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Contribuições de Vigotski para Pensar uma Educação Intercultural

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as possíveis contribuições de Vigotski e da teoria histórico-cultural para uma educação intercultural. Para tal, discorre em um primeiro momento sobre interculturalidade, trazendo aportes da psicologia cultural e do modelo de multiculturalismo crítico. Em seguida, apresenta conceitos da teoria histórico-cultural que contribuem para pensar a organização de uma educação intercultural. Por fim, analisa experiências concretas de contextos educativos a fim de exemplificar como os conceitos discutidos podem ser trabalhados na prática. Assim, busca compreender vivências de interculturalidade à luz da teoria histórico-cultural, a partir da proposta de método de Vigotski.

Palavras-chave
Interculturalidade; Vigotski; Teoria Histórico-Cultural; Psicologia Cultural; Multiculturalismo Crítico

ABSTRACT

This study aims at analyzing the possible contributions of Vigotski and the cultural-historical theory to intercultural education. Thus, it discusses interculturality, based on contributions from cultural psychology and a model on critical multiculturalism. Then, it presents concepts of cultural-historical theory that contribute to the consideration of practical possibilities for intercultural education. Finally, it analyzes concrete experiences from educational contexts in order to exemplify how the discussed concepts can be turned into practice. Hence, it seeks to understand experiences of interculturality in the light of the cultural-historical theory, based on the method proposed by Vigotski.

Keywords
Interculturality; Vigotski; Cultural-Historical Theory; Cultural Psychology; Critical Multiculturalism

Introdução

A diversidade é um aspecto constitutivo da identidade brasileira desde sua formação. O país conta atualmente com mais de trezentas diferentes etnias de povos indígenas, quilombolas e ciganos, e também tem uma enorme variedade cultural para além de identidades étnicas. Ademais, o fluxo migratório, fenômeno presente no país a partir de sua colonização, segue como um fator de alta relevância social, política e econômica. Ainda assim, tanto para migrantes como para pessoas de outros grupos minoritários1 1 Os termos grupos minoritários e grupos majoritários, neste artigo, se referem ao status social percebido de cada grupo. Neste sentido, comunidades indígenas e quilombolas, povos ciganos, coletivos negros, e grupos LGBTQI+, por exemplo, seriam considerados grupos minoritários, embora estatisticamente e em termos de relevância política e social não necessariamente o sejam. , a realidade cotidiana frequentemente traz vivências de discriminação, xenofobia e falta de acesso a instituições e direitos básicos (Riegel; Pássario, 2018RIEGEL, Viviane; PÁSSARIO, Matheus. #Eutambemsouimigrante: entre o mito do Brasil hospitaleiro e a realidade xenófoba. Revista del CESLA – International Latin American Studies Review, Varsóvia, v. 22, p. 297-326, out. 2018.), apontando para a necessidade de algo mais que a mera presença de diversidade para a construção de espaços seguros e igualitários, de espaços interculturais.

Neste sentido, instituições educativas e promotoras da integração de grupos minoritários (como centros de acolhimento e escolas, por exemplo) podem representar uma expressão sensível para estas pessoas da posição da comunidade geral sobre sua própria existência. Isto porque muitas vezes nestes espaços vivem-se as primeiras experiências de contato com grupos diferentes dos seus de origem. Assim, estas instituições apresentam uma oportunidade de promover trocas que potencializam o desenvolvimento de todos os envolvidos ou de reproduzir desigualdades sociais já existentes.

Vigotski (2004)VIGOTSKI, Lev Semionovich. A Transformação Socialista do Homem. Tradução de Roberto Della Santa Barros. São Paulo: Marxists Internet Archive, 2004. Disponível em: <http://www.marxists.org>. Acesso em: 22 abr. 2021.
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propõe que experiências são fonte de desenvolvimento. Experiências em meio à diversidade são, diante de circunstâncias apropriadamente organizadas em termos educativos, fonte de desenvolvimento intercultural. A compreensão da teoria histórico-cultural do ser humano pode, em si, ser considerada como teoria em defesa do direito à pluralidade, dado que se centra na potência de desenvolvimento inerente às relações sociais. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo analisar as possíveis contribuições de Vigotski para uma educação intercultural. Para tal, discorre em um primeiro momento sobre interculturalidade, trazendo aportes da psicologia cultural e do modelo de multiculturalismo crítico. Em seguida, apresenta conceitos da teoria histórico-cultural que contribuem para pensar a organização de uma educação intercultural. Por fim, analisa experiências concretas de contextos educativos a fim de exemplificar como os conceitos discutidos podem ser trabalhados na prática.

Este estudo utiliza a concepção de método proposta por Vigotski, na qual ele é parte integrante do fio condutor que tece o raciocínio; uma vez que o método é a maneira de olhar os fenômenos, ele é também a própria teoria. Assim, este artigo parte da consideração da menor unidade de análise segundo a teoria histórico-cultural: a unidade pessoa-meio, ou seja, a vivência2 2 A vivência seria “[...] o prisma que refrata a influência do meio” sobre a pessoa (Vigotski, 2018, p. 78). . Entende-se que a vivência, ou perejivânie, é aquilo que se vive enquanto se atravessa a vida (Vigotski, 2018VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Organização e tradução: Zoia Prestes e Elizabeth Tunes; tradução: Cláudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018.). Dessa forma, são apresentadas teorias da interculturalidade de modo a dialogar com aquela proposta por Vigotski, a fim de buscar a compreensão das vivências de grupos culturalmente diversos à luz da teoria histórico-cultural.

Interculturalidade por quê?

A migração é frequentemente um tópico agregado às discussões de interculturalidade, seja porque processos migratórios trazem à luz a diversidade de forma mais explícita, ou por ser um tema de alta relevância. Atualmente, cerca de 3,5% da população mundial habita um país distinto de seu lugar de origem e, destas pessoas, cerca de 14% são crianças e jovens de até 20 anos (IOM, 2020IOM, International Organization for Migration. Informe sobre las Migraciones en el Mundo 2020. Genebra: International Organization for Migration, 2020. Disponível em: <https://publications.iom.int/books/informe-sobre-las-migraciones-en-el-mundo-2020>. Acesso em: 22 abr. 2021.
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). A migração, como um aspecto estrutural do desenvolvimento da espécie humana (Lucassen; Lucassen; Manning, 2010LUCASSEN, Jan; LUCASSEN, Leo; MANNING, Patrick. Migration History in World History: multidisciplinary approaches. Boston: Brill, 2010.), traz consigo diversas possibilidades e desafios. Dentre eles está confrontar-se com a diversidade e ter de traçar caminhos possíveis para geri-la. Na prática, esta gestão pode significar para 272 milhões de migrantes (IOM, 2020IOM, International Organization for Migration. Informe sobre las Migraciones en el Mundo 2020. Genebra: International Organization for Migration, 2020. Disponível em: <https://publications.iom.int/books/informe-sobre-las-migraciones-en-el-mundo-2020>. Acesso em: 22 abr. 2021.
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) o acesso, ou falta dele, a direitos básicos como moradia, assistência de saúde, educação e alimentação (Koser, 2010KOSER, Khalid. Dimensions and Dynamics of Irregular Migration. Population, Space and Place, Nova Jersey, v. 16, n. 3, p. 181-193, 2010.). Assim, ao implicar em arranjos sociais e negociações, o ato de migrar pode ser compreendido como ato político (Kunz, 2019KUNZ, Sarah. Expatriate, Migrant? the social life of migration categories and the polyvalent mobility of race. Journal of Ethnic and Migration Studies, London, v. 46, n. 11, p. 2145-2162, 2019.).

Ao falar de interculturalidade, no entanto, não nos restringimos à migração. Especialmente no Brasil, um país forjado a partir da violenta miscigenação entre povos indígenas, povos africanos, povos ciganos e povos europeus, é importante expandir este conceito. A naturalização da diversidade feita na constituição da identidade brasileira deu-se de forma hierarquizada, a delimitar tipos de diversidade mais ou menos aceitáveis e com mais ou menos acesso a direitos e privilégios (Riegel; Pássario, 2018RIEGEL, Viviane; PÁSSARIO, Matheus. #Eutambemsouimigrante: entre o mito do Brasil hospitaleiro e a realidade xenófoba. Revista del CESLA – International Latin American Studies Review, Varsóvia, v. 22, p. 297-326, out. 2018.). Assim, aproxima-se mais a uma perspectiva colonial3 3 Parte de um sistema de poder que se origina a partir do colonialismo e se perpetua como colonialidade (Maldonado-Torres, 2007). e se afasta da perspectiva intercultural4 4 Que implica não apenas a coexistência de diferentes culturas, ou seja, o multiculturalismo, mas a convivência em situação de reciprocidade. Na interculturalidade, não há produção de desigualdades a partir da cultura e sim um reconhecimento da igualdade na diferença. .

Por esta razão, compreende-se aqui interculturalidade por um recorte maior, delineado pela diversidade em vários aspectos (como raça, etnia, gênero, idade, orientação sexual...), conviventes em espaços promotores de relações de aceitação e desenvolvimento mútuo. A abrangência e a pluralidade deste tema refletem-se na variedade de teorias e conceitos encontrados na área, por vezes, também denominada multiculturalismo. Ressalta-se, contudo, que a escolha de termos e suas definições partem, entre outras coisas, de posições políticas (Holm; Zilliacus, 2009HOLM, Gunilla; ZILLIACUS, Harriet. Multicultural Education and Intercultural Education: is there a difference? In: TALIB, Mirja-Tytti; JYRKI, Loima; PAAVOLA, Heini; PATRIKAINEN, Sanna (Org.). Dialogues on Diversity and Global Education. Berlim: Peter Lang, 2009. P. 11-28.). Neste estudo, a perspectiva escolhida busca privilegiar a compreensão de interculturalidade relacionada à multiplicidade de vivências culturais em contexto de emancipação.

O contexto cultural, longe de ser apenas pano de fundo para o desenvolvimento de pessoas, as constitui e é constituído por elas. Como afirma Vigotski, em diversas passagens de sua obra, somos uma relação social conosco, somos o outro em nós (Vigotski, 2000VIGOTSKI, Lev Semionovich. Manuscrito de 1929. Psicologia concreta do homem. Educação & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 21-44, jul. 2000.; 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.; 2004VIGOTSKI, Lev Semionovich. A Transformação Socialista do Homem. Tradução de Roberto Della Santa Barros. São Paulo: Marxists Internet Archive, 2004. Disponível em: <http://www.marxists.org>. Acesso em: 22 abr. 2021.
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; 2007VIGOTSKI, Lev Semionovich. Pensamiento y Habla. Buenos Aires: Colihue, 2007.; 2018VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Organização e tradução: Zoia Prestes e Elizabeth Tunes; tradução: Cláudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018.). Em termos cognitivos, por exemplo, estudos demonstram que a forma de categorização de signos varia entre culturas ocidentais e culturas orientais: pessoas de culturas ocidentais, ao agrupar signos, mais frequentemente o fazem com base na similaridade de atributos percebida. Enquanto isso, para pessoas de culturas orientais este agrupamento costuma dar-se a partir de relações causais, temporais ou espaciais (Masuda; Nisbett, .MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard. Attending Holistically Versus Analytically: comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v. 81, n. 5, p. 922-934, maio 2001.001; Norenzayan et al., 2002NORENZAYAN, Ara; SMITH, Edward; KIM, Beom Jun Kim; NISBETT, Richard. Cultural Preferences for Formal Versus Intuitive Reasoning. Cognitive Science, Nova Jersey, v. 26, n. 5, p. 653-684, set. 2002.; Nisbett, 2003NISBETT, Richard. The Geography of Thought. Nova York: Free Press, 2003.; Ji; Zhang; Nisbett, 2004; Masuda .t al., 2008MASUDA, Takahiko; GONZALEZ, Richard; KWAN, Letty; NISBETT, Richard. Culture and Aesthetic Preference: comparing the attention to context of east asians and americans. Personality and Social Psychology Bulletin, Londres, v. 34, n. 9, p. 1260-1275, set. 2008.).

Esta diferença poderia ser explicada pelos distintos tipos de pensamento estruturados nas diferentes culturas. Em contraponto à perspectiva holística que prevalece no pensamento oriental, na qual a análise de objetos ou situações é feita pelo todo, ou seja, pelo objeto de foco nas relações que estabelece, o pensamento analítico ocidental tende a desconstruir o todo para focar nos detalhes considerados mais importantes (Masuda; Nisbett, .MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard. Attending Holistically Versus Analytically: comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v. 81, n. 5, p. 922-934, maio 2001.001; Nisbett, 2003NISBETT, Richard. The Geography of Thought. Nova York: Free Press, 2003.; Masuda .MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard. Attending Holistically Versus Analytically: comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v. 81, n. 5, p. 922-934, maio 2001.t al., 2008). Em situações quotidianas, esta diferença pode levar a percepções de mundo distintas, como demonstra a psicologia cultural. Segundo estudos da área (Miller, 1984MILLER, Joan. Culture and the Development of Everyday Social Explanation. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v. 46, n. 5, p. 961-978, nov. 1984.), pessoas de culturas individualistas, mais incidentes em países ocidentais e industrializados, tendem a atribuir a características pessoais a explicação de situações, enquanto a tendência de pessoas de culturas coletivistas seria explicá-las por características contextuais.

Em termos de desempenho, no estudo de Kitayama, Duffy, Kawaruma e Larsen (2003)KITAYAMA, Shinobu; DUFFY, Sean; KAWAMURA, Tadashi; LARSEN, Jeff. Perceiving an Object and its Context in Different Cultures: a cultural look at new look. Psychological Science, Los Angeles, v. 14, n. 3, p. 201-206, 2003., os autores demonstraram que pessoas de culturas individualistas seguem com mais precisão tarefas absolutas que tarefas relativas, e o contrário para pessoas de culturas coletivistas. Neste caso, ao se tratar da reprodução de uma imagem em um espaço menor, o primeiro grupo o fazia de maneira mais aproximada ao receber a instrução de desenhá-la do mesmo tamanho que a imagem original (tarefa absoluta) em contraponto aos que receberam a instrução de desenhá-la de forma proporcional ao espaço reduzido (tarefa relativa). Adicionalmente, Hedden, Ketay, Aron, Markus e Gabrieli (2008)HEDDEN, Trey; KETAY, Sarah; ARON, Arthur; MARKUS, Hazel Rose; GABRIELI, John. Cultural Influences on Neural Substrates of Attentional Control. Psychological Science, Los Angeles, v. 19, n. 1, p. 12-17, jan. 2008. reportaram diferenças entre pessoas asiáticas e estadunidenses no cumprimento deste tipo de tarefas, acusando maior nível de atenção para asiáticos ao executar tarefas absolutas e maior nível de atenção para estadunidenses em tarefas relativas.

É importante pontuar que, ao mencionar sujeitos de culturas coletivistas ou individualistas e falar de tendências do desenvolvimento destas pessoas, não as estamos limitando, traçando caminhos obrigatórios de subjetivação. Para além da cultura nacional ou grupal, há uma série de influências internas e externas que influenciam estes processos. Portanto, os estudos apontados apenas indicam caminhos privilegiados, ou seja, mais frequentes, de subjetivação e desenvolvimento cognitivo em determinadas culturas. Assim sendo, um integrante de uma cultura coletivista pode apresentar características associadas com culturas individualistas e vice-versa, especialmente em um mundo globalizado.

Para além da percepção do mundo externo e da execução de tarefas, a cultura influencia a própria construção identitária dos sujeitos que dela fazem parte. O self, que pode ser definido como um senso de consciência e agência em contínuo desenvolvimento, é o que baseia a realidade psíquica de cada um. No entanto, não se trata de um ente isolado e rígido. Além de ter raízes biológicas e socioculturais, a pessoa está sempre situada e de alguma forma reflete seu contexto (Markus; Kitayama, 2010MARKUS, Hazel; KITAYAMA, Shinobu. Cultures and Selves: a cycle of mutual constitution. Perspectives on Psychological Science, Washington, v. 5, n. 4, p. 420-430, ago. 2010.). Markus e Kitayama (1991)MARKUS, Hazel; KITAYAMA, Shinobu. Culture and The Self: implications for cognition, emotion, and motivation. Psychological Review, Washington, v. 98, n. 2, p. 224-253, jul. 1991., partindo da autodefinição de participantes, propuseram os conceitos de self interdependente, ligado majoritariamente a culturas coletivistas, e self independente, ligado a culturas individualistas. O primeiro seria a noção de self conectado com o contexto social, enquanto o segundo se percebe separado dele. Isso não significa que haja de fato uma separação da pessoa e seu contexto, mas que a percepção sobre a sua identidade se pauta em aspectos atribuídos mais a características internas que sociais. Zhu, Zhang, Fan e Han (2007)ZHU, Ying; ZHANG, Li; FAN, Jin; HAN, Shihui. Neural Basis of Cultural Influence on Self-Representation. NeuroImage, Amsterdam, v. 34, n. 3, 1310-1316, fev. 2007. puderam demonstrar, a partir de ressonâncias magnéticas, a ativação do córtex pré-frontal mediante estímulos referentes ao self de participantes chineses e ocidentais. Ao dar-lhes estímulos referentes a suas mães, contudo, apenas participantes chineses tiveram esta mesma zona cerebral ativada, demonstrando a influência do meio social no funcionamento biológico.

Estes estudos exemplificam a complexidade das relações entre cultura, grupos e pessoas. Deste modo, indicam também a necessidade de desenvolver, principalmente em contextos educativos, um trabalho extenso e de qualidade para possibilitar uma convivência pacífica e proveitosa para todas as pessoas em contextos de diversidade, sempre na defesa da dignidade e dos direitos humanos. Ao contrário do que propõe a perspectiva colonial, contudo, tal trabalho não se limita à intervenção junto às comunidades minoritárias para promover sua assimilação em uma sociedade de regras fechadas. Projetos interculturais devem abarcar a diversidade como potência a ser explorada, como meio e fim dos processos de integração, a fim de não ser conivente com o apagamento de identidades não hegemônicas diante da justificativa de inclusão (Fanon, 2001FANON, Frantz. Los Condenados de la Tierra. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2001.).

Para tal, é necessário adaptar sistemas e educar grupos dominantes ao mesmo tempo em que grupos minoritários são acompanhados para encontrar respostas às suas necessidades imediatas. A promoção de diálogos interculturais demanda abertura de todas as partes envolvidas, como explica o Modelo de Concordância de Aculturação (Concordance Model of Acculturation - CMA). Ao haver um encontro intercultural, membros de ambas as culturas enfrentam, com maior ou menor grau de agência, o desejo de manutenção de sua cultura e o desejo de contato com o exogrupo5 5 Grupo externo, em contraste ao endogrupo (grupo do qual se faz parte), de acordo com a psicologia social. . A partir das interações pautadas nestes desejos, ocorre uma série de mudanças a nível grupal e individual para todas as partes envolvidas (Berry, 2005BERRY, John Widdup. Acculturation: living successfully in two cultures. International Journal of Intercultural Relations, Ontário, v. 29, n. 6, p. 697-712, out. 2005.). Estas mudanças caracterizam a aculturação, um processo psicológico dual. A nível grupal este processo pode levar anos ou até mesmo gerações, isto porque se deve à acomodação mútua entre as normas culturais e sociais dos dois grupos, ou seja, às mudanças que ocorrem em ambos devido ao contato prolongado entre eles (Berry et al., 1989BERRY, John Widdup; KIM, Uichol; POWER, Steven; YOUNG, Marta; BUJAKI, Merridee. Acculturation Attitudes in Plural Societies. Applied Psychology: an international review, Kingston, v. 38, n. 2, p. 185-206, abr. 1989.).

Isto indica que mesmo aqueles que buscam se fechar na própria cultura e evitar influências culturais alheias acabam por também fazer parte do processo de aculturação a nível coletivo e, consequentemente, por ser afetados a nível individual pela diversidade presente no contexto. A preferência apresentada pelo grupo majoritário sobre a estratégia de aculturação costuma depender do tamanho das diferenças culturais entre os grupos (Berry, 1987BERRY, John Widdup. Acculturation and Psychological Adaptation: a conceptual overview. In: BERRY, John Widdup; ANNIS, Robert (Org.). Ethnic Psychology: research and practice with immigrants, refugees, native peoples, ethnic groups and sojourners. Amsterdam: Swets & Zeitlinger, 1987. P. 41-52.). Grandes diferenças culturais podem causar desacordo em relação à manutenção da cultura original dos grupos minoritários, o que, por sua vez, pode apresentar uma ameaça à sua identidade. Paralelamente, a identidade dos membros do grupo majoritário também pode se ver ameaçada se a minoria insistir em manter seus diferentes valores culturais nesta situação. O CMA defende que a discordância nas atitudes de aculturação frequentemente leva a conflitos intergrupais e impacta o bem-estar psicológico de integrantes de ambos os grupos (Roccas; Horenczyk; Schwartz, 2000ROCCAS, Sonia; HORENCZYK, Gabriel; SCHWARTZ, Shalom. Acculturation Discrepancies and Well-Being: the moderating role of conformity. European Journal of Social Psychology, Nova Jersey, v. 30, n. 3, p. 323-334, maio/jun. 2000.).

Um dos pontos centrais do modelo é que as atitudes de aculturação são definidas não pelas preferências de aculturação em si, mas pela ameaça percebida por cada grupo (Piontkowski; Rohmann; Florack, 2002PIONTKOWSKI, Ursula; ROHMANN, Anette; FLORACK, Arnd. Concordance of Acculturation Attitudes and Perceived Threat. Group Processes & Intergroup Relations, London, v. 5, n. 3, p. 221-232, Jul. 2002.). Fatores como preconceito e antagonismo podem ser gerados por diferenças notadas nas crenças e valores do exogrupo e chegar a influenciar as estratégias escolhidas por cada um (Rokeach; Smith; Evans, 1960ROKEACH, Milton; SMITH, Patricia; EVANS, Richard. Two Kinds of Prejudice or One? In: ROKEACH, Milton (Org.). The Open and Closed Mind. Nova York: Basic Books, 1960. P. 132-168.; Schwartz; Struch; Bilsky, 1990SCHWARTZ, Shalom; STRUCH, Naomi; BILSKY, Wolfgang. Values and Intergroup Social Motives: a study of Israeli and German students. Social Psychology Quarterly, Nova York, v. 53, n. 3, p. 185-198, set. 1990.). Em outras palavras, a percepção subjetiva dos membros de cada grupo, embora possa não condizer com a realidade, é um dos fatores geradores da possível avaliação negativa e ameaçadora nas relações interculturais (Piontkowski; Rohmann; Florack, 2000PIONTKOWSKI, Ursula; ROHMANN, Anette; FLORACK, Arnd. Concordance of Acculturation Attitudes and Perceived Threat. Group Processes & Intergroup Relations, London, v. 5, n. 3, p. 221-232, Jul. 2002.).

Não é necessário, no entanto, que haja um discurso abertamente discriminatório para que as posições de um grupo sejam percebidas como ameaçadoras pelo outro. Mesmo projetos que se propõem a ser interculturais ou multiculturais podem estar estruturados a partir de uma perspectiva mantenedora das relações de poder em vez de promover a coexistência de múltiplas culturas em relações recíprocas, igualitárias, sem hierarquia ou opressão. Neste tema, McLaren (2000aMCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Editora Cortez, 2000a.; 2000b)MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000b. classifica quatro níveis de paradigmas multiculturais: (i) conservador, (ii) humanista liberal, (iii) de esquerda liberal e (iv) crítico ou de resistência. A divisão parte do princípio de que, se o multiculturalismo é a coexistência de diferentes culturas, ele pode ser então classificado pelo nível de igualdade entre elas, categorizando-se da categoria mais opressora à menos.

O multiculturalismo conservador é aquele no qual se compreende que todas as sociedades partilham um sentido comum de desenvolvimento e evolução, de um estágio inferior a um estágio superior, em direção a uma cultura única que chegará ao fim dos estágios evolutivos. Por sua vez, o multiculturalismo humanista liberal apresenta um paradigma formalista baseado na premissa de que todas as pessoas são iguais perante a lei; no entanto, nesta categoria se ignora a produção de desigualdades com base nas relações sociais hierárquicas. No multiculturalismo liberal de esquerda, essencializa-se a cultura, e há uma defesa da diversidade; contudo, esta defesa não se propõe a trabalhar sobre a produção de desigualdades, uma vez que as percebe como inerentes à diversidade. Por fim, o multiculturalismo crítico e de resistência defende que existem relações de poder construídas assimetricamente nas sociedades; estas geram desigualdades sociais, econômicas e políticas, que devem ser destruídas. Portanto, o último é o paradigma que propõe um trabalho efetivo para a desconstrução da desigualdade, enquanto permite e valoriza a diversidade (McLaren, 2000aMCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Editora Cortez, 2000a.; 2000bMCLAREN, Peter. Multiculturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000b.).

Embora as perspectivas liberais de multiculturalismo reconheçam o direito à liberdade cultural, não se engajam na garantia das condições para que os diferentes seres possam exercê-la sem prejuízo (McLaren, 2000aMCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Editora Cortez, 2000a.; 2000bMCLAREN, Peter. Multiculturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000b.). Reconhecer a possibilidade das diferenças e a legitimidade formal de sua existência não basta para que se possa expressá-las em qualquer contexto sem que isso represente um risco. Para promover igualdade de oportunidades e condições em um sistema desigual, é necessário questionar a própria base deste sistema e a colonialidade que o constitui.

A colonialidade, apesar de consequência dele, não é sinônimo de colonialismo. O último denota uma relação política e econômica na qual a soberania de um povo é subordinada ao poder de outra nação; já a colonialidade é um padrão de poder que surge no colonialismo, mas que não se limita ao poder nacional, referindo-se a uma forma de trabalho, conhecimento, constituição de identidade, entre outros (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramon (Org.). El Giro Decolonial – reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre, 2007. P. 127-168.). A colonialidade sobrevive ao colonialismo. Neste sentido, colonialidade do ser e do saber geram, como bem explica Fanon (1973)FANON, Frantz. Piel Negra, Máscaras Blancas. Buenos Aires: Editorial Abraxas, 1973., a necessidade de que a pessoa colonizada desenvolva sua identidade como uma cópia da colonizadora, mas ela, no entanto, nunca poderá ser aceita como igual.

Fanon (2001)FANON, Frantz. Los Condenados de la Tierra. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2001. elabora sobre a vivência da pessoa colonizada, explicando que esta percebe a vida não como um florescimento de sua criatividade, mas como uma luta permanente contra a morte onipresente6 6 Mort atmosphérique (Fanon, 2001, p. 115). . Esta morte é definida como a ameaça constante da fome, do desemprego, dos altos índices de mortalidade, da inferioridade e da ausência de esperança no futuro. A pessoa colonizada, assim como aquela que vive em um país considerado subdesenvolvido ou como qualquer pessoa despossuída vive não uma vida plena, mas sim uma morte incompleta (Fanon, 2001FANON, Frantz. Los Condenados de la Tierra. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2001., p. 115).

Para que todas as pessoas tenham o direito de se desenvolver integral e plenamente, com direito à diferença, mas também à não-desigualdade, é necessário superar a colonialidade e promover a interculturalidade. Isso é, é necessário elaborar relações, principalmente no âmbito educativo, de reciprocidade e colaboração, de emancipação e superação da opressão. A interculturalidade, então, aparece não meramente como normatividade, como um dever-ser, mas como uma proposta de convivialidade, de organização dos espaços, das relações, das identidades, do conhecimento, uma estrutura que possibilita vivências de igualdade. Ela é valor, princípio de ação, que guia o ser em relação com o mundo.

Desta forma, podemos entender que há uma forma intercultural de relação com o conhecimento (em que não se privilegia o que se produz em uma cultura, como no eurocentrismo acadêmico, e sim se reconhece a contribuição de diversas culturas) e com o comportamento (em que não se determina que há uma única maneira de ser civilizado, estigmatizando o outro como bárbaro), por exemplo. A interculturalidade não é dogma ou razão, ela é cosmovisão e, portanto, se materializa na práxis.

Educação, Inculcação e Interculturalidade

A educação é um dos campos em que a perspectiva colonial de nossa sociedade se torna mais evidente. Ela é espaço privilegiado de reprodução de um arcabouço material e cultural para a manutenção do status quo, lugar central na socialização política dos que constituem um grupo, como expõem Marx e Engels (2001)MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ao defender que o poder material e o poder intelectual estão interligados. Isto porque os pensamentos dominantes em determinada época são aqueles da classe dominante, uma vez que esta detém os meios de produção intelectual.

Ao longo da história, as relações de força entre classes vão cada vez mais se escondendo, e a atual consagração escolar oculta, de modo sutil, técnicas brutais de imposição de força. Embora tenham chegado ao poder por meio da violência, as classes dominantes progressivamente constroem, na cultura, justificativas para manter seu status, sem precisar recorrer repetidamente a meios físicos de opressão (Bourdieu; Passeron, 1970BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução. São Paulo: Francisco Alves, 1970.).

Neste sentido, toda ação pedagógica pode ser compreendida como uma violência simbólica, dado que impõe um arbitrário cultural (a cultura do grupo que arbitrariamente acedeu ao poder), utilizando-se de um poder arbitrário (constituído historicamente pela força). Igualmente, o próprio contexto no qual se dá a comunicação dessa ação pedagógica é arbitrariamente imposta pelo grupo hegemônico (Bourdieu; Passeron, 1970BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução. São Paulo: Francisco Alves, 1970.). Em outros termos, tanto as disciplinas escolares quanto a estrutura escolar são arbitrários culturais, imposições de um funcionamento definido por grupos dominantes.

O verdadeiro sociógogo7 7 Sociogogia seria um sinônimo de pedagogia, utilizado para evidenciar o caráter essencialmente cultural/social da disciplina. , isto é, o educador – e não o gramofone – sempre é político. A educação de reflexos sociais é a educação de uma linha de conduta social do organismo, ou seja, a educação política. A pedagogia (a Sociogogia) nunca foi apolítica, pois o trabalho sobre a psique (os reflexos sociais) sempre inculcou, querendo ou não, esta ou aquela linha social, isto é, política, em correspondência com os interesses da classe social dominante que a guiavam

(Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 302, grifos dos autores).

Como parte deste processo de manutenção do poder hegemônico, a educação e as instituições inculcam uma cosmovisão que, além de elitista, é racista e tem um forte sesgo cultural eurocêntrico. Para construir uma educação verdadeiramente emancipadora, integral, que permite e fomenta o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, é necessário descolonizar a educação e torná-la intercultural.

A educação é o encontro entre desenvolvimento humano e filosofia. Por um lado, é necessário conhecer e respeitar os processos do desenvolvimento humano, entender a periodização do desenvolvimento, a organização das funções psíquicas culturais8 8 Funções psíquicas complexas, desenvolvidas em relação com a cultura. Esta expressão é comumente traduzida na obra de Vigotski como funções psíquicas superiores, porém optamos pela expressão funções psíquicas culturais para evidenciar sua gênese e evitar a possibilidade de uma leitura equivocada. . Por outro, é necessário que essa educação atenda a um fim, o qual é necessariamente filosófico, moral, cultural. Não é a biologia que determina o destino da cultura humana, e sim a própria cultura, pelo que “[...] a psicologia não pode fornecer diretamente nenhum tipo de conclusões pedagógicas” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 41). Sem dúvidas, é essencial que a educação seja informada pelo conhecimento profundo da pedologia9 9 Ciência do desenvolvimento infantil. , porém, também é necessária enorme atenção aos valores nos quais se educa. “A natureza psicológica do processo educativo é a mesma se desejarmos educar um fascista ou um proletário revolucionário” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 80).

O ser humano tem infinitas possibilidades de desenvolvimento de suas funções culturais. A educação precisa ser capaz de permitir este desenvolvimento integral e contribuir na criação das possibilidades de emancipação humana. Para tal, ela necessita ser intercultural, já que seu fundamento são as relações que acontecem em meio à cultura e suas trocas. Isto é, é essencial levar em conta e valorizar as diferenças entre todas as pessoas e possibilitar o desenvolvimento de todas elas. A educação deve ser capaz de abarcar a diversidade na entrada e na saída de todos os processos educativos, ou seja, acolher todas as pessoas (sem exclusão, por exemplo, de pessoas com deficiência, ou com comportamentos considerados socialmente desajustados) e valorizar a heterogeneidade e a equidade (sem impor a homogeneização, seja de formas e tempos de aprendizagem, seja de comportamentos, valores ou identidades).

É verdade que educamos para a vida, que esta é o árbitro supremo, e que nossa meta não é inocular virtudes escolares especiais, mas comunicar hábitos e capacidade de viver. [É verdade que] a incorporação à vida é nosso objetivo final, mas na vida existem hábitos muito diferentes e essa incorporação pode ter características muito diversas. Não podemos assumir uma atitude indiferente nem igual com relação a todos seus elementos, nem podemos dizer que sim a tudo, só porque isso existe na vida

(Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 77).

Um país tão diverso desde suas origens, como o Brasil, precisa urgentemente colocar no centro de seu debate educativo a possibilidade de apropriação dos bens culturais para o desenvolvimento humano. E, calcado em políticas tão violentas, também desde sua gênese, precisa entender o valor inerente da diversidade e desenvolver a interculturalidade não só na educação, mas em toda a construção de uma convivência que permita a emancipação de seu povo.

As Contribuições de Vigotski para uma Educação Intercultural

A interculturalidade, nestes termos, não foi tema do trabalho de Vigotski, dadas as limitações históricas. Entretanto, o autor acena a este tema, ao defender a elaboração, na educação, de novas formas de conduta, mais elevadas, em seu conceito de sociogênese do desenvolvimento cultural. A partir de suas bases, entendemos a importância de uma educação de caráter intercultural, de relação entre diferenças. A sociogênese nos explica o social em nós, os componentes não estrita e limitantemente biológicos da personalidade e das nossas formas de conduta social, que são dialeticamente culturais, em relação com o meio. Assim, também nos indica, por meio de suas raízes filosófica-spinozistas e epistemológica-marxistas, como criar as possibilidades para o desenvolvimento da interculturalidade.

A cultura, para Vigotski, é mais que mero pano de fundo para o desenvolvimento global do ser humano; ela o integra de modo inseparável ao tornar-se parte da própria personalidade e a ela agregar novos sistemas psicológicos (Vygotski, 1995VYGOTSKI, Lev Semionovich. Obras Escogidas Tomo III. Madrid: Visor, 1995.). Sendo as funções psíquicas culturais inicialmente sociais, o aspecto cultural organiza todas as relações a partir das quais se dará o desenvolvimento individual e coletivo. Assim, não é possível falar de desenvolvimento sem falar necessariamente de cultura.

A partir desta reflexão, há de considerar-se também a concepção de cultura como sistema vivo, dinâmico, em meio à realidade e à necessidade de quem a vive. É possível, portanto, traçar um paralelo entre a teoria histórico-cultural e as teorias propostas pela psicologia cultural ao compreender, primeiramente, que ambientes diversos em cultura (no sentido extenso da palavra) geram um processo de aculturação de grupos majoritários tanto quanto de grupos minoritários (Berry, 1987BERRY, John Widdup. Acculturation and Psychological Adaptation: a conceptual overview. In: BERRY, John Widdup; ANNIS, Robert (Org.). Ethnic Psychology: research and practice with immigrants, refugees, native peoples, ethnic groups and sojourners. Amsterdam: Swets & Zeitlinger, 1987. P. 41-52.; Piontkowski; Rohmann; Florack, 2002PIONTKOWSKI, Ursula; ROHMANN, Anette; FLORACK, Arnd. Concordance of Acculturation Attitudes and Perceived Threat. Group Processes & Intergroup Relations, London, v. 5, n. 3, p. 221-232, Jul. 2002.). Tudo o que é cultural é também, necessariamente, social. Isto porque todo signo, toda ferramenta separada do organismo, serve ao meio social (Vygotski, 1995VYGOTSKI, Lev Semionovich. Obras Escogidas Tomo III. Madrid: Visor, 1995.).

Daí o segundo paralelo, a partir do conceito de sociogênese das formas superiores de comportamento, uma vez que os estudos em cognição da psicologia cultural demonstram as diferenças em termos de ativação cerebral a partir das vivências em diferentes culturas (Masuda; Nisbett, .MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard. Attending Holistically Versus Analytically: comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, v. 81, n. 5, p. 922-934, maio 2001.001; Zhu et al., 2007ZHU, Ying; ZHANG, Li; FAN, Jin; HAN, Shihui. Neural Basis of Cultural Influence on Self-Representation. NeuroImage, Amsterdam, v. 34, n. 3, 1310-1316, fev. 2007.; Hedden et al., 2008HEDDEN, Trey; KETAY, Sarah; ARON, Arthur; MARKUS, Hazel Rose; GABRIELI, John. Cultural Influences on Neural Substrates of Attentional Control. Psychological Science, Los Angeles, v. 19, n. 1, p. 12-17, jan. 2008.). Segundo Vigotski, a mudança nas relações sociais traz mudanças também para “ideias, padrões de comportamento, exigências e gostos” (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Lev Semionovich. A Transformação Socialista do Homem. Tradução de Roberto Della Santa Barros. São Paulo: Marxists Internet Archive, 2004. Disponível em: <http://www.marxists.org>. Acesso em: 22 abr. 2021.
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, p. 10), o que indica que uma real educação intercultural não significa ensinar em disciplinas escolares somente algum tema sobre outra cultura. Pelo contrário, requer que a educação como um todo seja intercultural, que a interculturalidade seja transversal, com vista à alteração das relações sociais e objetivando promover o desenvolvimento de seres interculturais.

Sobre a sociogênese das funções psíquicas complexas, Vygotski (1995)VYGOTSKI, Lev Semionovich. Obras Escogidas Tomo III. Madrid: Visor, 1995. defende que a participação na cultura não apenas propicia que a pessoa aprenda algo, que assimile aprendizagens e se enriqueça. Além disso, a participação na cultura reelabora a composição natural da psique e reorienta todo o curso do desenvolvimento da pessoa. Deste modo, é no social que se dá a origem das funções psíquicas complexas.

Por isso, o desenvolvimento ocorre potencializado pelas experiências. Assim, demanda espaço para as vivências de múltiplas experiências, sejam elas indivíduo-sociais, afeto-intelectivas ou históricas. Na mesma medida, demanda liberdade para significar estas vivências de diferentes formas no contexto social.

Já vimos que o único educador capaz de formar novas reações no organismo é a própria experiência. Para o organismo, só é real o vínculo que ocorreu em sua experiência pessoal. Por isso, a experiência pessoal do educando transforma-se na principal base do trabalho pedagógico. A rigor, do ponto de vista científico, não se pode educar a outrem [diretamente]

(Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 75).

O desenvolvimento cultural da pessoa acontece em meio ao social, enraizado nas experiências culturais, que são diversas, e são então interiorizadas como parte integrante da personalidade, ou nas palavras de Vigotski: “[…] através dos outros, constituimo-nos” (Vigotski, 2000VIGOTSKI, Lev Semionovich. Manuscrito de 1929. Psicologia concreta do homem. Educação & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 21-44, jul. 2000., p. 25). É por isso que, para educar em interculturalidade, é necessário educar interculturalmente. São as relações sociais interculturais, as vivências da interculturalidade no ambiente social, que poderão ser verdadeiramente incorporadas pelo educando a partir de sua própria vivência cultural. A diversidade, nesta perspectiva, é um campo rico de desenvolvimento, desde que haja a liberdade plena para vivenciá-la com segurança.

Podemos formular la ley genética general del desarrollo cultural del siguiente modo: toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos; primero en el plano social y después en el psicológico; al principio entre los hombres como categoría interpsíquica y luego en el interior del niño como categoría intrapsíquica

(Vygotski, 1995VYGOTSKI, Lev Semionovich. Obras Escogidas Tomo III. Madrid: Visor, 1995., p. 150).

A descoberta transformadora de Vigotski na pedologia é, portanto, a gênese social do desenvolvimento cultural. Em outras palavras, tudo aquilo que é próprio do ser humano, que é um desenvolvimento para além do estritamente biológico, se desenvolve no meio cultural em relação com o outro. Paralelamente, a sociogênese elucida a importância da educação no desenvolvimento cultural. Isso porque, uma vez que os signos, significados e sentidos são incorporados pela pessoa em relação com o meio e nas relações entre pessoas, há a oportunidade de, como educadores, organizar-se ambientes de aprendizagem promotores do desenvolvimento de pessoas em uma perspectiva de emancipação humana. Assim, Vigotski nos lembra da possibilidade, em termos de práxis, da transformação social da humanidade e do papel da educação nela ao dizer que “[...] a meta da educação não é a adaptação ao ambiente já existente, que pode ser efetuada pela própria vida, mas a criação de um ser humano que olhe para além de seu meio” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 77).

O desenvolvimento cultural do ser humano é necessariamente dialético, ou seja, ocorre na relação deste com o meio, em um processo de superação das contradições vivenciadas pela pessoa. Assim também se dá a atribuição de novos sentidos para as vivências relacionadas à interculturalidade. É necessário vivenciá-las, perceber a contradição entre o significado externo, atribuído pelo meio, e o que se entende da situação no momento. A partir desta dialética então, elabora-se um novo sentido para a vivência, o que cria condições para o desenvolvimento da personalidade.

A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros. Este é o processo de constituição da personalidade. Daí está claro, porque necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os outros, aquilo que agora é para si

(Vigotski, 2000VIGOTSKI, Lev Semionovich. Manuscrito de 1929. Psicologia concreta do homem. Educação & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 21-44, jul. 2000., p. 24).

É importante ressaltar que a vivência da pessoa é constituída não diretamente pelo meio, ou pela experiência, e sim pela relação que ela estabelece com este meio. Ela é a unidade indivisível pessoa-meio, “[...] uma unidade na qual se representa, de modo indivisível, por um lado, o meio, o que se vivencia – a vivência está sempre relacionada a algo que está fora da pessoa –, e, por outro lado, como eu vivencio isso” (Vigotski, 2018VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Organização e tradução: Zoia Prestes e Elizabeth Tunes; tradução: Cláudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018., p. 78). Assim, não basta, como pessoa que educa, organizar ambientes de trocas culturais para serem experimentados pelos estudantes: a vivência requer que se elabore o sentido da interculturalidade, no que diz respeito a ela, em cada relação específica estudante-meio.

Vigotski (2007)VIGOTSKI, Lev Semionovich. Pensamiento y Habla. Buenos Aires: Colihue, 2007. explica, do ponto de vista genético, a significação e a atribuição de sentidos para a criança, que ocorre em meio às experiências. Esse seria o caminho para a efetiva internalização de relações interculturais. Todo saber necessita passar pela experiência pessoal; e “[...] acima de tudo, educar significa estabelecer novas reações, elaborar novas formas de conduta” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 76).

Uma vez que a aprendizagem ocorre em relação dialética, na contradição que a pessoa vivencia, não são, estritamente falando, as e os educadores que educam estudantes, e sim estes que se educam em relação com as pessoas e com o meio. Isso não sequestra a função do professor, porém a determina: cabe a quem educa organizar intencionalmente os ambientes de aprendizagem. Educadores são impotentes para alterar algo em estudantes, para influenciá-los, mas são onipotentes ao criar o ambiente social, a “autêntica alavanca do processo educativo” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 76), o meio que possibilitará o desenvolvimento da pessoa.

Ao explicar tal função do educador, Vigotski também a amplia, pois se é através do meio que se aprende, não basta declamar conteúdos. Já que toda a vivência constitui aprendizagem, a organização do espaço deve dar-se no sentido de privilegiar um contexto de experimentação de vivências, não de absorção de informações. Assim, pouco serve tentar ensinar democracia se isso é feito de maneira autoritária. Também não seria efetivo tentar ensinar interculturalidade em ambientes culturalmente limitantes. Só é possível pensar em novos sentidos a partir de novas experiências em que o meio é modificado. A prática pedagógica, nesse sentido, exige tal coerência.

Por isso, o trabalho de professores é de grande complexidade. A boa professora, o bom professor, não é aquela ou aquele que repete conteúdos, nem mesmo a pessoa que inspira estudantes, mas sim quem compreende profundamente as leis da pedologia, da psicologia pedagógica, da educação. Ademais, compreendendo-as, organiza ambientes sociais que permitam que a pessoa percorra seu caminho de desenvolvimento cultural na direção da transformação humana.

A criança recém-nascida é uma condensação da experiência anterior, uma biologia pura, e que durante vários anos de seu desenvolvimento realmente deve percorrer todo o caminho seguido pela humanidade, do macaco ao aeroplano.

Toda a diferença reside no fato de que esse caminho é percorrido pela criança com suas próprias pernas e não de forma paralela aos caminhos da história. Se levarmos em conta a enormidade desse caminho, é compreensível que a criança tenha de realizar uma luta cruel contra o mundo e, nessa luta, o professor terá de pronunciar a palavra decisiva

(Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 302).

Para fazê-lo, é necessário organizar experiências transformadoras voltadas para o desenvolvimento humano. A alavanca para essa organização passa pela criação de ambientes desafiadores, pois ocorre quando a pessoa se encontra em posição desconfortável: quanto maior a tensão no desconforto, mais natural e irresistível é o ímpeto pedagógico (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.). Essa ideia, de certa forma, resolve um dos grandes debates educativos atuais: não se trata de o professor apenas propor atividades que agradam a pessoa que estuda (deixando-a passiva, cômoda, em sua zona de conforto), e nem de que a pessoa que educa seja uma tirana autoritária (ensinando formas de comportamento opressoras), e sim de que propiciem o desenvolvimento de estudantes nas bases da diversidade e da riqueza das diferenças singulares.

Este processo se dará desafiando-os na exata medida do que ainda não sabem realizar sozinhos, mas que já podem fazê-lo com auxílio pedagógico. “Do ponto de vista psicológico, o professor é o organizador do meio social educativo, o regulador e o controlador de suas interações com o educando” (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 76).

Por uma Educação Intercultural: prática e perspectiva

Vigotski nos ensina que nós, os seres humanos, somos constituídos na relação com o outro, que o saber que não passa pela experiência pessoal não é saber e que educar significa elaborar novas formas de conduta (Vigotski, 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.). Ao explicar-nos a sociogênese das formas psíquicas culturais, convida-nos a organizar ambientes educativos nos quais se possibilita a experiência da interculturalidade, de forma que esta possa ser vivenciada em si – para o outro – para si, como afirmado anteriormente.

Uma educação intercultural, portanto, não é aquela que propõe conteúdos sobre as diferentes culturas, mas aquela que se constrói coletivamente e socialmente, por meio de partilhas de experiências interculturais. É aquela que organiza ambientes de relações recíprocas e respeitosas, valorizando as diferenças e incentivando a emancipação humana. A partir dos conceitos apresentados da interculturalidade e da teoria histórico-cultural, apresentaremos a seguir duas experiências educativas que exemplificam possibilidades práticas para a educação intercultural. Aqui, entende-se que as pessoas participantes dos projetos educativos apresentados constituem parte da diversidade cultural, demandando processos educativos singulares que valorizem suas idiossincrasias.

A primeira destas experiências é do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), que acolhe em suas sedes de Glória do Goitá (PE) e Ibimirim (BA) estudantes adultos de todo o Brasil interessados em seus cursos de técnico em agroecologia. Sua proposta é apoiar o desenvolvimento local rural, garantindo o fortalecimento de comunidades do interior do Brasil a partir da agricultura familiar, e, por isso, se trabalha com estudantes com o perfil de líderes comunitários.

Nascido do movimento da igreja progressista, das bases da teologia da libertação, o Serta tem um histórico de educação popular que possibilitou a criação de uma metodologia própria. Esta é resultado das experiências e experimentações ao lado de agricultores, movimentos sociais e governos.

Ao longo de um ano e meio de curso, estudantes vivenciam o aprendizado teórico e prático de diversas áreas correlatas à agroecologia. Ao mesmo tempo, têm vivências relacionais, sociais e humanas igualmente promotoras de desenvolvimento. A partir de uma proposta de Pedagogia da Alternância, estudantes passam uma semana em imersão e formação na escola, em seus diferentes ambientes, em intensa convivência. Nas outras três semanas, permanecem em aplicação e intervenção em sua própria residência, aplicando em sua comunidade os aprendizados. Neste período de distância física do prédio escolar, ocorre também, de forma regular, a visita técnica de um/uma professor/a, que acompanha o desenvolvimento de cada estudante. “A intervenção na comunidade, no entorno, nas circunstâncias, faz parte da aprendizagem, como faz parte o desenvolvimento pessoal e social dos participantes do processo de formação” (Moura, 2003MOURA, Abdalaziz. Princípios e Fundamentos da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável – PEADS: uma proposta que revoluciona o papel da escola diante das pessoas, da sociedade e do mundo. Glória do Goitá: Serviço de Tecnologia Alternativa, 2003., p. 61).

A partir de sua larga experiência promovendo um conhecimento que acolhe e se beneficia de todos os saberes das pessoas em relação educativa direta e daquelas que estão em suas comunidades, o Serta criou a PEADS, Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável. Sua metodologia se dá em quatro etapas: 1) Ver, observar, levantar informações, pesquisar, identificar os primeiros conhecimentos que as pessoas já têm sobre um objeto; 2) Analisar, desenvolver, desdobrar os dados da pesquisa, aprofundar, elevar o patamar do conhecimento trazido pelas pesquisas; 3) Transformar em ação o conhecimento constituído, intervir na comunidade a partir do conhecimento novo, devolver o conhecimento produzido para quem ajudou a gerá-lo; e 4) Auto-avaliar e heteroavaliar os processos, os conteúdos e as pessoas envolvidas no processo de construção da aprendizagem e das ações (Moura, 2003MOURA, Abdalaziz. Princípios e Fundamentos da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável – PEADS: uma proposta que revoluciona o papel da escola diante das pessoas, da sociedade e do mundo. Glória do Goitá: Serviço de Tecnologia Alternativa, 2003.).

Por meio do que possibilita esta metodologia, a experiência educativa do Serta promove uma conexão e uma relação direta entre o saber popular, que estudantes trazem para a sala de aula e que vivenciam em suas comunidades, e o saber acadêmico, que é apresentado pelos técnicos e professores tanto ao longo das jornadas presenciais na escola como nas visitas aos espaços residenciais de estudantes. Esta relação horizontal, de colaboração mútua e de valorização dos diferentes saberes, possibilita uma experiência promotora de interculturalidade. Não só a nível social, como também ambiental, esta proposta educativa se vale dos conhecimentos de cada uma e cada um, sejam científicos ou populares, e oferece um espaço enriquecedor de desenvolvimento integral.

Temos um quadro de alunos muito diverso: desde estudantes de classe média da região metropolitana de Recife, passando por profissionais que compraram uma pequena propriedade rural e querem transformá-la em uma chácara agroecológica, até filhos de agricultores que vivem na roça. E, por meio das histórias de vida e dos saberes individuais, tentamos aproveitar e valorizar esta diversidade, que é uma riqueza enorme. As diferentes realidades podem ajudar os estudantes e ajudar o próprio curso, inclusive nas disciplinas. Tem uma aluna que é técnica do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Ela conhece toda a reforma agrária, então, no conteúdo de regularização fundiária da disciplina de política pública, quem dá aula é ela. Ela que vai lá e apresenta e discute. Por outro lado, a gente tem estudante que nunca viu um pé de alface, que gosta de permacultura, mas é da região metropolitana de Recife e não tem envolvimento nenhum com o meio rural, quer conhecer a natureza. Aí, o filho do agricultor que nasceu e se criou na roça, fala para ele como é que se tira leite da vaca, como é que se planta, como se colhe, como fazer a aragem da terra, completa Germano

(Lovato; Franzim, 2017LOVATO, Antonio; FRANZIM, Raquel (Org.). O Ser e Agir Transformador: para mudar a conversa sobre educação. São Paulo: Ashoka Brasil, 2017., p. 118-119).

A metodologia aplicada no Serta possibilita um permanente reconhecimento de que quem participa do processo educativo têm algo a contribuir. É uma escola de educação técnica, academicamente reconhecida, onde se dá igual valor ao saber popular e ao prático. Neste espaço educativo se criam diferentes possibilidades para que as pessoas que representam esses saberes comunitários também sejam as pessoas que ensinam, valorizando no processo de vivências da escola essas possibilidades de troca entre as diferentes culturas que chegam até a escola.

A diversidade, nesses casos, é mais do que um discurso e representa a elaboração de experiências concretas que possibilitam a vivência da interculturalidade e, portanto, a internalização da reciprocidade e do respeito entre diferentes. Esta organização do espaço é, de fato, o que transforma a maneira de se relacionar das pessoas envolvidas. Como propõe a teoria histórico-cultural, é a partir da vivência social que se estrutura a personalidade. Portanto, o tipo de relações promovidas pelo Serta na experiência educativa pode exemplificar formas de educar não só para a interculturalidade, mas também, e necessariamente, na interculturalidade.

Outra experiência educativa que demonstra práticas de educação intercultural possíveis é o projeto Âncora em Cotia (SP). A escola de educação formal é um projeto social que atende estudantes do ensino fundamental de forma gratuita. Trabalha com diversos dispositivos metodológicos que buscam romper com a forma convencional de ensino, permitindo diferentes vivências e possibilidades de aprender. Uma dessas ferramentas é a assembleia dos estudantes. Almeida (2017)ALMEIDA, Sheila Gomes. Projeto Âncora: uma perspectiva de educação para a integralidade humana. 2017. 243 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017. relata que a presença na assembleia é facultativa. Dela podem participar todos os envolvidos na comunidade escolar, mas somente os estudantes têm direito a voto, sendo que todas as decisões ali tomadas são colocadas em prática pelos próprios estudantes, exercitando, dessa forma, sua autonomia.

Na assembleia, a vivência de relações recíprocas entre estudantes de diferentes contextos, idades e estágios de desenvolvimento oportuniza aprender a construir acordos de forma democrática. De questões complexas da convivência no dia a dia da escola à organização dos tempos, tudo passa pela assembleia e pode ser decidido a partir dela. Um dos principais aprendizados interculturais que este espaço possibilita é a construção de deliberações conjuntas ante as diferenças e a horizontalidade das relações. Essas decisões não têm por base as maiorias, mas sim um processo de negociação e discussão para que o coletivo tome decisões em conjunto e delibere consensos. Se necessário, uma mesma questão pode ficar em discussão por diversas semanas ou mesmo voltar à pauta após já haver sido consensuada.

Mais do que a valorização da voz e dos pedidos das crianças, a assembleia de estudantes é um espaço promotor do protagonismo. É um ambiente institucional da escola que não opera apenas na lógica do adulto, constituindo na relação entre crianças e adultos novas possibilidades no encontro destes grupos. Deste modo, ao ter como base a adaptação do contexto às necessidades do grupo que o compõe, o projeto apresenta uma cultura organizacional viva. Ou seja, parte do princípio de que a organização do espaço dar-se-á por e para as pessoas que ali estão em dado momento e que, no lugar de internalizar regras impostas, estudantes são quem elaboram os princípios orientadores de sua experiência. Assim sendo, promove o senso de corresponsabilidade pelo processo educativo individual e coletivo.

É importante pontuar que, embora estas experiências sejam aqui apontadas como espaços de práticas interculturais, não se propõe que elas sejam modelos exclusivos a serem seguidos para a educação intercultural, como guias de receitas prontas. Inclusive, qualquer tentativa de fazê-lo já estaria estruturalmente desajustada com a proposta apresentada de educação intercultural. Antes, as experiências trazem práticas possíveis para concretizar os princípios apresentados, a fim de propiciar o desenvolvimento de seres interculturais. Em ambos os casos apresentados, isto se faz a partir da organização de espaços de liberdade, horizontalidade e de reconhecimento e valorização da diversidade.

Conclusão

Este artigo se propôs a analisar as possíveis contribuições de Vigotski para a educação intercultural. Com este fim, valeu-se de outras teorias para a compreensão do que seria a interculturalidade e a relevância de discutir o tema no contexto atual. Após traçar diálogos com a teoria histórico-cultural, apresentou experiências concretas de contextos educativos que exemplificam os conceitos discutidos.

A interculturalidade é tema urgente no Brasil e no mundo, e a educação é pilar essencial de sua organização efetiva. Esta não deve responder aos interesses hegemônicos e à reprodução de um arcabouço simbólico e cultural que divide as pessoas entre superiores e inferiores, detentoras de privilégios e excluídas das instituições e da organização social. Deve, no entanto, defender a elaboração de uma convivialidade que valoriza as diferenças e dá fim às desigualdades.

O aporte de Vigotski traz ferramentas potentes para mudar este paradigma educativo opressor. A partir da compreensão da sociogênese no desenvolvimento de seres humanos, reafirmamos a importância das trocas recíprocas em experiências culturais e da interculturalidade na constituição da personalidade humana. Ademais, a teoria oferece bases para delinear propostas para a organização de espaços promotores de experiências educativas emancipadoras. Isto porque, na teoria histórico-cultural, não é possível conceber educação sem partir das experiências sociais de cada um. Ou seja, todo processo educativo que se proponha histórico-cultural será necessariamente intercultural.

A educação que é pensada e aplicada de cima para baixo, em direção única, como forma de homogeneizar, nunca poderá ser intercultural, independentemente dos conteúdos propostos. Por outro lado, a educação que reconhece a riqueza na diversidade, que incentiva as realidades, ferramentas, bagagens e identidades de cada um, estará também promovendo a interculturalidade. Assim, uma educação intercultural, em consonância com a teoria histórico-cultural, deverá pensar no desenvolvimento humano de forma socialmente constituída, e promover o desenvolvimento pleno das potencialidades de cada um a partir de sua realidade bio-psico-social.

  • 1
    Os termos grupos minoritários e grupos majoritários, neste artigo, se referem ao status social percebido de cada grupo. Neste sentido, comunidades indígenas e quilombolas, povos ciganos, coletivos negros, e grupos LGBTQI+, por exemplo, seriam considerados grupos minoritários, embora estatisticamente e em termos de relevância política e social não necessariamente o sejam.
  • 2
    A vivência seria “[...] o prisma que refrata a influência do meio” sobre a pessoa (Vigotski, 2018VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Organização e tradução: Zoia Prestes e Elizabeth Tunes; tradução: Cláudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018., p. 78).
  • 3
    Parte de um sistema de poder que se origina a partir do colonialismo e se perpetua como colonialidade (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la Colonialidad del Ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramon (Org.). El Giro Decolonial – reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre, 2007. P. 127-168.).
  • 4
    Que implica não apenas a coexistência de diferentes culturas, ou seja, o multiculturalismo, mas a convivência em situação de reciprocidade. Na interculturalidade, não há produção de desigualdades a partir da cultura e sim um reconhecimento da igualdade na diferença.
  • 5
    Grupo externo, em contraste ao endogrupo (grupo do qual se faz parte), de acordo com a psicologia social.
  • 6
    Mort atmosphérique (Fanon, 2001FANON, Frantz. Los Condenados de la Tierra. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2001., p. 115).
  • 7
    Sociogogia seria um sinônimo de pedagogia, utilizado para evidenciar o caráter essencialmente cultural/social da disciplina.
  • 8
    Funções psíquicas complexas, desenvolvidas em relação com a cultura. Esta expressão é comumente traduzida na obra de Vigotski como funções psíquicas superiores, porém optamos pela expressão funções psíquicas culturais para evidenciar sua gênese e evitar a possibilidade de uma leitura equivocada.
  • 9
    Ciência do desenvolvimento infantil.

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Editado por

Editora responsável: Carla Vasques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2021
  • Aceito
    01 Nov 2021
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