resultados deste estudo permitem inferir que a participação concreta durante a formulação e implementação dos projetos, para que as políticas públicas incorporem as críticas e sugestões dos moradores de assentamentos precários, deve ser valorizada. As políticas habitacionais devem partir das necessidades da população de baixa renda, garantir que os benefícios implementados sejam efetivos e ter por meta minimizar as diferenças da infraestrutura e serviços urbanos entre a cidade legal e a cidade informal.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

  • 1
    O conceito terra-localização se origina dos termos terre matière e terre capital, decorrentes da teoria de Karl Marx (Villaça, 2015Villaça, F. (2015). O território e a dominação social. Blog da Boitempo. Recuperado em 06 de abril de 2021, de https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30/flavio-villaca-1929-2021-o-territorio-e-a-dominacao-social/
    https://blogdaboitempo.com.br/2021/03/30...
    ).
  • 2
    O aglomerado metropolitano ou Núcleo Urbano Central (NUC) é formado por 14 municípios da RMC (Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José dos Pinhais), que formam uma mancha urbana contínua, com padrão de ocupação semelhante, onde se concentra a dinâmica regional mais acentuada (COMEC, 2006Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC. (2006). Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba: propostas de ordenamento territorial e novo arranjo institucional. Curitiba: COMEC.).
  • Como citar: Souza, C. S., & Samora, P. R. (2022). Urbanização precária: descontinuidades e impactos das políticas habitacionais nos assentamentos consolidados da Região Metropolitana de Curitiba. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v.14, e20210218. https://doi.org/10.1590/2175-3369.014.e20210218
  • Declaração de disponibilidade de dados

    O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.HUYRAC

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Editado por

Editores convidados: Vasco Barbosa, Lakshmi Rajendran e Mónica Suárez
Seção Temática: Informalidade em áreas urbanas periféricas (Editores convidados: Vasco Barbosa, Lakshmi Rajendran e Mónica Suárez)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2021
  • Aceito
    09 Maio 2022
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