Introdução
A fragmentação da vegetação causa a perda da biodiversidade e altera os padrões de reprodução das plantas (Tabarelli et al. 2010). A perda de habitat pode ter efeito negativo na reprodução das plantas, devido à exclusão de polinizadores e diminuição do fluxo de pólen entre indivíduos (Aizen et al. 2002; Aguilar et al. 2006). Entretanto, apesar da diminuição de polinizadores em fragmentos menores, existem espécies com características morfológicas relacionadas a um grupo específico de polinizadores adaptadas às áreas fragmentadas (Aguirre & Dirzo 2008). Habitats fragmentados reduzem a diversidade de espécies (Lovejoy et al. 1986; Laurance et al. 1990; Tabarelli et al. 1999), permanecendo apenas espécies adaptadas às mudanças ambientais (Tabarelli et al. 2010).
A formação de bordas, "efeito de borda" pode causar mudanças na composição de espécies de uma área e influenciar as interações entre plantas e animais (Turner 1996; Bierregaard et al. 2001). As plantas podem ter respostas fenológicas diferenciadas de acordo com as características microclimáticas encontradas em bordas (Murcia 1995). Evidências de mudanças na dinâmica fenológica de vegetais podem ser relacionadas com as alterações ocorridas em borda (Laurance & Yensen 1991; Silva & Tabarelli 2000).
Estudos fenológicos avaliam a compreensão dos eventos repetitivos que ocorrem nos vegetais, influenciados por fatores bióticos e abióticos (Morellato 2003), os quais estão relacionados com a sazonalidade climática e com as interações ecológicas (Frankie et al. 1974). Com base nestes estudos é possível conhecer o processo de regeneração e de reprodução das plantas (Morellato & Leitão-Filho 1996). A dinâmica fenológica dos vegetais sustenta a compreensão da estrutura dos fragmentados recentemente formados (Tabarelli et al. 2010).
As fenofases reprodutivas de floração e frutificação podem ser estimuladas por fatores ambientais, como: precipitação, temperatura e fotoperíodo (Morellato et al. 2000; Morellato & Haddad 2000; Talora & Morellato 2000; Mantovani et al. 2003; Hamann 2004; Hernandes et al. 2004; Bianchini et al. 2006; Calle et al. 2009; Calle et al. 2010). Os fatores abióticos atuam de forma independente para iniciar a reprodução, isso dar-se por estímulos de variáveis ambientais (Suárez-López et al. 2001; Prieto et al. 2008). No entanto, a fragmentação de áreas florestais pode alterar a dinâmica natural dos eventos cíclicos dos vegetais, pela formação de bordas (Murcia 1995; Silva & Tabarelli 2000), trazendo consequências para a ecologia e a evolução dos vegetais (Sherry et al. 2007).
Para área de floresta Atlântica, não existe um padrão reprodutivo definido, quando a sazonalidade é menos pronunciada, os vegetais apresentam ciclos contínuos, independentes das variáveis climáticas (Morellato et al. 2000). Em áreas com sazonalidade acentuada os vegetais apresentam ciclos restritos a determinada estação do ano, revelando dependência do clima (Costa et al. 1992; Liebsch & Mikich 2009), ou podem ser contínuos, ocorrendo ao longo do ano (Funch et al. 2002; Genini et al. 2008). Estudos fenológicos anteriores entre borda e interior revelam a tendência de maior atividade reprodutiva na borda, devido à maior incidência de luz e uma possível diminuição das interações com polinizadores e dispersores (Arberti & Morellato 2010; Reznik et al. 2012). Além das condições climáticas, efeitos de borda podem atuar nos vegetais alterando sua atividade fenológica reprodutiva, com consequências para disponibilidade de recursos para polinizadores e frugívoros (Aizen et al. 2002; Aguilar et al. 2006; Reznik et al. 2012; Pires et al. 2014).
A composição da flora em borda e interior de mata pode alterar devido às mudanças microclimáticas particulares, favorecendo o aparecimento de espécies pioneiras na borda e secundárias no interior (Oliveira Filho et al. 2007; Tabarelli et al. 2010). Igualmente, a ocorrência de espécies das síndromes de dispersão pode diferir entre estas áreas, sendo mais frequente a dispersão biótica - zoocoria - no estrato inferior e a dispersão abiótica - anemocoria e autocria - no estrato inferior (Savary et al. 2003; Yamamoto et al. 2007), estas diferentes estratégias ecológicas são importante para complementação florística de fragmentos.
A crescente preocupação devido à perda da biodiversidade pela fragmentação de áreas naturais intensificou os estudos sobre os efeitos negativos da fragmentação entre as espécies (Lovejoy et al. 1986, Aguilar et al. 2006.), inclusive os efeitos sobre o ciclo reprodutivo dos vegetais (Morellato e Haddad 2000; Tabarelli et al. 2010). Diante disso, será investigado se em habitats fragmentados, as espécies apresentam diferentes comportamentos fenológicos entre borda e interior de mata. Com os seguintes objetivos: i. relacionar os eventos reprodutivos das espécies arbóreas ocorrentes em área de borda e de interior de mata da REBIO Guaribas com as variáveis climáticas; ii. analisar o comportamento das espécies nos dois ambientes (borda vs. interior) e iii classificar as espécies quanto à sucessão ecológica e às síndromes de dispersão, para posterior comparação entre borda e interior.
Material e Métodos
Área de estudo
O estudo foi desenvolvido no fragmento III da REBIO Guaribas (6º48'36"S e 41º45'02"W), o qual está inserido no centro urbano e recebe maior interferência antrópica, possui apenas 338 ha e localiza-se no município de Rio Tinto/PB (MMA 2003). A REBIO Guaribas apresenta características florestais peculiares que a torna uma Unidade de Conservação relevante, com vegetação típica de Mata Atlântica e de Tabuleiro.
O clima da região é do tipo As' (Köppen 1948), clima tropical úmido, com chuvas de outono-inverno. A precipitação média anual é 1.500 mm, mais concentradas entre os meses de março e agosto. O período de temperaturas mais elevadas é de dezembro a fevereiro, entre 28º e 30ºC (MMA 2003).
As chuvas na região são mais frequentes entre março e agosto, atingindo quantidade máxima nos meses de junho e julho (Fig. 1a). A época de maior fotoperíodo coincidiu com o déficit hídrico histórico e temperaturas mais elevadas na região (Fig. 1b). Os dados de precipitação foram obtidos na AESA (Agência Executiva de Gestão de Águas do Estado da Paraíba) e de temperaturas e fotoperíodo (Fig. 1c) no INMET (Instituto Nacional de Meteorologia).
Amostragem
Foram estabelecidas duas parcelas, uma localizada na borda e outra no interior da mata. A área de borda possui contato direto com a zona urbana do município e recebe forte influência externa, diferente da área do interior, que é considerada mais preservada. Cada parcela correspondeu a uma área de 10 × 100 m, abrangendo um total de 2000 m2, as parcelas foram alocadas a uma distância de 300 metros. Os indivíduos estudados foram selecionados com DAP (Diâmetro do Caule à Altura do Peito) superior a 4,0 cm.
As observações mensais das fenofases reprodutivas de floração e de frutificação ocorreram no período de agosto/2008 a agosto/2010, totalizando 25 meses de coleta de dados. As amostras dos indivíduos, quando férteis, foram coletadas, montadas em exsicatas e depositadas no Herbário Lauro Pires Xavier (JPB) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Foram utilizados dois métodos de observação: a intensidade de Fournier (1974) e o índice de atividade (ou porcentagem de indivíduos) (Morellato et al. 1990). As observações foram feitas com auxílio de binóculos e da presença do material reprodutivo encontrado no chão da mata. O padrão fenológico das espécies foi classificado de acordo Gentry (1974) e Newstrom et al. (1994). As espécies foram classificadas quanto à sucessão ecológica, em pioneiras e secundárias, e às síndromes de dispersão, em anemocórica, autocórica e zoocórica (Faegri & Pijl 1979).
Os dados fenológicos foram correlacionados, através da correlação de Spearman, entre os dados climáticos do período do estudo (precipitação, temperatura média e fotoperíodo) e entre os dados climáticos históricos (precipitação e temperatura média).
Resultados
Espécies e indivíduos monitorados
Foram observados um total de 155 indivíduos (96 borda e 59 interior), pertencentes a 55 espécies (35 borda, 28 interior) e 29 famílias (Tab. 1). Fabaceae foi a família mais representativa com seis espécies (18 ind.) e Myrtaceae foi a família com maior quantidade de indivíduos, devido à espécie mais frequente, Campomanesia dichotoma O. Berg (Mattos) com 24 indivíduos.
Tabela 1 Fenologia reprodutiva de comunidade arbórea de floresta tropical da Reserva Biológica Guaribas, Paraíba, Brasil. – SE. sucessão ecológica; SD. síndrome de dispersão; B. borda; I. interior; +. registro de reprodução; -. ausência de reprodução; P. pioneira; S. secundária; SC. sem classificação; Ane. anemocoria; Aut. autocoria; Zoo. zoocoria.
Table 1 Reproductive phenology in tree community of tropical forest in Reserva Biológica Guaribas, Paraíba, Brazil. – SE. ecological succession; SD. dispersion syndrome; B. edge; I. interior; +. reproduction record; -. reproduction of absence; P. pioneer; S. secondary; SC. unrated; Ane. anemochory; Aut. autochory; Zoo. zoochory.
Família / Espécie | Local | Floração | Frutificação | 2008 | 2009 | 2010 | Padrão | SE | SD |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Anacardiaceae | |||||||||
Schinus terebinthifolia Radd. | B | abr-jun | mai-jul | + | + | + | Anual | P | Zoo |
Thyrsodium spruceanum Salzm. ex Benth. | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Annonaceae | |||||||||
Ephedranthus pisocarpus R.E. Fr. | I | set-out | out-dez | + | - | + | Supra-anual | P | Zoo |
Guatteria oligocarpa Mart. | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Apocynaceae | |||||||||
Himatanthus phagedaenicus (Mart.) Woodson | I | dez-fev | jan-mar | + | + | + | Anual | S | Ane |
Araliaceae | |||||||||
Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire, Steyerm. & Frodin | I | - | - | - | - | - | SC | S | Aut |
Arecaceae | |||||||||
Bactris cf. gasipaes Kunt | I | - | jan | + | - | - | Supra-anual | P | Zoo |
Boraginaceae | - | ||||||||
Cordia rufescens A. DC. | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Burseraceae | |||||||||
Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand | B/I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Capparaceae | |||||||||
Capparis flexuosa (L.) L. | B | fev-abr | abr-jul | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Chrysobalanaceae | |||||||||
Couepia rufa Ducke | I | fev-abr | abr-jun | + | + | - | Anual | S | Zoo |
Hirtella ciliata Mart. & Zucc. | B/I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Clusiaceae | |||||||||
Rheedia sp. | B | - | - | - | - | - | SC | SC | Zoo |
Combretaceae | |||||||||
Buchenavia capitata (Vahl.) Eichler | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Ebenaceae | |||||||||
Sp.1 | B | abr e jan | abr-jul e fev | + | - | + | Anual | SC | Zoo |
Erythroxylaceae | |||||||||
Erythroxylum squamatum Sw. Prodr. (DC.) | B | jan-fev | mar-mai | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Erythroxylum sp.1 | B | fev | abr | + | + | + | Anual | SC | Zoo |
Erythorxylum sp.2 | B | set | out | + | + | + | Anual | SC | Zoo |
Euphorbiaceae | |||||||||
Pera sp. | B | - | - | - | - | - | SC | P | Zoo |
Pogonophora schomburgkiana Miers ex Benth. | B/I | - | - | - | - | - | SC | S | Aut |
Sapium glandulatum (Vell.) Pax. | B | jan-fev | mar-jun | + | + | + | Anual | P | Zoo |
Fabaceae | |||||||||
Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr. | B/I | fev-mar | mar-jul | - | + | + | Anual | S | Ane |
Bowdichia virgilioides Kunth | I | set-out | out-jan | + | + | + | Anual | S | Ane |
Bowdichia sp.1 | I | - | - | - | - | - | SC | SC | Ane |
Machaerium angustifolium Vog. | B | - | - | - | - | - | SC | P | Ane |
Pterocarpus sp. | B | fev-mar | mar-jul | - | - | + | Supra-anual | SC | Ane |
Senna macranthera (DC. ex Collad.) H.S. Irwin & Barneby | B | out-nov | out-jan | + | + | - | Anual | P | Zoo |
Lauraceae | |||||||||
Nectandra lanceolata Ness | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Lecythidaceae | |||||||||
Eschweilera ovata (Cambess.) Miers | I | - | - | - | - | - | SC | S | Aut |
Lecythis pisonis Camb. | B | - | - | - | - | - | SC | S | Aut |
Malvaceae | |||||||||
Luehea grandiflora Mart. | B | jan | jan | + | - | - | Supra-anual | P | Ane |
Moraceae | |||||||||
Cecropia sp. | B | out-nov | nov-jan | + | - | - | Anual | P | Zoo |
Sorocea cf hilarii Gaudich. | I | jan-fev | fev-mar | - | - | + | Supra-anual | SC | Zoo |
Myrtaceae | |||||||||
Campomanesia dichotoma (O. Berg) Mattos | B/I | fev-mar | abr-jun | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Eugenia candolleana DC. | B/I | - | - | - | - | - | SC | SC | Zoo |
Myrcia guianensis (Aubl.) DC. | I | fev-mar | abr-ago | - | + | + | Anual | S | Zoo |
Psidium guajava L. | B | fev-mar jun-jul | mar-mai jul-out | + | + | + | Bianual | P | Zoo |
Psidium guineense Sw. | B/I | mai-jun | jul-out | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Nyctaginaceae | |||||||||
Guapira opposita (Vell.) Reitz | B | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Phytolaccaceae | |||||||||
Gallesia integrifolia (Spreng.) Harms | I | - | - | - | - | - | SC | P | Zoo |
Rhamnaceae | |||||||||
Colubrina glandulosa Perkins subsp. reitzii (M.C. Johnst.) Borhidi. | B/I | jun-set | jul-fev | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Alibertia myrciifolia Spruce K. Schum. | I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Chomelia obtusa Cham. & Schltdl | B | fev-mai | mar-set | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Guettarda grazielae Barbosa | B | jan-mai | mar-nov | + | + | + | Contínua | SC | Zoo |
Guettarda platypoda DC. | B | jan-mai | mar-nov | + | + | + | Contínua | P | Zoo |
Salicaceae | |||||||||
Casearia sylvestris Sw. | B | mar-abr jun-set | mai-jun ago-out | + | + | + | Bianual | P | Zoo |
Prockia crucis P. Browne ex L. | B | jan-fev | fev-mar | + | + | + | Anual | S | Zoo |
Xylosma sp. | B | - | - | - | - | - | SC | P | Zoo |
Sapindaceae | |||||||||
Allophylus edulis (A. St.-Hil., A. Juss. & Cambess.) Hieron. ex Niederl. | B | fev | fev-mar | - | + | + | Anual | P | Zoo |
Allophylus laevigatus Radlk. | B | dez | jan | + | + | - | Supra-anual | S | Zoo |
Cupania revoluta Rolfe | B/I | - | - | - | - | - | SC | S | Zoo |
Talisia esculenta (A. St.-Hil.) Radlk. | B | jan-fev | fev-mai | + | + | + | Anual | P | Zoo |
Sapotaceae | |||||||||
Manilkara subsericea (Mart.) Dubard | I | - | - | - | - | - | SC | SC | Zoo |
Simaroubaceae | |||||||||
Simarouba amara Aubl. | B | dez | Jan | - | + | - | Supra-anual | S | Zoo |
Sterculiaceae | |||||||||
Guazuma ulmifolia Lam. | B | - | ...-abr | + | - | - | Supra-anual | P | Zoo |
Sem identificação | |||||||||
Sp2 | I | set-out | set-jan | + | + | + | Anual | SC | Aut |
Sp3 | B | - | - | - | - | - | SC | SC | SC |
Sp4 | I | - | - | - | - | - | SC | SC | SC |
Oito espécies ocorrem em ambas as áreas: Apuleia leiocarpa (Vog.) Macbr., Campomanesia dichotoma, Colubrina glandulosa Perkins subsp. reitzii (M.C. Johnst.) Borhidi., Cupania revoluta Radlk, Marchand, Hirtella ciliata Mart. & Zucc., Pogonophora schomburgkiana Miers, Protium heptaphyllum (Aubl.) e Psidium guianenses Sw.
Na borda, as espécies foram classificadas de acordo com a sucessão ecológica em pioneira, secundária e sem classificação (com 50%, 28,57% e 21,43%, respectivamente) e no interior com 16,67%, 72,22% e 11,11%, respectivamente. As espécies comuns em ambas as áreas foram principalmente de sucessão secundária 88,89% e apenas 11,11% sem classificação (Tab. 1). A síndrome de zoocoria foi mais representativa nas espécies da borda e do interior (82,76% e 65%, respectivamente), seguida de anemocoria e de autocoria (10% e 15% na borda e 3,44% e 15% no interior, respectivamente). As espécies com síndrome de dispersão sem classificação somam-se apenas 3,4% na borda e 5% no interior (Tab. 1). As espécies da borda foram principalmente pioneiras, como por exemplo, Machaerium angustifolium Vog. e Luhea grandiflora Mart. as quais são importantes no processo de regeneração de áreas degradadas. Enquanto, as espécies do interior da mata foram principalmente de sucessão ecológica secundária, as quais são mais adaptadas a áreas sombreadas, como Couepia rufa Ducke e Bowdichia virgilioides Kunth.
Com relação ao porte e a distância entre os indivíduos foram observadas diferenças, entre borda e interior de mata, com DAP médio de 10,6 cm e 13,2 cm, respectivamente. A área de borda teve a maior riqueza de espécies (N = 35), do que no interior (N = 28) e a maior quantidade de indivíduos por espécie (ind./esp. = 2,7 e ind./esp. = 2,1, respectivamente).
Fenologia
Do total de indivíduos estudados, 98 indivíduos (63%) de 29 espécies apresentaram fenofases reprodutivas (82 borda e 16 interior). Nos dois anos de estudo houve diferença na quantidade de indivíduos em fenofases reprodutivas, sendo na borda a maior atividade registrada no primeiro ano de estudo (agosto/2008 a agosto/2009), em 76% e no segundo ano (setembro/2009 a agosto/2010) em 60% dos indivíduos, enquanto no interior a maior atividade reprodutiva ocorreu no segundo ano, em 25% dos indivíduos e apenas 22% dos indivíduos no primeiro ano.
A comunidade apresentou floração em dois principais picos, um na estação chuvosa e outro na estação seca, com produção de flores ao longo de todo o estudo (Fig. 2a). No mês de fevereiro/2010 registrou-se a maior intensidade da fenofase (após Fig 2a). A atividade de floração foi similar quanto à época de ocorrência para os indivíduos da borda e do interior. Nos indivíduos da borda ocorreram dois picos acentuados de floração, pois as espécies mais representativas da comunidade florescem em estações distintas.

Figura 2 Atividade reprodutiva e intensidade de Fournier em comunidade de borda e de interior de mata na Reserva Biológica Guaribas - a. fenofase de floração; b. fenofase de frutificação: () estação chuvosa, (♦) atividade na borda, (
) atividade no interior, (▲) intensidade na borda e (
) intensidade no interior.
Figure 2 Reproductive activity and Fournier's intensity in communities of edge and interior forest in the Reserva Biológica Guaribas - a. phenology of flowering; b. phenology of fruiting: () rainy season, (♦) activity in the edge, (
) activity in the edge interior, (▲) intensity in the edge and (
) intensity in the interior.
A frutificação foi contínua ao longo dos dois anos estudados, tanto na borda como no interior. A produção de frutos foi observada em 61% dos indivíduos que produziram flores (79 borda e 16 interior). A época de maior ocorrência da frutificação também apresentou um comportamento similar na borda e no interior (Fig. 2b). No mês de abril/2010 registrou-se a maior intensidade e a maior atividade desta fenofase (Fig. 2b). A duração da frutificação foi maior que a floração (floração = 2,4 meses e frutificação = 4,2 meses), ambas as fenofases foram menos frequentes nos indivíduos do interior da mata.
Padrão fenológico
A frequência de indivíduos em floração e frutificação na comunidade foi bimodal, ocorrendo "picos" na estação seca e na chuvosa. A reprodução de Campomanesia dichotoma contribui para o pico da atividade na estação chuvosa (borda e interior), assim como a reprodução de C. glandulosa na estação seca (borda). A ocorrência destes eventos reprodutivos em estações diferentes favorece a produção de flores e frutos ao longo do ano.
A comunidade apresentou o padrão "steady state" e contínuo e a maioria das espécies apresentou o padrão anual (65,7%), como por exemplo, C. dichotoma (espécie mais abundante), além do padrão "big bang" para a floração e cornucópia para a frutificação. Enquanto C. glandulosa, apresentou um padrão anual e cornucópia para a floração e frutificação. Exceções deste padrão foram observadas em Psidium guajava (fev-mai e jun-out) e Casearia sylvestris (mar-abr e jun-out) com o padrão bianual e apenas duas espécies de Rubiaceae, Guettarda platypoda e G. grazielae apresentaram o padrão contínuo, semelhante à comunidade.
Foram encontradas correlações significativas apenas entre os indivíduos em floração na borda e o fotoperíodo do período estudado (rs = -0,51; p > 0,05), na qual a maior produção de flores coincide com a época de menor fotoperíodo. Menores correlações significativas foram observadas entre indivíduos em floração na borda e a precipitação do período estudado (rs = 0,43; p > 0,05) e para a frutificação no interior e a temperatura histórica média (rs = -0,42; p > 0,05), conforme apresentado na Tabela 2. As demais correlações realizadas com os dados climáticos, do período do estudo e histórico, não foram significativas, apontando que as características ambientais parecem não influenciar diretamente no padrão fenológico da comunidade.
Tabela 2 Correlação de Spearman entre os dados de precipitação, temperatura média e fotoperíodo e as fenofases reprodutivas, na Reserva Biológica Guaribas (p < 0,05). Legenda: rsa. correlação de Spearman com dados atuais; rsc. correlação de Spearman com dados climáticos; valores significativos em negrito; *. Não existem valores climáticos para correlacionar.
Table 2 Spearman correlation between the rainfall data, average temperature and photoperiod and reproductive phenophases of the Reserva Biológica Guaribas (p < 0,05). Legend: rsa. Spearmen correlation with current data; rsc. Spearman correlation with climatic data; significant values in bold; *. There are no climatic values to correlate.
Precipitação | Temperatura média | Fotoperíodo | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Borda | Interior | Borda | Interior | Borda | Interior | |
Ind. em Floração | rsa = 0,43 | rsa = 0,25 | rsa = -0,25 | rsa = 0,08 | rsa = -0,51 | rsa = -0,22 |
rsc = 0,09 | rsc = -0,03 | rsc = -0,21 | rsc = 0,37 | * | * | |
Ind. em Frutificação | rsa = -0,03 | rsa = 0,17 | rsa = 0,22 | rsa = -0,02 | rsa = -0,03 | rsa = -0,17 |
rsc = 0,21 | rsc = 0,23 | rsc = -0,005 | rsc = -0,40 | * | * |
Discussão
As fenofases reprodutivas não apresentaram um padrão sazonal definido e ocorreram ao longo de todo o ano, com dois picos de floração e de frutificação a cada ano de estudo. É comum a ocorrência de floração contínua em florestas tropicais semi-decíduas (Daubenmire 1972; Justiniano & Fredericksen 2000; Chairul & Yamauchi 2010), mas o padrão bimodal de ocorrência é mais raro. Daubenmire (1972) observou em floresta tropical, um padrão bimodal de floração, a qual coincidiu com a maior disponibilidade de insetos polinizadores. Além disso, a falta de correlação das variáveis fenológicas com as variáveis ambientais podem estar relacionadas com a tendência de que os fatores filogenéticos podem desencadear as fenofases, fatores estes que deve ser investigado em estudos futuros (Marco & Páez 2002).
O padrão e a época de maior intensidade da floração coincidem nos indivíduos da borda e do interior, o que parece estar relacionado com o processo histórico das espécies, visto que as características microclimáticas de ambas as áreas podem ser diferentes. A floração e a frutificação foram mais intensas na borda do que no interior, devido à presença das espécies em estágios iniciais do processo de regeneração (Pereira et al. 2008) e devido às condições microclimáticas específicas da borda, como a incidência de luminosidade (Alberti & Morellato 2010).
A frutificação mais longa que a floração na borda e no interior, indica que o tempo necessário para a produção e maturação dos frutos e das sementes é maior do que a produção e antese das flores. Ou seja, o tempo de maturação dos frutos ocasiona na maior duração da fenofase de frutificação (Genini et al. 2008). A disponibilidade contínua e maior produção de frutos no período que antecede o mais chuvoso favorece a germinação de sementes neste período, devido ás condições de umidade (Pereira et al. 2008).
A ocorrência das fenofases reprodutivas bimodal, com picos na estação seca e na chuvosa, é um padrão encontrado em espécies arbóreas de floresta tropical (Ochoa-Gaona et al. 2008; Muniz 2008). Em 2009, a intensidade da floração e da frutificação foi menor entre o final da estação seca e o início da chuvosa devido às chuvas mais intensas neste ano, pode ter causado a redução da produção de flores e frutos na comunidade. Em 2010, o mesmo período apresentou índice mais elevado de indivíduos com flores e frutos, quando as chuvas foram menos frequentes e irregulares, registrando valores abaixo de 25 mm, não comum para a estação chuvosa da região.
O padrão contínuo das fenofases reprodutivas apresentado pela comunidade estudada ocorreu devido às épocas distintas da reprodução das espécies anuais (estação seca ou chuvosa). Apesar da produção contínua de flores e frutos na comunidade, a maioria das espécies estudadas apresentaram ciclos reprodutivos anuais, assim como os ciclos de espécies de outros estudos (Bencke & Morellato 2002; Funch et al. 2002; Muniz 2008).
Correlações significativas foram observadas apenas entre a floração e o fotoperíodo, o qual pode estar induzindo a produção de flores na comunidade. Estas correlações constituem fortes evidências para a indução fotoperiódica da floração pelo declínio da insolação (Calle et al. 2009). É comum encontrar correlações significativas entre fotoperíodo e floração em florestas tropicais (Talora & Morellato 2000; Calle et al. 2010), o qual é considerado um fator importante na indução da reprodução de plantas nos trópicos.
As baixas correlações encontradas com a precipitação e a temperatura, tanto para floração quanto para a frutificação, podem ser explicadas pela ocorrência contínua de flores e frutos. Com isso, o desenvolvimento reprodutivo nas espécies parece ser induzido por outros fatores, como os internos/filogenéticos. Apesar dos fatores ambientais poderem desencadear as fenofases, os fatores filogenéticos das espécies arbóreas da REBIO Guaribas parecem desencadear o período reprodutivo, sendo necessários novos estudos a fim de investigar os efeitos filogenéticos sobre as fenofases reprodutivas dessas arbóreas. (Morellato et al. 2000; Genini et al. 2008; Reys et al. 2005).
As baixas correlações encontradas no estudo podem ter ocorrido devido à maior tendência das características filogenéticas iniciarem os ciclos reprodutivos, que se desenvolvem independentes das condições climáticas. Estudos de população podem detalhar melhor a singularidade de cada espécie e possibilitar respostas mais evidentes da reprodução. Outros fatores podem ser investigados em estudos futuros, como as características filogenéticas que interferem no desenvolvimento das fenofases reprodutivas destas espécies.
As diferentes estratégias reprodutivas, no período de floração, em C. dichotoma na estação chuvosa e C. glandulosa na estação seca podem ser explicadas por tratar-se de plantas de dia curto e de dia longo, respectivamente, assim florescem em épocas onde o fotoperíodo é distinto. Diante disso, o fotoperíodo parece contribuir com a reprodução das espécies da REBIO Guaribas, como também observado em outros trabalhos de fenologia (Hamann 2004; Hernandes et al. 2004). Calle et al. (2010) demonstraram que não só o fotoperíodo, mas também as variações sazonais na insolação diária induzem a floração sincrônica nos trópicos. C. dichotoma e C. glandulosa, por se reproduzirem em épocas distintas, podem ainda ser competidoras de guildas de polinizadores e dispersores, por ambas apresentarem características de espécies melitófilas e zoocóricas. O desenvolvimento em épocas diferentes de floração e frutificação evita a competição por abelhas e animais dispersores, além disso, são responsáveis pela longa disponibilidade de flores e frutos na comunidade, contribuindo para a manutenção da fauna associada.
O baixo índice de espécies encontradas em fenofases reprodutivas (63%) representa a característica de uma floresta com grande quantidade de indivíduos em estágio jovem, que ainda não chegaram à fase reprodutiva, isto pode ser devido ao fato da REBIO Guaribas apresentar estado de regeneração, influenciado por forte destruição e pressão antrópica no passado. As porcentagens menores de indivíduos com flores e frutos no interior, podem ser devido à presença de indivíduos jovens ou se tratarem de espécies secundárias, as quais apresentam geralmente ciclos longos. Assim como no estudo, Talora & Morellato (2000) também encontraram alto índice de espécies que não apresentaram as fenofases reprodutivas (26%) e relacionaram este evento às espécies com ciclos de vida longos.
As parcelas da borda e do interior apresentaram características distintas, sendo diferenciadas quanto às condições de luminosidade, temperatura e umidade (observação pessoal). A presença de espécies comuns a ambas as áreas foi considerada baixa, apenas oito espécies ocorrendo em área de borda e interior. A elevada diversidade de espécies encontrada na área de estudo demonstra a importância da conservação desta área da REBIO, pois mesmo inserida dentro da sede do município é rica em espécies nativas, de grande interesse para a manutenção do ecossistema associado.
A predominância de espécies com sucessão ecológica primária na borda e secundária no interior demonstra o estabelecimento de espécies iniciais e de crescimento tardio, respectivamente, um padrão é comum em florestas tropicais (Oliveira Filho et al. 2007; Tabarelli et al. 2010). Estas estratégias ecológicas também podem estar relacionadas com as características específicas de borda e interior que favorecem a dispersão de sementes, estabelecimento e recrutamento de plântulas.
A síndrome de zoocoria foi mais comum na borda e no interior, indicando a predominância desta síndrome em espécies de Mata Atlântica, seguida das síndromes de anemocoria e autocoria (Talora & Morellato 2000; Spina et al. 2001; Funch et al. 2002; Savary et al. 2003; Locatelli & Machado 2004; Almeida Jr. et al. 2007; Yamamoto et al. 2007; Pereira et al. 2008). Assim com encontrado por Yamamoto et al. (2007), as espécies zoocóricas predominaram nos estratos inferiores, como na borda, enquanto as espécies anemocóricas e autocóricas foram mais comuns nos estratos superiores da mata, como no interior.
Muitos fatores devem ser levados em consideração ao estudar se uma comunidade está sendo influenciada por pressão sofrida em área de borda. Ainda são poucos os estudos que tratam dos efeitos da fragmentação na Mata Atlântica. A comunidade da REBIO Guaribas foi semelhante entre as áreas de borda e de interior quanto ao período de ocorrência das fenofases reprodutivas, diferindo apenas quanto à intensidade. A ocorrência contínua de frutos maduros favorece a manutenção da fauna de frugívoros associada e a sazonalidade climática da região não influenciou o desenvolvimento das fenofases reprodutivas, que podem estar sendo desencadeadas por fatores filogenéticos, assim sugerimos estudos específicos para confirmar esta conclusão. A grande riqueza de espécies encontradas ressalta a importância da conservação desta área da REBIO, a qual está em fase de regeneração. Apesar da distância entre borda e interior de mata, as espécies apresentam comportamento reprodutivo similar, não existindo efeitos entre as áreas estudadas.