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Dez Anos Depois: os sentidos das perguntas de professores da EJA

Resumo:

Este artigo apresenta recorte de análises sobre o que perguntam os professores da Educação de Jovens e Adultos - EJA, em diferentes regiões do Estado do Rio Grande do Sul, nos períodos entre 2002- 2004 e, dez anos depois, 2012-2014. Trata-se de pesquisa qualitativa, de tipo comparada, com perguntas coletadas em registro escrito e por adesão, pelos professores, objetivando verificar os efeitos de sentidos produzidos. Como resultados, especialmente a partir da Análise de Discurso por Pêcheux (1997, 1999,1987), destaca-se que parte dos sentidos produzidos se reatualizam, ao longo dos períodos, denunciando que as descontinuidades das políticas públicas de formação continuada de professores da EJA produzem efeitos de sentido de circularidade.

Palavras-chave:
Análise de Discurso; Educação de Jovens e Adultos; Perguntas de professores

Abstract:

This paper presents a summarized analysis of teachers’ questions on the Education of Youths and Adults (EYA), across different areas of the Brazilian State of Rio Grande do Sul, between the years 2002 and 2004, as well as ten years later, from 2012 through 2014. This is a qualitative comparative research, with questions collected from written records and by teachers’ adherence, aiming to verify the effects of the meanings produced. The results, based especially on the Discourse Analysis by Pêcheux (1997, 1999 and 1987), point out that part of the meanings produced are updated again throughout the periods, uncovering that the discontinuities in the public policies of EYA teachers’ continuing educational training produce effects of a sense of circularity.

Keywords:
Discourse Analysis; Education of Youths and Adults; Teachers’ Questions

Introdução

Este trabalho apresenta um recorte de parte da pesquisa de doutorado concluída em 2009 sobre o que perguntavam os professores de EJA em diferentes regiões do Estado do Rio Grande do Sul1 1 Tese intitulada O sentido nas perguntas dos professores da Educação de Jovens e Adultos, no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluída em 2009. , nos períodos entre 2002-2004 em diferentes espaços de formação de EJA. Dez anos depois, período entre 2012-2014, considerando espaços formativos regionais, foi desenvolvida pesquisa semelhante, efetuando convite aos professores, que responderam positivamente aos chamados, por adesão, escrevendo em tarjetas em branco, perguntas e questionamentos que possuíam sobre a EJA, durante os processos formativos por mim coordenados.

Por objetivar verificar, de um modo geral, os sentidos que apontam as perguntas frente à EJA do ponto de vista metodológico, partiu-se dos pressupostos da pesquisa qualitativa em educação, de tipo comparada, com orientações teórico-analíticas da Análise de Discurso de linha francesa tendo por base, especialmente, os estudos de Pêcheux (1997PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni P. Orlandi. Campinas: Pontes, 1997.), Fuchs e Pêcheux (1997FUCHS, Caterine; PÊCHEUX, Michel. Análise Automática de Discurso. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Org.). Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997, p. 61-161.) e Orlandi (1987ORLANDI, Eni. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1987.,1996ORLANDI, Eni. Interpretação: a autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.,1999). Conforme Nóvoa (1998NÓVOA, Antônio. O Passado e o Presente dos Professores. In: NÓVOA, Antônio (Org.). Profissão Professor. Porto, Portugal: Porto editora, 1998, p. 13-34., p. 82) o estudo de educação comparada “[...] deve buscar compreender como os discursos fazem parte dos poderes que partilham e dividem os homens e as sociedades, que alimentam situações de dependência e lógicas de discriminação que constroem maneiras de pensar e agir”. Em um primeiro momento, as perguntas foram agrupadas tendo em vista o ano em que foram realizadas e as temáticas as quais se referiram.

Tomando o conjunto de questões, em seguida, lançou-se um olhar de destaque àquelas que apresentaram alguma marca linguística que pareceu relacionar-se aos saberes interdiscursivos da EJA, apontando as posições assumidas pelos professores nesse discurso sobre a educação, que se encontrava em processo de legitimação no período entre (2002-2004) e, posteriormente, no período entre (2012-2014). As perguntas foram agrupadas de modo que se pudesse perceber: os sentidos, as posições assumidas pelos professores e professoras e o que buscavam saber ou afirmar ao perguntar. No recorte apresentado neste artigo, uma pergunta de cada ano do período será destacada, a fim de apresentar uma amostra dos sentidos que se aproximavam quando coletadas e analisadas.

Os professores que participaram destes encontros estavam vinculados à Rede Estadual de Educação e possuíam tempos variados de exercício de magistério. Muitos atuavam no ensino regular com crianças e jovens e desenvolviam parte de sua carga horária voltada ao ensino regular-EJA2 2 O entendimento é o de que a EJA se constitui em oferta regular, sendo regulada pelos órgãos de regulação da Educação Básica e seguindo regulamentos, desde os documentos legais presentes na escola. Para ser cessada, o estabelecimento que oferta a EJA precisará atender as normativas do Sistema Educacional. . Entre estes, encontrávamos professores contratados que realizavam boa parte de seu trabalho durante o dia e, à noite, complementavam apenas algumas poucas horas com as aulas na Educação de Jovens e Adultos. Esta condição manifestada durante as atividades de formação culminava na ausência de docentes que, em alguns locais, eram a maioria3 3 As formações do primeiro período ocorriam em sextas ou quartas-feiras. As do segundo período também envolveram uma atividade de Extensão, com eventos pontuais, porém em quintas e sextas-feiras. .

Considera-se que por suas condições heterogêneas de constituição, as perguntas reunidas nesta pesquisa são capazes de representar bem a presença do professor de EJA em nosso Estado, nestes períodos, pois compreendem e representam os dizeres destes professores nas diversas regiões em que atuam, suas condições de trabalho, mas sobre a égide da política pública de estado vigente. Parte-se do pressuposto de que os espaços de formação são instâncias de circulação de saberes discursivos muitos, que reúnem sujeitos heterogêneos. Visando à busca de respostas às formas de constituição dos objetivos de pesquisa, sempre tendo por base a política estadual de formação, a interrogação e a dúvida como marcas discursivas se constituem como pontos de chegada e de partida, no intuito de compreender como o sujeito-professor está sendo constituído, a partir desse proposto ato de perguntar na Educação de Jovens e Adultos.

De acordo com a Análise de Discurso, a própria forma de escolha e organização desse corpus, constituído pelas perguntas dos professores, já se estabelece como gesto de interpretação produzido pela analista. Dentro desta dimensão é que são acionados os dispositivos de análise, a partir da escolha e organização das perguntas. “Daí a necessidade de que a teoria intervenha a todo o momento para reger a relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretação” (Orlandi, 1999ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999., p. 64).

Desta forma, o caminho metodológico percorrido emerge da própria pesquisa, na correlação entre os dispositivos teórico e analítico, criados em função dos objetivos da investigação. Por esse motivo, na apresentação do corpus, nos diferentes tempos de acolhimento dos mesmos e nas múltiplas possibilidades em que se apresentam, sob o meu olhar, de alguém diretamente implicada com a formação dos professores e nas concepções que envolviam as discussões sobre a EJA, os caminhos de análise tornaram-se complexos e singulares.

O Perguntar e o Discurso

Para Freire (1997FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 99), o ato de perguntar é fundante da construção do conhecimento, por isso, à escola caberia “[...] o desenvolvimento da curiosidade epistemológica”. Esta seria a curiosidade de conhecer, de fato; do saber o porquê das coisas, de conhecer a essência e o conteúdo que está “[...] na coisa a se descobrir”. Mas para que o educador acione essa curiosidade em seus educandos, ele necessita desenvolver a sua própria curiosidade. Freire e Faundez (1985) propõem uma Pedagogia da Pergunta em oposição a uma pedagogia da resposta, que, conforme os autores, encontra-se “[...] instaurada em nossas escolas há séculos”. Na pedagogia da resposta, que equivale a um ensino pronto, de “[...] respostas antes que as perguntas sejam feitas”, de modo que, quando feitas, as perguntas requeiram respostas prontas, encontra-se um fator limitante e limitador da educação. Nessa visão, ao limitar o conhecimento do aluno às respostas prontas e esperadas pelo professor, o próprio professor estaria limitando, com esse gesto, o seu espaço de atuação.

Tendo em vista o estudo das perguntas e respostas em sala de aula, Coracini (1995CORACINI, Maria José. A Aula de Línguas e as Formas de Silenciamento. In: CORACINI, Maria José. O Jogo Discursivo na sala de Aula. São Paulo: Pontes, 1995, p. 67-74. p. 75) busca argumentos para compreensão desse processo, do ponto de vista discursivo, e afirma:

Há indicações de que, mesmo em atividades de grupo, os alunos buscam responder exatamente ao que o professor deseja; raramente assumem uma resposta diferente e a discutem entre si ou com o professor. Tal atitude, aparentemente passiva, decorre, evidentemente, das imagens que os alunos vão construindo ao longo dos anos de escolarização do que seja ser professor, do que seja ser aluno, do que seja ensinar/aprender.

Nessa direção, Orlandi (1987ORLANDI, Eni. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1987.), também faz considerações. A autora explicita, em seus estudos, que a apropriação deste discurso pelo aluno também está relacionada com a imagem que ele faz do professor, pois ao manifestar o Discurso Pedagógico (DP), o professor se legitima em autoridade pelo discurso científico do qual faz uso em sala de aula. Desta forma, o que o professor diz se converte em conhecimento, o que autoriza o aluno, sob este aspecto, a também dizer que sabe: “[...] e a isso se chama escolarização”, critica Orlandi (1987, p. 15). A escola é o lugar essencial para a manifestação do Discurso Pedagógico, que como discurso institucionalizado garante a instituição-escola. Por isto, esse tipo de discurso possui características próprias, objetivando manter o seu caráter, eminentemente autoritário, por uma estrutura de controle, especialmente do controle dos sentidos, com os seus mecanismos. Mas, então, como se constituiria o DP?

Orlandi (1987ORLANDI, Eni. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1987.) define o Discurso Pedagógico, tendo por base a necessidade de controle do seu referente, pelo professor (a), como pertencente a um discurso de tipo autoritário, apresentando características como circularidade, repetibilidade e cientificidade. Esta circularidade se garante e é garantida por um discurso do é porque é evidenciado pelo professor. Orlandi (1999 p. 86) caracteriza o discurso autoritário como aquele em que “[...] a polissemia é contida, o referente está apagado pela relação de linguagem que se estabelece e o locutor se coloca como agente exclusivo, apagando também sua relação com o interlocutor”. Nesse lugar, o professor, como locutor, por meio de repetições de conceitos, se apropria deste discurso científico, sem identificar-se como mediador. Nesse contexto, afirma a autora (1985, p. 21):

Há aí um apagamento, isto é, apaga-se o modo pelo qual o professor apropria-se do conhecimento do cientista, tornando-se ele próprio possuidor daquele conhecimento. A opinião assumida pela autoridade professoral torna-se definitória (e definitiva). Pela posição do professor na instituição (como autoridade convenientemente titulada) e pela apropriação do cientista feita por ele, dizer e saber se equivalem, isto é, diz que sabe. E a voz do saber fala no professor.

É esse lugar, em que se constituem as formulações imaginárias, que Fuchs e Pêcheux (1997FUCHS, Caterine; PÊCHEUX, Michel. Análise Automática de Discurso. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Org.). Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997, p. 61-161.) vão relacionar às Condições de Produção. É por isso que, na escola, encontram-se professores e alunos assumindo, em posições específicas, pré-determinadas por condições histórico-culturais estabelecidas, os seus lugares de professor e de aluno, no processo pedagógico. Diante de aspectos que rumam nessa direção, em sua pesquisa, Coracini (1995CORACINI, Maria José. A Aula de Línguas e as Formas de Silenciamento. In: CORACINI, Maria José. O Jogo Discursivo na sala de Aula. São Paulo: Pontes, 1995, p. 67-74.) passa a afirmar que as perguntas dos professores na sala de aula podem ser classificadas em perguntas didáticas, que têm por função, apenas, servir para estabelecer a relação entre professor e alunos, facilitar a aprendizagem e verificar o contato.

Desta forma e, na maioria dos casos, seu estudo mostra “[...] que a fala do aluno se apresenta dependente ou assujeitada à fala do professor, de modo que a voz do aluno parece ser apenas um complemento da voz do professor”. A esse movimento, Freire e Faundez (1985FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antônio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985., p. 51) alertam que propagar essa pedagogia da resposta implica difundir e perpetuar uma pedagogia burocratizante. Dizem os autores, que a “[...] burocratização implica a adaptação, portanto, com um mínimo de risco, com nenhum assombro e sem perguntas. E continua: “Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria existência humana”.

Assim, a pedagogia da resposta se constitui em pedagogia da limitação. Não perguntar, ou fazer perguntas pedagógicas que nos conduzam às respostas esperadas, se constitui como integrante do próprio processo de constituição do DP autoritário, não possibilitando ao professor a ocupação do lugar de quem pergunta, e sim, daquele que professa verdades cientificamente arraigadas pelo discurso científico do qual é mediador.

Visando refletir sobre essa realidade e buscar ruptura a esse sentido cristalizado, precisaríamos partir em busca do aprender a perguntar, para que assim, e a partir daí, pudéssemos, com nossos educandos, de forma crítica, também ensinar-lhes a perguntar. Nesta perspectiva, Freire e Faundez (1985FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antônio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985., p. 48) afirmam:

[...] a primeira coisa que aquele que ensina deveria aprender é saber perguntar. Saber perguntar-se, saber quais são as perguntas que nos estimulam e estimulam a sociedade. Perguntas essenciais, que partam da cotidianeidade, pois é nela onde estão as perguntas. Se aprendêssemos a nos perguntar sobre nossa própria existência cotidiana, todas as perguntas que exigissem respostas e todo esse processo pergunta-resposta, que constituem o caminho do conhecimento, começariam por essas perguntas básicas de nossa vida cotidiana [...].

Tendo em vista o trabalho a partir desta possibilidade: de que precisamos nos autorizar a fazer perguntas, enquanto educadores que almejamos ser, é que se dá destaque às perguntas dos professores, nos diferentes espaços de formação e em estudo. Por acreditar que estas necessitem de um olhar mais aprofundado e crítico diante do que enunciam e denunciam, nas relações da vida cotidiana dos professores, nas escolas, é que se propõe a analisá-las. Porém, faz-se necessário considerar, em diferentes pronunciamentos, as condições de produção delas.

Nessa direção, também se destaca a minha posição enquanto interlocutora, com os professores da EJA, pois segundo Pêcheux (1997, p. 83): “O que funciona nos processos discursivos é uma série de formulações imaginárias que designam os lugares que cada um de nós atribui a si e ao outro”, a imagem que fazemos de nosso lugar e do lugar do outro. É possível verificar, desse modo, que a posição dos protagonistas, na interlocução, “[...] intervém, a título de produção do discurso”, bem como apontam os autores. Ao longo desta pesquisa, coloco-me na posição de quem se dispõe à interlocução junto aos professores.

No corpus ora apresentado, encontram-se perguntas em suas formas diretas e indiretas, na modalidade escrita, formuladas pelos professores. Torna-se importante esclarecer ainda que o enfoque da pergunta está sendo considerado por sua dimensão de acontecimento linguístico-discursivo e que o incentivo aos professores para que formulassem perguntas foi uma estratégia pedagógica escolhida por mim, ao me posicionar como professora que faz a escuta (Freire, 1997FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.), abrindo espaços para sentidos de vozes diversas, e também, para fazê-los refletir.

De certa forma, ensejava que o momento de formular perguntas se tornasse acontecimento, demarcando-o como lugar especial de dizer. Para Pêcheux (1997), o acontecimento, enquanto um gesto de interpretação demarca um movimento de atualidade sobre uma memória pré-concebida, estabilizada. Ao dizer, o sujeito captura sentidos que ocupavam espaços em suas redes de filiações. Esses sentidos capturados, que tinham o seu status de estabilização na memória do dizer, nesse momento, movimentam-se. São deslocados, demarcando um movimento de atualidade, pelo acontecimento. Nessa perspectiva, afirma:

[...] todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações sócio históricas de identificação e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo o modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço [...] (Pêcheux, 1997, p. 56).

Ainda de acordo com Pêcheux (1997, p. 57), a interpretação é vista como “[...] atos que surgem como tomadas de posição reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificação assumidos e não negados”. Nesta perspectiva, então, é analisada as falas dos professores da EJA, buscando os sentidos cristalizados, mas que, como acontecimento, “[...] por seus efeitos de identificação não negados”, demarcam na materialidade discursiva a existência da memória do velho na atualidade. A memória, aqui, compreendida como enuncia Pêcheux (1997), é vista como “[...] espaço móvel, de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos e de regularização” e também de apagamentos que se constituem nas diferentes formas do dizer.

Em pesquisa com narrativas de professores, Mutti (2005MUTTI, Regina Maria Varini. Memória no discurso pedagógico. SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DE DISCURSO, 2., Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. 7 p. Anais do SEAD. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/analisedodiscurso/anaisdosead2 >. Acesso em 05 de setembro de 2020.
http://www.ufrgs.br/analisedodiscurso/an...
, p. 1), constata que na atividade de relatar sua experiência, os professores retomam sentidos do vivido, que já se tornaram memória. A esse respeito, a autora manifesta que “Na atividade de reconstituição do acontecimento pela memória, o sujeito mobiliza implícitos, sentidos pré-construídos que tendem a reforçar a regularização, pois surtem o efeito de já lá; no entanto, se desestabilizam pelo sujeito que a resgata na enunciação, sempre única”.

Assim, na atividade de formular uma questão, cuja especificidade caracteriza-se como um processo diferente da narrativa de uma experiência, observa-se que há algo do sentido que parece ficar sempre em aberto, a busca por fazer sentido. Quem pergunta, embora retome parte de uma ou várias experiências registradas na memória do dizer, ao formular seu discurso sempre deixa algo em suspenso. Há uma especificidade na pergunta que a remete ao distante, de novas coisas a saber que movimentam esse jogo de estabilização e desestabilização.

A pergunta, enquanto acontecimento discursivo novo, sempre é um efeito desse confronto entre a regularização e a desregularização. É nesse movimento que se identifica a memória institucional. Nas instituições, bem como aponta Pêcheux, encontramos espaços discursivos estabilizados e que fazem com que um enunciado possa ser verdadeiro ou falso. Porém, como esses pronunciamentos, não presos em sua estrutura, estão sujeitos ao equívoco por condições diversas sob a influência da “[...] lei, rigor, ordem, e também, das sensibilidades, dos princípios, etc.”, de coisas, a saber, não se dão só por exigências externas, pois cada um de nós, os simples particulares face às “[...] diversas urgências da vida - tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica nas coisas a fazer” (Pêcheux, 1997, p. 33).

Nessa perspectiva, o professor/professora na escola é interpelado por uma memória institucional que fala, ritualiza, burocratiza, estabelecendo rotinas com as quais, tem de conviver. Uma mexida nessas redes de filiações se faz possível, desde que possibilitadas as condições para a abertura à reflexão, outros discursos e deslocamentos.

Sobre os Contextos: produzindo narrativas sobre as políticas de formação de EJA

A narrativa produzida representa uma forma de olhar de quem atuou, durante o período, em universidades públicas, em instâncias de ensino, pesquisa e extensão, em interlocução, sempre que possibilitado o diálogo com as gestões públicas do Estado. Deste ponto de mirar, que nos anos de 2001 e 2002, conforme proposta do referido governo4 4 Por centrar o olhar sobre o tratamento da EJA e do processo de formação continuada gestado ou não, abranger-se – à os períodos sem identificar nomes de gestores e/ou seus partidos políticos. , ocorria, no momento, um movimento em busca de uma política de redemocratização do Estado. Para tanto, estava proposta a descentralização das ações e o Orçamento Participativo se constituía na principal instância que visava atender a essa necessidade. Segundo Azevedo (2000AZEVEDO, José Clóvis. A Escola Cidadã: desafios, diálogos e travessias. In: AZEVEDO, José et al. (Org.). Utopia e Democracia na Educação Cidadã. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 2000, p.23-48., p. 32):

O instrumento mais significativo do processo de democratização e desprivatização do Estado é o Orçamento Participativo - OP, através do qual a população decide sobre a aplicação de todos os recursos orçamentários da cidade. Todos os investimentos passam pela decisão do orçamento participativo, além do exame e aprovação dos demais itens da peça orçamentária.

Tendo em vista a perspectiva de Democratização da ação do Estado, na educação foi instaurado o processo de Constituinte Escolar (Camini, 2005CAMINI, Lúcia. O Processo de Construção da Política Educacional no Rio Grande do Sul de 1999 a 2002: relações, limites, contradições e avanços. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPGEDU, 2005., p. 119), do qual a EJA também participou e cujos princípios envolviam “[...] o acesso e a permanência de todos na escola”, “[...] a participação como método de gestão” das políticas públicas educacionais, “[...] a dialogicidade como princípio ético-existencial” e a “[...] utopia, enquanto sonho impulsionador da educação e da escola pretendida”.

Camini (2005CAMINI, Lúcia. O Processo de Construção da Política Educacional no Rio Grande do Sul de 1999 a 2002: relações, limites, contradições e avanços. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPGEDU, 2005.) apresenta neste processo o esclarecimento que a participação de professores, funcionários, educandos e comunidade escolar ocorreu mediante diferentes etapas envolvendo: sensibilização, estudo da realidade, aprofundamento de temáticas escolhidas pelos participantes, estabelecimento de princípios e diretrizes até à Conferência Estadual, em 2000. Como efeito dessa política, constituíram-se coletivamente os documentos das escolas e as primeiras eleições participativas para direção e conselhos escolares. Nesta perspectiva, também participavam o Movimento de Alfabetização de Adultos - MOVA-RS e a Educação de Jovens e Adultos que ocorria nas escolas e Núcleos de Educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular. Como o enfoque desta pesquisa centra-se nas políticas voltadas ao sistema de ensino regular, passarei a abordar as características deste.

Esta Educação de Jovens e Adultos regular estava sendo redefinida, conforme legislação vigente5 5 Resolução 250 e parecer 774, ambos emanados pelo Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, que normatizam e orientam o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos. . Em 2002, o Estado contava com 7486 6 INEP - Senso Escolar 2003. estabelecimentos que ofereciam a modalidade de EJA, entre escolas e núcleos. Nesse período, todos se organizavam em busca da reorientação da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, deu-se início ao processo de formação de professores da EJA. Entendo por “[...] formação continuada àquela que acontece ao longo da vida”, como nos fala Boutinet (1997BOUTINET, Jean Pierre. Metamorphose de Lavie Adulte et Incidences Sur les Metodologiaes de la Formation. Education Permanente, n. 132, déc., 1997., p. 132), mas que, na situação enfocada por esta pesquisa, é proposta pela política pública vigente. Nessa direção, ocorre o que pode se considerar um avanço na política educacional de governo para a EJA: é instituído para as escolas e núcleos, em todo o Estado, um dia dedicado à formação durante a semana7 7 Em continuidade e coerência com a proposta/projeto da Administração Popular na Prefeitura de Porto Alegre. , conforme prevê o artigo 67 da LDBEN (Brasil, 1996BRASIL. Lei 9394/96- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília: 23 dez. 1996.).

Desse modo, as escolas funcionavam com os alunos, de segunda a quinta-feira, ficando para as sextas-feiras as reuniões pedagógicas de estudos, planejamentos e discussões gerais sobre a EJA e o seu funcionamento. As reuniões semanais tiveram início e, durante o segundo semestre de 2001 é realizada formação proposta pelo Estado, visando à reorientação de projetos político-pedagógicos, regimentos e planos de estudos8 8 Neste momento, a Universidade é convidada, pelo Departamento de EJA, a coordenar esta proposta de formação. . Importante ressaltar que, em abril de 2000, é lançado pela Secretaria Estadual de Educação O Caderno Pedagógico de EJA: política pública da Educação de Jovens e Adultos do RS (2000RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual de Educação. Caderno Pedagógico: políticas públicas da educação de jovens e adultos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2000.), contendo orientações aos professores quanto à estrutura e funcionamento da mesma, a partir de exemplos de duas escolas como referência à experiência de EJA de escolas9 9 Esse documento propõe a organização curricular de EJA, a partir das Totalidades do Conhecimento. A concepção que norteia esta proposta parte dos estudos dos Complexos de Pistrak e dos Temas Geradores, propostos por Paulo Freire. (Caderno Pedagógico n. 9, da SMED, Porto Alegre). , coordenadas pelo Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA, em Porto Alegre.

As eleições de 2002 alteram esse quadro de orientações. A partir de 2003, a proposta de governo se modifica e o Orçamento Participativo é substituído pela Consulta Popular10 10 Instituída pela Lei Estadual n° 11179 de 1998 que estabelece que a população define diretamente parte dos investimentos e serviços que constarão no governo do Estado. . As estratégias de gestão reduzem a participação direta da população na administração. Com recursos federais e da Unesco é instituído o Programa Alfabetiza Rio Grande, em substituição ao Movimento de Alfabetização - MOVA/RS. O Programa Alfabetiza Rio Grande mobiliza educadores com formação mínima em magistério à regência de turmas de alfabetização, em diferentes municípios do Estado. Deste, são destinados recursos para a formação semanal dos professores alfabetizadores e da Educação Básica de Jovens e Adultos.

Em cada Coordenadoria Regional de Educação do Estado constitui-se um Grupo de Trabalho em Educação de Jovens e Adultos - GTEJA. Deste participam: o responsável pela EJA na Coordenadoria, um representante de cada Secretaria Municipal de Educação da Região, um representante de cada instituição de ensino superior da região, representantes de entidades que desenvolvem EJA, inserindo direções de escolas e entidades conveniadas11 11 Na região que compreende a 4ª coordenadoria regional de educação participavam, nesta categoria, representantes de sindicatos. . O GTEJA tinha por compromisso:

[...] promover o recenseamento da população para localizar a demanda não atendida; avaliar o trabalho realizado; definir as metas de alfabetização e de continuidade de estudos; propor as ações de formação; mobilizar as comunidades regionais e locais; assegurar o assessoramento continuado para o monitoramento das atividades programadas e avaliação dos resultados alcançados (Rio Grande do Sul, CPP 2003-2006RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual de Educação. Caderno Políticas Públicas: Educação de Jovens e Adultos, GTEJA do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003-2006., p. 65).

Além da participação no GTEJA, cada universidade parceira participava com propostas de formação continuada em serviço para os professores, em sua região de atuação, dedicando 32 (trinta e duas) horas mensais a esta função, por um ano - período de vigência do contrato, com possíveis renovações para os anos seguintes, conforme aconteceu até o último ano deste governo. O dia de formação nas 776 escolas12 12 Estabelecimentos estaduais que ofertam EJA no RS. www.estado.rs.gov.br, acesso em 14/4/06. passou a acontecer nas quartas-feiras. Em março de 2004 é lançado pela Secretaria Estadual de Educação, Divisão de Educação de Jovens e Adultos - DEJA, o Caderno de Políticas Públicas para a Educação de Jovens e Adultos no Rio Grande do Sul, (2004) contendo orientações sobre as diretrizes, estrutura e funcionamento da EJA nas escolas e núcleos de EJA, além da política de formação continuada de professores.

O Plano de Gestão do período posterior, que compreende o período (2007-2010RIO GRANDE DO SUL. Governo do Estado: Plano de Gestão 2007-2010. 2010. Disponível em: <Disponível em: https://planejamento.rs.gov.br/undefinedplanos-de-governo-periodo-1950-2014 >. Acesso: 5 de agosto de 2020.
https://planejamento.rs.gov.br/undefined...
, p. 30) assim se reportou sobre a Educação de Jovens e Adultos:

[...] a rede estadual de ensino tem presença mais significativa na oferta da educação de jovens e adultos (EJA), tanto no ensino médio quanto no fundamental. Nossa proposta é a de não só manter, mas também qualificar os programas de alfabetização de adultos e a oferta da educação de jovens e adultos nas escolas do Estado. Para qualificar essa oferta, é preciso estabelecer metas de melhoria das taxas de abandono e de conclusão nessa modalidade de educação escolar. Na concepção de uma política educacional para os jovens, além de expandir e qualificar o ensino médio regular e a EJA. (Rio Grande do Sul, 2007, p. 30)

Embora se propusesse a qualificar a Educação de Jovens e Adultos nas escolas do estado, houve pouco desenvolvimento de práticas de formação continuada no âmbito da EJA13 13 Desse período, turmas de oferta de totalidades iniciais de EJA foram encerradas. , neste período. O foco voltou-se à alfabetização na idade certa, como anunciavam as campanhas e atividades do período e a política geral de gestão buscou certo alinhamento e ajustes nas contas do estado, o que gerou medidas recessivas e de pouco investimento. Na EJA, algumas tímidas formações ocorreram, particularmente, por chamamento dos estabelecimentos de ensino.

De 2011 a 2014, enquanto política pública da gestão estadual houve preocupação com a retomada do processo de formação de professores da EJA, por parte das Coordenadorias Regionais de Educação, conduzida por aportes e investimentos, orientados pela gestão estadual. A Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, organizou Seminários Regionais de Educação, mobilizando espaços para atividades formativas de extensão e pesquisa sobre a EJA, em diferentes regiões do estado. Além disso, a Secretaria promoveu movimentos de formação de professores articulando-se com diferentes IES do Estado. Ao término desse período houve a publicação (Rio Grande do Sul, 2014RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Educação. Concepções e potencialidades da educação de jovens e Adultos na rede estadual de ensino do RS: metodologias, mundo do trabalho e educação ao longo da vida. Porto Alegre: 2014. P.55-74.) intitulada: Concepções e potencialidades da Educação de Jovens e Adultos na Rede Estadual de Ensino.

Abarcando parte do período de interesse da pesquisa, de modo complementar, os estudos de Alves, Comerlato e Sant’ Anna (2018ALVES, Evandro; COMERLATO, Denise; SANT’ ANNA, Sita Mara. Demanda Potencial para o Ensino Fundamental na Educação de Jovens e Adultos no Estado do Rio Grande do Sul. In: ALFAEEJA - Encontro Internacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, 5., 2018, Porto Alegre/RS. Anais... Porto Alegre: UFRGS/UERGS/IFRS/UNEB/UFSC, 2018. Disponível em: <https://www.alfaeejauneb.com/anais-do-evento-alfaeeja>.
https://www.alfaeejauneb.com/anais-do-ev...
) revelam queda na oferta da EJA escolar no período entre 2007 a 2015.

Quadro 1:
Oferta de Vagas na EJA acompanhamento longitudinal: matrículas iniciais 2007-2015

Segundo os autores, com base nesse quadro, a rede privada aumenta, no período, a sua oferta de vagas, além da rede federal, através das ofertas do Programa Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. O quadro revela também que as oportunidades referentes às vagas de EJA ocorrem por parte da rede estadual. Por conta do movimento da queda de vagas, fechamento de turmas e fragilidades na oferta de EJA por carência de investimentos por parte do poder público, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul desenvolve, a partir de 2017, uma série de Audiências públicas intituladas Em Defesa da EJA em Porto Alegre e Região Metropolitana e, instituiu uma Comissão Especial para analisar a oferta da Educação de Jovens e Adultos, instalada em 08/05/2018, com plano de trabalho que estabeleceu audiências14 14 Coordenadas pela Deputada Estadual Estela Farias. em diferentes municípios e regiões15 15 A ocorrerem de maio a agosto de 2018, nos municípios em Porto alegre, Osório, Cachoeira do Sul, Pelotas, Rio Grande, São Borja, Santa Maria, Guaíba, Ibirubá, Cruz Alta, Capão da Canoa, Arambaré e Passo Fundo, até a apresentação e aprovação de relatório, prevista para a data de 19/09/18. , com elaboração de um relatório apresentando a situação da EJA no Estado16 16 RIO GRANDE DO SUL. Relatório Educação de Jovens e Adultos: entre o direito e a realidade. Assembleia Legislativa do Estado: Comissão Especial para analisar a oferta da Educação de Jovens e Adultos, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2019. .

Atualmente, a Educação de Jovens e Adultos promovida pela Rede Estadual dialoga com a Resolução N° 343, do Conselho Estadual de Educação, aprovada em 11 de abril de 2018, que altera a idade de ingresso na modalidade, para 18 anos. Essa prerrogativa legal, que modificará o perfil do público da EJA carecerá de pesquisas futuras, pois apontará para uma mudança na oferta, na demanda por vagas e também, no âmbito da formação inicial e continuada docente.

Sobre os Questionamentos e os Sentidos Produzidos

Torna-se importante reiterar que o período 2002-2004 compreende oficialmente os primeiros anos de funcionamento da EJA, a partir da legislação, que encerra etapa de oferta do ensino supletivo nas escolas, instituindo a Educação de Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica, no estado. Os professores estavam ansiosos com as possibilidades das formações e, mesmo diante das trocas de governo, embora com perspectivas distintas, houve continuidade nas políticas de formação, sem interrupção por parte das gestões estaduais.

Durante esse período, havia muitas dúvidas quanto ao funcionamento da EJA, e nem os professores das universidades tinham, com clareza, orientações para além do que propunha a legislação vigente. Particularmente, o único apoio quanto às mudanças que possuíamos, eram as experiências pessoais obtidas através do Programa de Ensino Fundamental para Jovens e Adultos Trabalhadores - PEFJAT17 17 Prêmio Educação para a Qualidade no Trabalho, MEC, 1998. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as aprendizagens construídas com os professores em formações diversas, a partir das leituras que partilhávamos, além da legislação vigente.

Nesse período, localizam-se três sentidos que predominam, nas perguntas dos professores: sentidos das concepções de EJA, sentidos das preocupações com os processos pedagógicos na acepção do como fazer, e, por fim, sentidos de preocupação com a própria formação. Assim, na perspectiva de visualizar de forma panorâmica os principais sentidos que emergiram nas perguntas referentes a esse período, dúvidas/questionamentos dos professores entre 2002-2004, em exercício de síntese, serão apresentadas, ano a ano, como seguem:

2002 (a) - Que história é esta: na EJA o tempo não é o tempo da escola e sim, o tempo do aluno? E o histórico, como fica?

2003 (b) - A presença dos alunos com pouca idade que saem do ensino regular por repetência, necessitam de metodologia distinta, qual?

2004 (c) - Gostaria de mais informações sobre a formação do educador de EJA: graduação, pós-graduação, mestrado... preciso me qualificar

Tendo por base esses questionamentos e embora haja uma multiplicidade de sentidos nas perguntas coletadas entre 2012 e 2014, durante as análises, as temáticas de algumas perguntas se aproximaram, em sequência, às do período anterior. A hipótese levantada é a de que a falta ou a carência de processos formativos continuados, por parte das políticas dos governos, entre 2005 e 2011, possa ter gerado efeitos sentidos de circularidade, de retorno ao início, tendo por base os sentidos emanados e sequências discursivas semelhantes às do período anterior. Nesta perspectiva, destacam-se as perguntas que seguem:

2012 (d) - Afinal, no que se baseia a EJA? (Legislação que ampara - por conta do tempo, mais conteúdo, menos conteúdo?)

2013 (e) - Como trabalhar com o aluno muito jovem?

2014 (f) - Quem oferece alguma especialização de EJA? Como fica a formação docente da EJA?

Vale ressaltar que a progressão anual do período entre 2012-2014 foi demarcada por um processo continuado de formação, por parte desta gestão. Trata-se de uma importante semelhança a ser destacada. De um modo geral, as questões de ambos os períodos, apresentam angústias e inquietações dos professores. Diante destas falas, encontramos o professor, que põe em evidência do lugar de quem nomeia saberes interdiscursivos, pré-construídos bastante arraigados às práticas institucionais e institucionalizadas do Discurso Pedagógico.

Há, no campo histórico, as práticas de uma filosofia tradicional e tecnocrata, originárias do diálogo com o fazer instituído do ensino supletivo, pois a EJA ainda aparece fortemente vinculada a esse tipo de ensino e, por sua vez, ao ensino regular tradicional e tecnicista (Sant’Anna, 2015SANT’ANNA, Sita Mara Lopes. Ensino Supletivo ou EJA? Sentidos e perspectivas da formação continuada de professores do Rio Grande do Sul. Revista Educação, Ciência e Cultura (ISSN 2236-6377), Canoas, n. 2, p. 9-29, jul./dez. 2015.). Como exemplo deste movimento, destaca-se a noção de tempo, presente nas formulações (a) e (d). A ideia de tempo no ensino supletivo (Brasil, 1971BRASIL. Lei 5.682, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino do 1° e 2° graus. In: VASCONCELOS, José (Org.). Legislação Fundamental. Rio de Janeiro, 1972.) permanecia fortemente vinculada ao tempo da escola, embora a própria legislação da época propusesse a flexibilidade como necessária do reconhecimento dos saberes dos alunos18 18 Parecer 774 e Resolução 250, do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. .

Assim, da mesma forma em que se percebe os professores no espaço da perceptividade, da acolhida a este lugar de dúvida, pelo questionamento, encontra-se em alguns de seus enunciados a resistência, a indignação diante do devir, da possibilidade, da mudança (percebe-se aí o professor interrogando por que sabe que vai encontrar algo diferente). Planando por sobre suas perguntas, com zelo, os vemos cercados por uma espécie de medo constante de serem vazados neste lugar do poder institucional, que é garantido socialmente e burocraticamente, pelo ser professor. Segundo Souza (2002SOUZA, Ricardo Timm de. Ainda Além do Medo: filosofia e antropologia do preconceito. Porto Alegre: Editora Palmarinca, 2002. p. 63), “O medo é o momento brutalizado, petrificado, mesmificado. É a mais sutil defesa contra a novidade verdadeira”. Como medos humanos, estes se processam: medo das incertezas, medo de ter medo, de não querer sofrer. De acordo com o autor, o não querer sofrer imobiliza, busca normalidade.

Segundo Pêcheux (1997, p.33), nesses ínterins de “[...] necessidade equívoca misturando coisas e pessoas”, todo o enunciado produzido estaria sob o efeito desta bipolaridade da necessidade de “[...] um mundo semanticamente normal” e das condições adversas de coisas, a saber, consideradas como conhecimentos universais adquiridos, que produzem o efeito de dominação/resistência. A memória institucional estaria afetada por esse movimento de dominação e resistência, nas relações, que são humanas, que têm sentimentos, incertezas, medos, dúvidas.

Prender-se a uma memória institucional, então, pode produzir um sentido de garantia ao professor e, se ser professor dá garantias, talvez para fugir da vidência pela exposição, muitos imobilizados, se fechem na escola, como em condomínios cercados, formando grupos fortalecidos, espécies de guetos e resistindo, fortemente, a qualquer possibilidade de mudança. Mas, diante destes sentidos possíveis, encontra-se também, em suas perguntas, pela incidência da palavra como, presente em (e), de forma explícita ou como metodologia, uma outra implicação. Uma implicação que pode exigir, na interação com seu interlocutor, uma resposta; resposta esta que talvez os levem a construir com, a um caminho. Essas questões que foram levantadas em momentos de formação com os professores também ressoam nos excertos dos documentos e remontam expressões que exaustivamente vêm sendo reproduzidas por estes documentos legais. A título de exemplificação, no parecer 774 (Rio Grande do Sul, 1999RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº 774/99: Estabelece normas para o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos no Sistema de Ensino. Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Diário Oficial do Estado, 1999., p. 5) encontramos:

[...] a escola deverá levar em conta, como princípio basilar, os diferentes tempos necessários ao processamento das aprendizagens pelo jovem e pelo adulto [...]. Para esta clientela, face à diversidade de características e, com isso, a ausência de uniformidade quanto as necessidades, a escola deve prever a sequência mais adequada de tratamento dos componentes curriculares em espaços ou módulos de tempo, possibilitando ao aluno transitar por este currículo de acordo com o seu ‘tempo próprio’ de construção das aprendizagens.

Nessa mesma direção, podemos localizar no parecer 11 (Brasil, 2000BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE nº 11, de 10 de maio de 2000: Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 03 de julho de 2000., p. 36) um encaminhamento em busca de um currículo flexível, frente ao tratamento dos diferentes tempos do aluno, como expressa o documento: “A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano”.

Como é possível verificar, o discurso da política educacional/legal de EJA estava no papel, virou Lei, e o professor sabia disso - ele já fora interpelado por esse discurso e se deu conta, por isso, questiona e critica: com indignação e em posição assumida e não negada. Em (a) observa-se um movimento de resistência, que pode nos remeter a outros dizeres: a história se modificou? Ou ainda, a história da EJA é esta? Ou talvez, pelas afirmações às quais os questionamentos podem conduzir: a EJA, em sua história, pressupõe que o tempo do aluno é o tempo que a escola propõe?

Esta não é a lógica histórica do supletivo (a mais recente para ele, de quase trinta anos) que reduz o tempo curricular e o tempo do aluno na e pela escola? Em Que história é essa? o professor resiste à mudança, no que diz respeito à forma como a mesma foi feita, imposta por legislação. Talvez por isso esta pergunta assuma, por si só, um tom imperativo, de inconformidade. Em (d) - Afinal, no que se baseia a EJA? Isto também acontece. As falas destes professores lembram, mais uma vez, Pêcheux (1997, p. 34-35), ao afirmar:

[...] há ‘coisas, a saber’ (conhecimentos a gerir e a transmitir socialmente) isto é, descrições de situações, de sintomas e de atos (a efetuar ou evitar) associados às ameaças multiformes de um real do qual ‘ninguém pode ignorar a lei’ - porque esse real é impiedoso.

É esse jogo de dominação e resistência produzido pela necessidade da estabilização lógica desses pré-construídos como os expressos por uma memória do supletivo, em confronto com os instituídos, pelo real da legislação, que se fazem presentes na memória discursiva mobilizadas pelos professores.

No questionamento (b) A presença dos alunos com pouca idade, que saem do ensino regular por repetência, necessitam de metodologia distinta. Qual? Ou em (e) - Como trabalhar com o aluno muito jovem? Uma característica da EJA impulsiona uma modificação, um desejo. São os sujeitos da EJA, os alunos com pouca idade que fazem uma mexida em algo estabelecido: os processos pedagógicos. Paiva (1987PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos. 5ª edição - São Paulo: Edições Loyola, Ibrades, 1987.) relata do ponto de vista histórico, que falar em Educação voltada aos jovens e adultos, no Brasil, é abordar principalmente uma história de ações da Educação de Adultos. O fenômeno da vinda massiva dos jovens em busca da escolarização é recente e torna-se um movimento muito presente nas turmas de EJA em nosso Estado, já que, do ponto de vista legal, a LDBEN (Brasil, 1996), abre a possibilidade de os adolescentes de quinze anos estarem participando dos cursos presenciais desta modalidade. Estes professores, então, em sua história profissional, de um modo geral, têm convivido com alunos adultos e idosos, que caracterizam um público específico: a Educação de Adultos. A presença desses alunos com pouca idade, como nos falam os professores, alteram este contexto, produzindo esse efeito de mudança nas relações que se processam na sala de aula e, consequentemente, em várias falas destes docentes, esta alteração vem causando certo incômodo, tendo em vista os conflitos geracionais que vêm ocorrendo nas salas de aula da EJA.

A esse respeito Dayrell (2005DAYRELL, Juarez Tarcísio. Juventude, Produção Cultural e Educação de Jovens e Adultos. In: SOARES, L. et al. (Org.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica , 2005.) enuncia que esses conflitos, ocasionados pelo fato de esta modalidade lidar com pelo menos dois tipos de sujeitos - jovens e adultos, de alguma forma, embora pareça óbvio, devem-se ao fato de estarem em jogo realidades e demandas específicas destes diferentes grupos. Porém, alerta o autor, sobre a necessidade de discussão séria, em torno da questão dos sujeitos nos processos educativos, o que lhe parece não estar muito claro para os professores. A esse respeito, afirma Dayrell (2005, p. 55):

Diante disso, se a escola e seus profissionais querem estabelecer um diálogo com as novas gerações, torna-se necessário inverter esse processo. Ao contrário de construir um modelo prévio do que seja a juventude e por meio dele analisar os jovens, propomos que a escola e seus profissionais busquem conhecer os jovens com os quais atuam, dentro e fora da escola, descobrindo como eles constroem determinado modo de ser jovem.

Parte-se deste autor para afirmar a necessidade dessa discussão nas atividades de formação inicial e continuada com os professores da EJA. As falas dos professores, então, de um algum modo, explicitam que a presença dos alunos de pouca idade traz à necessidade cotidiana uma alteração, o que em seus jeitos de ver, estaria direcionada à metodologia distinta. Porém, segundo Dayrell alerta, esta questão torna-se muito mais abrangente, necessitando de uma profunda reflexão sobre os sujeitos da EJA e nesse caso específico, sobre as juventudes. O autor ainda provoca a refletir quem são, de fato, os jovens que frequentam cada um desses espaços, é o questionamento necessário para que consiga mexer com pré-construções universalizantes e estereótipos.

O enunciado A presença dos alunos com pouca idade, que saem do ensino regular por repetência, necessitam de metodologia distinta. Qual? Remete, ainda, a outra reflexão, referente à metodologia distinta. Se há distinção, há algo que fala diferente, que demarca uma diferença. Os sentidos dicionarizados da palavra distinto, em parte, reforçam os sentidos expressos na fala do professor, conforme apresenta Ferreira (1986, p. 600):

[DO Lat. Distinctu.] Adj. 1- que não se confunde; diverso, diferente. 2 - Separado, isolado. 3- Que sobressai, notável, ilustre, eminente, premente: orador distinto. 4 - Perceptível, claro. 5- Que tem distinção de porte e ou maneiras. 6 - Que teve classificação superior a bom em provas e exames [...].

Essa diferença, que pode ser de porte e ou maneiras, exige um tratamento pedagógico específico. Porém, o aposto, que saem do ensino regular por repetência, além de representar uma denúncia de que o ensino regular por suas práticas “[...] excludentes, celetistas e reprovatórias”, bem como nos fala Arroyo (2006ARROYO, Miguel. Formar Educadoras e Educadores de Jovens e Adultos. In: SOARES, Leôncio (Org.). Formação de Educadores de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica/SECAD/MEC/UNESCO, 2006.P.17-32., p. 30), tem sido ineficiente e tem produzido muitos dos alunos que chegam à EJA, e pode estar a reforçar, de forma implícita, que a metodologia precisa ser alterada, modificada, porque não pode ser a mesma; nem do ponto de vista da repetição da prática que se faz com os adultos e nem da repetição da prática que se faz no ensino não EJA.

O professor sabe que a prática não funcionou e talvez, por isto, tenha se utilizado do aposto, que se institui como uma explicação da situação, de uma condição, neste caso, de uma vivência do aluno, que é conhecida por todos. Esta exemplificação serve para que nos situemos no motivo pelo qual a metodologia (como da pergunta (d)) precisa ser distinta, diferente e específica.

Além disso, é sabido, que A presença dos alunos com pouca idade gera uma mudança no público a ser atingido pela prática e esta requererá que se direcione a ação, não mais e apenas, aos adultos. A prática com os jovens e leia-se, também adolescentes, pressupõe, na visão deste professor, outro tratamento. Os conflitos, que a EJA vem buscando administrar nos últimos anos, relacionam-se a estas emergências, por isso, na discussão que precisará ser feita enfocando a metodologia, o professor pergunta, qual? Ela existe, sabe-se. Então, diante de diferentes sujeitos e contextos, escolhas e também, acordos devem ser feitos.

O questionamento (c) Gostaria de mais informações sobre a formação do educador de EJA: graduação, pós-graduação, mestrado.... Preciso me qualificar, e o questionamento (f). Quem oferece alguma especialização em EJA? Abrangem sentidos da preocupação com a formação. Os professores entendem a necessidade da continuidade de efetivar estudos e se propõem a avançar neste sentido. Porém, o objetivo dessa qualificação é remetido, conforme sequência enunciada - graduação, pós-graduação, mestrado, especialização - à formação de natureza acadêmica. Há algo que fala aos professores sobre a necessidade desta qualificação. O que estão vivenciando na formação continuada pode estar lhes convocando a uma reflexão e evidenciando-lhes uma falta.

Nesta direção, as reticências, enquanto marca de heterogeneidade mostrada (Authier; Revuz, 1990AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) Enunciativa(s). Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 19, p. 25-42, 1990. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636824 >. Acesso em 30 jun. 2019.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 4), podem representar a presença das outras vozes, que reforçam esta necessidade, apontando outras e quaisquer possibilidades de formação que os mesmos desconheçam ou ainda, nesta mesma sequência, um possível doutorado, pós-doutorado. Não obstante, o professor está desacomodado, precisa saber mais, se qualificar, como diz. Ele tem alguma informação sobre as possibilidades da formação, mas tem necessidade de saber mais.

Importante destacar no questionamento enfocado a expressão formação do educador, por ele utilizada. A palavra educador, como efeito da relação da língua com a história, apresenta sentidos que se multiplicam, pelo debate propiciado, ora ao encontro, ora de encontro ao sentido tradicional da palavra professor. Esse debate pressupõe questões que extrapolam os sentidos da profissão; do ser professor, enquanto profissional com formação específica e certificação para tal e do ser educador, que pode ser um professor com certificação ou não, como ocorreram e ainda ocorrem, em experiências de alfabetização, em nosso país.

A relação da palavra educador com a história nos remete, mais uma vez, aos legados da Educação Popular e à Freire, seu representante mais conhecido. Deste contexto, emergem os múltiplos sentidos das práticas reflexivas, da problematização, do engajamento, da educação como ato político: diálogo, escuta, construção... e dos amplos debates que aconteceram, principalmente nos anos 70, como nos fala Dornelles (1990DORNELLES, Malvina do Amaral. O Mobral como Política Pública: a institucionalização do analfabetismo. 1990. 293f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1990.).

Assim, a expressão formação do educador ao invés de formação do professor, como comumente ouve-se falar, coloca o interlocutor numa posição diferenciada, daquele que está ou esteve, em algum momento, no lugar de quem avalia a sua própria condição, na profissão docente. Falar em formação do educador implica no reconhecimento de que, nesta formação pretendida, se quer algo a mais, algo que pressupõe o engajamento do professor e dos professores que administram a formação, todos comprometidos com a práxis19 19 A práxis Freireana constitui-se mediante processo reflexivo-crítico na ação, reflexão e nova ação. social e global - o que vai além de saber os processos estritamente pedagógicos. A palavra educador, dessa forma, mobiliza uma memória histórica, para além da memória institucional escolar conhecida.

Essa designação também tem sido bastante utilizada nos Fóruns Regionais, Estadual e Nacional, além dos Encontros Nacionais de EJA. Também tem sido enfoque de eventos da área, como o I e II Seminário Nacional sobre a Formação de Educadores de Jovens e Adultos, realizado em 2006, em Minas Gerais e em 2007, em Goiás, respectivamente e outros tantos20 20 Ainda, complementando o período, o III Seminário Nacional, em Porto Alegre, 2010 e o IV Seminário, em Brasília, 2012. . As Universidades também estão pautando esta questão.

Este modo de designar, pensando sob a perspectiva discursiva, têm produzido efeitos, revisitando sentidos da história, registrando-os na memória coletiva dos professores da EJA, como acontecimentos, reificando, enquanto trabalho do homem sobre a língua, como evidencia Orlandi (1996), de alguma forma, os sentidos dos direitos à educação e à formação inicial e continuada no âmbito da EJA. Ao enunciar que deseja saber mais informações sobre formação do educador de EJA, o professor impulsiona a Universidade e as instituições de Ensino Superior a uma resposta, que as compromete por saber que esta formação deverá ter como fundamento a própria história da Educação de Jovens e Adultos e porque não dizer: da Educação Popular?

Assim, diante dos sentidos expressos e representados nesses períodos, constitui-se o seguinte quadro sinóptico:

Quadro 2:
Sentidos, posições e demandas de (2002-2004) e (2012-2014)

De um modo geral, esse quadro evidencia que os sentidos produzidos e presentes nos dizeres dos professores se aproximam, seguindo uma ordem temporal sequencial: primeiro, demandando sentidos que envolvem as preocupações e demandas com as concepções de EJA, depois, com os processos pedagógicos e, por fim, com a própria formação.

Reflexões Finais

Lançando um olhar sobre as análises realizadas, tendo como referência os pronunciamentos dos professores em seus contextos, envolvendo os anos de sua produção, é necessário fazer algumas considerações.

De um modo geral, encontramos os mesmos constantemente trazendo à discussão os seus saberes, suas experiências. Esses saberes, ora efeitos de um movimento de busca pela qualificação e ora referenciados a fatos vividos, por vezes, se tornam incertos, duvidosos, nos confrontos com as realidades, complexidades das relações pedagógicas e das especificidades dos contextos da EJA.

Reitera-se que a hipótese formulada, de que esses sentidos ecoam alinhados dessa forma, pois constituem-se pela ausência, em longo período, de políticas públicas de formação continuada de professores da EJA. Nesse estudo, esse efeito de circularidade foi apontado pelo resultado das análises, já que houve a retomada dos processos contínuos de formações, o que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa. Importante registrar que se observa, também, que em gestões de governos populares, que se repetiram ao longo do período investigado, houve continuidade de políticas de formação continuada de professores da EJA. Salienta-se, ainda, que na complexidade das relações estabelecidas durantes as formações, os espaços para as perguntas foram essenciais, pois para além da pesquisa desenvolvida, estabeleceu-se um amplo movimento de escuta, diálogo e reflexões sobre as demandas dos professores.

O quadro apresentado não é permanente, por representar os sentidos, os acontecimentos linguístico-discursivos demarcados na história que envolveu os contextos das políticas de formação de professores da Educação de Jovens e Adultos no Rio Grande do Sul. O que fica como aprendizado é a importância, a necessidade, a mobilização, a resistência e a constituição de espaços de lutas, para que o direito à formação continuada e em serviço voltada aos professores da EJA em nosso Estado, de fato, aconteça.

Referências

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  • AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) Enunciativa(s). Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 19, p. 25-42, 1990. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636824 >. Acesso em 30 jun. 2019.
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  • SOUZA, Ricardo Timm de. Ainda Além do Medo: filosofia e antropologia do preconceito. Porto Alegre: Editora Palmarinca, 2002.
  • 1
    Tese intitulada O sentido nas perguntas dos professores da Educação de Jovens e Adultos, no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluída em 2009.
  • 2
    O entendimento é o de que a EJA se constitui em oferta regular, sendo regulada pelos órgãos de regulação da Educação Básica e seguindo regulamentos, desde os documentos legais presentes na escola. Para ser cessada, o estabelecimento que oferta a EJA precisará atender as normativas do Sistema Educacional.
  • 3
    As formações do primeiro período ocorriam em sextas ou quartas-feiras. As do segundo período também envolveram uma atividade de Extensão, com eventos pontuais, porém em quintas e sextas-feiras.
  • 4
    Por centrar o olhar sobre o tratamento da EJA e do processo de formação continuada gestado ou não, abranger-se – à os períodos sem identificar nomes de gestores e/ou seus partidos políticos.
  • 5
    Resolução 250 RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Resolução nº 250, de 10 de novembro de 1999. Fixa normas para a oferta de Educação de Jovens e Adultos no Sistema Estadual de Ensino. Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Diário Oficial do Estado , 1999.e parecer 774, ambos emanados pelo Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, que normatizam e orientam o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos.
  • 6
    INEP - Senso Escolar 2003.
  • 7
    Em continuidade e coerência com a proposta/projeto da Administração Popular na Prefeitura de Porto Alegre.
  • 8
    Neste momento, a Universidade é convidada, pelo Departamento de EJA, a coordenar esta proposta de formação.
  • 9
    Esse documento propõe a organização curricular de EJA, a partir das Totalidades do Conhecimento. A concepção que norteia esta proposta parte dos estudos dos Complexos de Pistrak e dos Temas Geradores, propostos por Paulo Freire. (Caderno Pedagógico n. 9, da SMED, Porto Alegre).
  • 10
    Instituída pela Lei Estadual n° 11179 de 1998 que estabelece que a população define diretamente parte dos investimentos e serviços que constarão no governo do Estado.
  • 11
    Na região que compreende a 4ª coordenadoria regional de educação participavam, nesta categoria, representantes de sindicatos.
  • 12
    Estabelecimentos estaduais que ofertam EJA no RS. www.estado.rs.gov.br, acesso em 14/4/06.
  • 13
    Desse período, turmas de oferta de totalidades iniciais de EJA foram encerradas.
  • 14
    Coordenadas pela Deputada Estadual Estela Farias.
  • 15
    A ocorrerem de maio a agosto de 2018, nos municípios em Porto alegre, Osório, Cachoeira do Sul, Pelotas, Rio Grande, São Borja, Santa Maria, Guaíba, Ibirubá, Cruz Alta, Capão da Canoa, Arambaré e Passo Fundo, até a apresentação e aprovação de relatório, prevista para a data de 19/09/18.
  • 16
    RIO GRANDE DO SUL. Relatório Educação de Jovens e Adultos: entre o direito e a realidade. Assembleia Legislativa do Estado: Comissão Especial para analisar a oferta da Educação de Jovens e Adultos, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2019.
  • 17
    Prêmio Educação para a Qualidade no Trabalho, MEC, 1998.
  • 18
    Parecer 774 e Resolução 250RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Resolução nº 250, de 10 de novembro de 1999. Fixa normas para a oferta de Educação de Jovens e Adultos no Sistema Estadual de Ensino. Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Diário Oficial do Estado , 1999., do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.
  • 19
    A práxis Freireana constitui-se mediante processo reflexivo-crítico na ação, reflexão e nova ação.
  • 20
    Ainda, complementando o período, o III Seminário Nacional, em Porto Alegre, 2010 e o IV Seminário, em Brasília, 2012.
  • Editora-responsável: Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2019
  • Aceito
    07 Ago 2020
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