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Caracterização dos frutos, sementes e plântulas de espécies de Clusiaceae das restingas do Rio de Janeiro

Characterization of fruits, seeds and seedlings of species of Clusiaceae from sandy coastal plains (restingas) of Rio de Janeiro State

Resumos

No presente trabalho foi estudada a morfologia dos frutos, sementes e plântulas de cinco espécies de Clusiaceae presentes em vegetação de restinga do estado do Rio de Janeiro. Os frutos das espécies estudadas apresentam características ligadas à zoocoria (Clusia fluminensis, C. lanceolata, C. criuva e Garcinia brasiliensis) e à anemocoria (Kielmeyera membranacea). As sementes recém-coletadas apresentam altas taxas de germinação: C. fluminensis (100%), C. lanceolata (100%), C. criuva (99,2%), G. brasiliensis (90,45%) e K. membranacea (91%). A germinação fanerocotiledonar foi registrada em C. fluminensis, C. lanceolata, C. criuva e K. membranacea e criptocotiledonar em G. brasiliensis. Plântulas de espécies de Clusia são frequentemente encontradas no habitat natural, especialmente associadas a espécies de Bromeliaceae, que funcionam como plantas-berçário.

Clusia; Garcinia; Kielmeyera; plantas-berçário; restinga


In this work we studied the morphology of fruits, seeds and seedlings of five species of Clusiaceae present in vegetation of sandy coastal plains (restinga) from the State of Rio de Janeiro. The fruits of the studied species have characteristics of zoochoric (Clusia fluminensis, C. lanceolata, C. criuva and Garcinia brasiliensis) and anemocoric dispersion (Kielmeyera membranacea). The newly collected seeds have high germination rates: C. fluminensis (100%), C. lanceolata (100%), C. criuva (99.2%), G. brasiliensis (90.45%) and K. membranacea (91%). Germination is phanerocotyledonar in C. fluminensis, C. lanceolata, C. criuva and K. membranacea and cryptocotyledonar in G. brasiliensis. Seedlings of Clusia species are frequently found in the natural habitat especially associated with species of Bromeliaceae, that act as nursery plants.

Clusia; Garcinia; Kielmeyera; nursery plants; "restinga"


ARTIGOS ORIGINAIS

Caracterização dos frutos, sementes e plântulas de espécies de Clusiaceae das restingas do Rio de Janeiro

Characterization of fruits, seeds and seedlings of species of Clusiaceae from sandy coastal plains (restingas) of Rio de Janeiro State

Maria Célia Rodrigues Correia1 1 Autor para correspondência: maria.celia.rodrigues.correia@gmail.com ; Heloisa Alves de Lima; Renata Carolina P. da Silva

Museu Nacional, Dept. Botânica, Lab. Biologia Reprodutiva, Quinta da Boa Vista s/n, 20940-040, São Cristovão, Rio de Janeiro

RESUMO

No presente trabalho foi estudada a morfologia dos frutos, sementes e plântulas de cinco espécies de Clusiaceae presentes em vegetação de restinga do estado do Rio de Janeiro. Os frutos das espécies estudadas apresentam características ligadas à zoocoria (Clusia fluminensis, C. lanceolata, C. criuva e Garcinia brasiliensis) e à anemocoria (Kielmeyera membranacea). As sementes recém-coletadas apresentam altas taxas de germinação: C. fluminensis (100%), C. lanceolata (100%), C. criuva (99,2%), G. brasiliensis (90,45%) e K. membranacea (91%). A germinação fanerocotiledonar foi registrada em C. fluminensis, C. lanceolata, C. criuva e K. membranacea e criptocotiledonar em G. brasiliensis. Plântulas de espécies de Clusia são frequentemente encontradas no habitat natural, especialmente associadas a espécies de Bromeliaceae, que funcionam como plantas-berçário.

Palavras-chave:Clusia, Garcinia, Kielmeyera, plantas-berçário, restinga.

ABSTRACT

In this work we studied the morphology of fruits, seeds and seedlings of five species of Clusiaceae present in vegetation of sandy coastal plains (restinga) from the State of Rio de Janeiro. The fruits of the studied species have characteristics of zoochoric (Clusia fluminensis, C. lanceolata, C. criuva and Garcinia brasiliensis) and anemocoric dispersion (Kielmeyera membranacea). The newly collected seeds have high germination rates: C. fluminensis (100%), C. lanceolata (100%), C. criuva (99.2%), G. brasiliensis (90.45%) and K. membranacea (91%). Germination is phanerocotyledonar in C. fluminensis, C. lanceolata, C. criuva and K. membranacea and cryptocotyledonar in G. brasiliensis. Seedlings of Clusia species are frequently found in the natural habitat especially associated with species of Bromeliaceae, that act as nursery plants.

Key words:Clusia, Garcinia, Kielmeyera, nursery plants, "restinga".

Introdução

As restingas do estado do Rio de Janeiro ocupam uma área de aproximadamente 1.200 km2, correspondendo a 2,8% da área total do estado (Araújo & Maciel 1984), com 1.008 espécies conhecidas (Pereira & Araújo 2000). São raras as áreas de restinga protegidas em unidades de conservação, destacando-se no Rio de Janeiro o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Para outras áreas como Maricá, Grumari e Saquarema, o impacto antrópico tem se intensificado nas últimas décadas, de modo que são urgentes e prioritários projetos que visem à conservação dos remanescentes e à restauração de áreas degradadas (Zamith & Scarano 2004). Neste contexto, o conhecimento sobre a germinação e o desenvolvimento das plântulas reveste-se de grande importância.

Estudos indicam o preponderante papel de processos de facilitação na estruturação das comunidades de vegetação de moitas sobre cordões arenosos. A dinâmica de formação das moitas parece ser facilitada por determinadas espécies chaves que, ao se instalarem, formam pequenas ilhas que vão sendo colonizadas (Zaluar & Scarano 2000). O interior das moitas e as bromélias tanques são assinalados como importantes sítios de germinação para diversas plantas de restinga, especialmente as Clusiaceae (Correia 1983; Henriques et al. 1986; Fialho & Furtado 1993).

A capacidade de reconhecer plântulas e plantas jovens de espécies de restinga e seus respectivos sítios de germinação facilitam estudos que envolvam o recrutamento, a sucessão e a compreensão da dinâmica de populações presentes neste ambiente. No entanto, a germinação ainda é tema pouco conhecido quando se trata de vegetação de restinga, destacando-se o trabalho de Zamith & Scarano (2004), que trata principalmente da germinação propriamente dita, com interesse na viabilidade de produção de mudas. No que se refere à morfologia das plântulas, essencial para o reconhecimento das mesmas no ambiente natural de restinga, destacam-se os trabalhos que abordam espécies de Bignoniaceae (Correia 2002; Correia et al. 2005; Correia & Lima 2006), Bromeliaceae (Ferreira et al. 2006), Sapotaceae (Ferreira et al. 2005), e Fabaceae (Gonçalves et al. 2008) e algumas espécies dióicas (Correia et al. 2008).

O objetivo do trabalho foi estudar a morfologia dos frutos e das sementes, a fim de registrar períodos e estádios de maturação dos frutos, assim como descrever as etapas da germinação e a morfologia do desenvolvimento de plântulas, a fim de reconhecê-las no ambiente natural. Neste trabalho, foram estudadas as seguintes espécies de Clusiaceae: Clusia fluminensis Planchon & Triana, Clusia lanceolata Cambess., Clusia criuva Cambess., Garcinia brasiliensis (Mart.) Planchon & Triana e Kielmeyera membranacea Casar.

Material e Métodos

Os trabalhos de campo compreenderam excursões à Área de Proteção Ambiental da restinga de Maricá (APA de Maricá) e ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no período de janeiro/2002 a dezembro/2004 para: registro e acompanhamento da frutificação, coleta de frutos maduros e de sementes e localização de plântulas de Clusia fluminensis, Clusia lanceolata, Clusia criuva, Garcinia brasiliensis e Kielmeyera membranacea. Para tal foram realizadas buscas próximas aos locais de ocorrência das espécies, incluindo interior de moitas, bromélias e áreas desnudas.

Os dados climatológicos foram tomados usando a média histórica para o período de 1986 a 2008 segundo o Instituto de Meteorologia para a Estação de Maricá (Nº 834089), Município de Maricá, RJ.

Os frutos foram ensacados no início do desenvolvimento com sacos feitos de tecido de algodão de malha larga (tipo filó) e acompanhados até a maturidade. Quando deiscentes, os frutos foram analisados quanto ao tamanho e quantidade de sementes. As medidas dos frutos e das sementes foram tomadas com auxílio de um paquímetro. Os frutos foram classificados segundo Barroso et al. (2004).

As sementes foram retiradas manualmente dos frutos e, nos dias subsequentes às coletas de campo, submetidas à germinação em laboratório, em temperatura ambiente, usando-se placas de Petri com papel de filtro umedecido com água destilada. Sementes sem embrião ou mal formadas foram descartadas. Nas espécies de Clusia, a germinação foi testada em sementes com e sem o arilo, neste caso removido manualmente sob água corrente. O número de sementes em cada amostra variou de acordo com a disponibilidade das mesmas. Os experimentos de germinação foram acompanhados diariamente. Foi considerada germinada a semente que apresentou o rompimento dos tegumentos e a emergência da raiz principal.

A classificação do tipo de germinação seguiu a de Ducke (1965), que estabelece que plântulas fanerocotiledonares liberam seus cotilédones do tegumento seminal e plântulas criptocotiledonares mantêm os cotilédones envoltos pelo tegumento seminal.

A definição de plântula utilizada foi a de Parra (1984), que inclui todos os estádios de desenvolvimento desde a emergência da raiz principal até o aparecimento das primeiras folhas. Cada estádio do desenvolvimento foi desenhado e anotado o número de dias decorridos: aparecimento da raiz principal, dos cotilédones, das primeiras folhas e do tempo que os cotilédones ficam exauridos e secam. O percentual germinativo foi considerado da seguinte maneira (0–25%=muito baixo, 25–50%=baixo, 50–75%=médio, 75–100%=alto). Não foi utilizado qualquer tratamento para acelerar a germinação. A presença de açúcares e de gorduras nas células do arilo das sementes de Clusia spp. foi determinada a partir de maceração do tecido, utilizando-se reagente de Fehling (Morita & Assumpção 1972) e Sudan IV (Johansen 1940), respectivamente.

Resultados

Todas as espécies estudadas são arbóreas, com sistema sexual dioico, exceto Kielmeyera membranacea que tem porte arbustivo e flores hermafroditas. Na restinga, as espécies estudadas, liberam sementes principalmente no período mais frio e seco do ano ou na transição para a estação mais quente e chuvosa (Fig. 1).


Frutos

Os frutos das espécies de Clusia são cápsulas, com cinco (C. criuva e C. fluminensis) ou de cinco a dez (C. lanceolata) estigmas persistentes. Cada estigma corresponde a uma loja nas quais se localizam as sementes (Tab. 1; Fig. 2a,d-e,g). As sementes são ovaladas (Figs. 3a,f, 4a ) com superfície lisa, de cor amarelada (C. fluminensis e C. lanceolata) ou levemente vinácea (C. criuva), sempre revestidas por um arilo vistoso, membranáceo e de cor abóbora. As células do arilo reagem positivamente ao reagente de Fehling e ao Sudan IV evidenciando, respectivamente, a presença de açúcares e de lipídios. As sementes apresentam dispersão zoocórica.



Em G. brasiliensis o fruto é indeiscente, do tipo bacoide campomanesoidio, arredondado (Tab. 1, Fig. 2h), com estaminódios persistentes. A polpa que envolve as sementes é alva, adocicada e escassa. Os frutos quando não são dispersos murcham, caem e secam sobre o solo, liberando as sementes (Fig. 2i). As sementes são elipsoides (Fig. 5a), marrons com linhas longitudinais mais claras e, internamente são amarelas e exsudam látex. As sementes apresentam dispersão zoocórica.


O fruto de K. membranacea é uma cápsula, com superfície pouco pilosa e de cor marrom escura (Tab. 1; Fig. 2j). Quando deiscente, o fruto expõe sementes aladas, delgadas, de cor marrom-clara, com as expansões do tegumento de consistência papirácea e forma aproximadamente elíptica (Fig. 6a). As sementes apresentam dispersão anemocórica.


Germinação

As Clusiaceae estudadas apresentam alto percentual de germinação, sempre superior a 90%, do tipo fanerocotiledonar (Figs. 3, 4 e 5), com rápido rompimento do tegumento e emissão da raiz principal, excetuando-se G. brasiliensis, cuja germinação é criptocotiledonar (Fig. 5) e o tempo médio de germinação é longo (Tab. 2). Nas espécies de Clusia, a germinação não é afetada pela presença do arilo.

Plântulas das espécies de Clusia:

Todas as plântulas das espécies de Clusia estudadas se desenvolvem lentamente. Depois da emissão da raiz principal (Figs. 3b,g, 4b ), o hipocótilo, que é crasso, cilíndrico e de cor verde claro, assume uma posição ereta (Figs. 3c,h, 4c ). O tegumento da semente fica preso ao hipocótilo, mantendo os cotilédones inclusos por um período de sete a nove dias, em C. fluminensis, 10 dias em C. lanceolata e 12 dias em C. criuva. À medida que o hipocótilo se desenvolve, o tegumento vai se soltando até que se desprende, liberando os cotilédones entre 20 dias em C. criuva, a 30 dias em C. fluminensis e C. lanceolata (Figs. 3d,h, 4d ). Neste estádio algumas plântulas das espécies de Clusia apresentam pequenas raízes adventícias. Os cotilédones recém-emitidos são verdes, foliáceos, pequenos (0,5 mm em C. fluminensis, 0,3 mm em C. lanceolata e 0,2 mm em C. criuva), planos e apresentam forma arredondada. É comum a presença de plântulas com três cotilédones em C. fluminensis e em C. criuva. O primeiro par de folhas surge com 60 dias em C. fluminensis (Fig. 3e), 50 dias em C. lanceolata (Fig. 3i) e 30 dias em C. criuva (Fig. 4e ); as folhas têm consistência crassa, forma elíptica e bordos do limbo lisos. Em C. lanceolata, no estádio de um par de folhas, a plântula apresenta um hipocótilo muito fino e comprido (cerca de 12 cm) e um sistema radicular pouco desenvolvido. O segundo par de folhas, com filotaxia oposta cruzada, ocorre com cerca de 90 dias em C. criuva (Fig. 4f ), 120 dias para C. fluminensis e 150 dias para C. lanceolata. Neste estádio todas as espécies apresentam raízes secundárias e adventícias e uma altura variando de 9 cm (C. criuva), 11 cm (C. fluminensis) a 15 cm (C. lanceolata). O terceiro par de folhas é emitido com 120 dias em C. criuva (Fig. 4g ), 150 dias em C. fluminensis a 170 dias em C. lanceolata. Com aproximadamente 180 dias todas as espécies perdem os cotilédones.

Plântula de Garcinia brasiliensis

Pouco depois da emissão da raiz principal (Fig. 5b), surge o epicótilo que é cilíndrico e tem tonalidade verde-escura (Fig. 5c). No epicótilo se desenvolvem cerca de três catáfilos, até o surgimento do primeiro par de folhas (Fig. 5d). Os cotilédones são conferruminados e variáveis quanto ao tamanho, possuindo em média 16,95 mm comprimento × 15,53 mm de largura (N=30). A plântula de G. brasiliensis tem crescimento muito lento; com 244 dias em média após a germinação apresenta dois pares de folhas. Neste estádio, a plântula tem uma altura de 12 cm e o sistema radicular possui algumas raízes secundárias (Fig. 5e). As folhas apresentam filotaxia oposta cruzada, forma elíptica e bordos do limbo lisos. São inicialmente avermelhadas, passando a verde-claras e posteriormente a verde-escuras. Com 306 dias em média, a plântula apresenta o terceiro par de folhas, tem o sistema radicular bem desenvolvido e ainda apresenta os cotilédones, porém menos túrgidos (Fig. 5f). É comum observar-se a presença de mais uma ou duas raízes principais no pólo oposto ao da germinação. Geralmente estas outras raízes não se desenvolvem (Fig. 5f).

Plântula de Kielmeyera membranacea

A plântula de K. membranacea apresenta crescimento lento. Após a emissão da raiz principal (Fig. 6b), surge o hipocótilo que é cilíndrico, glabro e de cor verde (Fig. 6c). Em algumas plântulas, nesta fase há um crescimento acelerado da raiz principal, podendo esta apresentar algumas raízes secundárias (Fig. 6c). Em seguida, os cotilédones se desprendem do tegumento (Fig. 6d). Os cotilédones são discoides, relativamente grandes (1,7 cm de comprimento por 1,5 cm de largura) e de cor verde-escura. Com 40 dias e uma altura de aproximadamente 6 cm, a plântula de K. Membranaceae encontra-se com os cotilédones completamente distendidos e emitem as primeiras folhas (Fig. 6e). Aos 90 dias, a plântula tem 7 cm de altura e apresenta as primeiras folhas ainda bem diminutas (Fig. 6f). As folhas têm forma elíptica, bordos lisos e consistência coriácea.

Plântulas no habitat natural

Plântulas de Clusia spp. são frequentemente encontradas no habitat natural, ligadas às bromélias Neoregelia cruenta (R. Graham) L.B. Smith, Aechmea nudicaulis (L.) Grised e Vriesea neoglutinosa Mez., tanto nos reservatórios de água formados pelas folhas mais internas, como naqueles formados pelas folhas mais externas (Fig. 2b,c,f). Foram registradas plântulas em vários estádios de desenvolvimento: com cotilédones, com as primeiras folhas e até plantas jovens, o que sugere que o tempo de vida dentro do copo das bromélias pode estender-se por mais de 200 dias. Observações no campo mostraram que o crescimento das raízes adventícias dá-se, simultaneamente, com o crescimento da raiz principal. A partir do momento em que as raízes adventícias alcançam o solo, a planta adquire suporte no solo, modificando seu sítio de estabelecimento (Fig. 2c). Cabe destacar que plântulas são mais frequentes na bromélia N. cruenta, talvez pela disposição mais alargada de suas folhas.

Plântulas de G. brasiliensis, também são frequentes no habitat natural, mas sempre localizadas sob a copa da planta mãe.

Com relação a K. membranacea não foi registrada nenhuma plântula, pelo menos no período das observações em campo.

Discussão

Dentre as espécies estudadas, todas apresentam estruturas facilitadoras de dispersão, exceto G. brasiliensis: Kielmeyera membranacea tem sementes aladas e as espécies de Clusia sementes ariladas.

O tipo de germinação não variou entre as espécies de Clusia, todas apresentando germinação fanerocotilodonar, assim como Kielmeyera membranacea. No entanto, Oliveira (1986) relata germinação criptocotiledonar para Kielmeyera speciosa A. St. Hil. e fanerocotiledonar para K. coriacea Mart., de modo que o tipo de germinação não é uniforme no gênero Kielmeyera.

Nos ensaios de germinação C. fluminensis e C. lanceolata destacaram-se pela alta germinabilidade, que alcançou 100%. Para C. fluminensis, Zamith & Scarano (2004) obtiveram percentuais mais baixos (13 a 56%, em quatro repetições). Acredita-se que esta grande diferença no percentual germinativo para a espécie, deva-se ao fato de terem sido selecionadas apenas as sementes potencialmente viáveis com melhor aspecto em nossos experimentos.

A germinação de todas as espécies em estudo foi rápida, ocorrendo num período de 2 a 5 dias, exceto para G. brasiliensis. Estudos sobre a morfologia de sementes de Garcinia spp. (=Rheedia) apontam que elas são elipsoidais, castanhas e com linhas longitudinais claras e semelhantes a nervuras, além de apresentarem látex amarelo (VillaGómezRojas 1990), tal como registrado para G. brasiliensis. A presença de uma ou mais raízes nas plântulas de G. brasiliensis também foi observada para Rheedia acuminata (Ruiz & Pav.) Planchon & Triana (Nascimento et al. 2002). Zamith & Scarano (2004) também registraram germinação lenta e com grande amplitude de variação no tempo necessário para a emergência das partes aéreas para esta espécie, sugerindo a ocorrência de dormência. Cabe ressaltar que frutos amarelos de G. brasiliensis ficam um longo período de tempo nas plantas e no solo (Silva 2005), ou seja, podem não estar necessariamente prontos para a dispersão. Com isso, sementes retiradas destes frutos, presumivelmente maduros, podem estar em períodos de desenvolvimento diferentes, o que justificaria a grande amplitude de variação no tempo de germinação aferido aqui.

Durante os experimentos de germinação foi registrada, pela primeira vez, poliembrionia (plântulas gêmeas) para o gênero Clusia, nas espécies C. fluminensis e C. criuva (Correia et al. 2011). O fenômeno de poliembrionia na família só era assinalado anteriormente para os gêneros Calophyllum L., Kayea Wall., Mammea L. e Garcinia L. (Nascimento et al. 2001; Stevens 2007).

As restingas são caracterizadas como habitats com restrição de água livre, elevada salinidade, exposição ao sol intenso, ventos e solos pobres em nutrientes (Scarano 2002, 2009), fatores que dificultam o estabelecimento de plântulas. Plântulas de G. brasiliensis foram encontradas abaixo da planta mãe, em solo coberto por serrapilheira (folhas em decomposição), local propício à germinação e ao desenvolvimento de plântulas, por ser um ambiente úmido e sombrio. Plântulas de Clusia foram registradas, com muita frequência, em bromélias. Nas condições da restinga, as bromélias-tanque representam um microhabitat relativamente estável, já que tendem a permanecer com água mesmo durante períodos de seca (Krügel & Richter 1995), devendo ser consideradas integrantes de elevada importância neste ecossistema (Rocha et al. 2000, 2004).

A germinação das sementes no interior de bromélias, a chamada "síndrome das plantas-berçários", é uma forma de interação positiva e tem sido relatada para a restinga (Scarano 2002; Martinez & Garcia-Franco 2004). As plantas consideradas "berçários" possuem um papel importante como facilitadoras para o estabelecimento de outras espécies vegetais (Zaluar & Scarano 2000), frequentemente espécies de Clusia (Macedo & Monteiro 1987; Scarano et al. 2004; Zaluar 2002). A relação Clusia/Bromeliaceae foi registrada, pela primeira vez, por Schimper (1903), quando observou sementes de Clusia rosea Jacq. germinando em bromélias epífitas. Correia (1983) também assinalou a germinação e sobrevivência de plântulas de Clusia fluminensis, em vários estádios de desenvolvimento, em Neoregelia cruenta (R. Graham) L.B. Smith (Bromeliaceae), na restinga de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. No Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, Florianópolis, Santa Catarina, também é assinalado por Beduschi & Castellani (2008) grande expressividade de plântulas e de plantas jovens de Clusia criuva em Vriesea friburgensis Mez var. paludosa (L.B.Smith) L.B.Smith.

Nas bromélias, a capacidade de armazenar água está relacionada com a forma de cone invertido e com a disposição espiralada e imbricada das folhas, que constituem verdadeiros reservatórios de água (Rocha et al. 2004); sementes que porventura caiam nestes reservatórios podem ter aumentadas as chances de germinação. Certamente, é o que ocorre com as sementes das espécies de Clusia que, inclusive, liberam sementes na estação mais seca do ano.

Correia (1983) relata que há uma estratificação de umidade a partir da parte central da bromélia para a periferia, o que permite a germinação das sementes e o desenvolvimento de plântulas em diversas posições da bromélia. Experimentos realizados, na restinga de Jacarepaguá, pela autora demonstraram que as sementes de C. fluminensis podem germinar em qualquer espécie de bromélia, não existindo, portanto, uma relação específica com a bromélia Neoregelia cruenta.

Na restinga de Maricá, é freqüente observar plântulas de Clusia spp. em Neoregelia cruenta, Aechmea nudicaulis (L.) Grised. e Vriesea neoglutinosa Mez. Dificilmente é possível diferenciar plântulas muito jovens de Clusia no ambiente natural. No entanto, no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba são observados vários estádios de desenvolvimento de plântulas de Clusia hilariana Schltdl. na bromélia Vrisea neoglutinosa (M.C.R. Correia, observação pessoal). Nesta localidade, pode-se afirmar com segurança (até nos estádios muito jovens) serem plântulas de C. hilariana uma vez que esta espécie predomina no parque, muito embora ocorra também C. criuva, mas limitada as áreas alagadas da restinga.

Agradecimentos

Às desenhistas Lívia Botinhão Vieira dos Santos e Patrícia Millar, a confecção das pranchas. Aos biólogos Eduardo Assis Abrantes e Cristine Benevides, a ajuda na montagem das pranchas de germinação do presente trabalho. À CAPES, a bolsa de mestrado concedida à terceira autora.

Artigo recebido em 17/01/2012.

Aceito para publicação em 03/09/2012.

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2012
    • Aceito
      03 Set 2012
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