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Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Ranunculaceae

Flora of the cangas of the Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Ranunculaceae

Resumo

Este estudo inclui a espécie de Ranunculaceae registrada para a da Serra dos Carajás, no estado do Pará, trazendo descrição, ilustração e comentários morfológicos de Clematis brasiliana, a única espécie registrada na área de estudo.

Palavras-chave:
Amazônia; Clematis; Clematis brasiliana; FLONA Carajás; taxonomia

Abstract

This study includes the species of Ranunculaceae registered for the Serra dos Carajás, Pará state, bringing description, illustration, and morphological comments of the Clematis brasiliana, the only species registered for the study area.

Key words:
Amazon; Clematis; Clematis brasiliana; FLONA Carajás; taxonomy

Ranunculaceae

Ranunculaceae compreende 62 gêneros e 2525 espécies com distribuição cosmopolita, concentrada especialmente nas áreas temperadas dos dois hemisférios (Tamura 1993Tamura, M. 1993. Ranunculaceae. In: Kubitzki, K.; Rohwer, J.G. & Bittrich, V. The families and genera of vascular plants. Vol. 2. Springer-Verlag, Berlim. Pp. 563-583.; Emadzade et al. 2010Emadzade, K.; Lehnebach, C.; Lockhart, P. & Hörandl, E. 2010. A molecular phylogeny, morphology and classification of genera of Ranunculeae (Ranunculaceae). Taxon 59: 809-828.). A família inclui ervas, mais raramente arbustos e trepadeiras, com folhas alternas ou opostas, simples ou compostas. As flores geralmente são reunidas em inflorescências determinadas, bissexuadas ou unissexuadas, diclamídeas ou monoclamídeas, sépalas e pétalas livres, geralmente estames numerosos livres e muitos carpelos livres. Fruto agregado, raro simples, dos tipos folículo, aquênio ou baga. Para o Brasil, BFG (2015)BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. reconhecem 19 espécies em quatro gêneros: Anemone L., Ranunculus L. e Consolida (DC) Gray, mais concentrados no Sudeste e Sul, e Clematis L. com sete espécies, com ampla distribuição no país.

1. Clematis L.

As espécies de Clematis são trepadeiras ou ervas perenes, com folhas opostas decussadas, pinadas, bipinadas ou tripinadas, 3-15-folioladas; inflorescências determinadas variando de cimeiras compostas a flores isoladas; flores unissexuadas em plantas dioicas, raramente bissexuadas, tetrâmeras, monoclamídeas, sépalas de prefloração valvar, brancas ou cremes, estames muitos, carpelos numerosos, geralmente cada um deles com estilete cirroso; fruto agregado, cada frutículo é do tipo aquênio com ou sem estilete plumoso persistente. Clematis inclui cerca de 300 espécies, com distribuição cosmopolita, das quais 26 ocorrem nas Américas (Moreno 1993Moreno, N.P. 1993. Taxonomic revision of Clematis L. subgenus Clematis (Ranunculaceae) for Latin America and the Caribbean. PhD Thesis. Rice University, Huston. 246p.). Para o Brasil são referidas sete espécies com distribuição em todas as regiões, especialmente no Sudeste e Sul, e apenas C. brasiliana DC, C. dioica L. e C. guadeloupae Pers são referidas para a região Amazônica (Brito et al. 2016Brito, C.R.; Sakuragui, C.M. & Pellegrini, M.C.O. 2016. Ranunculaceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB204>. Acesso em 7 agosto 2016.
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)). Na Serra dos Carajás apenas Clematis brasiliana é registrada, em áreas de floresta com solo ferruginoso.

1.1. Clematis brasiliana DC, Syst. Nat. 1:143.1818.

Fig. 1a-f

Figura 1
Clematis brasiliana - a. hábito; b. folíolo; c. flor estaminada; d. pétala; e. estame; f. aquênio (a-e. Harley et al. 57422; f. Rosario 2275).
Figure 1
Clematis brasiliana - a. habit, b. leaflet, c. staminate flower, d. petal, e. stamen, f. achene (a-e. Harley et al. 57422; f. Rosario 2275).

Trepadeira lenhosa. Folhas imparipinadas, 5-folioladas; folíolos membranáceos a cartáceos, verdes, ligeiramente discolores, pubescentes, pecíolos 3,5-4 cm compr.; peciolulos 0,3-0,7 cm compr., limbos elíticos a ovais, acuminados, base obtusa a cordada, 4-8 × 2,5-4 cm, nervação acródroma. Indivíduo estaminado: cimeiras compostas, ramificadas, axilares, 7-18 cm compr. Flores numerosas; bractéolas duas; sépalas 4, brancas, ca. 10 × 5 mm compr., pubescentes internamente; estames mais de 40 por flor, ca. 5mm compr., filetes ligeiramente achatados, creme-amarelados, anteras ovadas, creme-esverdeadas. Indivíduo pistilado não visto em Carajás. Aquênios 15-18 por receptáculo, ovados, ápice agudo, estiletes persistentes, desenvolvidos, 5-6,5 cm compr., tortuosos, plumosos, tricomas prateados (Rosario 2275) .

Material examinado: Parauapebas, estrada no interior da Floresta Nacional dos Carajás, da Serra Norte em direção a Serra Sul, 06º08'41,2"S 50º18'47,0"W, 685 m, 22.III.2016, fl. masc., R.M. Harley et al. 57422 (MG).

Material adicional examinado: BRASIL. PARÁ: Ourilândia do Norte, 24.III.2003, fr., C.S. Rosario 2275 (MG, RB).

A correta identificação do espécime de Carajás mostrou a ocorrência de problema taxonômico com Clematis dioica L. e outras espécies do gênero no Brasil. Eichler (1864)Eichler, A.G. 1864. Ranunculaceae. In: Martius, C.F.P & Eichler, A.G. (eds.). Flora brasiliensis. Lipsae, Munchen. Vol. 13, pp 141-160. na Flora brasiliensis, referiu quatro espécies para o Brasil: Clematis campestris A. St.-Hil., C. hilarii Spreng. e C. bonariensis Juss ., com distribuição na porção meridional do país, e C. dioica L. com distribuição mais ampla. Para C. dioica referiu três variedades: Clematis dioica var. antillensis Eichler (= Clematis dioica var. dioica) sem ocorrência registrada para o Brasil, tendo sido referida para América Central, Caribe, Venezuela e Colômbia. Clematis dioica var. australis Eichler de ocorrência nas regiões Sudeste e Sul e incluindo C. affinis A. St.-Hil. na sua sinonímia. Clematis dioica var. brasiliana (DC.) Eichler, tendo C. brasiliana DC. como basiônimo, e com ocorrência nos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Moreno (1993)Moreno, N.P. 1993. Taxonomic revision of Clematis L. subgenus Clematis (Ranunculaceae) for Latin America and the Caribbean. PhD Thesis. Rice University, Huston. 246p. reconheceu 26 espécies de Clematis para as Américas, seis para o Brasil. A autora reconhece C. affinis A. St.-Hil. e C. brasiliana DC. como espécies válidas e considera C. dioica restrita à América Central e Antilhas.

Sakuragui & Krauss (2000)Sakuragui, C.M. & Krauss, N.P.S. 2000. Ranunculaceae. In: Forzza, R. et al. (eds.). Catálogo de plantas e fungos do Brasil. Vol. 2. Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Pp. 1539. referem Clematis dioica var. australis e C. dioica var. brasiliana para o Brasil. Marcondes-Ferreira (2003)Marcondes-Ferreira, W. 2003. Ranunculaceae. In: Wanderley, M.G. et al. (eds.). Flora Fanerogâmica do estado de São Paulo. FAPESP/Rima, São Paulo. Vol. 3, pp. 279-283. refere as duas variedades para o estado de São Paulo. BFG (2015)BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. referem cinco espécies. Brito et al. (2016)Brito, C.R.; Sakuragui, C.M. & Pellegrini, M.C.O. 2016. Ranunculaceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB204>. Acesso em 7 agosto 2016.
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registram sete espécies de Clematis para o Brasil, as seis referidas por Moreno (1993)Moreno, N.P. 1993. Taxonomic revision of Clematis L. subgenus Clematis (Ranunculaceae) for Latin America and the Caribbean. PhD Thesis. Rice University, Huston. 246p. e mais C. dioica L. Dessas, C. brasiliana e C. dioica de ocorrência de norte a sul do país e C. guadaloupae restrita aos estados do Acre, Amazonas e Roraima. Na região Norte, C. brasiliana foi referida para o Pará e C. dioica para o Acre, Amazonas e Roraima.

Para e identificação do espécime estaminado de Carajás, utilizou-se também o único outro espécime coletado no Pará (com frutos) e identificado como C. dioica. Foi usada a chave para espécies de Moreno (1993)Moreno, N.P. 1993. Taxonomic revision of Clematis L. subgenus Clematis (Ranunculaceae) for Latin America and the Caribbean. PhD Thesis. Rice University, Huston. 246p., a única disponível e os espécimes foram identificados como Clematis brasiliana. A espécie é caracterizada por apresentar folhas com 5 folíolos pubescentes e de margens inteiras, flores estaminadas com sépalas pubescentes e 8-26 carpelos (no Pará 15-18 carpelos) formando aquênios ovais, com longos estiletes persistentes com tricomas plumosos e prateados. Clematis brasiliana difere de C. guadeloupae por esta apresentar 5-7 folíolos glabros a esparsamente seríceos e 25-60 carpelos formando aquênios fusiformes, e difere de C. dioica por esta apresentar folhas com 3 folíolos glabros e 35-90 carpelos formando aquênios fusiformes e estreitos.

A ocorrência de Clematis dioica no Brasil deve ser melhor analisada, mesmo tendo sido referida para vários estados por BFG (2015)BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113., e haver mais de 600 espécimes com essa identificação disponíveis no Specieslink (<http://www.splink.org.br/>) e no Herbário Reflora (<http://reflora.jbrj.gov.br/>).

Até o presente Clematis brasiliana possui apenas uma coleta na região de Carajás. O espécime é estaminado e foi coletado nas margens da estrada que liga a Serra Norte à Serra Sul, em área de floresta com solo ferruginoso. Intensivas buscas foram feitas na mesma localidade da coleta e em áreas próximas, entre abril de 2015 e setembro de 2016 mas não foram encontrados outros indivíduos estaminados e especialmente indivíduo pistilado, facilmente identificável pelos frutos característicos.

Lista de exsicatas

  • Harley, R.M. 57422 (1.1), 75422; Rosario, C.S. 2275.

Agradecimentos

Agradecemos ao Museu Paraense Emílio Goeldi e ao Instituto Tecnológico Vale, a estrutura e o apoio fundamentais ao desenvolvimento desse trabalho. Aos curadores dos herbários consultados, o acesso aos materiais examinados. Ao ICMBio, especialmente ao Frederico Drumond Martins, a licença de coleta concedida e suporte nos trabalhos de campo. Ao Alex Pinheiro de Araújo, a confecção da ilustração. Ao CNPq, a bolsa Senior concedida a A.M. Giulietti. Ao Instituto Tecnológico Vale (01205.000250/2014-10) e ao CNPq (processo 455505/2014-4), o financiamento do projeto.

Referências

  • BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113.
  • Brito, C.R.; Sakuragui, C.M. & Pellegrini, M.C.O. 2016. Ranunculaceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB204>. Acesso em 7 agosto 2016.
    » http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB204
  • De Candolle, A.P. 1818. Clematis In: Regni Vegetabilis Systema Naturale. Vol. 1. Treuttel et Würtz, Paris. Pp. 131-167.
  • Eichler, A.G. 1864. Ranunculaceae. In: Martius, C.F.P & Eichler, A.G. (eds.). Flora brasiliensis. Lipsae, Munchen. Vol. 13, pp 141-160.
  • Emadzade, K.; Lehnebach, C.; Lockhart, P. & Hörandl, E. 2010. A molecular phylogeny, morphology and classification of genera of Ranunculeae (Ranunculaceae). Taxon 59: 809-828.
  • Marcondes-Ferreira, W. 2003. Ranunculaceae. In: Wanderley, M.G. et al. (eds.). Flora Fanerogâmica do estado de São Paulo. FAPESP/Rima, São Paulo. Vol. 3, pp. 279-283.
  • Moreno, N.P. 1993. Taxonomic revision of Clematis L. subgenus Clematis (Ranunculaceae) for Latin America and the Caribbean. PhD Thesis. Rice University, Huston. 246p.
  • Sakuragui, C.M. & Krauss, N.P.S. 2000. Ranunculaceae. In: Forzza, R. et al. (eds.). Catálogo de plantas e fungos do Brasil. Vol. 2. Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Pp. 1539.
  • Tamura, M. 1993. Ranunculaceae. In: Kubitzki, K.; Rohwer, J.G. & Bittrich, V. The families and genera of vascular plants. Vol. 2. Springer-Verlag, Berlim. Pp. 563-583.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2016
  • Aceito
    19 Set 2016
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