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Infância e Pandemia: sentimentos e utopias de crianças

RESUMO

O que contam as crianças desse amplo mundo social e cultural acometido pela covid-19? Que sentimentos e utopias crianças fluminense vivenciaram? São perguntas que orientaram nossa pesquisa, realizada no ano de 2021, quando entrevistamos 73 crianças, de 4 a 12 anos, moradoras da capital e Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A pesquisa envolveu 5 grupos de pesquisa, vinculados a duas universidades públicas da região, e optamos pela técnica de rede de familiaridade para chegar até as crianças. Os resultados indicam que as crianças operaram seus sentimentos no tempo presente, como uma forma de compreender a realidade e de imaginar futuros para fertilizar a utopia enquanto se registra o que substancia o já vivido.

Palavras-chave
Infância; Crianças; Pandemia; Rio de Janeiro

ABSTRACT

What do children say about this broad social and cultural world affected by covid-19? What feelings and utopias have children from Rio de Janeiro experienced? These are questions that guided our research, carried out in 2021, when we interviewed 73 children, between 4 and 12 years old, living in the state capital and metropolitan area of Rio de Janeiro. The research involved five groups, linked to two public universities in the region, and we opted for the familiarity network technique in order to reach the children. The results indicate that the children operated their feelings in the present time, as a way of understanding reality and imagining futures to nurture utopia while recording what substantiates all that has already been lived.

Keywords
Childhood; Children; Pandemic; Rio de Janeiro

Notas Introdutórias

Tarefa da infância: integrar o novo mundo no espaço simbólico. A criança é capaz de fazer algo que o adulto não consegue: rememorar o novo. Para nós, as locomotivas já possuem um caráter simbólico, uma vez que já as encontramos na infância. Nossas crianças, por sua vez, perceberão o caráter simbólico dos automóveis, dos quais nós apenas fruimos o lado novo, elegante, moderno, atrevido. Cada infância descobre estas novas imagens para incorporá-las ao patrimônio de imagens da humanidade

(Benjamin, 2009BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009., p. 435).

Essa tarefa da infância, apontada por Benjamin, evidencia que as crianças vivem o tempo presente com toda intensidade e inteireza, são contemporâneas, têm a capacidade de rememorar e (re)significar o novo. Expressam suas impressões sobre o que vivem e sentem de forma singular. Trazem no corpo e na fala o caráter simbólico de suas percepções, dando visibilidade ao que apenas fruímos. Nesse movimento, desenha-se o caráter geracional da infância, rememorando o que lhe é genuinamente novo na época que testemunha. O que dizem desse amplo mundo social e cultural que se oferece a elas?

Nosso objetivo na pesquisa “Infância e pandemia: sentimentos e utopias de crianças da Região Metropolitana do Rio de Janeiro” foi ouvir as crianças sobre o que vivenciaram no contexto de crise sanitária e econômica provocada pela pandemia covid-191 1 Conforme indicação da Academia Médica Brasileira, usaremos a grafia em letra minúscula para covid-19, covid e coronavírus por se tratar de um nome comum de doença (Boeno, 2022). . Conhecer o que só elas podem dizer do lugar enunciativo que ocupam exige do pesquisador abertura e sensibilidade para a escuta e para um desdobramento de olhares, na tentativa de ver o que elas veem, para buscar interpretar e analisar suas expressões singulares e as respostas que dão na busca de compreensão do que está ao seu redor. Esse tempo presente estava marcado pela covid-19, vivida a partir do ano de 2020, e que causou impactos em todas as esferas públicas e privadas da ordem global. A pandemia afetou sobremaneira a vida de todas as pessoas, com mortes, isolamentos, restrição nos deslocamentos, alterações nas dinâmicas da vida sociopolítica, perda de empregos e renda, aumento dos casos de violências físicas, sexuais e psicológicas, aumento de doenças neuropsíquicas e outros problemas.

Nesse turbilhão de mudanças e restrições, em 2021, fomos convidadas pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Infantil e Infância (NEPEI), vinculado à Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a replicar a pesquisa por eles desenvolvida, a saber, Infância em tempos de pandemia: experiências de crianças da Grande Belo Horizonte (Silva; Luz; Carvalho, 2021SILVA, Isabel de Oliveira; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz. Infância e pandemia na região metropolitana de Belo Horizonte: primeiras análises. Belo Horizonte: UFMG/FaE/NEIPE, 2021.; Silva; Luz; Carvalho; Gouvêa, 2022SILVA, Isabel de Oliveira; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Infância e pandemia: escuta da experiência das crianças. Belo Horizonte: Incipit, 2022.). A partir desse convite, nós – professoras das Faculdades de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)2 2 A pesquisa realizada foi coordenada pelas professoras: Conceição Firmina Seixas Silva (UERJ), Deise Arenhart (UFRJ), Lisandra Ogg Gomes (UERJ), Núbia Oliveira dos Santos (UFRJ), Patrícia Corsino (UFRJ) e Rita Marisa Ribes Pereira (UERJ). Em etapa posterior participaram as professoras Flávia Maria de Menezes (UERJ) e Jordanna Castelo Branco (UERJ). – consideramos relevante também conversar com as crianças da capital e Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ) para saber sobre seu cotidiano e suas relações sociais nestes tempos de crise sanitária. Priorizamos nossa atenção para seus sentimentos e suas utopias, suas percepções e experiências, tendo como objetivo principal compreender como elas vivenciavam esse contexto pandêmico.

Uma tese partilhada entre as equipes de pesquisa, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, refere-se à premência e à urgência de escuta às crianças na medida em que elas participam da produção cotidiana da realidade social e produzem suas interpretações sobre o vivido. No entanto, em que pesem os desafios de criar instrumentos plausíveis ao contexto pandêmico, Gouvêa (2022)GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Infância e pandemia: exercícios de escuta. In: SILVA, Isabel de Oliveira; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Infância e pandemia: escuta da experiência das crianças. Belo Horizonte: Incipit, 2022. aponta que essa escuta ainda se mostra tímida e pulverizada no contingente de pesquisas sobre a pandemia de covid-19, considerando que as crianças compõem cerca de ¼ da população mundial. Muitas pesquisas, diz a autora, procuram saber sobre as crianças, mas buscam as informações com os adultos, geralmente suas mães, sem interlocução com as próprias crianças, o que dá a ver o lugar social, cultural e político ocupado por elas na sociedade, na experiência global da pandemia e na produção de narrativas sobre essa experiência.

No Brasil o primeiro caso de contaminação foi confirmado dia 26 de fevereiro de 2020 (Brasil, 2020aBRASIL. Brasil confirma o primeiro caso do novo coronavírus. Serviço e Informações do Brasil: Notícias. Brasília, 26 fev., 2020a. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/02/brasil-confirma-primeiro-caso-do-novo-coronavirus#:~:text=O%20Brasil%20confirmou%2C%20nesta%20quarta,para%20It%C3%A1lia%2C%20regi%C3%A3o%20da%20Lombardia. Acesso em: 12 dez. 2022.
https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-...
). Em 13 de março, o Governo do Estado do Rio de Janeiro emitiu o Decreto nº 46.966 (Rio de Janeiro, 2020cRIO DE JANEIRO. Decreto nº 46.966 de 11 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ano 46, n. 04, parte 1, 13 mar. 2020c.), dispondo sobre “[…] medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus3 3 Com o mesmo registro de ementa, em 06/02/2020 o Governo Federal decretou e sancionou a Lei 13.979 (Brasil, 2020b). A Prefeitura do Rio de Janeiro, através do Decreto n.º 47246, de 12/03/2020, regulamentou a Lei nº 13.979 e igualmente estabeleceu medidas para o enfrentamento da Covid-19 (Rio de Janeiro, 2020a). ”. Nesse momento, já se somavam 98 casos de infecção em território brasileiro, sendo 16 deles no estado do RJ. Por essa razão, o Decreto Estadual, nº 46.970 (Rio de Janeiro, 2020dRIO DE JANEIRO. Decreto nº 46.970 de 13 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas temporárias de prevenção ao contágio e de enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (COVID-19), do regime de trabalho de servidor público e contratado, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ano 46, n. 04-A, parte 1, 13 mar. 2020d.), estabeleceu uma quarentena de afastamento social planejada inicialmente para ter duração de 15 dias – que viria a estender-se –, suspendendo aulas e eventos a fim de evitar aglomerações e consequente contágio. Vale registrar que a singularidade do avanço da pandemia nas diferentes regiões do país associada a uma postura negacionista do governo federal encaminhou para tomadas de decisão em âmbito estadual no que refere ao estabelecimento de políticas de enfrentamento, o que reforça a importância das pesquisas nos diferentes estados como possibilidade de compor um panorama nacional dessa conjuntura.

Os primeiros casos de adoecimento e óbito foram registrados em adultos, deixando, inicialmente, as crianças invisibilizadas e supostamente protegidas, situação que se altera com o conhecimento da possibilidade da infecção sem sintomas. As crianças passaram, então, a serem vistas como perigosas, na medida em que poderiam expor seus familiares mais velhos, grupo mais afetado quando o contágio se tornou comunitário4 4 Contágio comunitário é aquele que acontece internamente, nas cidades, já desvinculado das situações de viagem. . A vacina para elas, que chega muito depois da vacina para adultos, assim como a controversa política de governo para vacinação infantil, também contribuiu para posicioná-las politicamente no contexto da pandemia.

Sem abranger todas as idades da infância, Levy (2022)LEVY, Bel. Covid-19 mata dois menores de 5 anos por dia no Brasil. Agência Fiocruz de Notícias. Rio de Janeiro: Fundação Oswald Cruz, 28 jun. 2022. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-mata-dois-menores-de-5-anos-por-dia-no-brasil Acesso em: 13 jan. 2023.
https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-...
afirma que a covid-19 matou duas crianças menores de 5 anos por dia no Brasil. No estado do Rio de Janeiro, de acordo com o Painel Covid-195 5 Dados organizados diariamente pelo Centro de Informações Estratégicas e Resposta de Vigilância em Saúde (CIEVS-RJ) da Secretaria de Saúde do Estado do RJ, a partir do sistema esus-VE e SIVEP-Gripe, em articulação com as vigilâncias das secretarias municipais de saúde do estado. Disponível em: https://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html , entre os anos de 2020 e 20226 6 O recorte temporal entre os anos de 2020 e 2022 justifica-se pelo começo da pandemia e pela finalização das análises da pesquisa. , foram registrados 123.988 casos confirmados de infecção por crianças com idades entre 0 e 12 anos, sendo que destas, 190 vieram a óbito. A Região Metropolitana do RJ é hoje composta por 22 municípios, abrange cerca de 75% da população estimada, ou seja, 13.195.999 dos 17.463.349 de habitantes do estado e concentra a maior população infantil (IBGE, 2021IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da População Residente no Brasil e Unidades da Federação. Data de referência em 1º de julho de 2021. Brasília: IBGE, 2021. Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2021/estimativa_dou_2021.pdf. Acesso em: 8 jan. 2023.
https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_P...
). O Painel Covid-19 indica que a Região Metropolitana teve, entre 2020 a 2022, 79.190 casos confirmados entre crianças de 0 a 12 anos de idade, sendo que 134 delas vieram a óbito.

O lugar de prioridade socialmente atribuído à criança e legalmente firmado7 7 Convenção dos Direitos da Criança (Brasil, 1990a) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990b). se arrefeceu com a pandemia, justificado pelas “baixas” taxas de mortalidade. Em contraste, a suspensão das aulas, tomada como medida de enfrentamento à crise sanitária, recolocou as crianças no debate sobre a pandemia, retomando, como estudantes, certa prioridade nas preocupações sociais: aprendizagem, processos de socialização, condições de acesso às tecnologias, modelo remoto de ensino ou no retorno às aulas, ajustes cotidianos e familiares para dar conta da “presença-ausente” da escola.

Compartilhando uma inusitada horizontalidade com os adultos em face dos não-saberes sobre a pandemia, as crianças participam ativamente da sociedade, compartilhando anseios, experimentando sentimentos, afetados por contornos de classe social, raça, gênero e território que a pandemia reforçou. Em que medida encontram escuta para expressar seus sentimentos, partilhar anseios, interpretações e busca de conforto? A complexidade dessas experiências tanto justifica, quanto impõe aos pesquisadores da infância o dever ético da escuta às crianças, tomada como expressão da singularidade do seu ser e, também, como produção de conhecimento com recorte etário e geracional. Nossa escuta voltou-se aos sentimentos e utopias.

Bakhtin (1998)BAKHTIN, Michael. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Unesp/Uncitec, 1998., Benjamin (1987BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: vol. I. Magia e técnica. Arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.; 2009)BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. e Williams (1979)WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. sinalizam que caracterizar historicamente as experiências vividas não resulta numa grande dificuldade. Por exemplo, aqui delimitamos uma região geográfica, um recorte temporal e um grupo específico. O desafio, para estes autores, está em perceber/registrar/comunicar as formas de compreensão do tempo histórico pelos sujeitos no ato das experiências vividas. Dizem haver uma certa negligência historiográfica com a fluidez da vida cotidiana e seus modos de apreensão que se deve a uma sobrevaloração da materialidade e dos aspectos que se permitem fixar e generalizar, em detrimento daquilo que se mostra imaterial, singular e fluido, como o tempo presente, à espera de nomeação.

O tempo, vivido de diferentes formas – chronos, kairós, ayón – não se faz fora de um contexto social, territorial, político e, neste sentido, a ideia de pensar o tempo como a quarta dimensão do espaço – como o faz o filósofo russo Bakhtin, ao analisar textos literários e que denominou cronotopo – nos ajuda a pensar a pandemia com as crianças. Para Bakhtin (1998, p. 211)BAKHTIN, Michael. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Unesp/Uncitec, 1998.: “Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com – o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o cronotopo artístico”. Por analogia podemos nos referir ao(s) cronotopo(s) pandêmico vivido(s) pelas crianças da pesquisa. Mas, como afirma Amorim (2006, p. 105)AMORIM, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006., o conceito de cronotopo “[…] trata de uma produção da história. Designa um lugar coletivo, espécie de matriz espaço-temporal de onde várias histórias se contam ou se escrevem”. Portanto, o cronotopo está perpassado pelas questões do sujeito coletivo. É na tensão entre a singularidade e a dimensão social/coletiva que sentimentos e utopias se tornaram foco de nossa atenção.

Etimologicamente a palavra sentimento procede do verbo latino sentire e remete também a sentimentum, sentiens, sentio, sensi, sensus. Tem um sentido polissêmico que abrange: sentir, conhecer, experimentar, conjecturar, ter senso, sentido, sensibilidade (Cunha, 2010CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.), como também discernir, notar, pensar, julgar, imaginar, supor, decidir, dar parecer (Rezende; Bianchet, 2014REZENDE, Antônio Martinez; BIANCHET, Sandra Braga. Dicionário do latim essencial. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.). Abre-se tanto àquilo que se permite fixar em conceitos, como também àquilo que nos escapa, mas que se mostra decisivo nas formas de apreensão. O advento da modernidade e os critérios de verdade adotados pela ciência moderna acabaram promovendo uma ruptura entre esses distintos significados e seus atravessamentos na produção de conhecimento, cindindo e hierarquizando ciência e arte, razão e sensibilidade, social e individual. Nessa perspectiva, que ainda se mostra hegemônica, os sentimentos, tratados como paixões individuais e transitórias, de difícil generalização, são esvaziados em sua relevância e destituídos de um caráter social na produção de conhecimento.

Bakhtin, Benjamin e Williams convergem na indagação sobre as consequências éticas e políticas que se pode extrair dessa cisão e na afirmação da urgência de formulação de outras epistemologias. Afirmam o diálogo necessário entre os diferentes campos da cultura humana, especialmente entre as artes e as ciências humanas. Ponderam que as artes, via de regra, antecipam-se às ciências na apreensão da realidade social, mas as ciências, por sua vez, tendo a pergunta como substância instituinte, pode se debruçar de outros modos sobre aquilo que a arte instaura ou comunica, ampliando seus sentidos e pontos de vista. Essa é a compreensão de Williams (1979)WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979., que a partir da ideia de feeling, cunha o conceito estrutura de sentimento/estrutura de sentido – como que em um paralelo ao conceito de visão de mundo ou ideologia –, fundamental para perceber nas produções culturais, sobretudo nas artes, marcas históricas ou geracionais que se mostram no seu acontecer, traços recorrentes de uma época. Aspectos que se tornarão materiais, mas que no presente processual da sua construção, revelam um sentimento epocal.

Dados e fatos, tomados unicamente na sua racionalidade, alienam-se da sua condição de produção de realidade social. Como se efetivam a percepção, a comoção, a compreensão? De que maneiras são socializadas? Para Williams (1979)WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. os sentimentos compõem a estrutura das formas de conhecer, não são unicamente variáveis imateriais do presente que se esvaem à medida em que o conhecimento se produz. São decisivos na justificativa das formas finalizadas dos conceitos. Daí a importância de considerar os processos, no acontecimento do presente, e não unicamente aquilo que se fixa como produto e se distancia de nós a ponto de não o reconhecermos.

Esse é o mote que nos levou a focalizar os sentimentos associados à ideia de utopia, decisão política que se justifica como um contraponto às narrativas distópicas que atravessaram a experiência da pandemia e as ações de um governo negacionista. Em contraponto à distopia – lugar antiutópico, de privação, opressão e negação do imaginário –, tomamos o conceito de utopia na acepção de Leandro Konder (Bazílio; Ribes; Jobim, Souza, 2001BAZÍLIO, Luiz Cavalieri; RIBES, Rita; JOBIM; SOUZA, Solange. Ideologia, utopia e conhecimento: uma conversa com Leandro Konder. Teias, Rio de Janeiro, ano 2, n. 4, p. 1-7, jul./dez., 2001.), associada à capacidade de leitura do presente no conjunto das revisões do passado e das projeções ao futuro. A utopia é uma tomada de consciência da realidade social como produção humana: a realidade não está dada, mas é mutável, transformável, pode ser diferente.

Essa ideia já se encontrava em germe no romance Utopia, de Thomas More (More, 2020MORE, Thomas. Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 2020.), escrito em 1516, popularizando a expressão grega em sua etimologia de não-lugar, lugar nenhum ou lugar que não existe. Vale lembrar que More filia-se, entre os renascentistas, à tradição de um grupo de pensadores humanistas que, com picardia, ofereciam contraponto para os rígidos ditames da então emergente ciência moderna.

Utopia é uma obra sobre um país imaginário, um suposto não-lugar que, curiosamente, é narrado em pormenores. Mas, como lugar idealizado, é um avesso da conjuntura vivida pelo seu autor, chanceler de Henrique VIII, incomodado por ser conselheiro de um monarca que não se deixa aconselhar. Adota a literatura como lugar de crítica social e recorre às antinomias como exercício de picardia: Ademos (governante) significa “príncipe sem povo”, Anhydria (rio que margeia Utopia) significa “sem água” e o nome do narrador, Hitlodeu, significa “mercador de impropérios”. Como se vê, a negação em u-topos é mais um jogo do que uma tese. Por isso, em Utopia a propriedade privada é abolida, há fartura e todos trabalham equanimente.

Talvez tenha sido preciso esperar os quinhentos anos dessa obra para formular, juntamente com Krenak (2019)KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., o espanto ao fato de conseguirmos imaginar o fim do mundo com mais facilidade do que imaginar a construção de um outro mundo estruturado sob parâmetros de justiça social. Longos anos de capitalismo e colonização sedimentaram o conceito de utopia mais como sendo um não-lugar do que como possibilidade de um lugar a idealizar – idealização aqui compreendida como imaginação. Para além de uma epistemologia, o que Krenak sinaliza é a urgência de uma existência cosmológica que permita extrair as consequências éticas da exploração capitalista da natureza que, em certa medida, é a base do desequilíbrio de onde emergem as pandemias.

Metodologia

A pandemia colocou em pauta a agudeza do tempo presente e a emergência de imaginar outros futuros compartilhados sob o olhar atento e minucioso das crianças. Por isso desejamos escutar as crianças para saber como elas perceberam e vivenciaram o contexto da pandemia, que impactos essa situação teve e/ou têm em suas vidas, que sentimentos em relação a esse momento de crise sanitária elas conseguiam externalizar – e, sobretudo, que expectativas têm da sociedade e do mundo. De modo mais específico, objetivamos conhecer as rotinas infantis, as relações sociais das crianças, analisar suas formas de compreensão da atualidade, examinar a partir dos relatos suas emoções e sentimentos e como veem o presente e o futuro do mundo em que vivem.

A pesquisa voltou-se para uma investigação de natureza qualitativa – ainda que também tenhamos tabulado informações de forma quantitativa. Objetivamos, mais especificamente: a) cotejar a análise interpretativa, com foco nas linguagens oral, corporal e pictórica das crianças; b) articular o binômio proteção e participação na medida que solicitamos a participação das crianças e atenção ao que nos contaram, c) dar visibilidade à dimensão estética, poética e política, explicitadas em suas linguagens e em sua posição de sujeitos co-construtores da sociedade; d) captar a percepção das crianças sobre o mundo que habitam – desde as questão que lhes dizem respeito diretamente, como escola, grupos de pares e família, mas também as que não conectamos à infância – economia, planejamento urbano, questões sanitárias etc.; e) apreender quais expectativas possuem em relação ao futuro da sociedade, não dentro da perspectiva que aloca a infância em uma dimensão prospectiva, mas que entende as crianças como agentes sociais e, como tais, são também responsáveis pela construção do mundo; f) buscar compreender quais mudanças subjetivas as crianças percebem em si decorrentes do contexto de pandemia, como veem os problemas sociais que nos afetam e como podem se implicar como partícipe para a construção de uma vida mais justa e igualitária.

Com esses objetivos, fundamentados no campo dos estudos da infância, organizamos a pesquisa com base três eixos: 1) experiências, percepções, emoções e sentimentos: a partir das suas rotinas e relações sociais, no âmbito familiar, escolar, religioso e das mídias sociais, buscamos compreender suas ideias, percepções, preocupações, inquietações, esperanças e/ou medos em relação ao mundo em que vivem; 2) contextos e perfis sociográficos: a partir da autodeclaração das crianças, registramos suas idades, identificação de gênero, étnico-racial e geracional; buscamos saber quem eram os membros das suas famílias, local de moradia e com quantas pessoas residiam; perguntamos sobre a modalidade e o tipo de educação que frequentavam; e os lugares de convivência (vizinhança, igreja, equipamentos da cidade, etc.); e, por fim, 3) linguagens e expressões: recolhemos registros orais e alguns desenhos, os quais dimensionaram e auxiliaram na divulgação das suas realidades e na construção das narrativas sobre as temáticas evocadas pela pesquisa.

A pesquisa foi realizada com crianças fluminense, moradoras da capital e de cidades que compõem a Região Metropolitana do RJ. Entre os meses de agosto até dezembro de 20218 8 Nesse período as atividades escolares ocorriam na forma presencial e virtual. As escolas privadas puderam retornar a partir de 1º/10/2020 (Rodrigues, 2020). O Decreto estadual nº. 47.300 apontava para a necessidade das redes públicas municipais e estadual se preparem para o retorno às aulas (Rio de Janeiro, 2020b), o que ocorreu ao longo de 2021. , foram entrevistadas 73 crianças de 04 até 12 anos – idade limite em conformidade com critério estabelecido pelo ECA (Brasil, 1990bBRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, ano 127, n. 135, 16 jul. 1990b. Seção 1. P. 13563.).

A equipe de pesquisa foi formada por alunos da graduação e pós-graduação e pesquisadores dos grupos de estudos e pesquisas das professoras que coordenaram o projeto9 9 Participaram da pesquisa os seguintes grupos de estudos, pesquisa e extensão: Educação Infantil e Relações Raciais: narrativas positivas e potentes da Cultura Afro-Brasileira e Africana (GEERREI/UFRJ), Espaço de Práticas e Pesquisa sobre Infância (EPPI/UERJ), Infância, Cultura e Docência na Educação Infantil (UFRJ), Infância, Linguagem e Educação (GEPILE/UFRJ), Infância e Cultura contemporânea (GPICC/UERJ) e Território dos Estudos da Infância (TEI/UERJ). . Esse critério de escolha pautou-se na compreensão de que seria importante que a equipe tivesse alguma formação no campo da educação e alguma experiência no diálogo e trato com as crianças. Portanto, ao todo compuseram a equipe 58 pesquisadores.

Embora as crianças sejam nossas principais interlocutoras, sabíamos da necessidade de autorização e mediação dos responsáveis, que de forma indireta também participaram da pesquisa. Assim, o convite foi primeiro feito para a criança e, na sequência, também foi solicitada a autorização do adulto responsável. Em sua maioria foi um parente do sexo feminino (mãe, avó, tia ou irmã da criança) que auxiliou no encontro da criança com o/a pesquisador/a. Além do ajuste do aparelho eletrônico para o encontro virtual, alguns responsáveis estiveram presentes durante a conversa e atuaram esclarecendo perguntas ou auxiliando na construção da resposta quando a criança não sabia o que ou como responder.

Considerando a complexidade da experiência que tomamos por objeto, optamos por privilegiar a construção de encontros de pesquisa que favorecessem relações de confiança entre pesquisadores e crianças. Sendo assim, decidimos pelo critério de familiaridade para chegar até as crianças e para obtermos uma maior proximidade com elas e seus familiares. As crianças convidadas eram conhecidas dos membros da equipe – amigas, afilhadas, parentes, alunas, vizinhas, filhas de amigos e de conhecidos. Esse critério se mostrou mais adequado tanto pelas condições de acesso às crianças, quanto pela confiança potencial e acolhimento que o tema demandava.

Em que pese a importância dessas justificativas, por vezes, o critério de familiaridade se mostrou problemático, por exemplo, quando o/a pesquisador/a, por “já conhecer’’ a criança, abdicava de fazer ou de explorar mais profundamente alguma pergunta por supostamente possuir essa informação. Outra situação que o campo de pesquisa nos apresentou ocorreu durante duas entrevistas, quando crianças amigas daquela que estava sendo entrevistada pediram para participar da conversa já em andamento. Uma delas, em ambiente familiar, outra com crianças vizinhas, em contexto onde o distanciamento social era incipiente. Nesses dois casos a entrevista passou a ser coletiva, mas a análise foi individual.

Realizamos entrevistas que se configuraram como conversas com as crianças. A maior parte delas ocorreu por meio de videoconferências ou chamadas de voz por aplicativo. Porém, como apontado acima, algumas foram presenciais quando o/a pesquisador/a era um/a familiar ou convivia de alguma forma com as crianças10 10 Nestes casos os protocolos sanitários da época foram respeitados. . Vale destacar que todas as entrevistas foram gravadas em áudio e/ou em vídeo e, depois, transcritas e analisadas nos grupos de pesquisa.

Das análises dos dados, de forma semelhante com a pesquisa do NEPEI/UFMG, as meninas se fizeram mais presentes, com 42 participantes, do que os meninos, com 31 participantes. Tivemos representantes das idades dos 4 até 12 anos11 11 Uma criança, ao ver o irmão sendo entrevistado, manifestou interesse em participar, mas apenas no contexto da entrevista mencionou ter recentemente completado 13 anos. Mantivemos a entrevista por respeito à criança e por considerar a recente mudança de idade. e o maior quantitativo de crianças foi na faixa dos 8, 9 e 10 anos.

Como um dos critérios era a residência na capital ou Região Metropolitana do RJ, participaram crianças de 10 dos 22 municípios: Duque de Caxias, Itaboraí, Magé, Nova Iguaçu, Nilópolis, Niterói, Rio Bonito, Rio de Janeiro, São Gonçalo e Tanguá. Das crianças que viviam na capital, tivemos representantes das seguintes zonas e bairros: a) Norte: Cachambi, (Estrada do) Camboatá, Cascadura, Complexo da Maré (Nova Holanda, Conjunto Esperança), Cordovil, Engenho de Dentro, Inhaúma, Irajá, Pavuna, Pilares, Rocha, Tijuca, Vila Isabel e Vila da Penha, b) Oeste: Campo Grande, Freguesia, Inhoaíba, Realengo, Santa Cruz, Taquara e Vila Valqueire, c) Sul: Flamengo, Laranjeiras, Santa Teresa, Fonte da Saudade (Lagoa), d) Centro.

Sempre com atenção às perspectivas das crianças, organizamos o roteiro de entrevistas em 4 blocos: 1) dados da criança e de seu grupo familiar: com o objetivo de apreender a identidade, caracterização socioeconômica e escolarização, 2) situações e experiências na/da pandemia: com abordagem sobre atividades cotidianas, preocupações, relações familiares e atividades escolares no contexto atual, 3) perspectivas de futuro: com questões abertas para que elas expressassem seus sentimentos, emoções e utopias, tanto no âmbito individual como social, e 4) outros e apêndices: um momento para que elas pudessem perguntar ou contar algo em específico. Assim, ao final das conversas com as crianças, nossa proposta foi incentivá-las a expressarem suas experiências, percepções e seus sentimentos usando diferentes linguagens, como, por exemplo, desenhos e fotografias. A escolha delas foi pelo desenho, mas apenas 19 crianças o fizeram, o qual foi fotografado e na sequência enviado por e-mail ou pelo aplicativo de mensagem para seu/sua pesquisador/a. Com esse quadro pretendemos na sequência analisar o modo como as crianças se apresentaram e se identificaram social e economicamente.

“Fale um pouco de você” – Características Identitária, Familiar e Escolar

A conversa/entrevista com as crianças iniciava-se com duas perguntas: Você pode se apresentar para mim? Fale um pouco sobre você. O objetivo era deixar a criança à vontade para falar de si, da família e da escola, um contar carregado de expressões, gestos, trejeitos, movimentos dos corpos e também de não ditos. Nas análises das transcrições ocorridas nos grupos de pesquisa, procuramos compreender e captar essas ações com atenção ao nosso problema. Fomos também quantificando suas respostas ao passo que fazíamos comparações entre elas. Por isso, assumimos que nossa pesquisa é tanto de natureza qualitativa como quantitativa, porque ela surge do caráter dos nossos objetivos específicos, “[…] com entendimento de que nos fenômenos sociais há possibilidade de se analisar regularidades, frequências, mas também relações, histórias, representações, pontos de vistas e lógica interna dos sujeitos em ação” (Minayo, 2007MINAYO, Maria Cecília O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. São Paulo: HUCITEC, 2007., p. 63).

Os dados quantitativos nos auxiliaram na interpretação das questões qualitativas, um esforço de imaginação sociológica, no sentido dado por Mills (1972)MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972., para fazer conhecer as problemáticas das realidades individuais em correlação com realidades sociais mais amplas. Além disso, optamos por perguntas visando a autodeclaração sobre as questões de gênero, questão racial, geracional, localização geográfica e escolaridade. Com essa escolha referendamos que as crianças são sujeitos de direito a expressar sua identidade e suas opiniões.

Mesmo sabendo da abrangência das duas perguntas que iniciavam a conversa, havia no roteiro a instrução para, caso a criança fosse breve nessa apresentação, que o/a pesquisador/a encaminhasse de forma mais diretiva as perguntas, pois queríamos saber: a) o nome, b) se identificava-se como menino, menina ou se ela não quis responder, c) como identificava a sua cor, raça ou se não desejava responder, d) sua idade e se reconhecia-se como criança.

As 73 crianças iniciaram a conversa apresentando-se pelo seu nome, com raras exceções o pesquisador deu continuidade na apresentação. Sobre sua identificação geracional, 30 delas disseram ser crianças, 05 pré-adolescentes, 01 disse ser adolescente e criança, 03 não souberam responder e 09 delas não responderam. Essa informação não foi registrada em 25 entrevistas. A pergunta feita, não feita e a pergunta não respondida, assim como as respostas que afirmam quem são nossas pesquisadas ou quem elas não são, nos dão indicativos para pensarmos a respeito dos vínculos que condicionam as relações e a organização societária deste momento (Castro, 2008CASTRO, Lúcia Rabello de. A politização (necessária) do campo da infância e da adolescência. Psicologia Política, Florianópolis, v. 7, n. 14, p. 1-19, 2008.). A infância é uma geração com uma diversidade de idades e de desenvolvimentos físico, cognitivo e emocional, portanto não pode ser concebida de forma hegemônica, pois é igualmente estável e mutável (Qvortrup, 2011QVORTRUP, Jens. Nove teses sobre a “infância como um fenômeno social”. Pro-Posições, Campinas, UNICAMP, v. 22, n. 1, p. 199-211, 2011.). Através de suas respostas ou não respostas, as crianças rompem com a discursividade instaurada quando afirmam aquilo que os adultos esperam delas.

É importante assinalar para a recorrência de casos em que a pergunta não foi feita ou que não houve uma resposta, o que denota não se tratar de debate social já instituído. Soma-se a isso a opção pela construção do grupo de crianças interlocutoras a partir de critérios de familiaridade, o que poderia induzir à nebulosidade do supostamente já sabido ou, como em alguns casos onde a entrevista contou com a presença de algum familiar, a pergunta deixou de ser feita ou de ser respondida, seja por algum desconforto denunciador da complexidade da temática, seja por outros atravessamentos dados a priori, a exemplo da religião. Essa complexidade esteve presente na identificação de gênero.

Os estudos desse campo vêm pontuando que mais que a resposta a uma classificação já dada, o gênero é uma construção que atravessa os processos de subjetivação. Da totalidade do nosso grupo, em 17 entrevistas essa pergunta não foi feita, em 14 delas não havia resposta e 03 crianças não souberam responder. Portanto, apenas 53,4% delas responderam à pergunta, sendo que 24 se reconheceram como meninas e 15 como meninos. A autodeclaração de gênero teve para nós um caráter sócio-político uma vez que rompeu com a objetividade, a neutralidade e a isenção construídas sobre seus corpos. Manifestar-se ou não sobre seu gênero, perguntar ou não sobre o gênero do outro, nos adverte sobre como é a construção de feminilidades e masculinidades, as expectativas, distinções e exigências colocadas para elas (Felipe, 2000FELIPE, Jane. Infância, gênero e sexualidade. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p. 115-131, 2000.).

Vale também destacar que, para Butler (2003, p. 24)BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., por mais que o sexo pareça estar em termos biológicos, “[…] o gênero é culturalmente construído: consequentemente, não é nem o resultado causal do sexo, nem tampouco tão aparentemente fixo quanto sexo”. Assim, esta distinção abre espaço ao gênero como interpretação múltipla do sexo. Entretanto, a autora assevera que o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e

[…] porque o gênero estabelece interseções com modalidade raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas resulta que se tornou impossível separar a noção de ‘gênero’ das interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida

(Butler, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 20).

Portanto, o binarismo posto socialmente de ser menino ou menina se reflete tanto na pergunta quanto na resposta, evidenciando o quanto a complexidade que envolve as questões de gênero são muitas vezes intangíveis numa entrevista e acabam reduzidas à norma.

Outra categoria com ausência, confusões e variabilidade de respostas foi a de identificação racial. Falar sobre a sua cor pode mobilizar inúmeras questões nas crianças que vivem numa sociedade cujo racismo é estrutural.

Conforme outros pesquisadores já alertaram, as crianças têm consciência racial nos planos perceptivo e conceitual e seus modos de classificação são múltiplos e não bipolares (Rocha; Rosemberg, 2007ROCHA, Edmar José da; ROSEMBERG, Fúlvia. Autodeclaração de cor e/ou raça entre escolares paulistanos(as). Cadernos de Pesquisa, São Paulo, FCC, v. 37, n. 132, p. 759-799, 2007.; Fazzi, 2000FAZZI, Rita de Cássia. Preconceito racial na infância. 2000. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2000.). As crianças nos apresentaram diferentes respostas para a cor da sua pele: morena, branca, marrom, marrom escura, parda, preta, mestiço, normal, clara, vermelho, “acho que sou branco”, “mais ou menos”, “nem branca nem preta”, “não branca” e “eu acho que é uma pele escura”. Uma criança não soube, 02 não quiseram responder e outra afirmou: “eu não sei, não ligo muito para cor”. Novamente foi elevado o número de entrevistas sem essa informação, o que correspondeu a 28,8% das 73 entrevistas.

Na apresentação das modulações de cores diversas, as crianças usaram o vocabulário dos institutos públicos (branca, parda, preta) e outras variações. Algumas evidenciaram dúvida – “acho que sou branco” –, outras usaram a negativa – “não sei”, “não é branca” –, outras ainda expressam algo intermediário – “mais ou menos, nem branca nem preta”, “acho que é uma pele mais escura”, “clara” – e também aparecem nas respostas as palavras normal e vermelha que nos faz pensar o que seria esta normatividade ou esta pele de cor vermelha. Na caracterização de cor/raça, 21 crianças não deram esta informação, o que reitera o que já foi dito em relação ao gênero: há uma dificuldade em perguntar e em responder sobre estas questões identitárias. Também é preciso destacar a situação singular da entrevista/conversa ao fazer às crianças perguntas incomuns. Isso levou uma delas a responder de modo óbvio a preferência por uma determinada cor, nesse caso, a cor verde.

Se cor/raça e gênero causaram incômodos, falar sobre a escolarização mobilizou as crianças. Perguntamos para elas se frequentavam a escola, que série cursavam ou em que turma estavam, e se sabiam o nome da instituição e se era pública ou particular. Foi bom verificar que não houve distorção entre idade e série/etapa. Sobre a categoria administrativa da escola – público ou privado – apenas 11 crianças não souberam responder, não comentaram ou não havia a informação. Registramos um maior número de matrículas na escola particular, 35 respostas, para 27 que disseram estudar na pública. Essa categoria escolar suscitou nas crianças algumas formas de nos responder que nos faz pensar como elas percebem a relação entre público e privado:

Manuela (6 anos): Se (a escola) fosse pública a minha mãe ia adorar (por)que aí ela não ia precisar pagar (risos).

Mirela (9 anos): Particular, minha mãe gasta maior dinheirão.

Alisson (8 anos): Eu acho que é pública. […] Eu gostaria mais de uma particular.

Pesquisadora: Por quê, Alisson?

Alisson: Porque uma particular é melhor que uma escola pública

Pesquisadora: O que você acha que tem de melhor? […]

Alisson: Porque ela é mais limpa, mais obediente, tem mais alunos educados.

Pesquisadora: E na sua escola não é assim não?

Alisson: Às vezes, às vezes não.

O debate público-privado é complexo e marcado pela posse de recursos econômicos, sociais e culturais das famílias, o que faz com que a escolha da escola parta de diferentes critérios: práticos, funcionais, internos ao processo educativo e/ou ajustado às características psicológicas das crianças (Rezende; Nogueira; Nogueira, 2011REZENDE, Tânia de Freitas; NOGUEIRA, Cláudio Marques; NOGUEIRA, Maria Alice. Escolha do estabelecimento de ensino e perfis familiares: uma faceta a mais das desigualdades escolares. Educação e Sociedade, Campinas, v. 32, n. 117, p. 953-970, 2011.). No que pese essa escolha, o fato é que as crianças percebem as desigualdades sociais, refletidas em um financiamento público, que ainda não consegue promover a equidade e a qualidade na educação para todos, e uma educação privada que opera segundo a lógica do mercado.

Por ser uma entrevista/conversa, com questões subjetivas, não conseguimos determinar o pertencimento socioeconômico das crianças, mas temos algumas pistas ao analisar, além da característica administrativa da escola, a estrutura familiar, o tipo de moradia e o sentido do trabalho dos pais para elas. Mensuramos que 46,5% das crianças viviam em famílias cujo modelo familiar é constituído por mãe, pai e irmãos. A mãe é a figura central nessa organização, mas as crianças também nos revelaram uma diversidade de construções familiares, tais como: a) mãe e irmão(s); b) mãe, pai, tio/tia(s) e irmão(s); c) apenas a mãe ou o pai; d) mãe, pai e avós; e) mãe, pai, avós e irmão(s); f) mãe, padrasto e avós; g) mãe, avós e tio/tia(s); h) mãe, avós, tio ou tia e irmão(s); j) mãe, avós, irmão(s); k) mãe, pai, tio/tia e primos; e l) avó ou avô.

Essas famílias vivem em 2 principais tipos de habitação, conforme menção feita pelas crianças, apartamento ou casa, classificados em: a) apartamento em prédio ou em condomínio; b) casa térrea, sobrado, casa de até 3 andares e casa na chácara. O maior percentual de tipos de habitação incidiu sobre as casas, 42,4% contra 24,6% das residentes em apartamentos.

Verificamos que em 40 famílias um ou mais familiares saíram para trabalhar durante a pandemia, 05 crianças afirmaram que seus responsáveis trabalharam no formato remoto e 05 indicaram o desemprego de um parente, sendo em geral o das mães. Apenas 14 crianças nomearam o trabalho daqueles com quem viviam: no berçário de uma escola (mãe); funcionária pública e diretora de escola (mãe); professora universitária (mãe); professora e dono de academia (mãe e pai); professora (mãe); empregada doméstica (mãe); trabalha na secretaria de uma escola (avô); eletricista e vendedora de loja (pai e mãe); sushiman (pai); faxineira e pedreiro (mãe e pai); faxineira e montador de móveis/vendedor de quentinha (mãe e pai); trabalha no açaí (mãe); vendedor de quentinha (pai); entregadora de açaí (mãe).

Sabemos que independentemente da classe social as crianças sofrem mais as carências da sua classe quando comparadas com a geração dos adultos. E esse panorama identitário e socioeconômico nos diz, uma vez mais, que as crianças nascem dentro de uma classe, não apenas no seio da sua família, e aquilo que ela é ou se tornará no futuro é uma situação de classe (Benjamin, 1984BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus Editorial, 1984.). Nesse sentido, a condição de classe social é aprendida a partir das experiências que se dão desde o nascimento, nas relações e interações sociais com seu meio próximo e na decodificação de símbolos, signos e valores culturais e econômicos.

O que dizem as crianças sobre o coronavírus

As crianças, em seus diferentes modos de dizer e de sentir, apresentaram sua compreensão da pandemia que, à época da entrevista, já se estendia por mais de um ano. Experiência de um tempo cronológico (chronos) que avançava e que era medido por horas, dias, meses e anos, mas insuficiente para expressar a intensidade singular do vivido (ayón) e para dizer sobre as oportunidades que insurgiram (kairós), do inédito que transforma relações, rotinas e sentimentos. Ao falarem sobre a pandemia, elas aludem a situações que participaram ou não nos espaços tais como: casa, rua, escola, casa de amigos ou de avós. Poder estar ou não nestes lugares e o que podia ser feito neles marcou o vivido por cada uma delas na pandemia:

Manuela (6 anos): [o que foi ruim?] É de eu ter ficado em casa o maior tempão sem fazer nada, eu já tinha brincado de tudo que tinha e não tinha mais nada pra poder brincar.

Dan (4 anos): Ó, quando ficou um pouco mais tranquila a pandemia, eu pude sair de casa para brincar aqui na vila.

Luísa (5 anos): Eu parei muito de ir para os parques para brincar […]. Aí, depois, já que a minha escada é de corrimão, ela é de cobrinha, tem duas barras debaixo num lugar… aí eu ficava escalando a escada, só que tipo um macaquinho. Eu não usava os degraus, eu escalava a escada.

Rafaela (7 anos): Eu sentia muita falta da escola, é, eu sentia muita falta da sala também.

Maria Júlia (5 anos): Porque [na escola] não pode ir nos brinquedos, senão os coronavírus vão pegar no brinquedo e aí a criança vai encostar nos brinquedos e vai pegar coronavírus nela. Aí, elas vão morrer.

Assim, observamos que, nas entrevistas, as crianças evidenciaram vozes singulares, mas também coletivas. Quando perguntadas sobre o que sabiam sobre o coronavírus, todas elas tinham informações. As falas giraram em torno de definir o covid-19 como uma doença que mata pessoas, um vírus forte, do mal, coisa ruim, muito pequeno.

Miguel (7 anos): Eu sei que a gente deve ficar com máscara, sempre. Também sei que a gente tem que ficar de máscara porque o covid às vezes fica na gente, tem chance de morrer ou tem chance da gente não morrer, [ainda] criança. Mas se covid pegar em criança, eu acho que a chance de morrer é mais baixa. Eu sei que é um vírus e se alguém pegar a pessoa pode morrer. É contagioso. E acho que é só isso que eu sei.

Pedro (11 anos): O coronavírus? Não sei nada. Só sei que o coronavírus, eles são bem pequenininhos, que tem germes e bactérias também. Quando há germes, os vírus, eles entram, infectam a bactéria e os germes. Só isso que eu sei.

Luísa (5 anos): Eu já ouvi que o coronavírus é uma doença muito forte, que agora os velhinhos estão até tomando a terceira dose [da vacina] e tem que usar máscara, por isso que eu estou indo de máscara para a escola.

Letícia (10 anos): É um vírus muito perigoso.

Lorenzo (10 anos): É uma doença. É uma doença que tira seu paladar. Você fica sem paladar, fica com febre, pelo que parece, fica cansado e acho que sem apetite.

Em várias respostas as crianças trazem o tema da morte. Pessoas morrem, parentes morreram, crianças podem morrer ou passar o vírus para os idosos, que podem morrer. A morte, o medo de morrer ou de passar o vírus para outros foi recorrente e caracterizam a própria doença.

Todas as crianças falaram também da proteção pelo uso de máscara, álcool em gel, lavar as mãos e ficar em casa. Mas algumas trouxeram soluções como tomar vacina e outros evidenciam desejo de acabar com o vírus de maneira pessoal: “Eu também acho um saco, eu quero dar um soco na cara do coronavírus… dar, assim, ó [faz movimentos com o corpo], aí o coronavírus cai no chão… tá morto já” (Eduardo, 7 anos); “Se eu tivesse uma varinha mágica, assim, eu ia tirar o coronavírus de todas as cidades” (Rafaela, 7 anos).

Algumas vozes expressaram uma horizontalidade entre adultos e crianças, pois, embora muitas delas tenham tido informações sobre o coronavírus pelos adultos – mãe, pai, professora –, muitas também souberam pela televisão, pelos amigos. Elon (8 anos), por exemplo, respondeu como soube do coronavírus assim: “todo mundo está falando disso”, ou seja, não tem como não saber sobre o coronavírus porque este era o assunto daquele momento. Pedro (11 anos) soube “[…] quando todo mundo começou a falar do coronavírus. Eu nem sabia que o coronavírus estava ali. Aí que meus amigos começaram a falar. Eles só falavam que agora o coronavírus está rodeando a rua, os países”. Já Luna (9 anos) disse: “soube pelas amigas”. A resposta de Davi (8 anos) mostra que as explicações sobre o coronavírus são poucas: “Acho que é uma coisa muito ruim, perdemos pessoas no mundo. […] Mas nunca explicaram muito bem, mas minha mãe explicou um pouquinho”.

Sentimentos e utopias

É preciso dizer que diversos sentimentos atravessaram a pesquisa ao longo do seu fazer: a luta pela vida e os estudos da infância, o afeto pelo colegas que nos instigaram a realizar a pesquisa, o debruçar-se sobre algo que já se queria distante, o arrumar-se para o encontro, o acontecimento das entrevistas, o falar e a escuta, a singularidade das perspectivas, os silêncios cheios de sentidos, os constrangimentos na conversa, as barreiras tecnológicas e/ou sanitárias que impediam o abraço justo quando ele se fazia mais necessário, o mudar de assunto como escape e salvação, as reelaborações ao longo da conversa, a escrita como reencontro… Como já dito, os sentimentos opera(ra)m como um fincar-se no tempo presente, uma forma de perceber/compreender a produção da realidade social e, no caso desta pesquisa, de imaginar futuros para fertilizar a utopia enquanto se registra o que substancia o já vivido.

Foram diversos e um tanto paradoxais, contraditórios e mesmo ambivalentes os sentimentos manifestados pelas crianças em relação à pandemia.

Gustavo (6 anos): Depois que a pandemia chegou todo mundo ficou assustado.

Davi (8 anos): Eu acho que foi um pouquinho legal e um pouquinho chato. A parte chata foi porque não podíamos sair para os lugares e a parte legal era que eu não ia para escola.

Alana (7 anos): Eu acho a pandemia ruim porque ela trouxe a saudade. A saudade antes era pouca, era de alguns dias, e com a pandemia, foi de um ano e meio.

Maria Beatriz (5 anos): Eu gostava de fazer sabe o quê? Ficava de bagunça na cama da minha mãe. Brincava de pula-pula.

Samuel (4 anos): Feliz de ficar em casa e não ficar doente.

Rafaela (7 anos): Eu gosto de brincar, eu gosto de… Eu tenho um canal no youtube […]. Eu também gosto de ter aula no computador, eu gosto de ver os meus vídeos no youtube.

Por um lado, preocupações, medo de adoecer ou de perder algum familiar, perdas efetivas, saudade dos amigos afastados, principalmente, pela suspensão das aulas; por outro, esperança de dias melhores e uma indisfarçável alegria de – em alguns casos – ter os responsáveis mais presentes no cotidiano, descoberta de novas formas de brincar, a inusitada experiência de não ter que ir para a escola, o uso menos controlado das tecnologias disponíveis, justificado, inclusive, pelo acesso às aulas remotas.

Nesse misto de sentimentos, Sereno e Luna nos comoveram pela profundidade de suas falas, enquanto Giovana, que havia perdido a mãe por outra doença que não a covid-19, sinalizava que o próprio falar sobre os sentimentos implica, também, outros sentimentos, de ruminar lento e estrangeiros às palavras. Provocaram deslocamentos e afetamentos, uma partilha de sentimentos:

Sereno (9 anos): Eu tenho muitas informações, mas eu vou falar as principais, primeiro […]. Hoje em dia a covid está sofrendo muitas mutações genéticas, que está deixando ele muito forte, que dá até uma perda de esperança, só que com certeza no futuro a gente vai conseguir vencer essa pandemia.

Pesquisadora: O que mais te preocupou com relação à doença?

Sereno: Foi quando o meu pai e o meu bisavô ficaram com covid. E também com a minha tia, mas ela infelizmente não sobreviveu a essa doença.

Pesquisadora: Sério? Meus sentimentos, Sereno.

Pesquisadora: O que te deixou triste?

Luna (9 anos): Porque eu não podia mais sair de casa pra brincar com os meus amigos e fiquei com medo que a minha melhor amiga fosse me esquecer. Mas aleluia que ela não me esqueceu, e agora a gente joga robox juntas.

Pesquisadora: Que sentimentos esta pandemia tem despertado em você?

Giovana (9 anos): Muitas coisas. Medo e saudade de algumas pessoas que eu gosto.

Pesquisadora: E vamos falar sobre as mudanças causadas pela pandemia. O que mudou na sua vida com a pandemia?

Giovana: Essa eu não quero responder não.

O diálogo com Gabriel e Bento, nessa partilha, são exemplares de como as crianças articulam a complexidade e a simplicidade da vida cotidiana, quebrando algumas linearidades discursivas e fazendo emergir a singularidade da sua interpretação infantil:

Pesquisadora: Você ficou ou fica preocupado com essa coisa do coronavírus? […].

Gabriel (7 anos): Fico. Esse coronavírus me preocupa muito. [Me preocupa] da minha família pegar, dos meus amigos. Então eu quero que achem logo um remédio pra tirar a pandemia.

Pesquisadora: Você tem medo que eles peguem?

Gabriel: Até de mim eu tenho.

Pesquisadora: É? E você, assim, e todo mundo fica sentindo muita coisa, né? […]. O que você sente? Qual o sentimento?

Gabriel: Olha eu fico muito nervoso. Às vezes eu fico triste. Aí meu pai fica lá brincando um pouco comigo. Aí a gente assiste filme agarradinho na cama. Fica quentinho. Aí ele faz uma pipoquinha e a gente come na cama com a minha mãe.

Pesquisadora: Você fica preocupado com o coronavírus?

Bento (5 anos): Sim. […]. Porque ele pode matar a minha família.

Pesquisadora: E o que você sente?

Bento: Às vezes eu sinto que estou com o corona e às vezes eu sinto que estou bom. Por causa que eu fiquei com medo de morrer.

Pesquisadora: E tem alguma coisa que deixa você feliz com a pandemia?

(Bento acena com a cabeça que sim).

Bento: Sorvete.

A formulação de utopias e expectativas de futuro mostraram que muitas crianças percebiam o presente como um momento inusitado e controlado, marcado pelas medidas sanitárias e por discursos diuturnamente repetidos sobre a pandemia: “De repente, só se fala de covid” (Pedro, 9 anos); “Ah, tá muito chato” (Letícia, 5 anos). Mesmo as projeções de futuro, traziam esse sentimento de contenção e de controle do tempo presente: “Eu vou poder ir em todo lugar que eu quiser, livre e sem ter muito agendamento, porque agora a gente tá tendo que agendar as coisas pra não ficar muito aglomerado” (Letícia, 9 anos). Diferentemente do simples existir, viver, “normal”, ter que ficar pensando e se programando, tornava presente a doença, fixando o cenário.

As expectativas de futuro também foram diversas. Letícia (9 anos), por exemplo, traz uma perspectiva um tanto distópica: “Eu sonho com um mundo como aquela propaganda do Bradesco. Você já viu? Que é tipo assim, o mundo inteiro de metal. As pessoas usam naves espaciais para andar. Os relógios são aqueles relógios tecnológicos que quando você encosta consegue achar tudo”. Contrasta com a simplicidade encarnada da resposta de outras crianças que, perguntadas sobre o que as pessoas farão depois da pandemia, resumem: “Viver” (Céu, 5 anos); “Comer uma merenda boa com Guaravita” (Mirela, 9 anos); “Ver os rostos. Abraçar” (Letícia, 10 anos).

Vale destacar que o futuro foi recorrentemente narrado como “quando acabar a pandemia”, mas se apresentava mesclado ao passado por um sentimento de “voltar ao normal” da vida cotidiana, expressão literalmente utilizada por 56 crianças, um futuro que é também retorno e nos dá a ver a percepção que tinham da esfera social e das desigualdades que a constituem. Espectar o futuro é também mudar o existente, desfazer os arranjos e rotinas impostas pela pandemia, como era o caso de Gabriel (7 anos), que precisou se mudar e não teve como levar seu cachorro: “Queria que o meu cachorrinho Felipe, é… [Que] ele não continuaria na casa da minha avó. Eu ia fazer um lugar para ele no meu quarto. […] É, até eu vou fazer, pra ele vim pra cá. Eu vou. Quando eu terminar de fazer, ele vem pra cá, tenho certeza”.

Pesquisadora: O que que você gostaria que mudasse?

Alice (12 anos): Muitas pessoas perderam o emprego por conta dessa pandemia. Muitos parentes meus não têm emprego e eu ia gostar que eles tivessem um, algum, tipo de emprego que tenha salário mínimo. Que eles possam se cuidar também. E isso seria bom para as pessoas e para o mundo inteiro também, né, que tem comércio um monte de coisa. Isso vai ajudar outras pessoas também, entendeu?

Anna Julia (10 anos): Ah, eu gostaria que os preços das comidas não seriam tão altos.

Alana (7 anos): No mundo, (eu) queria que mudasse o racismo. Na minha vida, nada, porque ela é muito boa.

Gabriel, por sua vez, investido do imaginário que um dia moveu Thomas More, ensaia a sua Utopia:

Gabriel (12 anos): Eu posso descrever um mundo perfeito, não sei se vale. Acho mais fácil do que dizer o que tem que melhorar.

Pesquisadora: Tá.

Gabriel: Eu acho que você trabalhar e você estudar são coisas importantes na vida, porque senão a vida ficaria monótona e chata. Então eu acho que precisa disso [ri]. Mas algo que eu acho… As coisas seriam mais acessíveis pra todo mundo. Tudo seria mais acessível e todo mundo teria, não vou dizer as mesmas coisas, porque senão, não faz sentido, mas todo mundo teria o mínimo, o básico. Não teria nada [d]essas coisas de violência, de guerra, esse tipo de coisa. Que todo mundo tivesse acesso ao básico, mas também tivesse que trabalhar pra ter mais, não mais que o básico, mas… Você entendeu? […].

Pesquisadora: Mas esse básico que você disse que todo mundo deveria ter, é o quê?

Gabriel: É moradia, comida, dinheiro pra você ter o que quer. Mas não muito mais do que isso, pra você conseguir relativamente bem, que é o que todo mundo quer. Assim, pra você não passar necessidade muito grande, mas você não teria uma mansão. Você viveria bem.

Considerações finais

Temos ciência que muito foi discutido sobre a pandemia, mas ponderamos que as crianças e suas infâncias ainda permanecem como categorias silenciadas e invisibilizadas. Nesse sentido, entendemos que nossa pesquisa contribui na medida em que revelou a visão que as crianças têm do mundo em que vivem, o qual somente elas podem nos dizer a partir do lugar geracional que ocupam. Nós, adultos, ainda estamos aprendendo a traduzir e compreendê-las, pois, como lembra Castro (2008)CASTRO, Lúcia Rabello de. A politização (necessária) do campo da infância e da adolescência. Psicologia Política, Florianópolis, v. 7, n. 14, p. 1-19, 2008., ainda forjamos uma identificação com o que imaginamos que possam ser seus anseios e interesses.

Em certa medida, foi isso que buscamos por meio da pesquisa, isto é, compreender os sentimentos, as utopias, percepções e experiências de 73 crianças fluminenses a respeito do período pandêmico. Se iniciamos este texto com a apresentação de um panorama sócio-histórico das medidas que foram adotadas (ou não) pelos governos federal, estadual e municipal, ela foi importante por permitir compreender como as crianças encontram-se no cenário social, no qual os sentimentos se esvaem em sentidos polissêmicos, e a utopia requer a capacidade de leitura do presente para projetar os anseios futuros.

Semelhante ao NEPEI (Silva; Luz; Carvalho, 2021SILVA, Isabel de Oliveira; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz. Infância e pandemia na região metropolitana de Belo Horizonte: primeiras análises. Belo Horizonte: UFMG/FaE/NEIPE, 2021.), concluir a pesquisa não é apenas um desafio teórico, mas também ético, estético e político, no sentido de apreender a condição de vida das crianças, o exercício dos seus direitos, e a sensibilidade e criatividade delas ao falarem (ou não falarem) sobre aquilo que as afeta. Um encaminhamento que nos colocou frente a assuntos controversos para elas e para nós, sobretudo ao tratarmos das questões geracional, de gênero e racial. As perguntas não feitas ou não respondidas nos revelam a complexidade quando é de infância que se fala e trata.

Uma complexidade e também simplicidade quando as crianças nos falam dos seus sentimentos, quando pensam e nos explicam um mundo outro. Sentir e imaginar um outro mundo possível foi no sentido de um reordenamento das relações e dos espaços, do sonhar mesmo para a resolução de questões práticas, cujas escolhas não se consegue fazer fora do sonho, mas o qual permite diferentes possibilidades (Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.).

Notas

  • 1
    Conforme indicação da Academia Médica Brasileira, usaremos a grafia em letra minúscula para covid-19, covid e coronavírus por se tratar de um nome comum de doença (Boeno, 2022BOENO, Ana Letícia. COVID, Covid ou covid? Qual é o certo? Academia Médica, out. 2022. Disponível em: https://academiamedica.com.br/blog/covid-covid-ou-covid-qual-e-o-certo. Acesso em: 11 fev. 2023.
    https://academiamedica.com.br/blog/covid...
    ).
  • 2
    A pesquisa realizada foi coordenada pelas professoras: Conceição Firmina Seixas Silva (UERJ), Deise Arenhart (UFRJ), Lisandra Ogg Gomes (UERJ), Núbia Oliveira dos Santos (UFRJ), Patrícia Corsino (UFRJ) e Rita Marisa Ribes Pereira (UERJ). Em etapa posterior participaram as professoras Flávia Maria de Menezes (UERJ) e Jordanna Castelo Branco (UERJ).
  • 3
    Com o mesmo registro de ementa, em 06/02/2020 o Governo Federal decretou e sancionou a Lei 13.979 (Brasil, 2020bBRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, ano 158, n. 27, 2020b. Seção 1. P. 1). A Prefeitura do Rio de Janeiro, através do Decreto n.º 47246, de 12/03/2020, regulamentou a Lei nº 13.979RIO DE JANEIRO. Decreto n° 47.246 de 12 de março de 2020. Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e estabelece medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus no âmbito do Município do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020a. e igualmente estabeleceu medidas para o enfrentamento da Covid-19 (Rio de Janeiro, 2020a).
  • 4
    Contágio comunitário é aquele que acontece internamente, nas cidades, já desvinculado das situações de viagem.
  • 5
    Dados organizados diariamente pelo Centro de Informações Estratégicas e Resposta de Vigilância em Saúde (CIEVS-RJ) da Secretaria de Saúde do Estado do RJ, a partir do sistema esus-VE e SIVEP-Gripe, em articulação com as vigilâncias das secretarias municipais de saúde do estado. Disponível em: https://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html
  • 6
    O recorte temporal entre os anos de 2020 e 2022 justifica-se pelo começo da pandemia e pela finalização das análises da pesquisa.
  • 7
    Convenção dos Direitos da Criança (Brasil, 1990aBRASIL. Decreto n° 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Diário Oficial da União, Brasília, ano 127, n. 223, 22 nov. 1990a. Seção 1. P. 22256.) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990bBRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, ano 127, n. 135, 16 jul. 1990b. Seção 1. P. 13563.).
  • 8
    Nesse período as atividades escolares ocorriam na forma presencial e virtual. As escolas privadas puderam retornar a partir de 1º/10/2020 (Rodrigues, 2020RODRIGUES, Léo. Escolas privadas do Rio tomam decisões distintas após retorno liberado. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 1 out. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-10/escolas-privadas-do-rio-tomam-decisoes-distintas-apos-retorno-liberado#:~:text=Assim%20como%20a%20Escola%20Nova,sala%20e%20uso%20de%20m%C3%A1scara. Acesso em: 13 jan. 2023.
    https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
    ). O Decreto estadual nº. 47.300 apontava para a necessidade das redes públicas municipais e estadual se preparem para o retorno às aulas (Rio de Janeiro, 2020bRIO DE JANEIRO. Decreto nº 47.300 de 02 de outubro de 2020. Altera o decreto nº 47.287, de 18 de setembro de 2020, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da propagação do novo coronavírus (covid19), em decorrência da situação de emergência em saúde, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2020b.), o que ocorreu ao longo de 2021.
  • 9
    Participaram da pesquisa os seguintes grupos de estudos, pesquisa e extensão: Educação Infantil e Relações Raciais: narrativas positivas e potentes da Cultura Afro-Brasileira e Africana (GEERREI/UFRJ), Espaço de Práticas e Pesquisa sobre Infância (EPPI/UERJ), Infância, Cultura e Docência na Educação Infantil (UFRJ), Infância, Linguagem e Educação (GEPILE/UFRJ), Infância e Cultura contemporânea (GPICC/UERJ) e Território dos Estudos da Infância (TEI/UERJ).
  • 10
    Nestes casos os protocolos sanitários da época foram respeitados.
  • 11
    Uma criança, ao ver o irmão sendo entrevistado, manifestou interesse em participar, mas apenas no contexto da entrevista mencionou ter recentemente completado 13 anos. Mantivemos a entrevista por respeito à criança e por considerar a recente mudança de idade.

Disponibilidade dos dados da pesquisa

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referências

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Editado por

Editora-responsável: Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2023
  • Aceito
    16 Maio 2023
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